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Análise da produção de vídeos por estudantes como uma estratégia alternativa de laboratório de física no Ensino Médio

Analysis of students' video production as an alternative strategy for the physics lab

Resumos

Um projeto de produção de vídeos de curta duração feitos pelos estudantes é proposto como estratégia alternativa para o laboratório de física no Ensino Médio - cuja contribuição para a aprendizagem vem sendo fartamente discutida a partir da última metade do século XX. O projeto foi implementado em 2008 em três turmas de uma escola do Rio de Janeiro ao longo de 4 meses. Foram produzidos 14 vídeos, que foram analisados à luz do referencial de Nedelsky para o trabalho experimental e de Driver para os aspectos da representação epistemológica dos estudantes. A estratégia demonstrou ser profícua na medida em que os objetivos do trabalho experimental nas etapas de desenvolvimento levaram ao engajamento intelectual e à motivação dos alunos. A próxima etapa visa ao estudo da contribuição desta estratégia para a aprendizagem conceitual dos estudantes.

laboratório didático; estratégia de ensino; produção de vídeo; natureza da ciência


A project for students' video production is proposed as an alternative strategy for the high school physics laboratory - whose contribution to learning has been frequently criticized since the middle of last century to these days. The project was implemented in 2008 in three high school classes in Rio de Janeiro and developed along 4 months. Fourteen videos were produced and they were analyzed within two reference frames: Nedelsky's for the labwork features and Driver's for the students' epistemological representations. The strategy proved to be fruitful since the objectives of labwork along the stages of development provoked both intellectual engagement and the motivation of the students. The next step will study the effect of this strategy on students' conceptual learning.

didactic laboratory; teaching strategy; video production; nature of science


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Análise da produção de vídeos por estudantes como uma estratégia alternativa de laboratório de física no Ensino Médio

Analysis of students' video production as an alternative strategy for the physics lab

Marcus Vinicius PereiraI, 1 1 E-mail: marcus.pereira@ifrj.edu.br. ; Susana de Souza BarrosII

IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Um projeto de produção de vídeos de curta duração feitos pelos estudantes é proposto como estratégia alternativa para o laboratório de física no Ensino Médio - cuja contribuição para a aprendizagem vem sendo fartamente discutida a partir da última metade do século XX. O projeto foi implementado em 2008 em três turmas de uma escola do Rio de Janeiro ao longo de 4 meses. Foram produzidos 14 vídeos, que foram analisados à luz do referencial de Nedelsky para o trabalho experimental e de Driver para os aspectos da representação epistemológica dos estudantes. A estratégia demonstrou ser profícua na medida em que os objetivos do trabalho experimental nas etapas de desenvolvimento levaram ao engajamento intelectual e à motivação dos alunos. A próxima etapa visa ao estudo da contribuição desta estratégia para a aprendizagem conceitual dos estudantes.

Palavras-chave: laboratório didático, estratégia de ensino, produção de vídeo, natureza da ciência.

ABSTRACT

A project for students' video production is proposed as an alternative strategy for the high school physics laboratory - whose contribution to learning has been frequently criticized since the middle of last century to these days. The project was implemented in 2008 in three high school classes in Rio de Janeiro and developed along 4 months. Fourteen videos were produced and they were analyzed within two reference frames: Nedelsky's for the labwork features and Driver's for the students' epistemological representations. The strategy proved to be fruitful since the objectives of labwork along the stages of development provoked both intellectual engagement and the motivation of the students. The next step will study the effect of this strategy on students' conceptual learning.

Keywords: didactic laboratory, teaching strategy, video production, nature of science.

1. Introdução

A abordagem experimental no ensino de física com enfoque fenomenológico pode facilitar a compreensão de conceitos físicos, além de encorajar a aprendizagem ativa, motivar e despertar o interesse, desenvolver o raciocínio lógico e a comunicação, e estimular a capacidade de iniciativa e de trabalho em grupo [1]. No entanto, professores e pesquisadores vêm questionando a eficiência do laboratório didático tal como realizado desde a década de 1990, já que pouco se conhece dos processos cognitivos do estudante durante a realização e interpretação de uma atividade experimental.

Os trabalhos de pesquisa da área de ensino de física ao longo das últimas décadas apontavam o laboratório como o grande potencializador no processo de ensino de física, sendo a experimentação realizada pelo estudante considerada a "vareta mágica" que resolveria qualquer dificuldade de aprendizagem [2]. Há expectativa de que as atividades experimentais de um laboratório introdutório de física desenvolvam habilidades processuais, cujo objetivo central, para Nedelsky [3], é que o aluno compreenda a relação entre ciência e natureza, corroborado pelas ideias de Kirschner [4] em relação ao trabalho do professor que deve ensinar ciência e ensinar sobre ciência como parte de suas atividades de ensino, mas não fazer ciência. Lunetta e cols. [5] estabelecem metas principais para a aprendizagem desenvolvida a partir do laboratório didático como compreensão conceitual e procedimental (com argumentação a partir dos dados), conhecimento de como a ciência e o cientista trabalham, interesse e motivação, e compreensão de métodos de investigação e raciocínio científico, incluindo a natureza da ciência. Ao levantarem evidências em vasta literatura do campo, os autores afirmam que tais metas não são atingidas frequentemente.

É importante mencionar que a escola média brasileira não tem tradição em aulas de laboratório, já que estas requerem um amplo espectro de habilidades: montagem da experiência, compreensão dos conceitos físicos envolvidos, utilização de instrumentos de medida, obtenção, registro e análise de dados, entre outros. Essas habilidades requerem maturação por parte do aluno, assim como uma infraestrutura que exige do professor organização e disponibilidade para seu desenvolvimento, quando ele não é dedicado exclusivamente às aulas de laboratório. É interessante que estes aspectos vêm sendo mencionados em trabalhos nos últimos 30 anos, haja vista o estudo realizado por Castro e Magalhães [6] datado de 1979 e o trabalho de Elia [7] intitulado O Ensino Não Experimental de uma Ciência Experimental.

Mesmo assim, poucos estudos têm investigado e divulgado a eficiência das atividades experimentais de física sobre a aprendizagem, como comentado por Borges [8].

Mesmo nos países onde a tradição de ensino experimental está bem sedimentada, a função que o laboratório pode, e deve ter, bem como a sua eficácia em promover as aprendizagens desejadas, têm sido objeto de questionamentos, o que contribui para manter a discussão sobre a questão há alguns anos.

Um dos resultados de um estudo realizado em sete países europeus [9] não indicou melhoria no ensino de ciências relacionado ao laboratório, mesmo em escolas com condições apropriadas ao ensino experimental (infraestrutura, tempo e suporte). Foi identificado que as atividades experimentais tendem a se limitar ao trabalho com objetos/materiais desenvolvido através de instruções precisas de método e análise, fornecidas pelo professor por meio de um roteiro escrito. É interessante citar ainda algumas das recomendações desse levantamento, tais como: inserção de objetivos epistemológicos, além de objetivos como os conceituais e os procedimentais em atividades do laboratório didático; preparação do professor para compreender melhor o que o aluno aprende e pensa quando trabalha com procedimentos e métodos. Segundo Tamir [10], o planejamento de uma atividade experimental deveria trabalhar algumas habilidades específicas em cada sessão, já que um dos problemas em relação ao laboratório didático é a falsa pretensão de poder atingir um amplo espectro de objetivos em uma mesma sessão de aula de laboratório, e que nem sempre são compatíveis em um mesmo tipo de atividade.

2. Justificativa

No Brasil, em geral, as aulas de laboratório no ensino médio se reduzem a procedimentos pré-determinados em que os estudantes devem utilizar equipamentos, fazer medidas, registrá-las e relatar os resultados. Pouco incentivo é dado à reflexão sobre a conceituação envolvida no experimento, ao desenvolvimento da própria atividade experimental, ao planejamento das medições, à exploração das relações entre grandezas físicas, aos testes de previsões ou à escolha entre diferentes explanações propostas para interpretação dos dados e explicação do fenômeno. É comum a justificativa de falta de tempo, mencionada como fator primordial para poder cumprir o programa, priorizando a teoria com resolução de problemas em detrimento da abordagem experimental.

Alternativamente, a realização de demonstrações em sala de aula por um professor, preocupado com a apresentação de fenômenos físicos, pode desenvolver o espírito de observação e reflexão dos alunos. Apesar disso, essa modalidade de trabalho acarreta: investimento de energia; dificuldade de continuidade; e, sobretudo, não se caracteriza como trabalho experimental por parte do estudante.

A educação vive atualmente um paradoxo: a coexistência de um sistema de ensino tradicional com uma sociedade que desenvolve e acumula informações de forma exponencial. A grande quantidade de recursos como animações, simulações, softwares e vídeos disponíveis na internet criam expectativa quanto ao uso da informática como solução dos problemas que afligem o ensino de ciências - considerada a "vareta mágica" da educação no século XXI. No Rio de Janeiro essa tendência se reflete também com a distribuição de computadores portáteis para professores da rede municipal e estadual.

Considerando o papel fundamental da atividade experimental para a aprendizagem de ciências, as argumentações apresentadas anteriormente remetem a busca por estratégias alternativas que explorem o fenômeno físico de forma integral, tanto do ponto de vista do envolvimento dos estudantes desde a concepção da própria atividade experimental, quanto do reconhecimento da natureza da ciência e dos aspectos que estruturam esse conhecimento.

A evolução de tecnologias da informação e comunicação leva ao enfrentamento da escola com a acessibilidade para os alunos de recursos como o celular, a câmera digital e o computador, que deveriam ser incorporados de forma vantajosa às práticas pedagógicas. Em especial no ensino de física, fenômenos podem ser facilmente gravados em vídeo, por professores e/ou alunos, e trabalhados com diversos enfoques: fenomenológico, epistemológico, tecnológico, dentre outros.

Esta estratégia é contemplada em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais + para o Ensino Médio do Ministério da Educação [11] e o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil do Ministério da Ciência e Tecnologia [12]. Estes valorizam a produção independente por parte dos estudantes ao alertarem para a necessidade de uso de multimeios em estratégias escolares a fim de facilitar competências esperadas ao final da escolaridade básica, das quais se destaca, na área de Ciências da Natureza e Matemática, a elaboração de comunicação oral ou escrita para relatar, analisar e sistematizar eventos, fenômenos, experimentos, etc.

A produção independente de um vídeo pelos próprios estudantes é uma possibilidade de inovação, à medida que representa uma proposta atraente para a sala de aula onde os alunos estão habituados, via de regra, à comunicação unidirecional do professor. O potencial pedagógico da câmera de vídeo reside na possibilidade dos estudantes a utilizarem para externalizar suas idéias, seu pensamento criativo, permitindo produzir imagens de situações físicas representativas dos modelos físicos conceituais previamente escolarizados [13], e, desta forma, "descobrir novas possibilidades de expressão, fazer experiências de grupo em um esforço de criação coletiva, experimentar e experimentar-se" [14].

Em um estudo piloto de Filipecki e Barros [15] cujo intuito era apresentar uma estratégia alternativa para o laboratório didático, no ensejo de atender objetivos tanto cognitivos como afetivos, alunos de Ensino Médio usaram a câmera de vídeo para registro de atividades experimentais de física. Foram desenvolvidos vídeos no contexto de experiências escolarizadas dentro e fora do laboratório; situações do cotidiano; entrevistas com especialistas sobre temas da física ou da tecnologia em geral; ou ainda situações híbridas.

Este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre o papel do laboratório quando realizado através do projeto de produção de vídeos de experimentos por estudantes de Ensino Médio, e, assim, fomentar uma estratégia factível para o laboratório didático de física que implica no engajamento do estudante através da construção intelectual do assunto desenvolvido.

3. Referencial teórico

A ênfase do laboratório no ensino de ciências naturais remonta a década de 1960, quando a corrida espacial deu início a movimentos de reforma curricular como o projeto americano Physical Science Study Committee (PSSC), dentre outros. Kirschner [4], como outros pesquisadores, reconhece que os esforços para melhorar o ensino de ciências em escolas secundárias nos anos 1950 e 60 ficaram abaixo das expectativas, afirmando que o maior obstáculo encontrado no caminho para a melhoria na educação em ciências era a epistemologia baconiana.

Muitos autores, ao ratificarem a importância do laboratório didático, discorrem sobre objetivos que possam contribuir para o processo de ensino-aprendizagem da física. Nessa linha, Borges [8] afirma que "os estudantes não percebem outros propósitos para as atividades práticas que não os de verificar e comprovar fatos e leis científicas, que é determinante na sua compreensão acerca da natureza da ciência". O autor apresenta alguns objetivos que os professores tradicionalmente associam aos laboratórios de ciências: verificação e comprovação de leis e teorias científicas; ensino de um método científico; facilitação da aprendizagem e compreensão dos conceitos; e ensino de habilidades práticas.

Para Nedelsky [16], pioneiro na discussão sobre o laboratório didático, a atividade experimental deve desenvolver habilidades processuais no aluno, em que o ponto central é a compreensão da relação entre ciência e natureza. Dois aspectos são considerados importantes em relação ao trabalho do aluno no laboratório, reflexão (hard thinking) e motivação, para que os resultados experimentais tenham significado para o estudante, e, como consequência, ele compreenda o fenômeno físico à luz do modelo teórico que fundamenta a experiência.

Em Nedelsky [3] podem ser reconhecidos como objetivos básicos do laboratório didático: a compreensão verbal; a linguagem matemática; o conhecimento dos conceitos físicos; a generalização empírica; a possibilidade de aprender a partir da observação e da experimentação; e a compreensão do próprio laboratório (materiais, relações teoria e fenômenos - modelos, processo e desenho experimental - procedimento, coleta e interpretação de dados).

Considerando-se o referencial nedelskyano, corroborado por Borges [8] que alude às atividades práticas para a apreciação da natureza da ciência e da investigação científica, buscou-se em Driver e cols. [17] um referencial que permitisse reconhecer aspectos do raciocínio epistemológico quando os estudantes realizam atividades experimentais. Este referencial origina três representações qualitativamente diferenciáveis, nas quais o raciocínio pode ter embasamento no fenômeno, nas relações entre as grandezas físicas ou no modelo. Cada uma destas representações pode ser associada às formas específicas de descrição dos estudantes quanto à investigação em ciência, à natureza da explanação científica, e às relações entre explanação e descrição (teoria e evidência), apresentadas de forma resumida na Tabela 1 (traduzida e resumida da Ref. [17]) apresentada a seguir.

Os referenciais apresentados serão utilizados para analisar os dados visando identificar tanto o trabalho laboratorial como a construção das explanações de fenômenos naturais pelos estudantes no processo de produção dos vídeos.

4. O projeto de produção de vídeos

O projeto consistiu na produção de vídeos de curta duração de experimentos simples como atividade final das aulas de laboratório de física. Ele foi implementado em três turmas (66 alunos) do Ensino Médio de uma escola do Rio de Janeiro. Os alunos têm regularmente aulas tradicionais de laboratório cuja dinâmica envolve procedimentos previamente determinados através de um roteiro escrito estruturado, que não os capacita a demonstrar ou construir os objetos envolvidos na atividade experimental, nem explorar relações, testar previsões e selecionar entre mais de uma explanação para um fenômeno.

No trabalho de Filipecki e Barros [15] são apontados três aspectos importantes decorrentes de um trabalho de produção de vídeos pelos estudantes. O primeiro é o aspecto conjuntural, ou seja, compatível com as condições existentes na escola. O segundo diz respeito à cognição, já que pode potencializar os processos de aprendizagem dos conceitos físicos, e o terceiro refere-se à motivação dos alunos.

O desenvolvimento do projeto tem por base etapas que podem garantir idas e voltas, como mostra o fluxograma da Fig. 1 (adaptado de [15]), de acordo com a necessidade de cada grupo, e que pode ser entendido como um aspecto recursivo-reflexivo no planejamento, elaboração, interpretação e avaliação dos experimentos. Além disso, a implementação do projeto em 2008 contou com a utilização de câmera digital e outros dispositivos para captura de imagem e áudio, além de programas específicos para edição como o Windows Movie Maker (utilizado por todos os grupos de trabalho), contribuindo para evidenciar características específicas do fenômeno físico - o que pode ser entendido como o aspecto experimental-tecnológico do projeto.


Foi solicitada que a produção do vídeo apresentasse atividades simples de um assunto previamente estudado, as grandezas físicas envolvidas, as interações do sistema, a obtenção de dados de forma qualitativa e/ou quantitativa, e, consequentemente, uma explanação.

Quanto à linguagem audiovisual específica, foi solicitado que o vídeo apresentasse os seguintes atributos:

  • sequência lógica;

  • clareza de comunicação (oral, escrita e imagem);

  • autonomia conceitual (autoexplicativo);

  • curta duração (2 a 4 minutos).

É importante salientar que não se pretendeu avaliar a habilidade instrumental por parte dos estudantes quanto à construção do sistema utilizado. Para tanto, permitiu-se que eles utilizassem tanto materiais disponíveis no laboratório didático de física da escola como materiais obtidos ou construídos por eles.

O projeto foi implementado ao longo de dois bimestres de 2008 de acordo com o seguinte cronograma básico:

A etapa inicial diz respeito à orientação, quando se discutiu o projeto com os estudantes e foram apresentadas as informações gerais, os objetivos, o cronograma e as formas de avaliação. Após a escolha do tema pelo grupo, em média de 4 alunos, deu-se início à pesquisa de conceitos e das atividades práticas, tanto em fontes impressas quanto na internet, e planejou-se a situação experimental a ser testada. Nesse momento refletiu-se quanto às possibilidades de exploração do fenômeno, a fim de promover a compreensão do assunto. O grupo elaborou um roteiro resumido para o vídeo que foi lido criticamente pelo professor e discutido com o respectivo grupo para fazer as modificações necessárias. A elaboração do roteiro detalhado posteriormente guiou as etapas de produção e edição do vídeo, que, ao final, foi exibido em aula e avaliado pelos colegas de turma e pelos alunos-produtores (autoavaliação).

5. Os vídeos produzidos

A implementação do projeto resultou na produção de 14 vídeos, apresentados na Fig. 2 que mostra uma imagem representativa e o tópico de física tratado em cada vídeo.


Doravante as letras maiúsculas identificam os vídeos, classificados na Tabela 2 de acordo com os temas estruturadores propostos nos PCN+ [11]. Nenhum vídeo contemplou os temas Matéria e Radiação e Universo, Terra e Vida.

Todos os vídeos foram editados não-linearmente e fizeram uso, com exceção do vídeo A, de legendas associadas às imagens, além de fotografias e animações em alguns casos. Em relação ao áudio, todos apresentaram locução e trilha sonora conjugados com a imagem, com exceção do vídeo D que intercalou texto e imagem apenas com trilha sonora, sem prejuízo à clareza de comunicação.

6. Discussão dos resultados

A Tabela 3 mostra o título original do vídeo, o contexto de filmagem (CF) e a duração de cada vídeo (D). Em relação ao contexto da filmagem, 9 vídeos foram produzidos no laboratório didático da escola (LD), 2 vídeos em um tipo de laboratório caseiro (LC), e 3 vídeos conjugaram estes dois contextos (LD + LC), dentre eles o vídeo I em que o contexto doméstico é ficcional, com a encenação de um telejornal, e não um espaço para realização do experimento.

A primeira análise dos vídeos foi feita à luz do referencial nedelskyano com base em três dimensões - características, habilidades processuais e trabalho experimental - apresentadas no trabalho de Oliveira e Barros [18], subdivididas em categorias mais específicas, às quais foram atribuídos critérios de avaliação de acordo com a seguinte escala: excelente (4), bom (3), regular (2), ruim (1) e ausente (0).

As características foram analisadas em termos da organização e compreensão, clareza de comunicação, explicação científica, ordenação de ideias e autonomia conceitual, ou seja, o quanto o vídeo atendia aos atributos solicitados. As habilidades processuais levaram em conta observação e descrição, realização da própria atividade experimental, explanação coerente e conclusão com resultados. Em relação ao trabalho experimental, foram considerados relevantes: o uso adequado de instrumentos de medida; a relação explícita com a teoria; o desenho experimental; e a interpretação dos dados.

A Tabela 4 apresenta o resultado da análise dos vídeos sob o referencial nedelskyano para as três dimensões propostas: características (C), habilidade processual (HP) e trabalho experimental (TE).

Os dados apresentados nas Tabelas 3 e 4 não mostram relação entre o contexto e a duração do vídeo com as dimensões analisadas. No entanto, no estudo de Oliveira e Barros [18], que analisou 86 vídeos produzidos por alunos basicamente no contexto doméstico (LC), apenas a dimensão relativa às características foi satisfatória (2,5 em 4), já que a avaliação das habilidades processuais e do trabalho experimental foi regular/ruim, com médias respectivamente iguais a 1,6 e 1,4 em 4. A comparação com os dados obtidos neste artigo mostra que há coerência entre as três dimensões, o que pode indicar a importância das etapas (Fig. 1), a necessidade de acompanhamento do professor e, por conseguinte, a realização do trabalho experimental no laboratório escolar (LD).

No que segue, será utilizado o referencial de Driver e cols. [17], apresentado na Tabela 1, para analisar a representação epistemológica dos estudantes que surge a partir da leitura dos vídeos produzidos.

Os vídeos A e H são focados no fenômeno, visto que a natureza da explanação parte do próprio fenômeno com a descrição do seu comportamento, sem que haja clara diferenciação entre descrição e explicação. Os vídeos J e M, mesmo apresentando explicação pouco descritiva, não chegam a fazer correlação entre as variáveis, e por isso são considerados também fundamentados no fenômeno.

O raciocínio baseado nas relações entre variáveis é mais evidente nos vídeos B, D, E, F, G, I, K, L e N. Alguns o fazem de forma simples, como o N que aborda o conceito de indução eletromagnética ao relacionar a velocidade com que se introduz um ímã em uma bobina com a amplitude do ponteiro de um miliamperímetro que mede a corrente induzida, sem registro da medida. O vídeo F trabalha o princípio de Pascal a partir da apresentação de vários experimentos qualitativos para explicação do conceito de pressão. Um estudo formal sobre resistores ôhmicos e não-ôhmicos com a elaboração de tabelas a partir de resultados obtidos experimentalmente e a construção de gráficos é feito somente no vídeo D, que apresenta as curvas corrente versus tensão obtidas para um resistor e para uma lâmpada, concluindo através de evidência experimental a dependência entre a resistência e a temperatura. Correlações sem explicitação numérica de uma das variáveis são feitas, por exemplo, pelos vídeos I e L, que, ao estudarem o motor elétrico de corrente contínua, mostram variações de grandezas que influenciam o campo magnético criado por uma espira circular - raio, número de voltas e tensão - e as correlacionam com a velocidade de rotação da espira (eixo do motor). A medida da velocidade é comparada na locução como maior ou menor, sem explicitar as evidências, mesmo podendo ser calculada quando se conhece a frequência de registro quadro-a-quadro do vídeo. O princípio de Arquimedes é trabalhado no vídeo G a partir da correlação controlada entre variáveis, quando grandezas físicas relevantes e irrelevantes são consideradas. Nesse vídeo, os alunos utilizam o mesmo desenho experimental em três situações diferentes: um corpo metálico preso a um dinamômetro que mede seu peso quando suspenso no ar (I) e seu peso aparente quando totalmente imerso em um líquido (II). Para a determinação do empuxo (diferença entre I e II) foram feitas 9 medidas correlacionadas com a densidade do líquido, com o volume do corpo imerso (grandezas relevantes), e com a densidade do corpo (grandeza irrelevante). Os vídeos cuja abordagem representa uma forma de raciocínio baseado nas relações parecem não ter problemas quanto à distinção entre teoria e evidência, ou seja, discriminam a explicação e a descrição do fenômeno.

A fundamentação baseada no modelo aparece semente no vídeo C, mesmo que alguns elementos do referencial driveriano não estejam presentes, como seja o reconhecimento do status provisório das teorias e a proposição de diversos modelos teóricos para um fenômeno, considerando que teoria e modelos são suposições. No entanto, reconhece-se que uma explanação não pode ser deduzida logicamente a partir de dados observacionais, levantando hipóteses sobre entidades teóricas de diferentes categorias. Este vídeo apresenta uma tabela com os valores calculados a partir do modelo teórico considerado e um gráfico construído com esse valores. Em seguida, realiza medidas a fim de testar sua previsão.

7. Exemplo

Para exemplificar os vídeos produzidos, a Fig. 3 apresenta uma sequência de imagens representativas das cenas do vídeo L, intitulado Motor de Corrente Contínua, a saber: 1 e 2 referem-se ao título e imagem de abertura; 3 refere-se à cena de apresentação dos materiais utilizados; 4 e 5 representam as cenas que explicam a teoria básica sobre fenômenos magnéticos e 6 a 9 as cenas que mostram as evidências - o experimento; 10 refere-se à cena que explica o experimento; 11 e 12 representam a comparação qualitativa dos resultados; 13 e 14 chamam a atenção para as condições iniciais do experimento; 15 finaliza o vídeo com uma imagem seguida dos créditos.


8. Considerações finais

A análise das dimensões a partir do referencial de Nedelsky, que respondem pelos objetivos ortodoxos do papel do laboratório didático, mostra que a estratégia alternativa utilizada é profícua para o trabalho de situações experimentais pelo aluno, já que as três dimensões nedelskyanas são coerentes, como mostrado na Tabela 4.

A representação epistemológica dos estudantes, que está diretamente associada ao aprofundamento do conhecimento conceitual e requer raciocínio hipotético-dedutivo bem estabelecido, foi analisada com o referencial de Driver e cols. e mostra, em primeira instância, que os grupos de estudantes demonstraram dificuldades em apresentar argumentos relacionados à teoria para poderem fazer a adequada explanação. É provável que este aspecto não esteja bem resolvido na orientação, de modo que deveria ser necessária a elaboração guiada para que o aluno complementasse os dados e informações elaboradas no vídeo através de sua comunicação explícita, verbal e escrita quanto à escolha de grandezas relevantes e à adequação do modelo teórico que explica os resultados experimentais observados.

Outro aspecto a ser introduzido na orientação diz respeito ao registro explícito de dados de forma quantitativa e/ou qualitativa, feita por 7 dos 14 vídeos analisados. Isto pode facilitar o processo de análise de dados à luz de um modelo para compreensão do fenômeno físico, já que 7 vídeos referiram-se oralmente aos dados, sem mostrar a evidência experimental.

Os estudantes fizeram uso espontâneo de elementos gráficos como imagens e animações, itens não solicitados na orientação inicial, mas necessários na linguagem audiovisual construída por eles ao externalizarem sua criatividade. Há necessidade de diretrizes quanto à utilização de áudio, legendas e fotografia, a fim de que sua falha, falta ou excesso não prejudique a sequência lógica do vídeo.

O projeto permitiu que os estudantes explorassem objetivos do trabalho prático-experimental nas diversas etapas e trabalhassem conceitos físicos ao fazerem observações e explanações sobre as situações experimentais selecionadas. Este fato é evidenciado pela forma orgânico-fenomenológica no desenvolvimento de habilidades como o manuseio de aparelhos, coleta, registro e análise de dados, e, sobretudo, a própria compreensão do fenômeno e sua relação com a teoria. A orientação de um professor preparado para a tarefa e disposto a delimitar as etapas é essencial para garantir o caráter recursivo-reflexivo do projeto.

Em relação à aprendizagem conceitual, objetivo que não fez parte deste artigo, seria oportuno que em uma próxima intervenção os grupos trabalhassem o mesmo assunto e, desta forma, se pudesse avaliar a sua contribuição e eficiência para tal.

Uma das vantagens desta estratégia alternativa em relação ao laboratório tradicional é o aumento da responsabilidade assumida pelo estudante na produção do vídeo, que solicita engajamento intelectual através da pesquisa sobre o assunto, levantamento dos conceitos-chave e a criação da situação experimental, que será testada, modificada e verificada o quanto for necessário. Estes elementos são determinantes para a aprendizagem de ciências naturais, principalmente por fazer com que o estudante de forma autônoma busque a compreensão dos conteúdos, reconheça grandezas relevantes que são apresentadas como símbolos abstratos na teoria, entendendo assim a relação entre grandezas físicas e suas medições, e, desta forma, resolva problemas inerentes à situação experimental que ele propôs apresentar/filmar.

Mesmo que este trabalho não tenha levantado informações que permitam apresentar dados relativos ao processo de elaboração do vídeo pelos alunos, é possível aventar que o necessário trabalho intelectual (minds on) é desenvolvido de forma independente e em espiral, requerendo tempo, percepção, experiência e compreensão do assunto.

As considerações apresentadas apontam para a diferença entre o papel do trabalho experimental quando realizado pelo aluno na aula tradicional de laboratório que, via de regra, é um processo linear-orientado e na produção de um vídeo, estratégia vantajosa em relação a anterior não somente pelo caráter conjuntural e motivacional, mas principalmente pelos aspectos recursivo-reflexivo e experimental-tecnológico que favorecem a cognição.

Recebido em 26/02/2010; Aceito em 16/1/2011; Publicado em 28/2/2011

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      26 Fev 2010
    • Aceito
      16 Jan 2011
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