Resumos
À semelhança de muitos países, Portugal tem feito mudanças no seu sistema educativo de forma a torná-lo mais inclusivo isto é fazer com que as escolas regulares se reformem de forma a acolher e a educar capazmente todos os alunos incluíndo os que têm condições de deficiência. Este artigo procura traçar um panorama actual da Educação Especial e Inclusiva em Portugal em particular depois da publicação da lei 3/2008 que originou mudanças sensíveis no sistema. São discutidas as linhas centrais da legislação, apresentados dados estatísticos sobre a situação portuguesa no final de 2009 e finalmente são lançadas pistas de discussão sobre algumas das opções que foram assumidas pelo Governo nesta matéria nomeadamente quanto ao sistema de elegibilidade, quanto à fomação de professores e às políticas de financiamento.
Educação Especial; Educação Inclusiva; Portugal; Legislação
Like many other countries, Portugal has been implementing important reforms in the educational system. Regarding students with Special Educational Needs, the aim of these reforms is for regular schools to change to a more inclusive perspective, which means being able to welcome all students and especially those with disability. This article seeks to present a picture of the present situation of Special and Inclusive Education in Portugal, especially after the publication of the 3/2008 Law that originated important changes in the educational system. The article also discusses the main aspects of this legislation and presents statistical data about the Portuguese situation in 2009. Finally the main options of this legislation are discussed, namely eligibility, teacher education, and financing policies.
Special Education; Inclusive Education; Portugal; Legislation
ENSAIO
Educação especial e inclusiva em Portugal: fatos e opções
Special and inclusive education in Portugal: facts and options
David RodriguesI; Jorge NogueiraII
IProfessor da Universidade Técnica de Lisboa (aposentado) e coordena atualmente o Mestrado em Educação Especial do Instituto Piaget - Almada. É Presidente da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial (www.proinclusao.com.sapo.pt). Contacto: drodrigues@fmh.utl.pt IIMestrado em Educação Especial e professor num agrupamento de escolas. Estudante de doutoramento no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. É membro da Direção da Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Contacto: jorgehumberto@mail.telepac.pt
RESUMO
À semelhança de muitos países, Portugal tem feito mudanças no seu sistema educativo de forma a torná-lo mais inclusivo isto é fazer com que as escolas regulares se reformem de forma a acolher e a educar capazmente todos os alunos incluíndo os que têm condições de deficiência. Este artigo procura traçar um panorama actual da Educação Especial e Inclusiva em Portugal em particular depois da publicação da lei 3/2008 que originou mudanças sensíveis no sistema. São discutidas as linhas centrais da legislação, apresentados dados estatísticos sobre a situação portuguesa no final de 2009 e finalmente são lançadas pistas de discussão sobre algumas das opções que foram assumidas pelo Governo nesta matéria nomeadamente quanto ao sistema de elegibilidade, quanto à fomação de professores e às políticas de financiamento.
Palavras-chave: Educação Especial. Educação Inclusiva. Portugal. Legislação.
ABSTRACT
Like many other countries, Portugal has been implementing important reforms in the educational system. Regarding students with Special Educational Needs, the aim of these reforms is for regular schools to change to a more inclusive perspective, which means being able to welcome all students and especially those with disability. This article seeks to present a picture of the present situation of Special and Inclusive Education in Portugal, especially after the publication of the 3/2008 Law that originated important changes in the educational system. The article also discusses the main aspects of this legislation and presents statistical data about the Portuguese situation in 2009. Finally the main options of this legislation are discussed, namely eligibility, teacher education, and financing policies.
Keywords: Special Education. Inclusive Education. Portugal. Legislation.
1 Introdução
O objetivo deste artigo é apresentar e comentar alguns dados que os autores consideram mais importantes para se ter uma perspectiva sobre a Educação Especial e Inclusiva em Portugal em 2010.
Como em quase todos os países europeus, a área da Educação Especial e Inclusiva tem sofrido em Portugal modificações rápidas e profundas que têm alterado a natureza de uma área que, durante muitos anos, esteve conotada com uma perspectiva assistencial e caritativa. Desta forma, pensar a educação de alunos com condições de deficiência, no quadro de parâmetros estritamente educacionais é um fato recente e ainda em muitos aspectos constitui uma inovação.
Em Portugal, foi dado um impulso muito significativo à educação de alunos com deficiência quando em 1941 foi criado, em Lisboa, um Curso para Professores de Educação Especial. Ao mesmo tempo se criavam em algumas escolas "classes especiais" que acolhiam alunos com vários tipos de deficiência e de dificuldades escolares. Ao mesmo tempo, nos anos 50 e 60 do sec. XX foram surgindo Associações que procuravam dar um atendimento escolar a diferentes tipos de dificuldades: deficiência intelectual, paralisia cerebral, surdez, etc.
Portugal viria a viver um importante ponto de renovação com base na "Revolução dos Cravos" de 25 de Abril de 1974. As profundas mudanças sociais que então se verificaram, influenciaram decididamente a Educação em geral e a Educação Especial. Tinham-se já começado, desde 1969, tímidas experiências pedagógicas de integração, sobretudo com alunos cegos em escolas de Lisboa. Foi partindo destas experiências que se desenvolveu, a partir de 1974, um trabalho mais amplo de integração de alunos com deficiência nas escolas regulares. Durante os anos setenta e oitenta, desenvolve-se uma política de Educação Integrativa com a constituição em todo o país de equipes de Ensino Especial com professores itinerantes (COSTA; RODRIGUES, 1999).
Paralelamente a esta política de integração, criaram-se, a partir de 1974, inúmeras cooperativas de ensino que, fruto da aliança entre pais e técnicos, procuravam proporcionar aos alunos com deficiência cuidados médicos, atendimento especializado e escolarização. Este movimento designado por movimento CERCI chegou a ter cerca de 100 instituições em todo o país.
Cabe ainda dizer que o desenvolvimento da Educação Especial em Portugal se passa no quadro de um sistema que apresentou ao longo de todo o século XX um atraso estrutural em comparação com a maioria dos países europeus. A título de exemplo, Portugal tinha, em 1974, uma taxa de analfabetismo a rondar os 30%, valor altíssimo em comparação com outros países europeus na mesma altura.
Fruto de um empenho prioritário na educação ao longo de cerca de 30 anos, este atraso está muito diminuído e em alguns casos anulado.
Atualmente (dados de 2007/2008), existem cerca de 1,8 milhões de alunos matriculados nas escolas portuguesas, sendo 1,235 milhões na escolaridade obrigatória. 86% dos alunos concluem o ensino básico (nove anos de escolaridade) e 79% no ensino secundário. O rácio professor-aluno na generalidade do ensino público é de 1 para 15, no pré-escolar de 1 para 14,1 e no ensino secundário de 1 para 7,7.
2 Aspectos da história recente
Como foi dito antes, a ideia de integração nas escolas portuguesas veio a ser uma realidade incontornável fruto das transformações políticas e sociais da revolução democrática em 25 de Abril de 1974, com influências também dos movimentos internacionais expressos em documentos como a Public Law 94-142 (1975) nos EUA ou o Warnock Report (1978) no Reino Unido. As leis portuguesas passam a consagrar como direitos fundamentais a educação e a igualdade de oportunidades. Estes princípios encontram-se expressos no texto da Constituição da República, a Lei Fundamental Portuguesa, publicada em 1976 nomeadamente nos seus artigos 71º a 74º.
Portugal apresenta um padrão de desenvolvimento nesta área semelhante ao dos restantes países ocidentais, embora com algum desfasamento temporal. O Ministério da Educação assume, a partir de 1974, a responsabilidade pela educação das crianças com deficiência, mas abrangendo um número reduzido de alunos. Durante este período não é, pois, de estranhar que se tenham desenvolvido outras soluções nomeadamente as das escolas especiais (FELGUEIRAS, 1994).
Esta insuficiência de oferta educativa nas escolas regulares incentivou o desenvolvimento de uma rede paralela de instituições de Educação Especial, cuja grande disseminação por todo o país se verificou a partir de 1975. Estas instituições organizadas como Cooperativas de Educação e Reabilitação (CERCIS) procuraram dar respostas pedagógicas e sociais, que o sistema de ensino integrativo tardava em consolidar. Fundadas inicialmente para romper com um atendimento meramente assistencial vigente no país, estas instituições foram criando um leque mais abrangente de respostas e alargando o nível etário da população abrangida. Muitas delas possuem hoje áreas de formação profissional, emprego protegido, residenciais, intervenção precoce, valências ocupacionais para deficientes intelectuais profundos, formas de apoio às famílias, bem como suporte técnico especializado às crianças e suas famílias.
Com a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 (Dec-Lei N.º 46/86, de 14 de Outubro), é definida finalmente a Educação Especial como modalidade integrada no sistema geral da educação. Este documento estruturante estabelece os alicerces da Educação Especial como prestando apoio nas estruturas regulares de ensino, de acordo com as necessidades de cada aluno. Prevê também a manutenção do ensino em instituições específicas, quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência da criança (FELGUEIRAS, 1994). Na alínea d) do Artigo 3.º, consagra o seguinte princípio organizativo: "assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projetos individuais da existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas". Esta legislação veio dar novo impulso ao contemplar a abertura da escola numa perspectiva de "escola para Todos", baseando o conceito de alunos com "Necessidades Educativas Especiais " (N.E.E.) em critérios pedagógicos (artigos 2º, 7º, 17º e 18º).
Foi nos anos 90, que a política educativa integrativa se generalizou nas escolas do ensino regular. O regime educativo especial nas escolas do ensino regular, foi finalmente definido e regulamentado pelo Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de agosto, prevendo a adaptação das condições em que se processa o ensino/aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE).
Este diploma tem uma grande importância dado que cria uma nova realidade no sistema educativo, onde o aluno com NEE passa a ter o direito de aderir à classe regular. Está implícito nesta legislação que é a escola que deve estar preparada para fornecer respostas adequadas à problemática do aluno de acordo com as suas características. Esta responsabilização da escola obriga a uma flexibilização do processo ensino-aprendizagem.
O D.L. nº. 319/91 enunciava os seguintes princípios:
- Responsabilização de todos os professores e da escola do ensino regular.
- A produção de um conhecimento tão completo quanto possível da situação escolar e sócio-familiar de cada aluno com NEE, de modo a adequar as medidas a aplicar.
- Planificação educativa individualizada, flexível e adaptada a cada situação.
- A participação dos pais na avaliação e na realização dos programas educativos.
- A utilização dos professores de Educação Especial, como um recurso da escola.
- A abertura da escola ao meio, possibilitando a utilização de diferentes serviços.
- A expressão "alunos com deficiência" passa a ser substituída por "alunos com Necessidades Educativas Especiais", traduzindo um novo conceito e não só numa mera mudança de designação.
- As disposições legais adotadas apontam para uma prática pedagógica diferenciada e que entra em ruptura com os modelos tradicionais de ensino.
- São regulamentadas medidas que visam proporcionar essas condições, nomeadamente os Programas Educativos Individuais (PEI) e possibilita a flexibilização de currículos (alternativos/adaptados/funcionais) e a flexibilidade da avaliação.
Progressivamente surge a necessidade emergente da construção de uma escola inclusiva, onde todos os alunos devem aprender juntos independentemente das dificuldades e diferenças que apresentam, baseada nas recomendações contidas na Declaração de Educação para Todos, na Declaração de Salamanca (1994) e nas Normas sobre Igualdades de Oportunidades para Pessoas com Deficiência das Nações Unidas.
Entra em vigor em 1 de Julho de 1997 o Despacho Conjunto nº105/97, que dá corpo a uma política educativa mais inclusiva, criando Equipes de Coordenação local para colaborar com escolas e docentes de apoio educativo na gestão dos recursos e na implementação de respostas articuladas. Estas equipes, designadas Equipes de Coordenação dos Apoios educativos (ECAE), procuram encontrar respostas integradas e racionalizadas para as escolas de uma determinada área geográfica coordenando também para além dos recursos a articulação do trabalho dos professores de Educação Especial.
Ainda neste documento, sai reforçada a necessidade da diferenciação curricular através da adaptação e individualização curricular às necessidades e características de cada um, em especial aos alunos com NEE. Este Despacho aponta para um sistema educativo único, englobando simultaneamente a educação regular e a "especial", numa preocupação conjunta pelo atendimento de todas as crianças na classe que apresentassem dificuldades. Cria a figura do Professor de Apoio Educativo para a globalidade dos alunos com NEE.
Poderíamos assim sintetizar as linhas mais importantes do DC 105/97:
- Responsabilizar a escola por todos os alunos, tendo esta que encontrar as estratégias e formas de intervenção adequadas para o sucesso educativo.
- Assegurar os apoios indispensáveis ao desenvolvimento de uma escola de qualidade, através de respostas articuladas e flexíveis.
- Perspectivar soluções adequadas às condições atuais, mas procurando sempre uma evolução gradual no sentido de serem encontradas novas e mais amplas respostas .
- Para além de centrar na escola a responsabilidade de organizar respostas, é fomentada uma maior articulação entre os diferentes intervenientes do processo educativo, abrindo caminho para parcerias com serviços, instituições e autarquias locais, de forma a serem desenvolvidas intervenções articuladas.
3 Legislação atual
Foi publicado em 7 de Janeiro de 2008 o decreto-lei 3/2008. Esta lei revogou a legislação que até então existia (nomeadamente o dec-lei 319/91) já com 19 anos de publicação.
Vários pontos são determinantes na comparação destes dois documentos. A população abrangida pelos serviços de Educação Especial passa a ser definida pelo âmbito proposto na Classificação Internacional de Funcionalidade da Organização Mundial de Saúde - CIF (2007). É explicitamente determinado que os serviços de Educação Especial se destinem a:
[...] crianças e jovens com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida decorrentes de alterações funcionais ou estruturais de caráter permanente resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social.
Esta aproximação aos conceitos da CIF verifica-se também ao nível do processo de avaliação em que é explicitamente indicado que a avaliação deve ser feita "tendo por referência a CIF".
O decreto-lei 3/2008 preconiza a existência de um único documento oficial, o PEI - Programa Educativo Individual - que estabelece as respostas educativas e respectivas formas de avaliação para cada aluno. Este PEI é elaborado por professores e psicólogos e deve ser acordado com a família do aluno. Cria ainda um Plano Individual de Transição que complementa o PEI, preparando a integração pós-escolar, no caso dos jovens cujas necessidades educativas os impeçam de adquirir as aprendizagens e competências definidas no currículo comum.
O mesmo documento legal circunscreve a Educação Especial aos alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEECP), formalizando a separação entre a Educação Especial - exclusiva para os alunos que apresentem NEECP identificados por referência à CIF - e os Apoios Educativos, que prestam atendimento aos restantes alunos com dificuldades escolares.
Sob o ponto de vista conceptual, a lei 3/2008 afirma no seu ponto 1 que:
[...] a Educação Especial tem por objetivos a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida profissional e para uma transição da escola para o emprego das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais nas condições acima descritas.
Em termos de princípios, esta nova legislação consagra como aspecto determinante da construção de uma escola de qualidade a promoção de uma escola democrática e inclusiva, orientada para o sucesso educativo de todas as crianças e jovens e que deve responder à diversidade, incluindo todos os alunos. A escola deve, pois, contribuir para a inclusão educativa e social, promover a igualdade de oportunidades, o acesso e sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, e preparação para o prosseguimento de estudos ou vida profissional.
Há igualmente uma caracterização do público alvo da Educação Especial, nomeadamente os alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente.
[...] alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação, num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social. (Dec.-Lei 3/2008 Artigo 1º.ponto1).
Esta definição aponta para uma dupla origem de dificuldades do aluno: as provenientes do foro clínico e as limitações significativas e permanentes que se verifiquem nas diversas áreas da sua funcionalidade. Engloba os alunos com deficiência, mas também outros com problemáticas como déficits cognitivos, hiperatividade e déficit de atenção, dislexia-disortografia, alterações comportamentais e da personalidade, entre outras, decorrentes de alterações estruturais do indivíduo. A abrangência do processo de identificação depende, obviamente, dos critérios de aplicação da CIF.
Outros aspectos da regulamentação do Decreto-Lei 3/2008:
- Alarga o âmbito da Educação Especial ao ensino particular, cooperativo e Pré-escolar, para além do ensino básico e secundário, já anteriormente contemplados.
- Refere à necessidade de normalização dos instrumentos de certificação de estudos, contendo as medidas aplicadas ao aluno, esclarecendo dúvidas da legislação anterior.
- Define o papel dos encarregados de educação, reforçando a sua participação e poder de decisão no referenciamento, avaliação e planificação.
- Refere à necessidade dos Projetos Educativos dos Agrupamentos referirem os aspectos organizacionais do apoio a estas crianças, bem como responsabiliza e reforça o Conselho Pedagógico na aprovação dos PEI e Grupo Disciplinar de Educação Especial e Serviços de Psicologia, pelos aspectos de avaliação e referenciação dos alunos.
É importante notar que quatro meses depois da publicação da lei 3/2008, foi publicada uma retificação em alguns aspectos da lei (Lei nº. 21/2008 de 12 de Maio). Esta retificação modera a opção imediata por modelos de educação inclusiva e coloca a opção dos pais como decisiva face ao sistema de educação em que o seu filho deve ser educado. É explicitamente dito que:
[...] Nos casos em que a aplicação das medidas previstas nos artigos anteriores se revele comprovadamente insuficiente em função do tipo e grau de deficiência do aluno, podem os intervenientes no processo de referenciação e de avaliação constantes do presente diploma, propor a frequência de uma instituição de Educação Especial" (Art. 7).
E ainda que "os pais ou encarregados de educação podem solicitar a mudança de escola onde o aluno se encontra inscrito" (art. 8).
4 Organização Geral do Sistema
4.1 Alguns números
Entre 1982 e 1992 o número de crianças atendidas em escolas especiais manteve-se constante, em cerca de 11.000, mas o número de crianças integradas no ensino regular aumentou quase dez vezes, de 3.300 para 30.205. Este aumento deveu-se certamente ao fato dos encaminhamentos para escolas de Ensino Especial terem decrescido, mas também ao fato de um vasto leque de crianças na escola regular, que anteriormente não eram apoiadas, passarem a ter atendimento especializado, nomeadamente com dificuldades específicas de aprendizagem e problemas comportamentais (DEB; cit. in INOVAÇÃO, 1994).
Em 1995/1996, o número de alunos com NEE integrados na escola regular era de 36.519 (79%) contra 9.396 (20,4%) em escolas especiais. Em 1997/1998 esses números eram de 89,9% no regular e 10,1% nas instituições (CNE, 1999).
No ano letivo 2000/2001 existiam 184 escolas de Educação Especial em Portugal, das quais 83% se concentram na zona de Lisboa, atendendo 4.532 dos alunos com NEE, ou seja, 5,4%, contra os 79.572 alunos atendidos no ensino regular, representando 94,6% do total com NEE (DEB, 2001).
Atualmente, existem 31.776 alunos com NEE e PEI (o que representa 2, 6%). Nas escolas especiais estão matriculados 2.382 (0,2 %). Estes números colocam Portugal no grupo de países europeus com maior taxa de inclusão escolar de alunos com deficiência.
Este aumento significativo de alunos integrados em comparação com um decréscimo dos números de alunos em instituições representa uma clara inversão no modelo de atendimento a estes alunos nos últimos 20 anos, onde o ensino em escolas especiais, que era a regra, passou a ser a exceção.
4.2 Organização de Agrupamentos e Quadros de EE
É importante notar que a organização da resposta educativa em Portugal se encontra, não em escolas individuais, mas sim em Agrupamentos de escolas. Estes agrupamentos podem incluir escolas de diferentes níveis de ensino, mas têm uma gestão comum, o que permite uma maior racionalização dos recursos educacionais nomeadamente ao nível dos serviços de Educação Especial. Cada escola básica de segundo e terceiro ciclos (do 5º ao 9º ano) agrega os estabelecimentos do Pré-escolar e 1º ciclo (1º ao 4º ano) da sua área de influência. As escolas sede constituem polos administrativos e de gestão comum, funcionando as restantes como salas de aula descentralizadas. Os alunos fazem o seu percurso escolar obrigatório (nove anos) desde o Pré-escolar ao 9º ano dentro o mesmo agrupamento de escolas.
Esta orgânica permite rentabilizar os recursos, otimizar a organização e gestão escolar, tendo efeitos positivos na área pedagógica proporcionando um acompanhamento efetivo dos alunos ao longo da escolaridade, facilita as transições entre ciclos de escolaridade e permite organizar antecipadamente o ano escolar, os apoios e os recursos. Existe também uma maior estabilidade do corpo docente através da colocação dos professores num quadro de Agrupamento e não por escola. Outro fator contribui também para a estabilidade do corpo docente: o fato dos concursos de colocação e mobilidade dos professores se processarem de quatro em quatro anos e não anualmente. Obviamente que as alterações ao nível da gestão dos docentes tiveram também reflexos na carreira dos professores de Educação Especial.
Os primeiros lugares para professores de Educação Especial foram criados em 1942, mas foi preciso esperar até 2006 (isto é 64 anos) para que fossem criados quadros permanentes e ao nível nacional para estes profissionais. Até esta altura não tinham carreira definida e as colocações eram anuais por destacamento dos Grupos Disciplinares de origem.
O Decreto-Lei nº20/2006 criou o Grupo de Recrutamento de Educação Especial. Os docentes passaram a ter uma carreira própria, constituindo-se num Grupo Disciplinar pertencente aos quadros das escolas, deixando de ser geridos por estruturas externas às escolas e de ser colocados por destacamentos pontuais de outros grupos disciplinares. Em Setembro de 2009 existiam 4.779 docentes de Educação Especial (DGIDC, 2009).
O Grupo de Educação Especial encontra-se dividido em três subgrupos, docentes para deficiência visual, docentes para deficiência auditiva e docentes para restantes problemáticas nomeadamente deficiência intelectual e motora. O Decreto-Lei 3/2008 define as competências destes professores, o que anteriormente acontecia. Atribui-lhes a responsabilidade de prestar apoios especializados, lecionar áreas curriculares específicas, conteúdos próprios, adaptar materiais e gerir tecnologias de apoio. Cabe-lhes agora uma ação eminentemente técnica e setorial, nomeadamente no reforço e desenvolvimento de competências e áreas curriculares específicas como Braille, orientação e mobilidade, treino de visão, atividade motora adaptada, autonomia, funcionalidade, comunicação, vida pós-escolar, materiais didáticos e tecnologias de Apoio, entre outros de caráter especializado.
Os docentes de Educação Especial são colocados por Agrupamento de escolas, mediante levantamento das Necessidades Educativas dos alunos e constituem um Grupo Disciplinar com autonomia e estatuto próprio, à semelhança das restantes disciplinas. Está enquadrado no Departamento das Expressões, onde se reúnem os Grupos Disciplinares de Música, Educação Visual, entre outras.
4.3 Modalidades de Atendimento
O Decreto-Lei 3, de 2008, terá de ser lido no âmbito de um conjunto de respostas criadas no sistema de ensino português para diversos graus de dificuldades. Este Decreto-Lei vem na sequência de outros, que implementaram respostas diferenciadas, no âmbito do currículo comum, nomeadamente os Despachos nº. 453/2004; 50/2005 e 1/2006. Estes diplomas visam apoiar os alunos com desvantagem cultural, social econômica, em risco de abandono, problemas de integração, retenções repetidas, com dificuldades de aprendizagem ligeiras e outras NEE não decorrentes de deficiência. Todas estas respostas mantêm ligação aos objetivos centrais do currículo comum, permitindo equivalência escolar, mas contemplando diversos tipos de respostas.
Na primeira linha existe a possibilidade de efetuar Planos Individuais de Acompanhamento ou Recuperação, para os alunos que apresentem dificuldades em acompanhar o currículo ou que já tenham sido retidos. Podem ser desenvolvidas estratégias diferenciadas, flexibilização do currículo e da avaliação, entre outras medidas.
Outra resposta é a possibilidade de criação de Turmas de Percurso Alternativo, quando existam alunos em número de 15 em determinado agrupamento de escolas, mantendo uma via curricular acadêmica, mas restrita aos objetivos essenciais.
É igualmente possível às escolas organizarem Cursos de Educação e Formação, que visam uma habilitação profissional específica, com um componente teórico mais curto e um grande componente prático específico.
Após os 15 anos, e cumprida a escolaridade obrigatória, existem ainda os Cursos de Formação Profissional, que equivalem ao 10º, 11º e 12º ano de escolaridade e visam habilitação profissional em determinada área. Permitem equivalência ao currículo comum, inclusivamente para o prosseguimento de estudos no Ensino Superior.
Estas medidas funcionam como um continuum de respostas, das menos às mais restritivas, que, em conjunto com a Educação Especial, permitem às escolas encontrar as melhores respostas para cada contexto. Com o recente alargamento da escolaridade obrigatória, dos nove para os 12 anos de escolaridade (política inscrita no programa do atual Governo da República), estas modalidades diferenciadas de educação tornam-se fundamentais para as escolas conseguirem encontrar respostas para a grande diversidade de situações, decorrente da heterogeneidade inerente ao ensino universal, gratuito e obrigatório.
Também em relação ao caso concreto da Educação Especial, existe um leque de respostas para as diversas situações, que permitem o apoio para acesso ao currículo comum, currículos próprios, ou colocação em contextos adequados.
O Decreto-Lei 3/2008 implementa medidas de acesso visando adequações individuais ao currículo comum e à avaliação, a introdução de Tecnologias de Apoio e a prestação de Apoio Individualizado.
Para os alunos que não acedem às aprendizagens do currículo comum existe a possibilidade de elaborar um Currículo Específico Individual, que mantém as áreas curriculares onde seja benéfica a aquisição dessas competências e permitindo criar áreas diferentes adequadas a cada aluno, nomeadamente de caráter mais funcional.
Foram ainda criados pelo Ministério da Educação, 25 Centros de Recursos de Tecnologias da Informação e Comunicação (CRTIC) com o objetivo de apoiar e avaliar a utilização de tecnologias e equipamentos, assessorando as escolas nesta área.
As escolas de referência recebem os alunos com deficiência sensorial, concentrando os recursos técnicos e humanos, para que os jovens acedam ao currículo comum.
Encontra-se também em vigor a figura do Plano Individual de Transição para os alunos que, tendo Currículo Específico Individual, não acedem às aprendizagens do currículo comum, como forma de preparação para a vida adulta. Estes Planos são elaborados nos últimos três anos de escolaridade básica e pretendem planificar e promover iniciativas que desenvolvam competências de integração social, profissional, social ou em instituições, no âmbito para a transição para a vida pós-escolar.
Para além das medidas anteriormente referidas, a nova legislação criou quatro respostas diferenciadas nas escolas de ensino regular para atender deficiências sensoriais e mentais graves, que necessitam de recursos específicos, que dificilmente se poderão generalizar. São os casos das escolas e Agrupamentos de Referência para a Deficiência Visual e Auditiva e as Unidades de Apoio Especializado para o Autismo e Multideficiência.
As Unidades de Ensino Estruturado são salas preparadas com as devidas adaptações ao ambiente educativo, situadas em escolas regulares, onde os alunos com deficiências graves permanecem em tempo parcial, tendo como objetivo promover a sua integração nas turmas e na vida das escolas. Sendo consideradas plataformas de promoção da inclusão, estas salas permitem receber os alunos que tradicionalmente eram encaminhados para instituições e dispõem de recursos humanos e técnicos com dedicação em exclusivo.
Em 2009, existiam 10 agrupamentos de escolas de Referência para a educação bilíngue de alunos surdos, 25 para apoio à educação de alunos cegos e com baixa visão. Existem ainda 187 Unidades de Apoio especializado para alunos com Perturbações do Espectro do Autismo e 292 para alunos com Multideficiência. Estas respostas permitem educar no ensino regular alunos com condições mais graves de deficiência, que tradicionalmente eram encaminhados para instituições.
É reconhecida a especificidade do processo educativo destes quatro grupos de alunos, nomeadamente no que respeita ao acesso a tecnologias específicas, Língua Gestual Portuguesa, Braille, sistemas de comunicação, ambientes estruturados, metodologias e estratégias adequadas, entre outros.
A realização de atividades de promoção da inclusão dos alunos das Unidades Especializadas está referida nos objetivos centrais do funcionamento das mesmas, onde se preconiza a participação destes alunos nas atividades curriculares e de enriquecimento curricular "junto dos pares da turma a que pertencem". Indicando que não se devem organizar como estruturas isoladas no seio das escolas regulares, que separem os alunos dos seus grupos de referência, educando-os de forma segregada.
Em relação à Intervenção Precoce, foram criadas escolas de Referência para a Intervenção Precoce, onde são colocados docentes de Educação Especial, que deverão articular com outras entidades e serviços a integração em equipes e a prestação deste apoio, apenas destinado ao Ensino Pré-escolar particular e cooperativo e apoio domiciliário, cabendo o apoio aos jardins de Infância regulares aos docentes colocados nos respectivos Agrupamentos. É, desta forma, separado, este tipo de atendimento. Existem 121 estabelecimentos de referência neste âmbito e 4.335 alunos atendidos em Educação Precoce (DGIDC, 2009).
4.4 Equipes multidisciplinares e avaliação especializada
Uma das grandes inovações da presente lei 3/2008 é a importância que é dada à Classificação Internacional de Funcionalidade (OMS, 2007). Esta Classificação desempenha um papel central no processo de avaliação sendo determinado que "[...] os resultados decorrentes da avaliação, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde" (4:3).
É ainda claramente estabelecido que:
[...] o modelo do Programa Educativo Individual integra os indicadores de funcionalidade, bem como os fatores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à atividade e participação do aluno na vida escolar, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, em termos que permitam identificar o perfil concreto de funcionalidade (9:2).
O modelo do Programa Educativo Individual é, pois, muito influenciado pelos conceitos da CIF. Neste Programa devem constar obrigatoriamente:
a) A identificação do aluno.
b) O resumo da história escolar e outros antecedentes relevantes.
c) A caracterização dos indicadores de funcionalidade e do nível de aquisições e dificuldades do aluno.
d) Os fatores ambientais que funcionam como facilitadores ou como barreiras à participação e à aprendizagem.
e) Definição das medidas educativas a implementar.
f) Discriminação dos conteúdos, dos objetivos gerais e específicos a atingir e das estratégias e recursos humanos e materiais a utilizar.
g) Nível de participação do aluno nas atividades educativas da escola.
h) Distribuição horária das diferentes atividades previstas.
i) Identificação dos técnicos responsáveis.
j) Definição do processo de avaliação da implementação do programa educativo individual.
l) A data e assinatura dos participantes na sua elaboração e dos responsáveis pelas respostas educativas a aplicar.
É também obrigatória uma explicitação do percurso de sinalização e avaliação dos alunos referenciados, estabelecendo um prazo limite de 60 dias, para se proceder a uma avaliação especializada com referência à CIF, para a escola decidir se o aluno se enquadra no perfil de NEECP. Caso seja considerado NEECP, poderá aceder aos apoios e medidas da Educação Especial, caso não, é encaminhado para outras modalidades de apoio nomeadamente o Apoio Educativo.
Neste processo, deverá estar envolvida uma equipe multidisciplinar, composta pelos docentes do regular e especial, psicólogos dos serviços do Ministério da Educação colocados nas escolas, encarregados de educação, bem como outros técnicos especialistas. Verificando-se que a presença de psicólogos nos Agrupamentos não cobre ainda grande parte da rede nacional e não existindo outros técnicos ou terapeutas no sistema, existe a necessidade de proceder a protocolos com outras instituições.
Nesse âmbito, foram criados Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), através da reestruturação das instituições de Educação Especial, que deixam de ter população em idade escolar. Os técnicos e outros recursos colaboram nas escolas através de protocolos com estes CRI, pertencentes a instituições. Os CRI são financiados pelo próprio ministério da Educação, não sendo previsto qualquer financiamento direto para o ensino regular. Uma das metas apontadas pelas entidades oficiais é eliminar os encaminhamentos para instituições, criando condições no ensino regular para atender todas as crianças. Neste momento, a reestruturação das Instituições em Centros de Recursos para a Inclusão, CRI, ocorreu em 74 estabelecimentos. (DGIDC, 2009).
5 Formação de Professores
Não estão publicados números exatos, mas sabe-se que em 2005 só 40% dos professores que desempenhavam funções na Educação Especial tinham formação especializada nesta área. A situação é certamente melhor atualmente, mas continua a existir uma carência de profissionais com formação no sistema.
A formação de professores é atualmente assegurada por um grande número de universidades e escolas politécnicas tanto do ensino público como sistema privado.
A formação de professores de Educação Especial é assegurada através de programas de formação especializada. Esta formação, conforme a legislação que a acredita, deve ter uma carga mínima de 250 horas e deve ser lecionada durante 22 semanas letivas.
Segundo a legislação, a esta formação especializada só poderá ser considerada efetiva para efeitos profissionais para os alunos que à data de admissão sejam educadores ou professores e tenham, pelo menos, cinco anos de serviço docente. Entretanto, a portaria 212/2009, de 23 de Fevereiro, admite ao concurso para professores de Educação Especial os professores que tenham concluído cursos de formação especializada ou de qualificação para o exercício de outras funções educativas sem a menção específica à obrigatoriedade de ter cinco anos de serviço.
O Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua considera que os cursos de especialização para educadores e professores no âmbito das Necessidades Educativas Especiais se podem organizar em seis especialidades: 1. Domínio cognitivo e motor, 2. Domínio emocional e da personalidade, 3. Domínio da audição e surdez, 4. Domínio da visão, 5. Domínio da comunicação e linguagem e 6. Domínio da intervenção precoce na infância.
A organização do currículo encontra-se também determinada por lei. Está determinado que estes cursos de formação especializada contêm obrigatoriamente um componente geral de Ciências da Educação, um componente específico na área da especialização e um componente respeitante à elaboração, desenvolvimento e avaliação de um projeto na área de especialização. O componente de Ciências da educação deve ter o mínimo de 50 horas e preencher o curso até ao máximo de 20% da carga letiva; o componente específico da área de especialização não pode ser inferior a 60% da carga horária total e o componente de formação orientada para a elaboração do projeto deve ter o mínimo de 40 horas.
Presta-se, nesta legislação, uma particular atenção à qualificação do corpo docente dado que é explicitamente referido que 70% da carga horária dos cursos devemos ser asseguradas por professores com o grau acadêmico de mestre e doutor.
Na área específica de Educação Especial, as competências a desenvolver por estes cursos situam-se a quatro níveis: competências de análise crítica, competências de intervenção, competências de formação, de supervisão e de avaliação e competências de consultoria.
Com as mudanças operadas com vista à harmonização do sistema de ensino Superior ao Processo de Bolonha, alterações importantes se passaram nesta situação. A formação de professores passou a ser feita só através da frequência de um segundo ciclo de estudos (Mestrado). Isto implica que qualquer professor só termina a sua habilitação para a docência depois de um curso de Mestrado. Assim, a especialização em Educação Especial passa a ser feita para alunos que têm já um Mestrado e que vem frequentar um curso de especialização em Educação Especial.
Desde 2008, quando esta legislação foi aprovada, multiplicam-se nas escolas Superiores de Educação públicas e privadas (Ensino Superior Politécnico), bem como nas Universidades (com particular realce para as universidades privadas) cursos de Mestrado em Educação Especial que têm vindo progressivamente a substituir os anteriores Cursos de especialização ou Pós-graduados em Educação Especial.
Dado o caráter recente destas medidas, falta ainda uma avaliação sobre o impacto desta modificação nos diferentes níveis. Algumas notas são possíveis de adiantar:
1. Os cursos de Mestrado que anteriormente tinham um caráter predominantemente de introdução à investigação científica, adquirem cada vez mais características profissionalizantes.
2. A mudança de filosofia dos cursos implicará naturalmente mudanças curriculares, de metodologias e de objetivos de formação.
3. No presente momento não existe ainda uma clara definição das características de uma via "científica" e de outra via "profissionalizante", o que tem originado alguma indeterminação.
6 Comentários às opções
Como dissemos no início, o objetivo deste trabalho é apresentar e comentar algumas das políticas em vigor em Portugal para a organização da Educação Especial. Deixamos, por isso, alguns breves pontos de comentário/reflexão que poderão ser usadas como pontos de apoio para entender a realidade necessariamente complexa da Educação Especial e Inclusiva em Portugal.
1. Antes de mais cabe referir que existem, há cerca de 35 anos em Portugal, políticas que se direcionam para a integração e inclusão de alunos com dificuldades na escola regular. Mais ou menos apoiadas, mais ou menos decididas, estas políticas permitiram que se possa afirmar hoje que Portugal conseguiu resultados muito encorajadores sob o ponto de vista da inclusão de alunos com NEE na escola Regular. Cabe comentar a este nível, que este aspecto tem representado um assinalável esforço financeiro dado que Portugal é dos países com um valor menor de rendimento per-capita da União Européia.
2. No que respeita ao esforço financeiro e de recursos, lembramos que existem, em Portugal, 4.779 professores de Educação Especial, cuja função é a de exclusivamente apoiar alunos com dificuldades. A criação dos CRTIC representa igualmente um esforço de modernização do sistema de apoio à educação, sobretudo se conjugado com o plano nacional que prevê que cada aluno possa dispor a curto prazo de um computador pessoal.
3. A política de criação de redes de serviços (ao nível das escolas de referência ou das unidades especializadas) constitui uma resposta alternativa a situações que sem elas teriam muita dificuldade de enveredar por modelos inclusivos. A criação de escolas de referência precisa de ser convenientemente avaliada dado que a opção evidente e não ponderada por este tipo de modelo pode revelar-se negativa. Sabe-se hoje da importância que têm as "redes sociais de apoio" para a inclusão na sociedade. A questão é: como se podem desenvolver estas redes comunitárias se a criança frequenta uma escola de referência, por exemplo, a 30 quilômetros? É, pois, uma situação que merece uma cuidadosa avaliação.
4. A adoção da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) como o instrumento para a classificação dos alunos e tomada de decisão sobre o "acesso", ou não, à Educação Especial, é também uma decisão que tem vindo a ser contestada por parte dos meios acadêmicos e dos próprios docentes de Educação Especial. Estas reações questionam a razão de se recorrer a um instrumento da Saúde para orientar um processo que deve ser pedagógico e inclusivo, ou seja, baseado nas Necessidades Educativas e não nos déficits. O processo apressado e mal informado do lançamento desta adoção da CIF não contribuiu também para uma boa receptividade dos professores. (FEEI, 2007).
5. O financiamento da Educação Especial continua a ser assunto polêmico. As escolas de ensino regular recebem os alunos que, tradicionalmente eram institucionalizados e, seria fundamental transferir também as verbas, ou definir uma forma de financiamento, que não existe em Portugal. Em vez disso, o Ministério da Educação adotou a criação dos CRI, geridos pelas instituições de Educação Especial, às quais as escolas regulares têm de recorrer de forma desarticulada. Esta contradição entre uma política inclusiva e a manutenção do financiamento às instituições, parece dificultar a melhoria dos processos de inclusão. Por outro lado, a mitigação do financiamento penaliza as escolas com alunos que exijam mais recursos, nomeadamente as que possuem Unidades Especializadas, onde se verifica uma concentração do atendimento nos casos que exigem apoios permanentes, em detrimento das restantes crianças com NEECP.
6. A formação de professores de Educação Especial é definida em termos de deficiências, com cursos de especialização para Deficiência Mental-Motora; Visual; Comunicação, etc., indo ao encontro dos subgrupos da própria organização da carreira destes docentes, também ela alicerçada por tipos de deficiência. Seria importante harmonizar as especializações de formação com as especialidades reconhecidas a nível profissional. É importante também repensar muitos dos cursos de professores de Educação Especial que talvez não tenham feito as mudanças no currículo e nas estratégias de formação que permitam ao professor ser um profissional capaz num modelo de Educação Inclusiva.
7. Por fim, gostaríamos de realçar o papel importante que a monitorização e avaliação desempenham em todo este processo. Num sistema que tem evoluído tão rapidamente e em que tantos interesses e conceitos de qualidade estão implicados, é essencial que exista uma monitorização de forma permanente e que esteja montado um sistema de avaliação significativa e isenta. Seria muito desejável que, quando se pede aos professores que sejam reflexivos e flexíveis na sua prática, se lhes pudesse assegurar que o sistema em que estão integrados é, também ele, reflexivo e dialogante.
Recebido: 07/06/2010
Reformulado: 09/02/2011
Aprovado: 10/02/2011
Referências bibliográficas
- CCPFC. Deliberação da Secção Especializada sobre a acreditação de Cursos na área da Educação Especial, Braga, 2008
- CNE. Uma educação inclusiva a partir da escola que temos. Conselho Nacional de Educação, CNE, 1999.
- COSTA, A. M., RODRIGUES, D. Country Briefing - Special Education in Portugal, European Journal of Special Educational Needs, v.14, n.1, p.70-89, 1999.
- DEB. Observatório dos apoios educativos 2000/2001. Departamento de Educação Básica, DEB. Ministério da Educação, 2001.
- DGIDC. Educação inclusiva: da retórica à prática. DGIDC. 2009.
- FEEI - Fórum de Estudos de Educação Inclusiva. A aplicação da CIF como instrumento de avaliação a planificação pedagógica, Fevereiro, 2007.
- FELGUEIRAS, I. As crianças com NEE. Como as educar? Inovação, v. 7, n.1, p. 23-35, 1994.
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- PORTUGAL. Dec-Lei N.º 46/86, de 14 de Outubro. Lei de Bases do Sistema Educativo. Portugal: Diário da República nº 237, I Série.
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- PORTUGAL. Despacho Conjunto N.º 105/97, de 1 de Julho. Portugal: Diário da República nº 149, II Série.
- PORTUGAL. Despacho Conjunto nº 453/2004, de 27 de Julho. Portugal: Diário da República nº 175, II Série.
- PORTUGAL. Despacho Normativo nº 1/2006, de 6 de Janeiro. Portugal: Diário da República nº 5, I Série-B.
- PORTUGAL. Despacho Normativo nº 50/2005, de 15 de Novembro. Portugal: Diário da República nº 215, I Série-B.
- PORTUGAL. Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de Agosto. Constituição da República Portuguesa. Sétima Revisão Constitucional. Portugal: Diário da República nº 155, I Série-A.
- PORTUGAL. Lei nº 21/2008, de 12 de Maio. Portugal: Diário da República nº 91, I Série.
- PORTUGAL. O Decreto-Lei nº20/2006, de 31 de Janeiro. Portugal: Diário da República nº 22, I Série-A.
- PORTUGAL. Portaria nº 212/2009 de 23 de Fevereiro. Portugal: Diário da República nº 37. I Série.
- PUBLIC LAW 94-142. Education for all Handicapped Children Act of 1975, 94th Congress, First Session, 1975.
- Salamanca. Conferência mundial sobre necessidades educativas especiais: acesso e qualidade. Salamanca: UNESCO, 1994.
- WARNOCK, M. Special education needs report of Committee of Inquiry into the education of handicapped children and young people. London: Her Majesty's Stationery Office, 1978.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Maio 2011 -
Data do Fascículo
Abr 2011
Histórico
-
Recebido
07 Jun 2010 -
Revisado
09 Fev 2011 -
Aceito
10 Fev 2011