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Duas estratégias para a otimização do uso da vídeoanálise em atividades didáticas experimentais

Two strategies for optimizing the use of video analysis in experimental teaching activities

Resumos

A vídeoanálise é um recurso experimental muito utilizado nas atividades experimentais ligadas ao ensino da física. A captura de posições e distâncias nos quadros de um vídeo é afetada pelas eventuais distorções de perspectiva resultantes do posicionamento da câmera (em geral a de um telefone celular) em relação ao plano no qual ocorre o movimento. O posicionamento dos marcadores sobre o objeto em movimento, por sua vez, depende bastante da nitidez das imagens. Neste trabalho, são discutidas estratégias para o posicionamento adequado da câmera, bem como a necessidade de uma iluminação adequada. No final é apresentado um exemplo no qual estes ajustes produzem resultados acurados.

Palavras-chave:
Vídeoanálise; distorção de perspectiva; nitidez da imagem de objetos em movimento


Video analysis is an experimental resource that is widely used in experimental activities linked to physics teaching. The capture of positions and distances in the frames of a video is affected by possible perspective distortions resulting from the positioning of the camera (generally a cell phone) in relation to the plane in which the movement occurs. The positioning of the markers on the moving object, in turn, depends greatly on the sharpness of the images. In this work, strategies for proper camera positioning are discussed, as well as the need for adequate lighting. At the end, an example is presented in which these adjustments produce accurate results.

Keywords
Video analysis; perspective distortion; image sharpness of moving objects


1. Introdução

Os anos de pandemia resultaram num significativo desafio para os professores de Física (e de todas as outras disciplinas, não seria exagero generalizar). Dentre as muitas dificuldades que surgiram, uma é destacada neste trabalho, a saber: como trabalhar com os estudantes de forma remota (ou semipresencial) e, ao mesmo tempo, explorar a faceta experimental – exploratória da Física, ou de outras disciplinas? Uma das alternativas que parece ter tido grande aplicabilidade na disciplina de Física foi a da vídeoanálise: gravar vídeos, e por meio de softwares livres disponíveis, retirar deles dados experimentais, trata-los, discuti-los e interpreta-los. E, sem dúvida, o software mais popular para esta finalidade, como poderá ser visto a seguir, é o Tracker®.

Uma das primeiras referências em revistas sobre o software Tracker é a de Brown [1[1] D. Brown, Physics Teacher47, 145 (2009).] que, em 2009, trata de usos inovativos da videoanálise, numa revista americana voltada ao Ensino de Física. Uma revisão nos periódicos nacionais, ligados ao ensino e aprendizagem da Física, em particular, e das Ciências, em geral, nos últimos 12 anos (período dentro do qual a vídeo análise se tornou mais popular aqui no Brasil) levou a um número significativo de ocorrências. O tema mais recorrente é o que trata de experimentos na área da mecânica (cinemática em especial) e dos fluidos [2[2] P.W. Alberton, J.C. Souza e G.S. Philippsen, Exp. Ens. Ciênc. 15, 2 (2020).] a [20[20] V.A. Silva e F.A.O. Cruz, Cad. Bras. Ens. Fís. 37, 2 (2020).]. Também são encontrados na literatura nacional e associados à vídeoanálise, temas como conservação de energia, oscilações, ondas e óptica e Astronomia: [21[21] F. Catelli e A. Morales, Rev. Bras. Ens. Fís. 43, e20210014 (2021).] a [29[29] V. Torres e M.G. Silva, Rev. Prof. Fís. 6, 2 (2022).]. Todas as referências acima fazem menção, seja no título, seja no resumo, à vídeoanálise, em especial, ao software Tracker. Há também um artigo no qual é proposta a criação de um software voltado à videoanálise [30[30] G.D. Bordin, I.H. França e A.G. Bezerra Junior, Rev. Bras. Ensino Fís. 44, e20220058 (2022).]. Como é possível constatar, o número de artigos nas revistas nacionais é relevante, e dá conta de um grande interesse por parte da comunidade de professores e pesquisadores brasileiros por este recurso de vídeo análise. Para verificar se esta tendência se manifesta em periódicos estrangeiros, foi feita uma consulta a uma conceituada revista britânica disponível no sistema de periódicos da CAPES (Physics Education), de 2020 até o presente, e foi encontrado um número igualmente relevante de referências ao uso da vídeoanálise, na maior parte citando o software Tracker: [31[31] M.P. Aji, I. Rahmawati, N. Imtinan, Y.K. Wulandari, Yusmantoro e A. Priyanto, Phys. Educ. 57, 055027 (2022).] a [44[44] H. Ürek, E. Özdemir e M. Coramik, Phys. Educ. 56, 035016 (2021).]. Então, fica claro que o interesse por este recurso não se restringe apenas aos autores que publicam em periódicos brasileiros. Cabe também destacar que a maior parte destas referências a periódicos – tanto nacionais quando os do periódico estrangeiro citado – diz respeito a trabalhos na área de Ensino, em nível superior.

Uma busca efetuada no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, contendo os termos “ensino de física” e “Tracker”, retornou 24 dissertações de mestrado. Foram incluídas na bibliografia as dissertações publicadas de 2020 em diante, o que resultou em 8 citações ([45[45] E.T. Nunes, As potencialidades da experimentação através da videoanálise para o ensino de Física no ensino médio por meio do software Tracker. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Alagoas, Maceió (2020).] a [52[52] A.E.S. Mororo, Aplicação do efeito Doppler no ensino médio a partir de uma cuba de ondas de baixo custo utilizando o Tracker como ferramenta de análises. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Vale do São Francisco, Petrolina (2023).]). Para referência, a mais antiga das 24 citações encontradas é de 2014 [53[53] F.A. Oliveira, Uso e divulgação do software livre Tracker em aulas de física do ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba (2014).]. A profusão de referências, tanto de artigos quanto de dissertações, levantada nesta busca (parcial), permite afirmar que a vídeoanálise é um recurso muito explorado, no campo da didática da Física.

Como se dá, em geral, a exploração de experimentos através da vídeoanálise? Os vídeos são, via de regra, gravados com o dispositivo mais acessível, tanto a professores quanto aos estudantes, o telefone celular. Uma das vantagens deste dispositivo é o de que a lente da câmera principal, com a qual os vídeos costumeiramente são feitos, é de grande campo de visão (o equivalente, em geral, a uma lente de 35 mm de distância focal, de uso profissional). Este grande campo de visão permite a gravação de vídeos em pequenos espaços, uma sala de aula, ou mesmo num cômodo da casa. O procedimento usual para a coleta de dados consiste em mapear, nos quadros do vídeo, a evolução temporal de um determinado ponto pertencente a um objeto em movimento, ponto este que é marcado, quadro a quadro, de forma manual. O registro do tempo provém do número (constante) de quadros por segundo selecionado no dispositivo por ocasião da obtenção do vídeo. A qualidade dos dados obtidos por meio da vídeoanálise, que é objeto deste trabalho, pode ser bastante variável: ela vai de dados bastante fidedignos até dados bem pouco fiéis, que podem até obscurecer o que se deseja explorar.

Este trabalho trata de duas estratégias, que permitirão a obtenção de dados bastante confiáveis. Estas estratégias, como apontado acima, ou são mencionadas apenas de passagem nos artigos referidos, ou (na maior parte das vezes) nem são mencionadas. Referências mais explícitas, tanto aos efeitos da paralaxe na acuracidade das medições, quanto à falta de nitidez nas imagens sob análise podem ser encontrados em [54[54] J. Stephens, M. Bostjancic e T. Koskulitz, Phys. Teach. 57, 193 (2019)., 55[55] T. Martin, K. Frisch e J. Zwart, Phys. Teach. 58, 195 (2020).]. Estas referências, entretanto, são de consulta mais restrita, pois a revista, de acesso pago, não está disponível no Portal de Periódicos da CAPES, e por esse motivo não foi incluída na revisão bibliográfica mais extensa, referida acima. Os problemas da paralaxe e de falta de nitidez das imagens também são tratados de modo introdutório por Jesus [56[56] V.L.B. Jesus, Experimentos e Vídeoanálise: Dinâmica (Livraria da Física, São Paulo, 2014).].

Os eventuais utilizadores do software Tracker (ou algum outro similar), ao darem atenção às duas estratégias referidas e sistematizadas neste artigo, certamente garantirão dados mais acurados e fidedignos. A primeira estratégia é voltada à redução de distorções de perspectiva, associadas ao posicionamento da câmera em relação ao que está sendo filmado; a segunda, à minimização da perda de nitidez (“borrão”) na imagem dos objetos em movimento. Na sequência, será apresentado um exemplo de aplicação destas estratégias, no qual estes dois efeitos (a distorção de perspectiva e a falta de nitidez) afetam diretamente a qualidade dos dados obtidos: a conservação da energia mecânica num pêndulo simples.

2. A Distorção de Perspectiva

Na Figura 1 a distorção de perspectiva é ilustrada: o quadro de pintura, de formato quadrado, não parece deformado na imagem da esquerda. Mas há uma deformação bastante evidente no formato do quadro, na imagem da direita: o lado vertical esquerdo do quadro é notoriamente menor que o lado vertical direito, o que pode ser constatado pelo leitor a partir de uma simples inspeção visual.

Figura 1
A imagem do quadro de pintura da foto, à esquerda, em formato de quadrado, obtido com a câmera de um telefone celular (equivalente a uma objetiva de 35 mm de distância focal, de uma câmera profissional) aparece com os quatro lados proporcionais. A imagem da direita, por conta do posicionamento da câmera, aparece com suas dimensões distorcidas. O lado vertical esquerdo, por exemplo, aparece menor do que o lado vertical direito.

Fica evidente que a medição da altura de dois objetos idênticos, um próximo à borda esquerda do quadro e o outro, próximo à borda direita, feita a partir dos quadros de um vídeo, produzirá resultados inconsistentes. Então, de início, será esclarecedor responder à seguinte questão: qual a diferença entre as duas fotos, que provocou tal distorção?

Na imagem à esquerda, na Figura 1, a câmera do telefone celular, fixa a um tripé, foi cuidadosamente alinhada de modo que sua lente coincidiu com a linha imaginária que parte do centro do quadro, perpendicularmente a este.

Já a distorção da imagem, à direita na Figura 1, é bastante evidente. O que a provocou? A câmera, nesta segunda imagem, foi deslocada uma dezena de cm para a direita, perpendicularmente ao plano da parede que suporta o quadro, e a câmera girada, de modo a apontar novamente para o centro do quadro. Foi este deslocamento lateral da câmera, conjugado à rotação (para fazer com que o centro do quadro da câmera coincidisse novamente com o centro da imagem) que provocou esta distorção, aliás, bastante significativa. Fazendo uma generalização: o posicionamento da câmera, como representado na imagem da direita da Figura 1, faz com que o lado vertical direito do quadro de pintura pareça maior do que é de fato, e o lado vertical esquerdo, menor. Um posicionamento da câmera, no qual esta é elevada ou rebaixada na vertical, e rotacionada de modo a apontar novamente para o centro do quadro, produziria os mesmos efeitos de distorção, desta vez produzindo imagens nas quais o lado horizontal superior (ou inferior) pareceria maior. Estas distorções na imagem produzirão, bem entendido, correspondentes discrepâncias nas medições efetuadas.

A Figura 2 é um esquema óptico simplificado do que ocorre, quando o quadro, representado numa vista superior, é rodado, em torno de um eixo (que passa pelo centro do quadro, paralelamente ao eixo z, na Figura 2). Se o quadro for mantido fixo, e a câmera rodar segundo o mesmo ângulo, em torno do mesmo eixo z, no sentido oposto, o efeito será o mesmo. (A representação aqui escolhida, a de rodar o quadro em vez da câmera, simplifica a figura). Tomemos os lados verticais do quadro como referência, para verificar os efeitos da rotação na forma da imagem. Na projeção escolhida para a Figura 2, vemos apenas o vértice superior do lado vertical esquerdo, lado este representado por Le,o (antes da rotação do quadro) e Le,o para o vértice do mesmo lado, após a rotação, de um ângulo θ. O subscrito “e” indica o vértice superior do lado esquerdo. O subscrito “o” indica que se trata do objeto, do qual se originará a imagem, no plano do dispositivo de captura. A lente convergente, ideal, forma, juntamente com o dispositivo de captura da imagem, sobre o qual a imagem se forma, a representação dos elementos de interesse de uma câmera fotográfica. A Figura 2 está fora de escala: a distância do centro do quadro ao centro da lente é muito maior do que a distância da lente ao dispositivo de captura de imagem, quando a câmera de um telefone celular é utilizada. Por consequência, a distância do quadro à câmera é muito maior que a distância focal do dispositivo óptico desta última.

Figura 2
O quadro da Figura 1, representado aqui no plano yz, é rotacionado de um pequeno ângulo (uma dezena de graus, tipicamente). A imagem do quadro, antes da rotação, é focalizada por uma lente ideal num dispositivo de captura de imagens. Ao rodar o quadro em torno de seu eixo central, vertical (paralelo ao eixo z), como na figura, seu lado esquerdo ficará mais distante da lente, e aparecerá menor na imagem, relativamente ao mesmo lado antes de ser rodado. As posições dos lados do quadro, no plano da imagem, mudarão.

A partir de uma análise simplificada da óptica do sistema (uma análise mais detalhada alongaria excessivamente o texto, e teria interesse limitado para o objetivo deste artigo), é possível constatar, na Figura 2, que o lado vertical esquerdo do quadro (tomado aqui como referência) se afasta do plano do dispositivo de captura, enquanto o lado oposto se aproxima. A posição das imagens correspondentes pode ser facilmente localizada imaginando um raio luminoso que parte do ponto objeto e passa pelo centro da lente (delgada, ideal), não sofrendo, desta forma, desvio, até atingir o plano do dispositivo de captura. Considerando o quadro antes da rotação, o ponto que corresponde à extremidade superior do lado esquerdo, lado esse que configurará a dimensão do objeto, é Le,o e a imagem correspondente é Le,i. Após a rotação, o mesmo lado é representado por Le,o e sua imagem correspondente é Le,i.

A distorção na imagem, provocada pela rotação, pode ser intuída facilmente, se for considerado que o lado esquerdo fica mais distante do plano do dispositivo de captura (considere as linhas pontilhadas que passam pelo centro da lente, na Figura 2). Consideremos que a altura do lado esquerdo do quadro (“tamanho” do objeto) seja Le,o, e sua distância ao centro da lente, p. A distância do centro da lente ao ponto correspondente no plano da imagem será denominada i. Após a rotação, Le,o corresponderá ao tamanho do objeto, p′ será sua distância ao centro da lente, e i′, a distância da lente à imagem (note que, como se trata de um quadro em formato de quadrado, os tamanhos Le,o e Le,o são iguais). Os tamanhos das imagens serão, respectivamente, Le,i e Le,i.

A ampliação “m” [57[57] J. Walker, Fundamentos de Física. Ótica e Física Moderna (LTC, Rio de Janeiro, 2023).], antes da rotação, será dada por

(1) m = L e , i L e , o = i p

Da mesma forma, a ampliação m′, após a rotação, será dada por

(2) m = L e , i L e , o = i p

Dividindo (1) por (2), temos

(3) m m = L e , i L e , i = i × p i × p .

Uma simples inspeção visual na Figura 2 evidencia que p’ é maior que p. Também é conhecido o fato que, nas condições aqui analisadas, o afastamento do objeto à lente implica numa diminuição do tamanho da imagem. Estes dois fatos levam à conclusão que a ampliação da imagem do lado vertical esquerdo do quadro após a rotação (m’) é menor que a ampliação (m) antes da rotação.

Em síntese: a análise do tamanho do lado direito da imagem do quadro é análoga, e levará à conclusão que este tamanho aumentará por conta da rotação. Da mesma forma, é simples constatar que a largura da imagem do quadro será afetada pela rotação considerada aqui. Por fim, se for considerada uma rotação em torno do eixo y (Figura 2) passando pelo centro do quadro, novamente as mesmas conclusões serão alcançadas. A consequência evidente, no que diz respeito à videoanálise, é a de que medições de distâncias, feitas sobre a imagem do quadro rotacionado, sofrerão distorções, contaminando os resultados a serem obtidos.

Inversamente, se a câmera estiver posicionada como sugerido, (à esquerda, na Figura 1, as medições feitas na imagem serão muito provavelmente de boa qualidade, desde que, bem entendido, os fenômenos a analisar ocorram todos num mesmo plano.

Uma forma rápida de ajustar a posição da câmera, de modo a evitar a distorção das proporções das imagens gravadas, consiste em utilizar uma moldura, ou mesmo um quadro. Inicialmente, a moldura é posicionada, digamos, sobre uma mesa. A câmara, munida necessariamente de um tripé, tem sua altura ajustada de modo que corresponda, o melhor possível, ao centro desta moldura, com o centro da lente da câmara tomado como referência. A distância da câmera ao tripé é escolhida de modo a fazer com que o quadro da imagem contenha o que se quer filmar (e a moldura inteira; ver, por exemplo, a Figura 5). Esta moldura, ou quadro, poderá ser retirada depois. Em seguida, o tripé é posicionado para a esquerda e para a direita, ao mesmo tempo em que a imagem vai sendo monitorada (a câmera, ou o telefone celular, deverão estar ajustados para o modo “filme”). Quando a moldura aparecer na imagem da câmera sem distorções (como a imagem da esquerda da Figura 1), os ajustes estarão concluídos, e a filmagem poderá ser realizada. O exemplo apresentado mais adiante ajudará a esclarecer alguns dos procedimentos aqui descritos.

3. Segunda Estratégia: Redução do Efeito do Movimento nos Quadros do Vídeo (o “Borrão” na Imagem)

Ao utilizar softwares de videoanálise, o procedimento padrão consiste em marcar, nos quadros que se sucedem, uma determinada posição sobre um objeto em movimento. Entretanto, se a velocidade do movimento deste objeto é relativamente alta, o objeto que se move não aparecerá nítido, e sim como uma espécie de “borrão” alongado na direção do movimento, o que dificultará a marcação precisa da sua posição. A questão é: como minimizar este “borrão”? Inicialmente, é útil lembrar o leitor de alguns aspectos da gravação de imagens em movimento. Um dos parâmetros a considerar é o número de quadros por segundo. Mas o que produzirá o “borrão” não está associado a esta taxa, e sim ao tempo em que o obturador da câmara ficará aberto, para cada quadro. Para ilustrar este efeito, a Figura 3 apresenta dois diagramas. Ambos apresentam barras, 20 num intervalo de um segundo.

Figura 3
Representação esquemática da taxa de quadros por segundo num vídeo, versus o tempo de exposição de cada quadro. Tanto na figura superior quanto na inferior, a taxa é de 20 quadros por segundo. A largura das barras da figura superior representa o tempo de exposição, por quadro, menor que o da figura inferior. A câmera em geral ajusta automaticamente tempos de exposição por quadro menores quando a iluminação é intensa, e tempos de exposição por quadro maiores para iluminações menos intensas.

O diagrama na parte superior da Figura 3 apresenta barras de menor largura, em comparação com o diagrama inferior da mesma figura. Mas ambos os diagramas apresentam o mesmo número de barras por segundo. Isto significa que, no diagrama superior, cada “foto” é feita com um tempo de exposição menor, quando comparado ao diagrama inferior. Porque a câmera utilizada para a filmagem, em geral, faz – automaticamente – este ajuste? No diagrama superior, a câmera detecta uma iluminação abundante, e ajusta um tempo de abertura menor para a exposição de cada quadro. No diagrama inferior, a câmera detecta menos luz, e para evitar uma subexposição, aumenta o tempo de exposição, por quadro, o que resulta num “alargamento” da barra que representa a exposição. Então, se a câmera filma um objeto em movimento na situação do diagrama superior (iluminação abundante), cada quadro apresentará o objeto em movimento de forma mais nítida, com um “rastro”, ou “borrão”, menor (Figura 4), pelo fato de a câmera captar a imagem do quadro num intervalo de tempo menor. Inversamente, para iluminações menos intensas, este rastro, ou borrão, será maior, por conta do maior tempo de exposição por quadro (ou, o que dá no mesmo, uma menor velocidade de disparo).

Figura 4
As quatro figuras são recortes de vídeos que capturam a passagem da esfera de um pêndulo, próxima ao ponto central. No quadro da esquerda, acima, feito a partir de um vídeo gravado num telefone celular, a iluminação foi a do ambiente. A esfera do pêndulo aparece borrada. No quadro da direita, também acima, (também feito com celular), a iluminação foi aumentada por meio de um iluminador circular de LED. A imagem da esfera é um tanto mais nítida. Nos dois quadros abaixo, feitos com uma câmera profissional, repete-se a mesma situação: a imagem da esfera é menos nítida à esquerda (velocidade de 1/80 s por quadro) e significativamente mais nítida à direita (velocidade de 1/800 s por quadro).

Quando é empregado um telefone celular para a gravação do vídeo, a seleção do tempo de exposição por quadro é feita pelo software do aparelho: se há pouca luz, a câmara ajusta tempos de exposição por quadro maiores, sensibilidades ISO maiores, e aberturas da lente maiores (convém lembrar o leitor que um número f, ou uma abertura de lente de 1:2.8, por exemplo, implica numa lente bastante aberta (“entra” bastante luz); inversamente, um número f de, digamos, 1: 11, implica numa lente bastante fechada). A possibilidade de ajustes de abertura em filmagens com telefones celulares, na grande maioria dos aparelhos, não pode ser feita manualmente. O software do telefone celular ajusta, automaticamente, uma combinação dos três fatores mencionados acima (abertura da lente, sensibilidade ISO e velocidade de obturação por quadro) que produza, em média, os melhores resultados. Convém aqui reiterar que o efeito responsável pelo surgimento do “borrão” nos objetos em movimento rápido, é o tempo de exposição por quadro, exemplificado na Figura 3. O efeito destes ajustes pode ser visto na Figura 4, na qual foi recortada a parte da imagem do quadro que capta a esfera de um pêndulo ao passar nas proximidades de seu ponto mais baixo, portanto, com sua maior velocidade.

Se a filmagem está sendo feita com uma câmara (semiprofissional ou profissional), esta pode ser colocada no modo manual, a abertura selecionada para o maior valor, a sensibilidade ISO ajustada para um valor alto (400 ISO ou 800 ISO são bons valores; valores maiores poderão tornar a imagem excessivamente granulada) e o ajuste da velocidade de disparo por quadro ajustado o mais alto possível, sem que a imagem fique demasiado escura. Convém lembrar: quanto mais alta a velocidade de disparo por quadro, mais nítida será a imagem de objetos em movimento rápido. Porém, altas velocidades de disparo por quadro produzirão imagens menos luminosas (mais escuras). Para conseguir bons resultados (no modo manual) com altas velocidades de disparo, o que está sendo filmado deve ser iluminado abundantemente. Estas providências reduzirão drasticamente o “borrão” nas imagens que capturam movimentos rápidos, como exemplificado na Figura 4, abaixo, no quadro inferior, à direita. Como indicativo, o quadro inferior da esquerda da Figura 4 foi recortado de um vídeo para o qual as regulagens da câmera foram: abertura 1:2,8 (nesta configuração a câmera captura bastante luz, é uma grande abertura), velocidade por quadro, 1/80 s, e sensibilidade ISO, 100. A imagem da esfera do pêndulo aparece sensivelmente borrada. Na imagem inferior à direita, as regulagens foram: abertura 1:2,8, velocidade por quadro, 1/800 s, e sensibilidade ISO, 800. Neste caso, é notória a maior nitidez da imagem da esfera, por conta de uma velocidade de disparo por quadro dez vezes maior. Como seria de esperar, iluminações intensas permitirão a obtenção de vídeos mais claros, com imagem (quando vistas quadro a quadro) mais nítidas.

Resumindo: se a filmagem for feita com um telefone celular (este é o dispositivo mais prático de produzir vídeos em sala de aula) o recurso mais efetivo será o de iluminar ao máximo o que está sendo gravado. Iluminadores de LED em anel, retroprojetores, janelas abertas, iluminação da sala, e (ou) outras fontes de luz que estiverem disponíveis podem ser usadas, isoladamente ou em conjunto. O resultado final não será provavelmente tão efetivo quanto o obtido com câmeras munidas de ajustes manuais, mas certamente representará uma melhora apreciável na definição das imagens dos objetos móveis. O conjunto de tudo o que foi resumido nestes últimos parágrafos aparece na legenda e na imagem da Figura 4.

4. Exemplo: A Conservação da Energia Mecânica no Movimento de um Pêndulo

Será descrito a seguir um aparato experimental, bastante simples e fácil de montar, envolvendo praticamente nenhum custo, exceto, é claro, o tempo gasto para construi-lo e ajusta-lo. Vale destacar que esta atividade, que explora a conservação de energia mecânica em um pêndulo simples, não é explorada, na forma aqui apresentada, em nenhum dos artigos e dissertações mencionados na bibliografia. Explorações bastante detalhadas do período do pêndulo simples podem ser encontradas em [56[56] V.L.B. Jesus, Experimentos e Vídeoanálise: Dinâmica (Livraria da Física, São Paulo, 2014).], capítulo 7 (Pêndulo Simples por Vídeoanálise). Na mesma referência, pode ser encontrada uma exploração da conservação de energia, também por videoanálise, no capítulo 11, voltada ao lançamento horizontal. A montagem que apresentaremos a seguir é uma espécie de versão adaptada à videoanálise de dispositivos de estudo do pêndulo, nos quais a medição de intervalos de tempo é feita através de fotocélulas (em geral, uma, destinada à medição do intervalo de tempo nas proximidades de ponto de equilíbrio do pêndulo, ao longo de uma pequena distância Δx). O comprimento reduzido do pêndulo foi escolhido por favorecer uma iluminação mais abundante, e também por conta de a montagem ter sido filmada num espaço reduzido (a casa de um dos autores: eram tempos de pandemia).

Uma exploração mais detalhada da conservação da energia mecânica ao longo de todo o percurso de ¼ da oscilação de um pêndulo poderia ter sido apresentado aqui; em lugar disso, foi inserido, a título ilustrativo, um gráfico, no qual aparece a evolução da energia potencial, da energia cinética e da energia mecânica (fig. 7). Os resultados apresentados nesta figura poderiam ser mais acurados se o pêndulo empregado tivesse um comprimento maior, o que levaria à captura de mais pontos experimentais ao longo de ¼ da oscilação. O pêndulo proposto no ensaio descrito a seguir é relativamente curto (≈ 30 cm), e por conta disso, apenas uma dezena de pontos é capturada numa filmagem a 30 quadros por segundo. Tal número de pontos seria adequado para permitir, por exemplo, um bom ajuste de uma função que dê conta da variação de altura do pêndulo. Mas esse número de pontos é insuficiente para permitir uma aproximação acurada da velocidade (instantânea) da esfera do pêndulo.

Na Figura 5, à esquerda, um esboço é apresentado; os pontos a destacar são o pêndulo “bifilar’, que oscila de forma bastante estável, confinado a um mesmo plano, e um pêndulo simples adicional, que permanece em repouso, e cuja finalidade é a de prover uma linha vertical, um prumo, a partir do qual o sistema de coordenadas do Tracker (software de vídeo análise empregado neste exemplo) é ajustado. Na imagem à direita, aparece o dispositivo, que foi utilizado em aulas de instrumentação para o ensino de Física, de um curso de Licenciatura em Física, nos anos de 2020 e 2021 (de forma remota, eram anos de pandemia), e agora, na elaboração deste artigo.

Figura 5
À esquerda: um esquema do dispositivo experimental. O pêndulo foi montado por meio de um fio em “V”. Um segundo pêndulo (“fio de prumo”), fica em repouso durante toda a gravação, e tem como finalidade prover uma referência para o ajuste do sistema de coordenadas do software empregado. À direita, a imagem do dispositivo experimental empregado neste trabalho, e logo atrás dele, a moldura que permite os ajustes referidos na sessão 2.

A Física envolvida, no que diz respeito à energia mecânica, é simples, e pode ser resumida da seguinte forma: a energia mecânica (Emec) é a mesma, ao longo de toda a trajetória do pêndulo, se for idealizada a inexistência de atritos. Ao ser liberada, a partir do repouso, de uma altura h, medida a partir de um referencial no qual o ponto zero é o mais baixo da trajetória, com o eixo y coincidindo com a vertical, a esfera do pêndulo mover-se-á com velocidade crescente, até atingir a posição que ela ocuparia, se estivesse em repouso. A partir desta posição, a velocidade decresce gradualmente, até parar, momentaneamente, e iniciar novamente o mesmo movimento, agora em sentido inverso.

Assumindo que a energia mecânica (energia potencial mais energia cinética) é constante ao longo do movimento, então, no ponto mais alto da trajetória ela será então a mesma daquela do ponto mais baixo,

(4) E m e c = m g h + 1 2 m ( 0 ) 2 = m g ( 0 ) + 1 2 m v 2 .

A velocidade v é a da esfera do pêndulo ao passar por sua posição de menor altura, e g é a aceleração da gravidade.

A conservação da energia mecânica pode ser aferida considerando que a energia potencial da esfera na sua posição mais elevada será a energia cinética que ela terá em sua posição mais baixa:

(5) m g h = 1 2 m v 2

A massa da esfera é simplificada, e a conservação da energia se manifestará por meio da igualdade gh = 1/2 v2.

Então, a vídeoanálise do movimento do pêndulo permitirá explorar se a igualdade prevista na equação (5) aproximadamente, se verifica.

Os ajustes iniciais do software Tracker são os convencionais: o leitor poderá se referir a um dos muitos textos explicativos do uso do software1 1 Por exemplo, http://www.if.ufrgs.br/cref/uab/lab/tracker.html. Outra referência bastante útil é a [56], na qual oito capítulos incluem o uso da videoanálise em diferentes experimentos na área de dinâmica. . De qualquer modo, será feito aqui um breve resumo dos principais ajustes. Inicia-se com a seleção do primeiro e do último quadro de interesse, no vídeo gravado. O primeiro é aquele onde o movimento se inicia, e o último, é o quadro imediatamente posterior à passagem da esfera pela posição de equilíbrio. Uma sugestão interessante é a de descartar a primeira oscilação, e iniciar a partir do ponto momentâneo de repouso da esfera na segunda oscilação, quando esta se encontra do mesmo lado no qual foi liberada (isto foi feito neste exemplo). A janela para a seleção do primeiro e último quadros de interesse é a “janela de ajuste de corte do vídeo”.

O ajuste seguinte é o da calibração das medidas de distância: para isso, abra a janela “fita métrica com transferidor”, selecione “novo” e selecione “bastão de medição”. Pressionando a tecla “Shift”, posicione o início da fita métrica no traço inicial do padrão vertical (de 20 cm, à esquerda, em amarelo, na Figura 5), e depois no traço final. Ajuste a medição para o comprimento do padrão, neste caso, 0,20 m. Retomando o que foi discutido anteriormente, ao executar a vídeoanálise, a medição de h é afetada pela eventual distorção da imagem (sessão 2); a medição de v também é crítica por conta de a imagem da esfera aparecer borrada justamente na região de maior velocidade (sessão 3). Adicionalmente, o “borrão” nas imagens da esfera quando próxima à posição de equilíbrio aumenta significativamente a incerteza na medição de Δx, que por sua vez afeta ainda mais o termo V2 na equação eq4. Por estes motivos este exemplo (dentre muitas outras possibilidades) foi o escolhido para ilustrar os procedimentos sugeridos nestas duas sessões.

A etapa seguinte consiste em marcar a posição do centro da esfera nos sucessivos quadros (janela “novo”, depois, “ponto de massa”; use a tecla “Shift” do teclado e o botão esquerdo do mouse para marcar os pontos). O início deve ser selecionado cuidadosamente, um quadro antes do primeiro movimento para baixo ser perceptível.

Por fim, a velocidade v, no entorno do ponto mais baixo da trajetória, é aproximada, na vídeoanálise, pela medição da distância percorrida pela esfera entre o quadro imediatamente anterior à posição de equilíbrio e o imediatamente posterior; a divisão desta distância Δx pelo tempo Δy entre dois quadros sucessivos (1/30 s se a câmara estiver ajustada para filmar em 30 quadros por segundo, o que é o caso neste exemplo) fornece a medida aproximada da velocidade instantânea no ponto mais baixo da trajetória da esfera:

(6) v Δ x Δ t .

Aqui, um recurso adicional para otimizar a acuracidade das medidas pode ser empregado: a “trena” fornecida pelo software pode ser calibrada novamente, desta vez utilizando como padrão a barra horizontal, próxima à posição de equilíbrio, na qual foram feitas duas marcas, distante de 5 cm uma da outra. Os autores recomendam esta providência.

A aproximação para a velocidade v da esfera do pêndulo no entorno da posição de equilíbrio é tão melhor quanto menor for o intervalo Δt, e um ajuste para filmar com mais quadros por segundo (caso esteja disponível no equipamento empregado) propiciaria uma medida mais acurada de v. Neste exemplo, a taxa de 30 quadros por segundo foi a escolhida por ser a que aparece com mais frequência nos telefones celulares, independentemente do fabricante.

A Figura 6 é um “print” da tela do software Tracker, carregado com um vídeo no qual o movimento da esfera é rastreado ao longo de pouco mais de ¼ do período de oscilação. Este vídeo, como descrito nas sessões 2 e 3, foi produzido a partir de um alinhamento cuidadoso da posição da câmera relativamente à moldura e ao aparato experimental. A iluminação foi obtida a partir de um iluminador LED, ajustado para o seu brilho máximo, e a câmara foi regulada (em ajuste manual) para um tempo de exposição por quadro de 1/800 s, uma abertura de lente de 1: 1.4 (a condição de maior captação de luz da lente empregada, de distância focal igual a 50 mm), uma sensibilidade ISO de 250, e uma taxa de filmagem de 30 quadros por segundo. Estas condições produziram imagens bastante nítidas da esfera ao passar pela posição de equilíbrio, como representado na imagem da Figura 6.

Figura 6
Um “print” da tela do software Tracker®.

Um comentário adicional merece ser feito em relação ao ajuste das coordenadas do Tracker: como explanado na sessão 2, qualquer desvio no ajuste das proporções da imagem do quadro de filmagem produzirá desvios na medição de h, e também na estimativa de v. Os cuidados com o alinhamento da câmara minimizam estes desvios, mas é fortemente recomendado ajustar também com o máximo cuidado o sistema de coordenadas do Tracker, rodando-o se necessário, de tal modo que seu eixo y coincida com a linha do fio de prumo do aparato (ver também a Figura 5 e a Figura 6). O outro ajuste recomendado consiste em posicionar o ponto zero dos eixos x e y de modo que coincida com o centro da esfera em seu ponto mais baixo. Isto só pode ser feito de forma aproximada, pois não existirá um quadro (salvo por grande coincidência) no qual o centro da esfera esteja justamente sobre o cruzamento dos eixos coordenados; este ajuste foi feito tentativamente a partir do quadro no qual a esfera está imediatamente antes da posição de equilíbrio do pêndulo, e o quadro imediatamente posterior.

Por fim, são apresentados os dados numéricos, coletados da tabela do software: h = 0,207 m; Δx,067 m. O intervalo Δx é obtido subtraindo o valor da coordenada x da tabela da esfera, logo após ter ultrapassado a posição de equilíbrio, da coordenada x da esfera imediatamente antes da posição de equilíbrio. O intervalo de tempo para que a esfera efetue este percurso é o intervalo entre dois quadros sucessivos da filmagem, 130 s. Para g, foi adotado o valor de 9,80 ms2 (o experimento foi realizado numa cidade a 800 m acima do nível do mar). Com estes dados, chega-se a gh=2, 03 m2s2 e a v22 igual a 2,02 m2s2, que podem ser considerados iguais dentro de uma diferença de aproximadamente 0,5%, o que atesta que a hipótese da conservação da energia mecânica é aproximadamente satisfeita. (A massa m da esfera, presente nos dois lados da igualdade (2), não afeta os cálculos). São valores bastante consistentes do ponto de vista experimental, e resultam do cuidado empregado em todas as etapas das medições, como descrito acima. Os autores repetiram algumas vezes o teste nestas mesmas condições, chegando a resultados equivalentes. Em condições menos favoráveis, usando, por exemplo, um telefone celular como dispositivo de filmagem, os resultados não serão igualmente consistentes, mas ficam (também em testes realizados pelos autores), dentro de uma incerteza de medição razoável.

Se as incertezas de medição dos valores utilizados forem levadas em conta, tem-se os seguintes resultados: para a altura h, foi estimada uma incerteza de ± 2 mm em 207 mm, ou aproximadamente 1%. Esta incerteza advém principalmente de três fatores. O primeiro diz respeito ao posicionamento da câmara, e das distorções de perspectiva que ele pode provocar. O posicionamento correto do eixo de coordenadas do software Tracker também é importante neste aspecto. O segundo fator está associado à determinação do ponto de repouso momentâneo da esfera: possivelmente, ele estará localizado entre dois quadros sucessivos da filmagem. Mas como a esfera se move muito lentamente nas proximidades deste ponto, a incerteza associada a este efeito é pequena. Por fim, o terceiro fator diz respeito à posição mais inferior que a esfera ocupa (ponto zero do sistema de coordenadas). Aqui, o ajuste é tentativo, também com base nas posições da esfera imediatamente antes e após a posição inferior, aquela que o pêndulo ocuparia se estivesse em repouso.

O conjunto desses fatores levou à estimativa da incerteza de h num padrão de Tipo B ([56[56] V.L.B. Jesus, Experimentos e Vídeoanálise: Dinâmica (Livraria da Física, São Paulo, 2014).], capítulo 2). As incertezas do Tipo B são avaliadas a partir “[. . .] do discernimento baseado na experiência e no conhecimento geral [. . .]”, segundo [56[56] V.L.B. Jesus, Experimentos e Vídeoanálise: Dinâmica (Livraria da Física, São Paulo, 2014).]. Para aumentar a plausibilidade das incertezas estimadas para as medições dos comprimentos, os autores realizaram o seguinte ensaio: numa cartolina de 90 cm × 60 cm, foram traçadas, com uma régua de metrologia e com bastante cuidado, 26 retas, com 20,0 cm de comprimento, distribuídas aleatoriamente sobre a superfície. Em seguida, em outra cartolina idêntica, foram traçadas mais 26 retas, verticais e paralelas umas às outras, também de 20 cm, desta vez sobre uma folha A4, e esta foi colada próxima a uma das bordas do retângulo. Vídeos curtos foram gravados nas duas situações, com a câmera alinhada cuidadosamente, com descrito na seção 2. Por fim, o comprimento das retas foi medido em uma das imagens de cada um dos vídeos, no software Tracker. Os resultados foram os seguintes: a média das medidas das retas aleatoriamente posicionadas por toda a cartolina foi de 0,199 m, com um desvio padrão de 0,001 m. O mesmo resultado foi obtido nas medições das retas colocadas no quarto esquerdo do retângulo de cartolina: comprimento médio de 0,199 m, com desvio padrão de 0,001 m. Este posicionamento replicou, em algum grau, a medição de h no experimento descrito acima. A incerteza para h, (207 ± 2) mm, estimada acima, é consistente com as aqui apresentadas para os comprimentos, tomando-as como equivalentes a duas vezes o desvio padrão: (199 ± 2) mm.

O cálculo da propagação de incertezas, tanto na determinação de h, quanto na determinação de v, abaixo, foi feito como sugerido por D. Roberts [58[58] D. Roberts, Phys. Teach. 21, 155 (1983).]. Este tratamento, razoavelmente acurado e ao mesmo tempo simples e rápido de implementar, propõe, em linhas gerais, que as incertezas absolutas sejam somadas em adições e subtrações de grandezas, e as incertezas relativas sejam somadas quando as grandezas forem multiplicadas ou divididas. Esta forma de operar com incertezas e sua propagação em cálculos é especialmente indicada quando for utilizada num contexto no qual o tempo disponível é reduzido, como neste caso, um curso de formação de professores de Ensino Médio (Licenciatura em Física).

Para g, foi adotada uma incerteza de aproximadamente uma parte em cem (9,80 ± 0,01) ms2. Por fim, para Δx, foi adotada a incerteza (absoluta) de 1,6 mm (0,067 ± 0,0016) m, por conta, em especial, da incerteza na marcação da posição da esfera, imediatamente antes e imediatamente após a passagem pela posição de equilíbrio. Por ser muito pequena, não foi atribuída incerteza ao intervalo de tempo entre quadros, 1/30 s. A sugestão dada neste trabalho, de uso de luminosidade intensa, e altas velocidades de disparo por quadro (caso seja empregada uma câmara com ajustes manuais) visa justamente o estreitamento desta faixa de incerteza. Aliás, esta é uma incerteza de grande peso nos cálculos, pelo fato de Δx levar a v, que aparece ao quadrado nas expressões (1) e (2). Os resultados, considerando a propagação das incertezas, são:

(7) g h = ( 2 , 03 ± 0 , 04 ) m 2 s 2
(8) v 2 2 = ( 2 , 02 ± 0 , 05 ) m 2 s 2

O software Tracker propicia uma variedade de outras explorações. Uma delas, a título ilustrativo, consiste em plotar a energia potencial por unidade de massa e a energia cinética, também por unidade de massa, da esfera no mesmo. A Figura 7, abaixo, ilustra um tal gráfico. Nele, a soma dessas energias, idealmente, deveria ser constante; o ajuste de uma reta para os pontos experimentais relativos à soma das duas energias fica na fronteira de algumas das barras de erro representadas. Isto ocorre possivelmente por conta do pequeno número de pontos experimentais, o que prejudica a estimativa mais acurada da velocidade da esfera: quanto maiores os intervalos de tempo, menor a acuracidade na determinação da velocidade média, que é tomada como uma aproximação da velocidade instantânea. Uma forma de contornar este problema é a de utilizar um pêndulo mais longo, de forma a aumentar seu período e por consequência, os pontos experimentais capturados.

Figura 7
Energia potencial, curva verde (por unidade de massa) e energia cinética, curva azul, também por unidade de massa, aferidas para um quarto da oscilação do pêndulo da Figura 6. A curva da energia potencial é praticamente o “espelho” da curva da energia cinética. Os pontos que representam a energia potencial foram interpolados, de modo a ficarem com a mesma base de tempo dos pontos da energia cinética. A energia total, curva em vermelho, é a soma das energias potencial e cinética.

5. Conclusões

Utilizando as duas estratégias para a otimização do uso da vídeoanálise na atividade didática experimental descrita acima, quais sejam, o posicionamento adequado da câmera e a iluminação do objeto a ser filmado, foram obtidos os resultados (7) e (8), que podem ser considerados iguais dentro dos limites das incertezas estimadas.

Entretanto, ao comparar a altura máxima da esfera do pêndulo no início da oscilação (altura considerada nos cálculos apresentados acima), e a altura no início da oscilação seguinte, constata-se que há uma diminuição (aproximadamente 3%, de 0,207 m para 0,201 m). A resistência do ar afeta a velocidade da esfera proporcionalmente a V2. Como a variação da velocidade da esfera do pêndulo se dá segundo o mesmo padrão, ao longo de cada um dos quatro quadrantes de um período completo (inicia do repouso até um máximo no entorno da posição de repouso, e inversamente), pode-se fazer a hipótese que o somatório das perdas de energia mecânica é aproximadamente o mesmo em cada um deles. A dissipação de energia no primeiro quadrante é de cerca de 0,75%, valor este que é consistente, se levadas em conta as incertezas apresentadas.

A velocidade calculada através da expressão (6) é de fato uma velocidade média; a esfera do pêndulo, no intervalo Δx considerado, é apenas aproximadamente constante; ela cresce ligeiramente após o início do intervalo considerado, e em seguida decresce, também ligeiramente, ao chegar ao final do intervalo. Então, o resultado (8) está ligeiramente subestimado.

O uso de um telefone celular para a produção do vídeo afetará a incerteza na medida de Δx, por conta da menor nitidez das imagens. Se for estimada uma incerteza duas vezes maior na determinação de Δx, a incerteza no termo v22 (a energia cinética por unidade de massa na equação 4) será aproximadamente quadruplicada. O termo gh segue as mesmas considerações, referentes às incertezas, feitas nos parágrafos acima.

Por fim, é possível concluir que os cuidados sugeridos aqui, referentes tanto ao enquadramento simétrico da câmera, quanto às condições da iluminação, são largamente recompensados em termos da proporcional redução nas incertezas das medições efetuadas. Em atividades com vídeoanálise, voltadas ao ensino médio, a discussão a respeito das incertezas de medição não terá, provavelmente, caráter quantitativo, em especial devido à carga horária reduzida. Entretanto, é recomendável trazer para o ambiente escolar, de forma qualitativa, a discussão sobre a menor acuracidade na determinação da posição do objeto em movimento, e sobre como ela afeta os cálculos subsequentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2024
  • Revisado
    28 Jun 2024
  • Aceito
    26 Jul 2024
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