Acessibilidade / Reportar erro

Os opostos se atraem? uma investigação a partir de sistemas dinâmicos

Do opposite attract? an investigation from dynamical systems

Resumos

Neste trabalho é feita uma análise do problema inicialmente discutido por S. Strogatz que trata da relação amorosa entre duas pessoas por meio de um sistema dinâmico. Para tanto, faz-se uma discussão dos conceitos e ferramentas básicas da teoria de Sistemas Dinâmicos essenciais para a análise proposta. Investiga-se o comportamento assintótico do sistema para os valores dos parâmetros correspondentes aos casos em que se tem "sentimentos opostos" e "personalidades opostas" de acordo com a interpretação dada ao sistema a fim de discutir a questão "os opostos se atraem?". Discute-se também a situação em que o casal sofre influência de um agente externo cuja dinâmica é governada por uma equação não-linear. Como resultado, obtém-se os planos de fase para as várias situações consideradas bem como a função hamiltoniana para os casos de centros e selas. Conclui-se citando alguns problemas físicos que são descritos por equações semelhantes.

dinâmica de amor e ódio; equações diferenciais; campo vetorial; função hamiltoniana


We analyze the problem first discussed by S. Strogatz, which deals with the loving relationship between two people through a dynamical system. A discussion of the concepts and basic tools of Nonlinear Dynamics is done and we focuse on the asymptotic behavior for parameters values that can be interpreted as "opposite feelings" and "opposite personalities" for answer the question "do opposite attract?". We also discuss the influence of an external agent whose dynamics is governed by a nonlinear equation. Our results correspond to the phase planes for the several situations of the model as well as the Hamiltonian function for the cases of center and saddle fixed points. We conclude by quoting some physical systems that are describe by of similar functions.

love hate dynamics; differential equations; vector field; Hamiltonian function


ARTIGOS GERAIS

Os opostos se atraem? Uma investigação a partir de sistemas dinâmicos

Do opposite attract? An investigation from dynamical systems

S.A. AbdulackI; R.M. SzmoskiI, 1 1 E-mail: rmszmoski@gmail.com. ; M.T. Van KanII; R.A. VosgerauIII

IDepartamento de Física, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil

IIDepartamento de Matemática e Estatística, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil

IIICoordenação de Eletrônica, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, PR, Brasil

RESUMO

Neste trabalho é feita uma análise do problema inicialmente discutido por S. Strogatz que trata da relação amorosa entre duas pessoas por meio de um sistema dinâmico. Para tanto, faz-se uma discussão dos conceitos e ferramentas básicas da teoria de Sistemas Dinâmicos essenciais para a análise proposta. Investiga-se o comportamento assintótico do sistema para os valores dos parâmetros correspondentes aos casos em que se tem "sentimentos opostos" e "personalidades opostas" de acordo com a interpretação dada ao sistema a fim de discutir a questão "os opostos se atraem?". Discute-se também a situação em que o casal sofre influência de um agente externo cuja dinâmica é governada por uma equação não-linear. Como resultado, obtém-se os planos de fase para as várias situações consideradas bem como a função hamiltoniana para os casos de centros e selas. Conclui-se citando alguns problemas físicos que são descritos por equações semelhantes.

Palavras-chave: dinâmica de amor e ódio, equações diferenciais, campo vetorial, função hamiltoniana.

ABSTRACT

We analyze the problem first discussed by S. Strogatz, which deals with the loving relationship between two people through a dynamical system. A discussion of the concepts and basic tools of Nonlinear Dynamics is done and we focuse on the asymptotic behavior for parameters values that can be interpreted as "opposite feelings" and "opposite personalities" for answer the question "do opposite attract?". We also discuss the influence of an external agent whose dynamics is governed by a nonlinear equation. Our results correspond to the phase planes for the several situations of the model as well as the Hamiltonian function for the cases of center and saddle fixed points. We conclude by quoting some physical systems that are describe by of similar functions.

Keywords: love hate dynamics, differential equations, vector field, Hamiltonian function.

1. Introdução

A investigação de fenômenos a partir de sistemas dinâmicos é um recurso presente em diversas áreas das ciências. Dentre os sistemas mais utilizados, as equações diferenciais constituem ferramentas de indiscutível importância, principalmente, na descrição de sistemas físicos, químicos, biológicos e em problemas de engenharia [1]. Desde sua descoberta [2,3] as equações diferenciais têm sido utilizadas para estudar e explicar a evolução de diversos fenômenos naturais. Em 1988, porém, S. Strogatz apresenta uma "aplicação" um pouco diferente para equações diferenciais, a saber, a descrição matemática da relação amorosa entre duas pessoas [4]. Na realidade, Strogatz propõe uma interpretação sentimental das variáveis de um sistema de equações a fim de motivar o estudo das equações diferenciais e, ao mesmo tempo, discutir algumas técnicas de resolução. Após o trabalho de Strogatz vários outros estudos envolvendo a descrição de relações amorosas via equações diferenciais foram realizados [5,6,7]. Recentemente, equações de ordem fracionárias [8], equações com termos perturbativos [9] e sistemas com atraso de tempo [10] também têm sido investigadas com tal motivação.

Neste trabalho parte-se do sistema proposto por Strogatz a fim de apresentar algumas técnicas da teoria dos sistemas dinâmicos úteis para analisar o comportamento das soluções das equações diferenciais. Considera-se sobretudo o caso em que se tem personalidades opostas e sentimentos opostos, de acordo com a interpretação dada ao sistema. Obtém-se a função hamiltoniana do sistema e identifica-se semelhanças desta com aquelas de problemas físicos comuns. O sistema é reescrito na forma de uma equação de segunda ordem e leis físicas conhecidas são identificadas a partir de considerações sobre os parâmetros do sistema. Finalmente, é incluída uma terceira equação não-linear no sistema a fim de torná-lo um pouco mais real e, ao mesmo tempo, discutir outros comportamentos dinâmicos próprios de sistemas não-lineares.

2. O modelo linear

O sistema proposto por S. Strogatz é constituído de duas equações diferenciais lineares acopladas que descrevem a variação do sentimento (amor/ódio) entre Romeu e Julieta. Na forma geral do modelo, o sentimento de Romeu (R) e o sentimento de Julieta (J) variam de acordo com as equações

onde a, b, c e d são parâmetros que estabelecem a variação do sentimento de cada um em relação ao sentimento atual de ambos, dado que valores positivos das variáveis denotam amor enquanto que valores negativos denotam ódio.

No sistema (1) as variáveis estão acopladas para a, b, c, d ≠ 0 e os valores escolhidos para os parâmetros indicam os "estilos românticos" de cada um. Na forma apresentada, o modelo admite combinações diferentes de parâmetros das quais Strogatz discutiu essencialmente os casos em que a e d são nulos [4] e o caso em que a = d e b = c, aludindo demais variações [11]. O primeiro caso retrata a história considerando o sentimento de cada um dependendo apenas do sentimento do outro e o segundo representa ambos com o mesmo estilo romântico. Logo, a "quantidade" de amor ou ódio aumenta ou diminui de acordo com o sentimento de cada um bem como do sinal dos parâmetros.

Tendo em vista a quantidade de variações que o sistema (1) admite, serão estudados aqui dois casos particulares e algumas variações destes. O principal interesse é investigar a afirmação de que os opostos se atraem. Para tanto, considera-se, num primeiro momento, c = -b e d = -a de modo que Romeu e Julieta apresentem personalidades opostas e, num segundo momento, c = -a e d = -b, fazendo com que ambos tenham sentimentos opostos.

2.1. A Análise

O estudo deste tipo de problema envolve algumas etapas que são basicamente: ilustrar o campo vetorial; encontrar os pontos fixos; analisar a estabilidade dos mesmos; encontrar e representar graficamente as variedades no espaço de fases. Estes procedimentos permitem obter informações da dinâmica do sistema mesmo sem encontrar a solução analítica, o que para algumas equações diferenciais é uma tarefa difícil ou nem sempre factível. A representação do campo vetorial por exemplo, indica a orientação da curva integral, sendo tangente à trajetória em cada ponto no espaço de fases. Além disso, a determinação dos pontos fixos ou de equilíbrio, da estabilidade destes e das suas variedades ou "manifolds" revelam características do comportamento assintótico do sistema [11,12]. Mesmo no caso de fenômenos descritos por meio de equações não-lineares, o estudo local de pequenas perturbações próximas a um ponto fixo ou, então, a investigação da parte linear do sistema podem evidenciar características importantes do mesmo [13].

Os pontos fixos (x*) de um sistema dinâmico descrito por equações diferenciais são determinados por F = 0 e a estabilidade destes é avaliada pelos autovalores da matriz jacobiana A = DF(x*). Autovalores positivos implicam instabilidade na direção correspondente e autovalores negativos implicam estabilidade [11,14]. Para uma matriz quadrada genérica de ordem 2, os autovalores correspondem às soluções da equação

em que tr(A) denota o traço da matriz A e det(A) corresponde ao determinante de A.

Se det(A) < 0, então a Eq.(3) fornece dois autovalores com sinais contrários, que corresponde a um ponto de sela. Se det(A) deve-se considerar dois casos: (i) quando tr(A)2 > 4det(A), tem-se um , que pode ser assintoticamente estável (tr(A < 0) ou instável (tr(A > 0); (ii) quando tr(A)2 > 4det(A), tem-se autovalores complexos da forma λ = Re(λ) ± i Im(λ). Nestes casos com Re(λ) ≠ 0, obtém-se uma espiral que pode ser estável ou instável de acordo com o sinal da parte real dos autovalores.

Para o sistema (1), o ponto fixo é evidentemente (J*, R*) = (0, 0). Como o sistema é linear, a jacobiana é constante e os autovalores dependem apenas dos parâmetros. No caso de personalidades opostas os autovalores são

e correspondem aos autovetores

Para o caso de sentimentos opostos tem-se

Além da estabilidade dos pontos, a matriz jacobiana também possibilita construir o campo vetorial do sistema, a partir do qual se obtém informações da trajetória. Um conjunto de condições iniciais é escolhido e a cada ponto x associa-se um vetor Ax, gerando vetores com base em x orientados segundo a trajetória [15]. Como as variedades são geradas pelos autovetores, o campo informa o comportamento das trajetórias em cada ponto do espaço de fases uma vez que cada seta é tangente àquele ponto da trajetória.

2.2. Resultados

Para o caso de personalidades opostas obtém-se um centro para a < b, Fig. 1 e uma sela para a < b, Fig. 2. O primeiro caso significa que o sentimento de Romeu é influenciado mais pelo sentimento de Julieta do que pelo sentimento próprio, enquanto que o amor (ódio) de Julieta depende mais do sentimento de Romeu.



Como trata-se de um centro, as trajetórias oscilam em torno do ponto (0, 0). Neste caso, o sentimento de ambos oscila continuamente entre amor e ódio, existindo amor mútuo (ódio mútuo) apenas no primeiro (quarto) quadrante do espaço de fase. Evidentemente, as trajetórias serão circunferências concêntricas para a = 0 e b ≠ 0, o que significa que os sentimentos variam à mesma taxa. A existência de órbitas fechadas em sistemas dinâmicos pode ser avaliada pelo divergente do fluxo [14,16]. Considerando o sistema (1) tem-se: ∇.F = a + d, indicando a presença de órbitas fechadas para a = -d como no caso de personalidades opostas.

Na Fig. 2 nota-se que dependendo da condição inicial J → -∞ enquanto R → ∞ ou J → ∞ enquanto R → -∞. Isto significa que quando um estiver amando mais o outro tende a odiá-lo, de modo que nunca haverá amor mútuo. O caso ilustrado corresponde a um ponto de sela, no qual tem-se autovalores simétricos implicando uma direção estável e outra instável.

A Fig. 3. representa uma situação possível para o caso em que se tem sentimentos opostos, de acordo com a interpretação dada ao sistema. Neste caso sempre ocorrerá um autovalor nulo e outro será positivo ou negativo de acordo com os valores dos parâmetros. Para a > b as trajetórias se afastam da variedade gerada pelo autovetor correspondendo ao maior autovalor, conforme mostra a figura. Por outro lado, se a > b a variedade passa a ser estável e as trajetórias se aproximam desta. Porém, independentemente dos valores atribuídos aos parâmetros a e b, as trajetórias que iniciarem com J > 0 e R > 0 tendem para R > 0, ao passo que trajetórias que iniciem na região em que e tendem para J > 0. De acordo com a interpretação sentimental do modelo, se iniciar a relação com amor mútuo, assintoticamente haverá amor apenas de Romeu ao passo que o início da relação marcado por ódio mútuo conduz ao amor apenas de Julieta.


Para o caso de personalidades opostas (Fig. 1), é possível encontrar a função hamiltoniana, uma vez que a condição

é satisfeita [16,17]. A obtenção da função hamiltoniana é motivada pelo fato de que sistemas hamiltonianos apresentam somente selas e centros, de acordo com o valor do determinante da matriz jacobiana associada. Para o caso considerado, tem-se a função

com Φ constante. Assim, identificando Φ(R, J) como a hamiltoniana do sistema, então é simples verificar que esta equação corresponde a uma cônica [18,19]. Para o caso de centro, esta cônica evidentemente é uma elipse cujo eixo maior faz um ângulo de θ = π/4 em relação ao plano de fase R × J. No sistema de coordenadas rotacionado a função (??0) pode ser reescrita como

o que deixa claro que as trajetórias no espaço de fase deste sistema correspondem à uma família de elipses. Se b >> a ou, de maneira equivalente, a → 0, então obtém-se aproximadamente uma circunferência de raio (2H/b)1/2. Por outro lado, para ba+, tem-se uma elipse com excentricidade máxima.

Como as trajetórias são fechadas o período é facilmente encontrado sendo igual a T = 2π/ω, onde ω = Im (λ)[14]. De posse do sistema na forma rotacionada e do período, é possível obter o tempo no qual J e R são ambos positivos ou negativos ou são opostos, que, na interpretação dada ao sistema original corresponde ao tempo em que Romeu e Julieta passam se amando ou se odiando. Como no sistema rotacionado a trajetória tem o mesmo comprimento em todos os quadrantes, tn = π/2ω (n = 1, 2, 3, 4), no sistema original o tempo no primeiro e terceiro quadrantes é reduzido por um fator de 2 devido a rotação de π/4. Logo, o tempo no qual Romeu e Julieta possuem sentimentos mútuos é dado por

É extremamente importante notar que a função hamiltoniana permanece válida para o caso de selas no espaço de fases, pois se a > b, então tem-se uma família de hipérboles no espaço de fases R' × J'. No novo sistema de coordenadas, tem-se:

A função (12) poderia ter sido obtida de sistemas físicos como o sistema massa-mola ou o pêndulo simples no limite de pequenas amplitudes, colocando-o na forma H = (p2/2m)+V(q), i.e., identificando os termos de (12) como energias potencial e cinética, respectivamente. Se, essencialmente, V corresponder a uma energia potencial como função da coordenada generalizada q, então tem-se a função hamiltoniana coincidindo com a energia mecânica do sistema. Para fins didáticos, a comparação no caso do sistema massa-mola é evidente se V(q) = kq2/2.

O sistema (1) também pode ser identificado com várias outras situações físicas conhecidas quando escrito em termos de uma equação de segunda ordem. Com este intuito, derivando a primeira equação (dR/dt) em relação ao tempo e utilizando a segunda (dJ/dt), obtém-se

Agora, isolando J na expressão de R e substituindo na Eq. (14) fica-se com

Esta é uma equação típica em física quando são consideradas forças de arraste na descrição do problema via formulação newtoniana, que pode ser comparada a uma oscilação com amortecimento. Para os casos particulares analisados neste trabalho, ela se reduz a

para o caso de personalidades opostas e

para o caso de sentimentos opostos. Note que a Eq. (16) é a própria representação da lei de Hooke com uma constante de mola k enquanto a expressão (17) pode ser comparada à lei de Stokes fazendo K = 6πRη, onde η é a viscosidade do meio.

3. O modelo não-linear

Como uma tentativa de tornar o modelo um pouco mais real e, ao mesmo tempo, analisar outros comportamentos dinâmicos pode-se considerar que os sentimentos de Romeu e Julieta são influenciados por um agente externo cuja dinâmica é descrita por uma equação não-linear. Tal influência pode ser interpretada como uma terceira pessoa, uma criança ou um parente, ou mesmo a situação financeira do casal. Estudos dinâmicos de relação amorosa entre duas pessoas e triângulos amorosos a partir de sistemas dinâmicos não lineares podem ser encontrados no trabalho de Sprott [7]. Ele considerou um sistema com duas e outro com quatro equações não-lineares e observou que, dependendo dos valores dos parâmetros, o sistema pode apresentar vários comportamentos dinâmicos interessantes, como ciclos limite e caos [7]. Neste trabalho, porém, será considerado um sistema composto por apenas três equações diferenciais sendo somente uma delas não-linear.

Denotanto a influência externa por X e considerando que sua variação depende de um parâmetro constante, de seu valor atual e da diferença dos sentimentos de Romeu e Julieta, o novo sistema passa a ser descrito por

onde e, f, g, h e l são os novos parâmetros e X a influência externa.

Note que para o sistema (18) não é evidente as situações em que Romeu e Julieta apresentam sentimentos opostos ou personalidades opostas. Sendo assim, será considerada aqui a mesma interpretação do estilo romântico assumido para o modelo linear, utilizando l = 0 e h ≠ 0 para ambos os casos. Uma outra possibilidade seria assumir l = -h para um ou ambos. Partindo desta forma geral do modelo, se e, f, g são nulos o sistema torna-se semelhante ao modelo estudado por Rinaldi [5], proposto como uma aproximação mais real da relação amorosa. Em tal situação X assume valor constante e o ponto de equilíbrio do sistema deixa de ser a origem que é o estado de indiferença mútua. Dessa forma, supondo que Romeu e Julieta não se conhecem inicialmente, R = 0 e J = 0, com o tempo pode surgir um sentimento entre eles. Por outro lado, admitindo apenas g ≠ 0 o sistema exibe características do modelo estudado por Wauer [9].

Para o caso de interesse (l = 0), considerando (e = 0) e f = 1 o sistema apresenta dois pontos fixos, a saber,

Assim, assumindo b e g positivos e a e h negativos e considerando a situação em que se tem personalidades opostas, a = -d e b = -c, o ponto será estável enquanto que será instável. A Fig. 4 mostra o caso em que a trajetória do sistema converge para o ponto fixo estável. No entanto, esta não é uma situação geral, pois dependendo da condição inicial a trajetória também pode divergir, ou seja, apenas as condições iniciais que se encontram dentro da bacia de atração do ponto apresentam convergência ao passo que condições iniciais fora da bacia apresentam divergência à medida que o sistema evolui [12].


Agora, mantendo b > 0, g > 0 e h < 0, mas assumindo a < 0 os pontos fixos deixam de ser reais e as trajetórias evoluem para um ciclo limite, conforme mostra a Fig. 5. Ciclos limites são órbitas fechadas em relação as quais as trajetórias vizinhas convergem ou divergem em forma de espiral [12]. Para o caso ilustrado o ciclo é estável, isto é, para qualquer condição inicial (R0, J0, X0) as trajetórias necessariamente convergem em direção ao ciclo à medida que o sistema evolui. Do ponto de vista científico, ciclos limites estáveis são muito importantes uma vez que eles modelam sistemas que oscilam de modo auto-sustentável, como os batimentos cardíacos, as secreções hormonais e algumas reações químicas [11]. Em relação a situação modelada, o ciclo limite significa que os sentimentos de Romeu e Julieta oscilam entre amor e ódio. Já o tempo em que um ama ou odeia dependerá sobretudo dos valores dos parâmetros.


De acordo com a Eq. (19) verifica-se que, para o caso de sentimentos opostos, a = -c e b = -d, independentemente dos valores dos parâmetros, os pontos fixos serão ±∞. Considerando b > a > 0 o comportamento resultante será um amando infinitamente enquanto o outro odiará infinitamente tal como no modelo linear. Em outras palavras, as trajetórias irão divergir com o tempo.

Para uma escolha bastante específica dos parâmetros, isto é, a = l = 0, b = h = -1, c = f = 1, verifica-se que o sistema proposto, Eq. (18), assemelha-se ao sistema de Rössler [12], diferenciando deste apenas pela dependência de J na terceira equação. O sistema de Rössler, além de ciclos limite, também exibe comportamento caótico para determinados valores dos parâmetros, isto é, duas trajetórias iniciadas muito próximas divergem exponencialmente a uma taxa λ, sendo λ o maior expoente de Lyapunov do sistema [12]. A Fig. 6 exibe a série temporal do sentimento de Romeu para duas condições iniciais muito próximas (1% diferentes) e a variação temporal da distância δ entre elas. Como se pode observar na figura, em poucas iteradas o afastamento entre as séries torna-se bastante evidente. Para os valores de parâmetros utilizados, d = 0,08, e = -14 e g = 0,1, o expoente obtido foi λ = 0,039. Em uma análise mais rigorosa [20], isto é, a partir dos autovalores da matriz Jacobiana e considerando a média de 500 condições iniciais aleatórias, obteve-se λ = 0,038. Portanto, há um bom acordo entre os valores obtidos. Cumpre destacar ainda que, como o sistema é tridimensional, há três expoentes de Lyapunov λ1 > λ2 > λ3 que caracterizam completamente o sistema. Para o caso analisado, obteve-se λ1 = 0,038, λ2 = 0, λ3 = -13,45.


Apesar da divergência exponencial das trajetórias vizinhas, outra característica fundamental do comportamento caótico é que as trajetórias são limitadas a uma região do espaço de fases. Na Fig. 7 é apresentado o comportamento de uma trajetória no espaço de fase para os mesmos valores de parâmetros utilizados na figura anterior. Considerando outros valores de condição inicial o mesmo comportamento das trajetórias é observado. A região do espaço de fases para a qual as trajetórias convergem após um intervalo de tempo transiente é conhecida como o atrator. Uma vez que o sistema (18) exibe caos para os valores de parâmetros utilizados, seu atrator é denominado caótico.


Embora a situação apresentada em que se obtém comportamento caótico seja bastante específica, outras combinações de parâmetros podem ser investigadas. No entanto, tal análise está longe dos objetivos propostos neste trabalho. Mesmo para esta última situação considerada fica díficil identificar a personalidade de Romeu e Julieta. Uma interpretação possível seria Romeu amando apenas quando é odiado por Julieta ou quando o meio lhe influencia negativamente. O sentimento de Julieta, por outro lado, depende apenas de seu sentimento atual e ela ama quando também é amada por Romeu, não sendo influenciada pelo meio.

4. Conclusão

Neste trabalho investigou-se o comportamento de dois sistemas dinâmicos autônomos, um bidimensional e linear e outro tridimensional e não-linear. Ambos pretendem descrever a dinâmica dos sentimentos entre duas pessoas, Romeu e Julieta. Considerou-se, em especial, o caso em que estes personagens apresentam sentimentos opostos e personalidades opostas de acordo com a interpretação dada ao sistema. Para estes casos foi possível constatar que os opostos nem sempre se atraem, isto é, não tendem a um amor mútuo. No entanto, dada a complexidade do comportamento humano, cumpre ressaltar que a interpretação sentimental dada ao problema é apenas de cunho didático.

Considerando o modelo linear no caso específico em que Romeu e Julieta apresentam sentimentos opostos, verificou-se que o comportamento não é tão trivial quanto parece, uma vez que, embora ocorra sentimentos opostos durante toda a evolução do sistema, é possível identificar as regiões para as quais a solução tende para valores positivos de uma ou outra variável. Quando personalidades opostas são consideradas, observou-se que, exceto para o caso em que se obtém centro, Romeu e Julieta tendem a apresentar sentimentos opostos. Em outras palavras, dependendo do sentimento inicial de ambos, após um determinado tempo, um deles amará e outro odiará. No caso de centro, porém, o sentimento de ambos oscila entre amor e ódio com um período bem estabelecido.

Embora o sistema linear analisado seja bastante simples o mesmo pode ajudar a entender sistemas mais complicados. Os procedimentos empregados para a análise do campo vetorial permanecem válidos tanto para sistemas lineares e mesmo na linearização para estudo local de um sistema não-linear. Além disso, expressões fechadas podem ser obtidas para a função hamiltoniana e para o período de oscilação no caso de um centro. Não obstante, durante a análise apresentada, nada foi comentado sobre ser R ou J o momento ou a posição. Entretanto, é evidente da transformação de coordenadas que a função hamiltoniana obtida assemelha-se à função hamiltoniana de outros sistemas físicos.

O modelo tridimensional, por sua vez, permitiu investigar outros comportamentos dinâmicos interessantes e que são próprios de sistemas não lineares tais como ciclos limite e caos. Nesta análise verificou-se que o caso em que Romeu e Julieta possuem sentimentos opostos pode apresentar comportamentos assintóticos semelhante ao observado no sistema linear. No entanto, para o caso em que estes personagens apresentam personalidades opostas, verificou-se que o sistema pode convergir para um ponto fixo que depende dos valores dos parâmetros utilizados ou para um ciclo limite ou mesmo divergir. Finalmente, semelhanças entre o modelo proposto e o sistema de Rössler foram identificadas e, para um conjunto específico dos valores dos parâmetros mostrou-se que o sistema exibe comportamento caótico.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos árbitros da RBEF pelas valiosas sugestões e ao professor Dr. Sandro E. de S. Pinto pela motivação inicial do trabalho. Também agradecem à CAPES e à Fundação Araucária pelo suporte financeiro.

Referências

Recebido em 9/8/2009; Aceito em 26/4/2010; Publicado em 28/3/2011

  • [1] W.E. Boyce e R.C. Diprima, Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno (LTC, Rio de Janeiro, 1979), 3Ş ed.
  • [2] I. Newton, Methodus fluxionum et serierum infinitarum (Henry Woodfall, Londres, 1736).
  • [3] G.W. Leibniz, Nova Methodus pro Maximis et Minimis, Acta Eruditorum (1684).
  • [4] S.H. Strogatz, Mathematics Magazine 61, 1 (1988).
  • [5] S. Rinaldi, Applied Mathematics and Computation 95, 181 (1988).
  • [6] S. Rinaldi, SIAM J. Appl. Math. 95, 1205 (1988).
  • [7] J.C. Sprott, Nonlinear Dynamics, Psychology and Life Sciences 58, 303 (2004).
  • [8] W.M. Ahmad and R. El-Khazali, Chaos, Solitons and Fractals 33, 1367 (2007).
  • [9] J. Wauer, D. Schwarzer, G.Q. Cai and Y.K. Lin, Applied Mathematics and Computation 188, 1535 (2007).
  • [10] X. Liao and J. Ran, Chaos, Solitons and Fractals 31, 853 (2007).
  • [11] S.H. Strogatz, Nonlinear Dynamics and Chaos (Perseus Books, Massachusetts, 1994).
  • [12] K. Alligood, Chaos. An Introduction to Dynamical Systems (Springer-Verlag, New York, 1996).
  • [13] E. Ott, Chaos in Dynamical Systems (Cambridge University Press, Cambridge, 1993).
  • [14] L.H. Monteiro, Sistemas Dinâmicos (Livraria da Física, São Paulo, 2006), 2Ş ed.
  • [15] M.W. Hirch and S. Smale, Differential Equations, Dynamical Systems and Linear Algebra (Academic Press, New York, 1974).
  • [16] G.L. Baker and J. Gollub, Chaotic Dynamics: An Introduction (Editora Cambridge, Cambridge, 1996), 2Ş ed.
  • [17] N. Lemos, Mecânica Clássica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007).
  • [18] J.L. Boldrini, S.I.R Costa, V.L. Figueiredo e H.G. Wetzler, Álgebra Linear (Harper & Row do Brasil, São Paulo, 1980).
  • [19] E.W. Swokowski, Cálculo com Geometria Analítica (McGraw-Hill do Brasil, São Paulo, 1983).
  • [20] A. Wolf, J. Jack, H.L. Harry and J.A. Vastano, Physica D 16, 285 (1985).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Ago 2009
    • Aceito
      26 Abr 2010
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br