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Resenha da obra Teoria da objetivação: uma perspectiva vygotskiana sobre conhecer e vir a ser no ensino e aprendizagem da matemática

Review of the book Objectification Theory: a perspective Vygotskiana on knowing and becoming in teaching and learning of mathematics

Reseña del libro Teoría de la Objetivación: una perspectiva Vygotskiana sobre el conocer y el devenir en la enseñanza y el aprendizaje de las matemáticas

RADFORD, Luís. Teoria da objetivação: uma perspectiva vygotskiana sobre conhecer e vir a ser no ensino e aprendizagem da matemática. São Paulo: Editora Livradia da Física, 2021

A obra Teoria da objetivação: uma perspectiva vygotskiana sobre conhecer e vir a ser no ensino e aprendizagem da matemática, escrita pelo professor Luís Radford, da School of Education Sciences na Laurentian University em Ontário, Canadá, foi traduzida no Brasil, em 2021, pelas professoras Bernadete B. Morey e Shirley T. Gobara. A obra aborda uma teoria de ensino-aprendizagem, denominada de Teoria da Objetivação (TO) (Radford, 2021RADFORD, Luís. Teoria da objetivação: uma perspectiva vygotskiana sobre conhecer e vir a ser no ensino e aprendizagem da matemática. Tradução: Bernadete B. Morey e Shirley T. Gobara. São Paulo: Editora Livradia da Física, 2021.), a qual contribui para a área da educação matemática e tem como princípio que o saber ocorre do abstrato para o concreto.

O autor relaciona os conceitos saber e conhecimento, ser e vir a ser, cultura, ética comunitária, labor conjunto e atividade. A TO foi inspirada nas filosofias de Hegel e Marx, nos estudos vygotiskianos e nas ideias de educação de Paulo Freire, e tem como objetivos primeiros, que a aprendizagem é um processo sócio-histórico-cultural agêntico coletivo, baseado na exploração de práticas pedagógicas que possibilitam o verdadeiro aprendizado coletivo.

O autor apresenta as discussões que fundamentam a teoria em dez partes, sobre as quais discorreremos a seguir. Na parte 1, discutem-se as teorias em Educação Matemática, questões de pesquisa, método, princípios teóricos, do método à metodologia, abordando duas teorias da educação matemática — o construtivismo, com base na epistemologia genética de Piaget, e a Teoria das Situações Didáticas (TSD) — para contextualizar sua abordagem inicial sobre a TO. Destaca-se que as teorias apresentam semelhanças e oposições. A TSD e o construtivismo dão importância à autonomia do estudante em relação ao professor. O saber para a TSD tem natureza socioinstitucional, em oposição ao conceito no construtivismo. Já para a TO a ideia de aprender é tanto saber como vir a ser, e por trás dessa concepção estão as ideias neo-hegelianas de dialética de que tanto o sujeito quanto a cultura são entidades coadjuvantes transformando continuamente uma à outra.

O autor informa que foi influenciado pelas ideias da TSD quando estudou na França, e que essas teorias abordadas influenciam seus estudos sobre a TO. Entretanto, ainda que muito influenciado, ele afasta-se delas, desenvolvendo a TO apoiado em um processo educativo diferenciado, pois esforça-se para formar sujeitos reflexivos e éticos que se posicionem criticamente em discursos e práticas matemáticas histórica e culturalmente constituídas.

A parte 2 oferece uma visão geral da TO, abordando seus fundamentos teóricos e relacionando os elementos constitutivos: professor e estudante, linguagem, signos e artefatos, atividade, labor conjunto, processos de objetivação, concepção antropológica do ser humano, incorporação e exemplos, direcionados para os conceitos de saber e conhecimento. A TO busca compreender os processos de ensino e aprendizagem, como um único processo que envolve processos culturais-históricos de conhecer e vir a ser, num labor conjunto, em que se otimiza na sala de aula a relação professor-estudante, estudante-estudante, como uma ação de formação incessante do sujeito. É importante destacar que nesse capítulo o autor traz um sinóptico da TO.

Na parte 3, desenvolvem-se os conceitos saber e conhecimento, entendendo-se o saber como construção, segundo abordagens socioculturais, e como labor sociocultural. Já o conhecimento se apresenta como uma entidade geral, como processo de atualização do saber, conforme a dialética entre saber e conhecimento, em que o saber é um sistema de arquétipos de pensamento, ação e reflexão construídos histórico-culturalmente com base em um labor coletivo material, corporificado e sensível, sendo o conhecimento a materialização do saber. Sobre a perspectiva de labor sociocultural, o mais importante na TO é cultivar atividades em que estudantes e professores estejam engajados, debatam, concordem e discordem, se oponham e se encontrem num lugar para a subversão em que possam demonstrar solidariedade, responsabilidade e cuidado uns com os outros.

Na parte 4, discute-se a aprendizagem como prática social, sujeito da aprendizagem, saber histórico-cultural, processos de objetivação e subjetivação, atividade e consciência. Trata-se de elementos em que o saber não é algo que se possa possuir ou do qual se possa apropriar, mas sim algo que existe na cultura e que se encontra no decorrer da vida; assim, a objetivação é antes de tudo um processo, encontro de sistemas de pensamento histórico-culturais. No que se refere à consciência, ela emerge da atividade que dá forma e conteúdo à consciência na relação do sujeito com o mundo. Assim, a consciência é o processo emocional, afetivo e subjetivo pelo qual cada um, como sujeito individual, reflete e se orienta no mundo.

Na parte 5, percebe-se que o processo de objetivação e a atividade de ensino-aprendizagem, meios semióticos, assumem outros papéis na TO; por exemplo, a atividade é o que se chama de labor conjunto, o qual implica uma conceituação de divisão de tarefas na atividade de sala de aula de matemática. Os conceitos de estudante e professor também são diferentes, visto que eles trabalham juntos, mas não fazem as mesmas coisas. No labor conjunto, a aprendizagem consiste em perceber e dar sentido ao saber histórico-cultural de forma ativa e criativa. Nesse sentido, o saber não é algo que pode ser transmitido, mas é algo de que o sujeito toma consciência. O autor reforça que, se o conceito de consciência fosse retirado da TO, a teoria entraria em colapso.

Na parte 6, abordam-se a incorporação, o entrelaçamento dos sentidos e da cultura, percepção e exemplos de sala de aula que contam o invisível. Analisa-se, junto com o autor, o conceito de incorporação que visa à superação das primazias do sujeito e do objeto em que o sujeito aprende e o objeto apreende. Na TO, deve-se reconhecer o objeto sem entrar na lógica de posse, mas simplesmente manter esse objeto em sua pura alteridade. É isso que vai transformar o sujeito, por meio da tomada de consciência na atividade de ensino-aprendizagem, a qual tem um objeto que é identificado pelo professor e faz parte de seu projeto didático.

Na parte 7, descreve-se o delineamento da tarefa, explorando os problemas e a tarefa em si. A tarefa consiste em uma série de problemas que levam à formulação de perguntas que têm como objetivo a interpretação, a produção e o uso de técnicas que possibilitem o aprendizado. Em Ontário, no Canadá, o ensino é composto de graus; por exemplo, o Grau 8 compreende alunos de 13–14 anos de idade. O autor apresenta tarefas que objetivam desenvolver problemas que requerem níveis profundos de conceituação de conteúdos matemáticos, destacando para cada tarefa o grau adequado. Destaca-se a estrutura geral do componente associado à atividade de ensino-aprendizagem, composto de: objeto da atividade; objetivo da atividade; tarefa da atividade; problema; resolução do problema; e pensamento algébrico sobre o movimento do objeto. Assim, a tarefa da atividade deve corresponder ao objeto e ao objetivo da atividade.

Na parte 8, toma-se como ponto de partida a ideia de que os sujeitos criam culturas e as culturas criam sujeitos. A natureza cultural do pensamento matemático, a concepção relativista de cultura de Franz Boas, o conflito antropológico, a visão materialista dialética da cultura e o pensamento matemático grego revisitado são elementos relevantes para compreender as nuances do conhecer e vir a ser e nossos modos de pensar, na vivência da TO. O capítulo discute o pensamento matemático antigo para que se possa compreender a evolução desse pensamento, possibilitando que o sujeito se volte para si mesmo e suas culturas.

Na parte 9, discorre-se sobre conceitos relevantes para a compreensão da teoria que envolve o processo de subjetivação, o sujeito, sistemas semióticos, ser e vir a ser na subjetividade, a sala de aula da TO, com base na concepção de que as culturas fornecem aos indivíduos a matéria-prima do que eles são constituídos. Na TO o ser é uma categoria ontológica, e ao se investigarem os processos de subjetivação na sala de aula se encontram na relação professor-estudante fundamentos constitutivos, dinâmicos, interligados, baseados em relações e ações sociais e vistos pelo prisma das posturas críticas e éticas por eles assumidas. O aprendizado é um processo inacabado e crítico do saber que os alunos estão fazendo em sala de aula.

Na parte 10, trata-se da ética e da ética na sala de aula, pautadas nas ideias de Kant, Hobbes, Lèvinas, além das discussões sobre a carne, o dito e o dizer, a tarefa e a ética comunitária, visando apresentar um modelo de ensino-aprendizagem pautado na TO. Sobre a concepção de alienação e não alienação, o autor diz que o alienante é a perda de expressividade do objeto e o não alienante é um trabalho que representa a relação profunda com o outro, em que o eu e o outro se afirmam duplamente em sua produção.

As concepções e possibilidades didático-epistemológicas da obra refletem outras formas de pensar e agir sobre o processo de ensino-aprendizagem, compreendendo que a ética comunitária e o labor conjunto desempenham papéis fundamentais na sala de aula, e que sem considerar a ética comunitária e o labor conjunto esse processo não tem sentido.

Quanto às contribuições do livro para a área, é preciso considerar que o autor fez um esforço para produzir um material relevante tanto do ponto de vista teórico-metodológico como do didático-científico, oferencendo ao campo da educação matemática possibilidades de repensar a sala de aula de outras perspectivas do vir a ser no processo de ensino-aprendizagem da matemática.

  • Financiamento:

    O estudo não recebeu financiamento.

REFERÊNCIA

  • RADFORD, Luís. Teoria da objetivação: uma perspectiva vygotskiana sobre conhecer e vir a ser no ensino e aprendizagem da matemática. Tradução: Bernadete B. Morey e Shirley T. Gobara. São Paulo: Editora Livradia da Física, 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2022
  • Revisado
    02 Jul 2023
  • Aceito
    04 Jul 2023
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