RESUMO
A dialética entre a prática e a reflexão baliza os princípios da pedagogia freiriana, envoltos pela politicidade e dialogicidade do ato educativo em diversos ambientes, como o ensino superior. Analisou-se como e quais premissas freirianas foram salutares no fazer pedagógico em ginástica pela perspectiva dos protagonistas em uma extensão universitária. De cunho qualitativo, utilizou-se como técnica para coleta de dados os diários de campo, os grupos focais e a análise documental. Para análise dos dados, utilizamos a análise temática. A validade e confiabilidade dos dados perpassou a triangulação. Vivenciou-se uma experiência de construção do conhecimento de forma crítica, coletiva, colaborativa e democrática, na qual a autonomia e a horizontalidade foram efetivadas, resultando em tomada de consciência e transformações sociais nos envolvidos e, portanto, adequada e relevante para as ações em Ginástica para Todos e seus reflexos na formação profissional.
PALAVRAS-CHAVE ginástica; esporte; Paulo Freire; formação humanizadora
RESUMEN
La dialéctica entre práctica y reflexión orienta los principios de la pedagogía de Paulo Freire, en que la politicidad y dialogicidad de lacto educativo en diferentes instituciones, como la educación superior. Se analizó cómo y qué premisas freiriana eran saludables en la práctica pedagógica en gimnasia desde la perspectiva de los protagonistas en una extensión universitaria. De carácter cualitativo, se utilizaron diarios de campo, grupos focales y un análisis documental como técnica de recolección de datos. Para el análisis de datos, usamos Análisis Temático. La validez y confiabilidad pasó por triangulación. Se vivió una experiencia de conocimiento crítica, colectiva, colaborativa y democrática, en la que se concretó la autonomía y la horizontalidad, tomadas en consciencia y transformaciones sociales en los involucrados y, por tanto, acciones adecuadas en la Gimnasia para Todos y sus reflejos para la formación profesional.
PALABRAS-CLAVE gimnasia; deporte; Paulo Freire; humanizar la formación
ABSTRACT
Practice and reflection are known as dialectical in Freire’s pedagogy, surrounded by policity and dialogicity of pedagogy in different contexts, such as higher education. It was analyzed how, and which Freirean aspects were salutary in teaching-learning process in gymnastics from the perspectives of those involved in a university extension. Using qualitative methods, data were collected from field notes, focus groups and document analysis. For data analysis, it was used thematic analysis. To ensure validity and trustworthiness, there were data triangulation. Knowledge was built using critical, collective, collaborative, and democratic way, in which autonomy and horizontality were confirmed, resulting in awareness and social transformations in those involved into the experience. Therefore, relevant to use in Gymnastics for All and its possible reflexes to professional education.
PALAVRAS-CHAVE gymnastics; sport; Paulo Freire; humanizing education
INTRODUÇÃO
O significado de pedagogia na perspectiva freiriana se relaciona com o conceito de práxis, em que prática e reflexão são tensionadas dialeticamente, de forma que professor e aluno reconstroem seu conhecimento durante o processo de ensino-aprendizagem (Streck, 2016).
Dois princípios estão diretamente relacionados com as ideias de Paulo Freire (PF) e, por isso, fundamentam a pedagogia freiriana: a politicidade e a dialogicidade do ato educativo (Feitosa, 2003).
Politicidade é o entendimento de que é preciso se reconhecer como um ser político, ou seja, ler o mundo, trabalhar a inquietação, aprender a duvidar, perguntar e problematizar, atitudes que fazem com que o ato pedagógico rompa com o cômodo e se insira num prisma de esperança, a partir do qual é possível se fazer cidadão e lutar para a transformação em prol de um mundo mais justo (Gadotti, 2000; Costa, 2016).
A educação pressupõe uma atitude do sujeito sobre o real, pela construção e reconstrução contínua de significados de determinada realidade que deve ser questionar a causalidade, de forma que sua ação e reflexão possibilitem alterar, relativizar e transformar essa realidade. É o movimento de observação-reflexão-readmiração-ação que torna a pedagogia freiriana uma proposta essencialmente política (Feitosa, 2003). Ser um educador freiriano “[...] é ser ou se transformar em um educador político, que problematiza o contexto concreto, através do diálogo para transformar a realidade em que os educandos e educadores estão inseridos.” (Dickmann e Dickmann, 2020, p. 85).
A dialogicidade do ato educativo, por sua vez, refere-se ao diálogo como ferramenta fundamental para a ação pedagógica por meio da relação indissociável entre educador-educando-objeto do conhecimento. Desde o início da ação pedagógica, a educação deve se configurar como um processo dialógico construído por meio da constante comunicação entre todos os sujeitos. Isso possibilita que todos tenham voz e, ao mesmo tempo, os ensina a ter ouvidos abertos a todos e atentos a tudo. O mundo também participa dessa comunicação coletiva na medida em que é pensado pelos sujeitos que nele estão inseridos (Gadotti, 2000; Feitosa, 2003; Dickmann e Dickmann, 2020).
Ademais, o princípio da dialogicidade associa-se com a práxis social. Por meio do diálogo, o coletivo pode discutir sobre seus modos de vida, a educação, a linguagem, entre outros elementos que abrem espaços para repensar a vida em sociedade e possibilitam agir de maneira diferente com o intuito de transformar a realidade que os cerca, potencializando o pensar crítico-problematizador no ato educativo (Zitkoski, 2016).
Após experimentações de técnicas, processos de comunicação, retificação de erros e superação de procedimentos, a proposta de PF, que outrora fora proposta como um método de alfabetização, foi expandida para diversificados objetos e temas educacionais, sendo sistematizada uma estrutura que tinha como intenção principal promover uma educação que permitisse ao sujeito se libertar por meio do desenvolvimento de graus maiores de criticidade (Freire, 1963; Beisiegel, 2010; Brandão, 2016).
Diferentes espaços de ensino reivindicaram os princípios da pedagogia freiriana em seu processo pedagógico, entre eles o ensino superior (Beisiegel, 2018). Neste, a extensão universitária - locus deste estudo - passou a revisitar sua perspectiva ora assistencialista para a dialógica (Cruz e Vasconcelos, 2017; Gadotti, 2017). Ao invés de transferir o conhecimento científico desenvolvido dentro da universidade, Freire (1985) propõe a comunicação para contribuir para a mudança de cenários que apresentem a necessidade de transformações.
Nesse ínterim, o presente estudo traz à baila uma pesquisa realizada com o projeto de extensão Grupo de Ginástica de Diamantina (GGD), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), que propôs utilizar princípios da pedagogia freiriana como base metodológica para o desenvolvimento de uma coreografia de Ginástica para Todos (GPT). Mais precisamente, analisa a percepção dos educandos e educadores envolvidos no processo.
DAS PREMISSAS FREIRIANAS EM UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Estudos que pontuam as ações de extensão na perspectiva freiriana (Alves, Dias e Silva, 2018; Santos et al., 2019) indicam a participação da comunidade no processo de construção dos conteúdos, que emergem dos desejos e das necessidades dos sujeitos, evidenciando a etapa de leitura de mundo e protagonismo dos participantes nos projetos. Também se percebe a presença de momentos em que se promove a problematização (reflexão crítica sobre a situação de vida dos envolvidos) durante as atividades.
Para Freire (1985), os sujeitos que desenvolvem as ações de extensão precisam compreender que os conhecimentos de uma comunidade, embora diferentes dos científicos, também são válidos e devem ser respeitados, podendo ser somados para que o aprendizado na ação extensionista seja mais significativo. Então, ao invés de impor a substituição de formas de agir menos eficazes por outras que são comprovadamente (cientificamente) mais profícuas, a ação de extensão deve ser capaz de promover uma problematização, dialogar com a vivência de mundo da comunidade, fazendo com que as pessoas desenvolvam uma nova forma de atuar por meio da conscientização.
Assim, nos questionamos: como desenvolver um projeto de extensão com base na pedagogia freiriana? Quais os caminhos evidenciados para tal?
Pesquisadores se pautaram na obra Pedagogia do Oprimido (Freire, 1994) para explicar as fases da proposta pedagógica de PF transferíveis a diferentes temáticas e áreas de conhecimento que não a do seu estopim, ou seja, a alfabetização de adultos, as quais podem ser sintetizadas em três principais momentos: Investigação; Tematização; e Problematização (Brandão, 1981; Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010; Almeida, 2015).
A Investigação consiste no momento de levantamento sobre a realidade dos educandos, dos seus modos de vida (Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010). É a etapa de leitura do mundo (Almeida, 2015) que, na experiência de alfabetização de adultos, era necessária para compreender o universo vocabular dos educandos (Freire, 1963; Brandão, 1981), por meio de diários de campo e de entrevistas sem roteiro pré-determinado (as perguntas surgiam da convivência) (Brandão, 1981; Beisiegel, 2010). Tal pesquisa visa descobrir, de forma coletiva (educadores e educandos), a “[...] vida através da fala; do mundo através da palavra [...]” (Brandão, 1981, p. 13).
Então, passa-se para a Tematização, que consiste na seleção das palavras ou dos temas geradores (Brandão, 1981; Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010). A palavra gerador é proposital e promove uma aprendizagem global por meio da interdisciplinaridade. De um único tema gerador, podem emergir palavras geradoras diversas, que podem ser tratadas por meio de diferentes áreas de conhecimento em função da relação social em que está envolvida (Feitosa, 2003). Também é possível acrescentar temas fundamentais que não foram sugeridos pelos educandos, que, denominados como temas dobradiça, são considerados pelos educadores essenciais para a compreensão do todo (Freire, 1994).
Após a seleção dos temas, ocorre a Problematização (ou Criação de situações existenciais típicas), que busca a superação de uma visão ingênua por uma visão crítica, isto é, cria possibilidades para que o sujeito se capacite para transformar o contexto em que vive (Feitosa, 2003; Almeida, 2015). Por exemplo, se a palavra fosse enxada, a imagem de um lavrador com esse instrumento poderia evocar uma discussão sobre as situações comuns no trabalho da lavoura.
A compreensão sobre as fases da proposta pedagógica de PF nos permite construir um caminho que leva em consideração os objetivos estabelecidos para a ação educativa e as circunstâncias do contexto em que será desenvolvida - fatores que possibilitam a reformulação de instrumentos e procedimentos de trabalho. O que se propõe não é seguir, de forma fixa, os momentos criados pelo educador, mas reinventar o método partindo e retornando aos âmbitos político e social por meio da práxis como movimento articulador do processo (Paludo, 2016).
DO OBJETO DO ESTUDO
A GPT se refere a uma vertente do amplo universo da ginástica que surge a partir do desejo por uma prática corporal livre, criativa e expressiva, símbolo de uma relação contemporânea entre o movimento e o corpo, que amplia o modelo codificado evidente em práticas gímnicas esportivizadas (Ayoub, 2003). Ela não possui um código de pontuação que determine regras para a elaboração da coreografia, fator que faz com que seu processo de construção seja mais valorizado que o produto final - a coreografia pronta -, potencializando o viés educativo dessa prática (Ayoub, 2003; Toledo, Tsukamoto e Carbinatto, 2016).
Sua principal forma de manifestação se dá por meio de composições coreográficas, as quais são apresentadas em festivais (Patricio, Bortoleto e Carbinatto, 2016) ou no próprio ambiente de aula (Toledo, Tsukamoto e Carbinatto, 2016).
Pesquisas ressaltam que a universidade pode ser a principal responsável pela sua massificação no Brasil (Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017; Patricio, Bortoleto e Toledo, 2020), com destaque para as ações extensionistas (Paoliello et al., 2014; Sargi et al., 2015; Carvalho et al., 2016; Ehrenberg e Miranda, 2016; Leles et al., 2016; Oliveira et al., 2016; Batista et al., 2020; Lopes e Niquini, 2021). Ainda que recorrentes, os trabalhos que indicam a proposta de PF em seu processo de ensinar e aprender na ginástica, de forma sistematizada e detalhada, seguem incipientes na área (Batista et al., 2020; Toledo, 2020).
Outrossim, uma vez que os processos pedagógicos atrelados à experiência da ginástica no âmbito desses grupos extensionistas tornaram-se balizadores da atuação de profissionais de Educação Física e Esporte no desenvolvimento da GPT em diversos contextos, como o lazer, o terceiro setor e as escolas (Toledo e Silva, 2013; Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017), este artigo justifica-se pela contemporaneidade nas discussões para uma formação crítica e criativa, mas também emancipatória.
Dessa maneira, nos questionamos: os princípios da pedagogia de PF são efetivados em uma extensão em GPT com alinhamento metodológico freiriano? Se sim, como e quais premissas são evidenciadas pelos envolvidos no processo?
DO CONTEXTO DO ESTUDO
O GGD é um projeto de extensão aberto à participação da comunidade adulta da cidade de Diamantina (MG) e região, membros internos e externos à UFVJM. Envolve a realização de encontros semanais para desenvolver habilidades no campo das ginásticas em interação com outras manifestações corporais, artísticas e culturais interligadas à experiência dos protagonistas. Dentre suas metas está a disseminação da prática da GPT atrelada às manifestações artísticas e culturais regionais a partir de composições coreográficas originais que são apresentadas em diferentes eventos científicos, artísticos e culturais.
Entre março e julho de 2019, o GGD produziu a coreografia intitulada “Sobre cantos, prantos e encantos: a voz da África nos Vales das Gerais”, com a participação de 33 integrantes, que foi apresentada no Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (FESTIVALE). A produção da coreografia foi a meta principal do projeto e seu processo de construção foi baseado nos princípios que norteiam a composição coreográfica em GPT propostos por Marcassa (2004) e naqueles que fundamentam a pedagogia freiriana (Freire, 1963; 1994; Brandão, 1981; Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010).
O processo de criação iniciou-se com a Investigação, fase que consistiu no levantamento das possibilidades temáticas referentes às culturas populares do Vale do Jequitinhonha que pudessem impulsionar a construção coreográfica. A partir de discussões sobre os conhecimentos prévios que os sujeitos traziam consigo, as sugestões de temas foram expressas por meio de experimentações corporais criadas individual e coletivamente, apresentadas durante os encontros e debatidas em grupo com o intuito de argumentar sobre sua pertinência. Também foram realizadas pesquisas em materiais virtuais (imagens, vídeos, reportagens, documentários, etc.) e bibliográficos (livros, artigos, etc.) e a participação em eventos culturais e artísticos, o que resultou na reunião de mais de 20 possibilidades temáticas.
A Tematização se caracterizou como o momento de selecionar o tema gerador. Os mais de 20 temas sobre as culturas populares do Vale do Jequitinhonha foram reduzidos até se configurarem em três possibilidades: Festa do Rosário, Jogos e brincadeiras do Vale do Jequitinhonha e Cultura preta, sendo essa última a escolhida.
A fase de Problematização consistiu na criação de situações-problemas planejadas a partir de sugestões feitas pelos integrantes do projeto, as quais continham códigos que precisavam se descodificados por meio de debates. Compreenderam, principalmente, oficinas ministradas por professores convidados que abordaram elementos referentes ao tema Cultura preta, notando sua amplitude. Foi necessário retomar a fase de Tematização para escolher uma temática mais específica e, por votação, o tema Vissungos (cantos entoados por negros escravizados na região da cidade de Diamantina) foi selecionado, utilizando novamente o critério pragmático.
Logo, a Problematização também teve que ser retomada, sendo as situações-problemas novamente planejadas por todos. Nessa etapa, além da discussão sobre referências diversas acerca dos Vissungos (materiais científicos, jornalísticos, artísticos, etc.), foi realizada uma visita técnica a uma comunidade quilombola.
Concomitante a essa fase que se repetiu, foram desenvolvidas as de Codificação e Combinação (Marcassa, 2004). A Codificação se destinou à criação das cenas coreográficas. Tanto os conhecimentos adquiridos por meio do aprofundamento sobre a temática selecionada quanto os movimentos corporais aprendidos e/ou aperfeiçoados e selecionados para compor a coreografia foram ressignificados de forma que passassem a expressar as intenções do grupo sobre aquilo que gostariam de representar corporalmente acerca dos Vissungos. A Combinação consistiu na definição do desenho coreográfico (combinação e sequenciação das cenas coreográficas) e demais elementos (sentimentos expressos em cada cena, músicas, materiais, figurino, etc.) para traçar a história que seria contada por meio da coreografia.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de uma pesquisa qualitativa (Denzin e Lincoln, 2006) do tipo estudo de caso (Chizzotti, 2010) que se propôs a estudar o caso específico do projeto de extensão GGD desenvolvido em 2019.
A literatura recomenda a utilização de múltiplas fontes de coleta de dados para obter detalhes sobre o caso estudado e garantir a profundidade e credibilidade necessárias ao estudo (Yin, 2001; Chizzotti, 2010; Gil, 2010). Dessa forma, utilizamos diferentes técnicas para a construção dos dados, as quais foram aplicadas de forma concomitante ao desenvolvimento do projeto GGD e após o seu término, quais sejam:
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questionários pré- e pós-projeto com informações sobre o perfil dos participantes;
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diários de campo (DC) redigidos pela educadora-pesquisadora após cada encontro. Os dados relatavam rodas de conversa e percepções gerais e descreviam etapas e processos de cada sessão. As informações foram identificadas pelas letras DC, seguida pelo número da sessão analisada;
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informações disponíveis no acervo do GGD: fotos, vídeos, reportagens, entre outras mídias coletadas pelo grupo e disponibilizadas nas mídias sociais (Facebook e WhatsApp);
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realização de três grupos focais (GF), com o intuito de dar ouvidos aos integrantes do GGD enquanto um coletivo e ativos na ação educativa. Os GF foram realizados após todo o processo. Foi necessário realizar quatro sessões de GF para atender a quantidade máxima de participantes (6 a 12) sugerida pela literatura (Gil, 2010). A composição dos sujeitos em cada sessão mesclou integrantes com características diferentes para que o debate fosse potencializado, a partir dos seguintes critérios: integrantes pertencentes a diferentes cursos da UFVJM; membros internos e externos à universidade; distribuição homogênea entre homens e mulheres; sujeitos com autodeclaração étnico-racial diferente; faixa etária variada; e integrantes novatos e veteranos de GGD. Devido a imprevistos, dos 32 integrantes, 28 participaram do GF. Todos os depoimentos foram transcritos e identificados por meio de códigos (nomes fictícios) para preservar a identidade dos sujeitos. Os discursos foram representados por nomes fictícios de origem africana.
DOS EDUCADORES E EDUCANDOS DA PESQUISA
A composição dos sujeitos da pesquisa compreendeu os 32 integrantes inscritos no GGD que participaram do início ao fim da construção coreográfica. Esses sujeitos eram jovens e adultos entre 18 e 31 anos de idade (média 22,12 anos), prevalecendo uma maior quantidade de mulheres (19 do sexo feminino e 13 do sexo masculino), membros internos da UFVJM (28) e poucos da comunidade externa (três). Os negros foram a maioria (16 pretos e 6 pardos), seguidos de integrantes autodeclarados brancos (seis), amarelo (um) e aqueles que não quiseram se autodeclarar (três).
A equipe de planejamento foi composta da educadora-pesquisadora (docente coordenadora do GGD e primeira autora deste artigo), um monitor bolsista discente do curso de bacharelado em Educação Física da UFVJM e um monitor voluntário funcionário terceirizado da instituição, sendo esses dois também contabilizados no grupo de integrantes do GGD.
DA ANÁLISE DOS DADOS
Os diários de campo e o acervo do GGD foram analisados pela construção da explanação, comumente desenvolvida em forma de narrativa de forma gradual e se assemelha ao processo de aprimoramento de um conjunto de ideias. Dessa forma, a explanação apresentada ao fim do processo pode ser diferente do padrão previamente estipulado (pensado) no começo da análise (Yin, 2001). Por apresentar características muito subjetivas, é importante que o pesquisador se reporte constantemente aos objetivos da pesquisa durante o desenvolvimento do processo interativo da construção da explanação, para não se desviar do ponto original de interesse da análise (ibidem).
Para análise dos dados referentes aos GF, utilizamos a análise temática, que, segundo Braun e Clarke (2006, p. 7), se refere a “[...] um método para identificar, analisar e relatar padrões (temas) dentro dos dados. Ela minimamente organiza e descreve o conjunto de dados em (ricos) detalhes.”. Nesta pesquisa, os padrões de dados foram determinados de forma indutiva, permitindo que os temas/padrões fossem identificados sem o enquadramento em códigos pré-existentes (Braun e Clarke, 2006).
VALIDADE E CONFIABILIDADE DOS DADOS
A validade e confiabilidade dos dados ocorreu pelo processo de triangulação, que, na pesquisa qualitativa, é reconhecido como o processo de minimizar a interpretação do pesquisador e efetivar a declaração dos dados (Denzin e Lincoln, 2006). Durante o processo, relacionou-se o perfil dos protagonistas, a percepção anotada na sessão, as postagens dos integrantes e declarações dos participantes do processo pelos GF, ou seja, alternaram-se fontes e métodos na sincronicidade das ações.
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFVJM (CAAE nº 07643519.8.0000.5108), garantindo que todos os procedimentos envolvendo seres humanos atentassem para as normas ético-científicas vigentes, de modo que os sujeitos participassem voluntariamente, firmando o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os discursos agrupados nos códigos iniciais evidenciaram pontos recorrentes e relevantes que se relacionavam entre si, organizados em cinco diferentes temáticas, quais sejam: Leitura de mundo; Criticidade no ato educativo; Intervir no mundo; Transformação social; e Processo coletivo, colaborativo e democrático.
Como os depoimentos agrupados em cada tema ainda apresentavam características que, embora semelhantes, manifestavam especificidades distintas, foi necessário fazer outras subdivisões, que culminaram na organização de subtemas, conforme ilustra o Quadro 1.
O tema Leitura de mundo corresponde às percepções dos integrantes acerca da apreciação e análise da realidade, momentos propiciados durante o projeto. Elas foram organizadas em dois subtemas.
O primeiro deles, Temas emergentes, indica que os integrantes perceberam que o processo de construção coreográfica possibilitou ao grupo ler a realidade que circunda suas vidas, principalmente em relação às situações emergentes no cotidiano da sociedade brasileira, conforme ilustram os depoimentos a seguir:
Malawa: Eu lembro que o tema, assim inicialmente, não tava dado. É uma coisa que a Pri chega e fala assim: não vou dar o tema pra vocês, o tema vai ser descoberto por vocês mesmos. E a gente tava muito em pauta com a questão do racismo. Na época, aquele cara tinha sido assassinado, acho que com 80 tiros, e teve toda aquela repercussão. Esse tema tava em alta, em voga e debatemos sobre isso. (GF)
Gatimu: [...] E por que que nosso tema é um tema de extrema emergência? A gente está aqui em Diamantina, que foi construída por preto, mas que ainda é vendida pra branco, é consumida por brancos. A gente tem a Vesperata, que é o maior evento da cidade em questão de publicidade, que a gente só vê os negros tocando, de garçom ou fazendo cosplay da Chica da Silva por 60 reais e isso é uma coisa horrorosa. Nós temos aqui também o Caminho dos Escravos, que a gente vê que eram escravos, mas eram negros de cultura que vieram trazer a cultura deles, e não foram dizimados, estão aqui, construíram a cultura do Vale inteira, mas chama Caminho dos Escravos, deveria chamar outra coisa, como o professor Marcelo já falou. Deveria ser Caminho da Diáspora e não Caminho dos escravos. A gente tem também, aqui no Jequitinhonha inteiro, vários artistas que são negros. E, se você olhar, a região do Vale é negro, se você olhar, a Lira é negra, a gente tem representantes, assim, de uma cultura assim, que não é só, representa uma cultura mineira, mas de expressão mundial, como a gente viajou lá e a Lira recebia gente de todos os lugares do mundo. E isso foi construído por pretos. Então, por que não falar disso e por que não retratar de uma forma mais bonita? Diferente da que é tratada, por exemplo, na Vesperata. A Chica da Silva lá andando, posando com o marido dela. Aquilo é horroroso! Feio demais! Por que não retratar o lado alegre, bonito, criativo, artístico e genial dos negros e negras do Vale do Jequitinhonha? (DC8)
Percebe-se que houve uma relação direta entre o que se ensina e aprende com aquilo que se vive na atualidade, uma vez que ler o mundo se configurou como uma das primeiras etapas do processo educativo no GGD.
Para Freire (1994), a Tematização junto com a Investigação e a Problematização são momentos essenciais no processo ensino-aprendizagem, pois possibilitam conhecer melhor aquilo que já é conhecido, mas que, por meio da reflexão e da construção de um novo conhecimento, permitem uma reaproximação e (re-)leitura do mundo a partir de uma nova perspectiva. Especificamente no contexto da produção coreográfica em GPT, a importância da tematização também é ressaltada (Marcassa, 2004; Sborquia, 2008). E, assim como PF, Marcassa (2004) argumenta que, quando o tema da coreografia dialoga com a realidade dos sujeitos, ocorre uma maior conscientização sobre as circunstâncias individuais e coletivas.
O segundo subtema, Cultura regional, assinala a percepção sobre a leitura da realidade cultural da região onde o GGD está inserido, como observa-se na fala deste sujeito:
Thabiti: Mas a gente se uniu por um ponto que é a questão do Vale do Jequitinhonha. Então, todo mundo tinha é... até mesmo quem não é do Vale do Jequitinhonha, ficou sendo do Vale do Jequitinhonha, se apropriou daquilo. E algumas coisas você já via desde sua formação pessoal. Então, todo mundo trouxe uma, uma: “ah não, isso eu conheço de tal lugar, isso eu conheço de tal lugar”. Então, traz uma... é como se a gente se apropriasse mais dela, por ter essa questão emocional, afetiva arraigada no cotidiano da gente. (GF)
Esse fator pode ter proporcionado aos sujeitos o resgate do sentimento de pertencimento e maior valorização da cultura popular regional.
A literatura aponta que o despertar para a valorização do Vale do Jequitinhonha emergiu da ação organizada de artistas e militantes socioculturais a partir do acionamento de novos fatos, novas ideias e novas imagens que desconstruíssem o estigma único relacionado às mazelas da região (Ramalho e Doula, 2009; Martins, 2012; Servilha, 2015). O protagonismo do povo é evidente na história dessa região, o qual aprendeu que a arte e a cultura popular não se separam da política e se configuram como potentes ferramentas na luta pela superação da exploração e no desenvolvimento regional (Martins, 2012; Servilha, 2015).
No pensamento freiriano, é possível vislumbrar uma perspectiva educadora na ação política libertadora por meio da cultura popular. No entanto, a emancipação perante um projeto de domínio cultural precisa manifestar-se com base em uma ação conscientizada e organizada das classes populares a partir de sua própria cultura (Brandão, 2016). No âmbito da extensão universitária, Freire (1985) atenta para o cuidado sobre a invasão cultural que a universidade pode exercer quando não leva em consideração a cultura daqueles que participam da ação extensionista. A comunicação entre os saberes científicos e populares deve ser constante no sentido de contribuir para a mudança de cenários que apresentem a necessidade de transformações.
Dessa forma, abordar a cultura regional no GGD foi ao encontro da proposta de política cultural da UFVJM, a qual preconiza fomentar atividades artísticas e culturais no âmbito acadêmico no sentido de contribuir para uma formação profissional e humana dos sujeitos a partir do fortalecimento de subjetividades e valores sociais que se fazem presentes na cultura regional (UFVJM, 2012). A possibilidade de dialogar com a realidade a partir da leitura de mundo leva à reflexão sobre a situação da sociedade, fato que colabora para que o aprendizado tenha sentido e significado, além de estimular que os sujeitos reflitam sobre a vida e ajam de forma diferente se for preciso (Freire, 1994; Feitosa, 2003; Costa, 2016; Zitkoski, 2016).
O tema Criticidade no ato educativo corresponde aos discursos sobre os aspectos críticos das ações pedagógicas no GGD percebidos pelos integrantes e foi organizado em três subtemas.
Os depoimentos referentes ao subtema Espírito investigador indicam a percepção dos integrantes sobre o desenvolvimento de atividades desafiadoras no projeto, as quais fizeram com que os sujeitos se sentissem instigados com os assuntos que foram abordados nos encontros:
Idi: [...] Aí, surgiu, igual ela falou, que o Palhares falou assim: já que vocês tão querendo fazer alguma coisa e o GGD tem essa importância, essa representatividade, então, procura, procura estudar sobre os Vissungos. Vocês sabem o que é? Vissungos é um canto que teve aqui. [...] Aí, que a gente começou a procurar. Então, o que que é os Vissungos? Já que ele falou, a gente começou a interessar. O que que é? Aí, que veio os artigos que a gente começou a ler, começou a discutir. Então, toda aula tinha uma roda de conversa antes, tinha ginástica e no final a gente sempre tinha uma roda de conversa sobre os temas. [...] Aí, juntou essa visita lá também que eles falavam das... que eles não tratavam como Vissungos lá não, mas eles falavam da importância da música pra ir trabalhar, música pra voltar, sabe? Então, a gente foi ligando, [...] a gente foi juntando uma característica e outra. Então, a gente falou assim, o que que a gente pode fazer? [...]. (GF)
Idi: [...] mas de entender que o que me tocou mais foi quando eles pegam e falam assim: “Mas os escravos que vinham pra nossa região, não era qualquer escravo, então precisava ser escravo especializado e aqui tinha um serviço pra eles que era um serviço especializado, que era o garimpo”. Aí, então, ele fez o questionamento: “Cês já pararam pra pensar o que o negro era? O que o negro era lá na África? O que essas pessoas eram na África antes de serem trazidas pra cá, pra virarem nossos escravos e a partir daí ser tratado o resto da vida como escravo?”. Porque a gente não fala assim “era o João, era Maria, era Pedro, era Tiago”, era só os escravos de Diamantina. (DC13)
A pedagogia freiriana é enfática no que tange à descoberta do conhecimento pelos educandos. Ensinar não é doar ou depositar o conhecimento, mas promover condições para que os sujeitos se sintam provocados e exercitem seu raciocínio, levando-os a estudarem, criticarem os conhecimentos consolidados, compararem, formularem novas perguntas e avançarem (Freire, 1996).
Os depoimentos alocados no segundo subtema, Imersão no tema, apontam que a investigação sobre a temática da coreografia foi explorada por diferentes vias, o que permitiu a construção de um acervo, registrado em rede social, que subsidiou elementos diversos que poderiam ser representados na produção coreográfica:
Malawa: [...] E foi muito interessante porque quando a gente começou a pesquisar, depois que definiu o tema Vissungo, é isso mesmo? Beleza? Aí começa a parte de construção da coreografia, mas também a parte de leitura, né, pra você aprofundar um pouco e conhecer mais, né? Então, teve leitura, ela passou alguns artigos pra gente ler e poder fazer roda de discussão de texto. [...] Aí, cada pessoa, por exemplo, lia um artigo falando de um jeito, outra pessoa lê outro artigo, ninguém lia a mesma coisa, cada um lia uma coisa diferente, pra poder falar lá na roda de conversa. (GF)
Pendo: [...] Eu li lá, como você já tinha falado aqui, né, na aula, que eles cantam quando eles estão minerando e isso era um jeito deles conseguirem diminuir a tortura daquele lugar, o ambiente era horrível pra eles, e aí eles vieram com o canto dos Vissungos para diminuir essa tensão. Foi o que eu entendi, assim, e isso foi o que mais me marcou, assim. (DC15)
Verifica-se também que os integrantes compreenderam a importância da imersão no tema e o consideram um fator essencial para o processo de criação.
A literatura aponta que, quando se pretende formar sujeitos reflexivos, críticos e atuantes, há a necessidade de um planejamento fundamentado por estudos, pesquisas e experimentações sobre o contexto abordado em produções coreográficas de GPT. O cuidado deve ser ainda maior quando temas relacionados às culturas populares são tratados nas coreografias, pois tal aprofundamento possibilita a superação de um tratamento superficial e permite uma reflexão sobre a realidade de culturas que, muitas vezes, são marginalizadas (Fátima e Ugaya, 2016).
A imersão no tema pode se configurar como uma ferramenta que possibilita a profundidade na interpretação dos fatos, o que leva à superação da visão inicial, que é ingênua, e permite uma compreensão mais ampla sobre determinada realidade (Freire, 1996).
Esse aspecto pôde ser observado também no terceiro subtema, Exploração de questões relativas ao tema. Além de elementos que contribuíram para a produção coreográfica, os depoimentos dos integrantes demonstraram certa sensibilidade sobre a realidade que circunda a cultura preta e a manifestação da cultura popular Vissungos:
Ayo: As especificidades que têm na cultura quilombola, um pouquinho da história deles. Eles contaram como que se formou a comunidade, como a comunidade tem vários membros, ela se mantém unida e resistente até os dias atuais, né? Vendo o passado deles, né, esse passado de escravidão que eles até relataram pra nós, tem isso no presente também. Tipo, eles relataram que a escravidão acabou no final da década de 1980, que chegou na comunidade. Que até então, tinham trabalhos escravos lá. E isso eu acho que deu uma impactada na maioria do pessoal que nunca tinha ido ou visitado uma comunidade quilombola. E a conversa com as pessoas que moram lá, com os líderes, é, as rodas de batuque que teve, também influenciou na própria coreografia. As roupas, [...] as danças que nós vimos, algumas apresentações lá. Foi uma troca, nós levamos algumas atividades, e aprendemos várias outras com eles, principalmente da cultura deles, do dia a dia, como que é, a própria ideia do que que é um quilombo. [...]. (GF)
Gatimu: Até porque a gente tá tratando de um tema assim, muito grande, né? Por exemplo, resistência, força, diáspora, e a música vai ter que acompanhar isso que a gente vai mostrar com o corpo. [...]. (DC17)
Na perspectiva da pedagogia freiriana, quando os educandos conseguem extrapolar a superficialidade do conteúdo estudado e compreender que há uma série de questões subjetivas que se relacionam com o assunto, esses sujeitos estão aptos para reconstruírem os significados de determinada realidade (Freire, 1996; Feitosa, 2003).
Em “Tempo de correr”, coreografia produzida em 2016, os integrantes assumiram o caráter político da obra que abordou o crime ambiental ocorrido na cidade de Mariana em 2015 (Lopes, Batista e Carbinatto, 2017). “Do barro à arte” (2018), que tematizou o contexto da produção de cerâmica no Vale do Jequitinhonha, levou o coletivo a compreender a singularidade da cultura popular regional (Lopes e Niquini, 2021).
O tema Intervir no mundo corresponde aos discursos sobre o reconhecimento dos integrantes como sujeitos ativos no processo inacabado de humanização do mundo.
O primeiro subtema - GPT como linguagem -refere-se à potencialidade da coreografia de GPT em comunicar uma mensagem, como observa-se nos discursos dos sujeitos:
Dingane: [...] Cê vai errar aquilo ali, mas o que importa mesmo é a mensagem que você tá passando. Tanto é que a construção da nossa coreografia foi levar a mensagem, não foi levar a ginástica. Foi usar a ginástica pra levar a mensagem [...]. (GF)
Chaniya: [...] Antigamente, eu era só isso, uma coisa legal. Agora, quando eu penso em tudo que a gente viveu, sabe? Nas mensagens que a gente pode passar com a ginástica [...]. (GF)
Idi: [...] Que não seja só uma apresentação de ginástica, mas que seja uma apresentação de ginástica que traga um pouco dessa característica mesmo, do ser humano que tem por trás de qualquer coisa relacionada a cultura preta. (DC13)
Os depoimentos deixam claro que os integrantes compreenderam que, para além da prática de uma atividade corporal prazerosa e que colabora para uma série de aspectos relacionados à saúde, a ginástica também pode ser uma forma de comunicar sentimentos, ideias e valores. A literatura evidencia a possibilidade de transformação dos movimentos na GPT, os quais podem ser ressignificados para compor um texto coreográfico que, assim como uma obra escrita, expressa, por meio de gestos corporais, determinada mensagem (Marcassa, 2004; Sborquia, 2008).
Observada do ponto de vista da perspectiva da pedagogia freiriana, ao se proporem a apresentar uma coreografia de GPT que transmite uma mensagem, os sujeitos assumem um posicionamento político que será manifestado pelo conhecimento produzido pelo coletivo durante o ato pedagógico, o que pode ser configurado, portanto, como uma forma de intervir no mundo (Freire, 1994; 1996).
Os depoimentos referentes ao segundo subtema, Posicionamento político do GGD, indicam que os integrantes reconhecem que o projeto assume um posicionamento político a partir dos temas e das formas que opta por trabalhar em suas produções coreográficas, fato que pode levar à compreensão de que, enquanto uma prática educativa, essa ação extensionista também é política e ideológica:
Razina: Acho que é o sentimento de contribuição, de poder passar essa mensagem, de contribuir com algo pra poder com que outras pessoas consigam entender o que a gente discute lá. Não é só, não é só fazer uma coreografia, não é só passar uma pequena alegria. Acho que tem sempre uma pequena mensagem por trás, que é a marca do GGD atualmente. (GF)
Malawa: [...] o GGD, ele é uma forma, assim eu vejo, é uma forma de levar pra comunidade, é... um resultado [...] mais acessível, de fácil acesso. [...] você vai numa comunidade e você não vai levar uma puta pesquisa gigante de não sei quantas mil páginas, tipo assim, não é adaptado. [...] o GGD, ele traz isso, ele pega um conteúdo, a gente trabalha em cima dele, e a gente dá um retorno de alguma forma pra sociedade. [...] E através do GGD, a gente leva pras pessoas que não estão aqui de uma forma mais acessível e dá mais visibilidade pro tema [...]. (GF)
Malawa: Você tinha falado na última aula que, se não me engano, o GGD, ele tem um caráter, assim, de tocar em temas um pouco polêmicos, não só bonitos e falar de coisas que todo mundo quer ouvir e ver. E eu acho que falar da cultura preta, no atual momento agora, seria importante devido aquele trem que aconteceu também e de cutucar. Mesmo porque [...] tem uma grande parcela que acredita que racismo é mimimi, que isso não existe, e tem gente morrendo. Então, a gente precisa mostrar, de qualquer forma possível, seja através de uma dança, que está acontecendo, que tem gente morrendo, cutucar na ferida mesmo, de mostrar pra essas pessoas, de qualquer forma, que racismo existe e que gente morre por isso e seria tocar num tema polêmico. Em um momento que todo mundo nega que isso exista e só quer falar de coisas boas. (DC8)
Os significados e valores que são atribuídos à educação sustentam a proposta metodológica e indicam as características que se pretende desenvolver, o que a torna uma ação sempre ideológica (Freire, 1985; 1994; Gadotti, 2000; Feitosa, 2003; Almeida, 2015; Almeida Filho, Benincá e Coutinho, 2017; Dickmann e Dickmann, 2020). No âmbito acadêmico, é preciso compreender os sentidos ideológicos que caracterizam a extensão na atualidade para que seu desenvolvimento ocorra de acordo com as diretrizes que orientam a perspectiva dialógica desse eixo do tripé universitário (Cruz e Vasconcelos, 2017; Gadotti, 2017).
Dessa forma, os resultados demonstram que os integrantes compreendem as intenções políticas do projeto, principalmente no que tange ao impacto e à transformação social, diretriz orientada pelo FORPROEX (2012) que corresponde às características a serem consideradas no planejamento das ações extensionistas no sentido de promoverem uma atuação transformadora, contribuindo para o desenvolvimento social e regional, incluindo a universidade pública.
A terceira subcategoria, Responsabilidade em comunicar uma mensagem, corresponde aos depoimentos que demonstram o sentimento de responsabilidade dos integrantes em comunicar uma mensagem diante de sua relevância:
Razina: [...] era crucial a gente entender do assunto e saber por que a gente tava lá. Dessa importância mesmo do... dessa coreografia pra esse momento. Então, assim, acho que todo mundo sentiu e até mesmo o público, né? Tava olhando a gente com esses olhares de expectativa. Então, acho que, pra mim, foi incrível como mais uma coreografia do GGD, só que com esse quê de importância e saber o porque que a gente tava lá. (GF)
Yamma: Eu fiquei sentindo uma responsabilidade, né? Porque era uma cultura dos Vissungos, a gente tinha que saber passar aquilo de uma forma que os outros vão entender [...]. (GF)
Fica claro que tal sentimento foi decorrente dos processos desenvolvidos durante o projeto, os quais permitiram o contato dos integrantes com uma situação emergente no contexto nacional. É possível que as experiências vivenciadas tenham sensibilizado os sujeitos de forma que eles se comprometessem com a ideia de poderem intervir no mundo por meio do conhecimento que construíram. Isso corresponde à corporificação das palavras, fazer, de fato, tudo aquilo que se discutiu durante o projeto, corroborando os princípios da pedagogia freiriana (Freire, 1994; 1996).
O tema Transformação social diz respeito aos discursos sobre as transformações pessoais percebidas pelos integrantes em si próprios.
No primeiro subtema, Valorização cultural, foram alocados os depoimentos referentes ao (re-)conhecimento e à valorização da cultura como um todo e de elementos da cultura preta pelos integrantes:
Abuya: [...] me fez ter uma visão totalmente diferente de, da região que eu moro, da cultura que, às vezes, eu não dava tanta atenção, uma coisa que estava bem explícito na minha frente. [...] A cultura preta tá tão... assim, a questão da dança, até o jeito da gente falar, das expressões que a gente utiliza, eu não tinha nem noção que aquilo ali era cultura preta. A gente tava mais centrado na questão europeia. Ah não... até o jeito da gente vestir, da gente falar como um negro, a gente veste como um negro, e a gente não tinha noção disso. Então, acho que assim, abriu um pouco a minha visão sobre essa questão cultural [...]. (GF)
Izegbe: [...] ao decorrer desse tempo, dessa imersão cultural que foi acontecendo até o FESTIVALE, é muito legal ver que as pessoas estavam abertas e mudaram esse pensamento, sabe? De entender mais o que é a cultura preta, o que isso significa, o que foi ser negro, o que é ser negro, o que os escravos passavam. Então, assim, foi muito importante, deu um resultado ótimo. (GF)
Os relatos demonstram que as experiências vivenciadas no decorrer do projeto contribuíram para que os integrantes identificassem aspectos da cultura preta no seu cotidiano e, por isso, se reconhecessem como pertencentes a ela. O conhecimento sobre as riquezas dessa cultura, que, muitas vezes, são silenciadas, pode ter colaborado para a valorização daquilo que tem origem africana.
É importante ressaltar que a maioria dos sujeitos se autodeclarou negro no questionário diagnóstico e que a literatura aponta a influência da cultura africana e indígena nas manifestações populares do Vale do Jequitinhonha (Marques, 2000; Mattos, 2007; Servilha, 2015). Diante disso, é possível constatar a possibilidade de uma certa recusa dessa cultura anterior à participação no projeto. Esse fato pode ter origem na pouca participação dos integrantes como membros ou espectadores de grupos de cultura popular regionais, também relatada no questionário pré-projeto. Isso vai ao encontro da ideia de Martins (2012) sobre a necessidade de conhecer para gostar, para defender, para divulgar e para desenvolver.
Evidencia-se, mais uma vez, a importância da cultura popular como veículo educador libertador e emancipatório (Brandão, 2016), assim como o diálogo entre os saberes científicos e culturais no âmbito da extensão universitária (FORPROEX, 2012) no sentido de evitar a invasão cultural (Freire, 1985).
O segundo subtema, Desconstrução de preconceitos, se refere aos depoimentos tanto sobre a superação de atitudes racistas identificadas nos próprios integrantes quanto sobre o combate ao preconceito racial manifestado durante a realização do projeto:
Gatimu: [...] Inclusive descobrimos, a gente mesmo, né, somos muitas vezes homofóbicos, racistas. Somos pessoas em fase de construção também, né? [...] E várias vezes, e depois a gente foi pegando uma certa afinidade com isso, né, poder corrigir, pegar intimidade, essa foi uma das coisas mais gratificantes pra mim. [...] E racismos não passaram, né? Várias falas, várias falas grotescas assim, não passaram. E, com o tempo, a gente fez disso um processo educativo e não de tal pessoa tá sendo grossa comigo. Não! Foi um processo educativo. E ir pro FESTIVALE possibilitou isso muito mais, porque a gente chegou lá com uma consciência muito boa de várias pessoas [...] ela não quer aprender? Será que ela é racista? Não, ela tava aprendendo e aprendeu. E isso pra mim foi bem legal, foi uma das coisas mais legal que teve no grupo. (GF)
A presença de conflitos é inegável. Mas os resultados também demonstraram que, apesar do espaço aberto para o diálogo no projeto ter sido desenvolvido de forma crítica e reflexiva, o respeito foi mantido. Mesmo diante de embates, a empatia parece ter prevalecido, o que mostra que a disponibilidade dos sujeitos para o diálogo e que a afetividade não se opõem à capacidade de aprender (Freire, 1996).
É possível que o aumento do nível de criticidade do grupo tenha ocorrido na fase de Problematização, pois as diversas situações-problemas desenvolvidas tinham como intuito estimular a reflexão sobre os problemas mais amplos da realidade relacionada ao tema da coreografia (Freire, 1963; 1994; Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010), o que, inevitavelmente, incluiu questões sobre racismo.
Na pedagogia freiriana, como uma construção e reconstrução contínuas de significados de determinado contexto, a educação pressupõe uma atitude do sujeito sobre o real, direcionada pela certeza de que a causalidade é subordinada à análise do homem, de forma que sua ação e reflexão possibilitem alterar, relativizar e transformar a realidade (Feitosa, 2003).
O terceiro subtema, Identidade étnico-racial, diz respeitos aos depoimentos sobre a reflexão dos integrantes em relação à própria identidade étnico-racial:
Razina: [...] eu descobri que eu sou cada vez mais branca porque pardo não existe, a não ser papel. [...] a gente conseguiu entender um pouco, né? Esses diálogos. Idi falou que se acha mais preto, ou seja, cada vez a gente aprendeu mais isso. Outras pessoas se identificaram, outras não, mas é... outros conseguiram absorver aquilo ali e acho que foi a parte mais importante de tudo, cada um aprender um pouquinho. (GF)
Mashal: [...] Mas acho que o que mais, assim, eu pude refletir sobre foi a questão da, da colocação, né? Que representa você falar eu sou branco, eu sou pardo, eu sou negro. Porque isso realmente é algo muito difícil de se declarar e isso esteve presente lá, né? [...]. (GF)
As discussões promovidas sobre a autodeclaração étnico-racial fizeram com que os integrantes refletissem para além de aspectos genéticos e de biótipo, isto é, levando em consideração questões relacionadas ao significado de pertencer a determinados grupos étnicos. Para Freire (1996, p. 22), uma prática educativo-crítica deve criar condições para que o educando possa vivenciar a “[...] experiência profunda de assumir-se.”. A identidade cultural é uma questão que faz parte da dimensão individual e de classe e não pode ser desconsiderada na prática educativa. A busca pela assunção de si por parte dos sujeitos e dos grupos é sempre conflituosa e envolve uma experiência histórica, política, cultural e social dos seres humanos.
Por fim, o tema Processo coletivo, colaborativo e democrático corresponde aos discursos sobre a presença de tais aspectos no desenvolvimento da construção coreográfica.
No primeiro subtema, Autonomia, foram elencados os depoimentos referentes ao reconhecimento dos próprios integrantes como sujeitos ativos no processo de construção do conhecimento desenvolvido pelo projeto:
Pendo: [...] A gente se sente tão dono da coreografia, todo mundo. Porque foi uma coisa, assim, que a gente criou, tem o dedinho de todo mundo ali, em cada partezinha da coreografia, sabe? Acho que essa foi minha parte favorita da construção, do processo de construção do grupo. (GF)
Malawa: [...] A construção dela foi bem livre, assim, a Pri deixou bem ao nosso cargo mesmo. Teve uma hora ou outra que ela teve que ajudar a gente, porque a gente não tava conseguindo pensar numa saída e ela chegou e a coisa fluiu. [...], (GF)
Os resultados demonstram a percepção dos integrantes sobre a autonomia que foi dada a eles durante a elaboração coreográfica. Com a autonomia, eles se reconheceram como criadores da coreografia e, portanto, donos de uma obra em que foram coautores. O sentimento de coletividade foi evidente e os integrantes reconheceram uma participação colaborativa, em que todos contribuíram com sugestões. Isso fez com que a coreografia representasse as ideias construídas por um coletivo. Da mesma forma, percebeu-se o sentimento de orgulho presente tanto no desenvolvimento do processo (o fato de conseguirem criar algo do início ao fim) quanto no produto pronto (a coreografia apresentada).
A literatura é enfática no que tange à necessidade de um ambiente coletivo e colaborativo na GPT, principalmente no momento da composição coreográfica (Ayoub, 2003; Marcassa, 2004; Toledo, Tsukamoto e Carbinatto, 2016; Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017; Menegaldo e Bortoleto, 2020). Para Graner, Paoliello e Bortoleto (2017), são justamente esses aspectos que proporcionam a formação em valores pretendida pela GPT.
A autonomia é um dos princípios balizadores da pedagogia freiriana, uma vez que, nessa concepção, a educação deve possibilitar ao educando se reconhecer como protagonista de sua história, e não mais como um mero objeto (Gadotti, 2000). A autonomia influencia fortemente o processo de emancipação e empoderamento, pois, ao colocar os educandos no centro do processo educativo, pretende-se que o sujeito pense por si próprio, aprendendo a governar-se e governar (Gadotti, 2013).
O segundo subtema, Horizontalidade, refere-se ao reconhecimento dos integrantes sobre a relação de liberdade com o educador, o que possibilitou, inclusive, uma divisão de papéis na ação educativa, conforme ilustram os depoimentos a seguir:
Thabiti: [...] geralmente, já é formatado para você de cima para baixo e você tem que cumprir aquele cronograma e assim que vai ser. Já no GGD não tem essa hierarquia, tudo é mais horizontal, não é tão vertical. (GF)
Gatimu: [...] Ela dividiu a função da direção com os intérpretes. Bem legal, supernovo e extremamente difícil de fazer. [...]. (GF)
Embora houvesse determinada hierarquia na condução do projeto, os integrantes perceberam que as decisões não foram tomadas de forma autoritária, de cima para baixo, e que eles tiveram a oportunidade de exercer a função de mediadores em diversos momentos, possibilitando o exercício do papel de líder do grupo.
Estudiosos da GPT são unânimes no que diz respeito ao desenvolvimento de um processo horizontal nessa prática corporal (Ayoub, 2003; Toledo, Tsukamoto e Carbinatto, 2016; Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017). Permitir a experiência de ensinar para todos os integrantes do grupo colabora para a formação dos sujeitos no que diz respeito à capacitação (Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017). Da mesma forma, a alternância de papéis deve ser exercitada durante a construção coreográfica, eliminando a atuação de uma única pessoa como coreógrafo responsável pela criação (Ayoub, 2003).
Para superar a conotação assistencialista da educação que insiste em uma relação ativa do professor que deve doar o conhecimento ao aluno que se mantém passivo, é preciso estabelecer uma relação de horizontalidade entre esses sujeitos (Freire, 1994; 1996). Dessa forma, o educador deve assumir o papel de coordenador de debates e os educandos, de participantes do grupo. O equilíbrio entre a liberdade do educando e a autoridade democrática do educador favorece a criação de uma relação de respeito mútuo, requisitos essenciais para estabelecer a disciplina necessária para a aprendizagem (Freire, 1996).
O terceiro subtema, Escolhas/decisões democráticas, diz respeito à percepção dos sujeitos sobre a forma democrática como as tomadas de decisões foram conduzidas durante o projeto, como observa-se nos comentários a seguir:
Thabiti: Acho bacana do GGD é essa participação democrática, que a gente não tá acostumado a ter tanta voz também. E é o que gera tanto conflito na gente também, por ter tanta participação e tanta... e todo mundo ter uma voz ativa, ou pelo menos o espaço. A gente acaba tendo conflitos, assim: “ai, eu vou fazer isso, vou fazer isso”. A indecisão, cada um quer optar e aí, é muito aberto. [...]. (GF)
Gatimu: [...] Mas num processo que é extremamente democrático, é... caminha tudo mais lento, caminha muito mais lento. Porque todos têm voz em todas as etapas de produção, o que faz do trabalho ser gratificante pra todos, né? [...]. (GF)
Os depoimentos evidenciam que os integrantes tiveram a oportunidade de participar de todas as escolhas durante o processo de construção coreográfica. Embora isso tenha gerado conflitos e lentidão para a conclusão da obra, o direito de falar e de ter as sugestões ouvidas parece ter sido algo bastante significativo e gratificante para os envolvidos.
O aspecto democrático, em conjunto com o coletivo e colaborativo, é evidenciado pela literatura como essencial durante o processo de composição coreográfica em GPT (Graner, Paoliello e Bortoleto, 2017; Carbinatto e Furtado, 2019; Lopes e Niquini, 2021). No entanto, autores também salientam que a democracia precisa ser estimulada em todos os praticantes por meio da mediação do educador responsável. Nesse ambiente, o educador deve estar atento para que aqueles que possuem maior afinidade com o papel de liderança estejam abertos para que os demais atuem de forma significativa na criação (Soares, Almeida e Bortoleto, 2016).
Princípios democráticos são de suma importância para a educação humanizadora, pois possibilitam desenvolver uma série de atitudes importantes para o exercício da cidadania, tais como não impor seus interesses, não ser autoritário, respeitar diferentes interesses e gostos, saber argumentar, aceitar a diversidade e novos conhecimentos, se renovar, etc. (Freire, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo mostrou que os princípios que norteiam a pedagogia freiriana são adequados e relevantes para orientar projetos de extensão universitários em GPT, uma vez que os fundamentos que orientam essa prática corporal vão ao encontro de ações que primam pela formação humana dos sujeitos que dela participam.
A presença dos princípios da dialogicidade e politicidade no ato educativo foram evidentes durante o desenvolvimento de todas as fases do projeto. A partir das vozes dos integrantes, percebe-se que eles viveram, de fato, uma experiência de construção do conhecimento de forma crítica, coletiva, colaborativa e democrática, na qual a autonomia e a horizontalidade foram efetivadas. Logo, consideramos que o diálogo e as provocações reflexivas potencializaram a formação humanizadora por meio do estímulo à criticidade dos sujeitos.
Diante disso, acreditamos que a articulação entre os fundamentos da GPT e as orientações sobre o desenvolvimento da proposta pedagógica de PF e dos princípios da pedagogia freiriana foram adaptados ao contexto específico do GGD, evidenciando que houve uma reinvenção de tais proposições, fato que demonstra que a prescrição de metodologias não cabe na prática educativa humanizadora.
Para Freire (2000, p. 40), “A educação é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática [...]”. E seus escritos testemunham isso, sua proposta de educação nada mais é do que o reflexo de relatos e documentações decorrentes de suas experiências educacionais, fato que comprova que a prática educativa está diretamente ligada à reflexiva (Freire, 1963; 1969; 1985; 1994; Brandão, 1981; Feitosa, 2003; Beisiegel, 2010).
Pautados pela leitura de mundo, principalmente pelo cenário das culturas populares regionais e pelos temas emergentes na conjuntura nacional, os integrantes do GGD sentiram o estímulo ao espírito investigador, o que os levou a uma imersão na temática e, consequentemente, à exploração de questões relativas ao assunto, fatores que colaboraram para a ampliação dos níveis de criticidade neles.
Os efeitos decorrentes dessa experiência conduziram à compreensão dos sujeitos sobre a possibilidade de intervirem no mundo utilizando a GPT como linguagem, fato que os fizeram perceber a responsabilidade que cada um assumiu ao se propor comunicar uma mensagem de tamanha relevância. Da mesma forma, compreenderam a assunção de um posicionamento político do GGD enquanto coletivo e, ao optarem fazer parte do grupo, também assumiram as intenções políticas e ideológicas defendidas pelo projeto.
As transformações sociais foram inevitáveis, principalmente no que concerne à valorização cultural, em especial da cultura preta; à desconstrução de preconceitos, desde a superação de atitudes racistas em si próprio até a luta antirracista; e à reflexão sobre a identidade étnico-racial.
Sendo assim, consideramos que o processo educativo desenvolvido no GGD impactou os sujeitos que participaram do projeto, uma vez que, por meio de ações e reflexões, atitudes sobre a realidade foram tomadas, evidenciando que houve uma (re-)construção de sentidos e significados sobre o contexto abordado.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Mar 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
07 Jun 2021 -
Aceito
03 Maio 2022