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Introdução aos sistemas de spins artificiais

Introduction to artificial spin systems

Resumos

Inicialmente destinados a reproduzir os fenômenos encontrados em análogos cristalinos, os sistemas de spins artificiais reivindicaram uma fenomenologia própria, levando a uma nova linha de pesquisa de bastante interesse em física da matéria condensada. A exploração de arquiteturas de redes, materiais e técnicas de mapeamento magnético não só proporcionaram um melhor entendimento da relação entre fenômenos e modelos estatísticos como permitiram o estudo de fenômenos exóticos interessantes não encontrados na natureza. Tal combinação de ingredientes também proporcionou o surgimento de propostas de aplicações em dispositivos tecnológicos, principalmente relacionadas com computação não convencional, lógica magnética e tecnologia da informação. Esse artigo pretende introduzir os sistemas de spins artificiais e, em especial, os chamados gelos de spin artificiais, a alunos de final de graduação, início de pós-graduação e pesquisadores interessados em iniciar seus estudos no tema.

Palavras-chave:
Nanomagnetismo; sistemas de spins artificiais; física estatística


Originally aimed at reproducing phenomena found in crystalline analogs, artificial spin systems have claimed their own phenomenology, leading to a new line of research of considerable interest in condensed matter physics. The exploration of network architectures, materials, and magnetic mapping techniques has not only provided a better understanding of the relationship between phenomena and statistical models but also allowed the study of interesting exotic phenomena not found in nature. This combination of elements has also led to proposals for applications in technological devices, mainly related to unconventional computing, magnetic logic, and information technology. This article aims to introduce artificial spin systems, particularly artificial spin ices, to advanced undergraduate students, early graduate students, and researchers interested in beginning their studies on the subject.

Keywords:
Nanomagnetism; artificial spin systems; statistical physics


1. Introdução

Momentos magnéticos (comumente chamados de spins) em uma rede são objetos de uma grande classe de modelos teóricos de enorme interesse em física, em especial para a física estatística e física da matéria condensada, onde comumente são usados para descrever materiais magnéticos. Muitas vezes chamados de toy models (“modelo de brinquedo”, em inglês) por serem bastante simples, é justamente essa simplicidade que os fazem tão úteis, pois conseguem evidenciar quais os ingredientes fundamentais em um sistema físico que dão origem a fenômenos complexos. O exemplo mais conhecido é certamente o modelo de Ising em uma rede quadrada. Introduzido em 1925, é considerado o modelo mais simples a prever uma transição de fase. Posteriormente, o modelo de Ising inspirou intensos estudos em uma infinidade de outros contextos, envolvendo outras redes e interações, que permanecem atraindo interesse de pesquisadores até hoje.

Mais recentemente, muitos esforços vêm sendo dedicados no que pode ser considerado a contraparte experimental dessa abordagem, ao estudar os chamados sistemas de spins artificiais. Eles são sistemas experimentais que não são compostos por spins elementares propriamente ditos, mas por elementos que podem ser representados pelo mesmo tipo de variável e cujo comportamento efetivo é bem descrito por modelos de spins. Exemplos iniciais remontam ao estudo de ligas binárias [1[1] E. Ganz, F. Xiong, I.S. Hwang e J. Golovchenko, Phys. Rev. B 43, 7316 (1991).], conjunto de anéis de supercondutores [2[2] K. Runge e B. Pannetier, EuroPhys. Lett. 24, 737 (1993).] e mesmo arranjos macroscópicos de agulhas magnéticas de bússolas [3[3] E. Olive e P. Molho, Phys. Rev. B 58, 9238 (1998).].

Todavia, o que promoveu linhas de pesquisa mais sistemáticas nesse tema foram as investigações envolvendo redes de imãs nanométricos. Nesses sistemas, os nanoimãs fazem o papel dos spins e interagem uns com os outros através de interações magnetostáticas. Com as técnicas de nanofabricação, é possível estabelecer o arranjo geométrico desses elementos e controlar diversos aspectos de suas interações. Assim, abre-se a possibilidade de não apenas realizar na prática modelos renomados da física estatística, incluindo toy models até então sem correspondentes experimentais, mas também revisar e expandir esses modelos quando novos comportamentos são observados, como frequentemente é o caso.

Essas redes de nanoimãs são conjuntamente conhecidas como “gelos de spin artificiais”, porque elas foram originalmente projetadas com o objetivo de reproduzir artificialmente o comportamento de materiais magnéticos chamados de “gelos de spin” cristalinos. Dentre várias razões, esses compostos originais vêm fascinando a comunidade científica há cerca de 30 anos por não ordenarem a baixas temperaturas, como seria esperado, e por apresentarem excitações que se comportam como monopolos magnéticos. Esses dois fenômenos estão intimamente relacionados ao fato dos gelos de spin apresentarem o que é chamado de frustração magnética de origem geométrica que, por definição, impede que cada par de spin minimize sua energia simultaneamente. Por essa razão, embora a princípio qualquer arranjo bidimensional de nanoimãs possa ser fabricado, a maioria dos gelos de spins artificiais são construídos sobre redes que favoreçam a frustração geométrica, como é o caso das redes quadradas e do tipo kagome. Apesar da nomenclatura, hoje existe uma grande diversidade de sistemas, indo muito além da mimetização dos gelos de spins originais e mesmo explorando geometrias que não ocorrem espontaneamente na natureza. Inclusive, duas grandes vantagens de sistemas artificiais frente a materiais “naturais” (i.e. com spins reais) é que o estado de cada spin artificial pode tipicamente ser identificado de maneira direta e que muitos estados exóticos podem ser induzidos e estudados em condição ambiente. A Figura 1 nos mostra um exemplo de gelo de spin artificial cujas ilhas magnéticas estão dispostas em uma rede do tipo kagome. Na Figura 1(a) podemos ver a imagem de microscopia eletrônica do sistema, evidenciando sua forma geométrica enquanto que, em (b), vemos seu estado magnético, obtido por microscopia de força magnética (MFM). Já na Figura 1(c) temos a representação do estado magnético por meio de flechas indicando as direções e sentidos dos momentos magnéticos das nanoilhas.

Figura 1
(a) Imagem de microscopia eletrônica evidenciando as nanoilhas magnéticas dispostas em uma rede do tipo kagome de um gelo de spin artificial. (b) Estado magnético mapeado via microscopia de força magnética (MFM). (c) Representação do estado magnético via flechas que identificam a direção e sentido dos momentos magnéticos individuais das nanoilhas.

O principal objetivo deste trabalho é apresentar os gelos de spin artificiais de maneira acessível a estudantes de final de graduação e início de pós-graduação, focando em como esses sistemas artificiais podem ser usados como realizações experimentais de modelos de spins frustrados. Ainda assim, esperamos que esse artigo também seja útil para pesquisadores interessados em ter contato inicial com o tema. Para as pessoas interessadas em revisões mais extensas e aprofundadas, indicamos as referências [4[4] N. Rougemaille e B. Canals, Eur. Phys. J. B 92 , 62 (2019).] e [5[5] S.H. Skjoervo, C.H. Marrows, R.L. Stamps e L.J. Heyderman, Nature Reviews Physics. 2, 13 (2020).].

O restante do artigo é dividido em cinco seções. Na Seção 2 2. Conceitos Básicos 2.1. Modelos estatísticos de spins Modelos de spins foram introduzidos na física estatística como modelos microscópicos simples de materiais magnéticos, descrevendo esses sistemas como um arranjo de dipolos magnéticos, representando os spins interagentes. Em geral, esses modelos são caracterizados por três elementos: (i) o tipo de spin, (ii) uma rede sobre a qual os spins estão distribuídos, e (iii) um hamiltoniano de interação. Os spins são os graus de liberdade elementares do modelo. Em modelos clássicos, cada spin é tratado como um vetor S→, sendo o de Ising o tipo mais simples. Um spin de Ising pode apontar somente em dois sentidos em uma dada direção definida por um vetor unitário e^. Assim, ele é da forma S→=σ e^, onde σ é uma variável escalar que pode assumir os valores +1 ou −1. Dessa forma, um microestado do sistema corresponde a uma configuração específica de spins e é caracterizado pelo conjunto {σi}. A rede, por sua vez, é um arranjo periódico de pontos que define as posições r→i de cada spin S→i, da mesma forma que a estrutura cristalina de um sólido define as posições microscópicas dos seus átomos. Aqui, vamos lidar apenas com redes bidimensionais nas quais os spins estão localizados periodicamente sobre um plano. Finalmente, o hamiltoniano descreve as interações presentes no sistema. Em modelos de Ising, a energia de interação Eij entre spins S→i=σi e^i e S→j=σj e^j frequentemente é especificada sob a forma:(1)Eij=−Jijσiσj O coeficiente Jij caracteriza a interação do par e é chamado de coeficiente de acoplamento (ou simplesmente acoplamento). Dizemos que uma interação (ou ligação) é satisfeita quando o par de spins assume a configuração que minimiza sua energia de interação. Se Jij > 0, a interação do par é satisfeita quando σi = σj (i.e. spins de mesma direção e sentido, se e^i=e^j) e é dito que o acoplamento tem caráter ferromagnético. Por outro lado, se Jij < 0, a ligação é satisfeita para σi = −σj (i.e. spins de mesma direção e sentidos opostos, se e^i=e^j) e dizemos que o acoplamento tem caráter antiferromagnético. Considerando que a energia total do sistema é a soma da energia entre todos os spins, o hamiltoniano é dado por:(2)H=−∑(i,j)Jijσiσj Onde a notação (ij) indica que a soma varre todos os pares de spins distintos. A termodinâmica de um modelo de spin pode ser completamente determinada pelo formalismo da física estatística. Por exemplo, considerando o ensemble canônico, um sistema com um número fixo de spins em equilíbrio térmico a uma temperatura T tem probabilidade(3)pμ=1Ze−Hμ/kTde acessar um microestado μ, onde k é a constante de Boltzmann, Hμ é a energia do microestado dada pelo hamiltoniano (2) e Z é a função de partição do sistema definida como:(4)Z=∑μe−Hμ/kT A distribuição de probabilidades (3) é chamada de distribuição de Boltzmann e é um dos pilares de toda a física estatística. Uma das conhecidas interpretações acerca desse resultado é a de que, ao longo de um processo macroscópico de medida, o sistema físico passeia por inúmeros microestados de acordo com a distribuição de Boltzmann, de modo que o valor da medição corresponde a média da grandeza examinada sobre todos esses estados. Se a amostra desses microestados for representativa, então o valor obtido é muito próximo da média tomada sobre todos os microestados possíveis. Assim, por exemplo, o que conhecemos como energia interna U da termodinâmica nada mais é do que(5)U(T)=∑μHμpμ O mesmo raciocínio pode ser usado para avaliar mais quantidades, como a magnetização M(T), enquanto outras podem ser derivadas a partir dessas, como o calor específico c=dUdT e a susceptibilidade magnética χ=dMdH. Para certos modelos, é possível “deduzir” toda a sua termodinâmica de maneira analítica. Porém, para a maior parte dos casos, é necessário recorrer a métodos numéricos. Disparadamente, a classe de métodos mais utilizada são as chamadas simulações de Monte Carlo. Elas simulam precisamente as flutuações térmicas do sistema de acordo com a distribuição de Boltzmann e calculam os valores médios, e correspondentes desvios padrões, sobre uma amostragem finita de estados gerados. Como veremos, essas simulações são importantes ferramentas para determinar as propriedades dos modelos teóricos contra as quais resultados experimentais são comparados. Os detalhes do método estão além do escopo deste artigo e indicamos a referência [6] como um excelente livro texto sobre o assunto. 2.2. O modelo de Ising na rede quadrada Um dos modelos mais simples e importantes (se não o mais importante!) da física estatística é o modelo de Ising quadrado ferromagnético de primeiros vizinhos, ou simplesmente modelo de Ising, como muitas vezes é chamado. Ele é definido por spins descritos por S→i=σi e^, que compartilham o mesmo eixo e^, em uma rede quadrada com interações restritas a primeiros vizinhos de caráter ferromagnético, de forma que o hamiltoniano do sistema é dado por:(6)H=−J∑〈ij〉σiσj Com J > 0 e onde a notação ⟨ij⟩ indica que a soma varre apenas pares de primeiros vizinhos. Assim, é fácil perceber que há somente dois microestados distintos de energia mínima e que, portanto, pertencem ao estado fundamental: um no qual todos os spins possuem σi = +1 e outro onde possuem σi = −1. Um deles é representado na Figura 2. Figura 2 Um dos dois estados fundamentais para o modelo de Ising considerado no texto. Gostaríamos de chamar a atenção para três características acerca do seu estado fundamental. A primeira é que a energia é minimizada par a par, i.e. todos os pares possuem suas interações satisfeitas. A segunda é que ele não é macroscopicamente (ou extensivamente) degenerado. Isso significa que sua degenerescência não cresce com o tamanho do sistema. De fato, o número de microestados com energia mínima é Ω = 2 para qualquer arranjo quadrado contendo um número finito N de spins e, em particular, no limite onde N tende ao infinito. Consequentemente, a entropia por spin s = S/N do estado fundamental tende a zero no dito limite termodinâmico:(7)limN→∞s=limN→∞kln2N=0 Onde usamos que a entropia de um sistema é dada por S = k ln Ω. Uma das formulações mais comuns da terceira lei da termodinâmica é que a entropia de um sistema vai a zero no limite que a temperatura tende a zero. Como esse sistema de spins acessa seu estado fundamental para temperaturas suficientemente baixas, o resultado (7) é uma verificação da terceira lei no modelo de Ising. A terceira característica é que o estado fundamental é ordenado. Isso significa que podemos definir uma célula unitária cuja configuração de spin se repete periodicamente pela rede. Neste caso, a célula unitária é trivial: ela é a própria célula unitária da rede quadrada contendo um spin com σi = +1, para um dos representantes do estado fundamental, ou σi = −1, para o outro. 2.3. Frustração geométrica Uma das maiores virtudes do modelo de Ising é ser extremamente simples e capaz de capturar o que é uma tendência quase universal da matéria: a de que ela ordena a baixas temperaturas. É fácil perceber que o mesmo vale para o modelo de Ising com interações antiferromagnéticas (J < 0). Em contrapartida, existem outros modelos muito simples que preveem comportamentos completamente diferentes e inusitados, e que são o foco deste trabalho: modelos frustrados. Na física, frustração é um conceito que se refere a incapacidade de um sistema satisfazer simultaneamente todas as interações entre seus constituintes. Em particular, chamamos de frustração geométrica quando a frustração surge devido a uma incompatibilidade entre a natureza das interações e a geometria da rede. Frequentemente, ela dá origem a fenômenos que contrastam diretamente com o paradigma do modelo de Ising discutido na seção anterior. A saber, três efeitos frequentemente provocados pela frustração são: (i) a incapacidade do sistema minimizar sua energia total par a par; (ii) estados de baixa energia macroscopicamente degenerados; e (iii) estados de baixa energia desordenados de forma correlacionada. Para ilustrar isso, considere três spin de Ising sobre os vértices de um triângulo equilátero com interações antiferromagnéticas entre primeiros vizinhos, como ilustrado na Figura 3(a). Ao contrário do modelo de Ising na rede quadrada, aqui não é possível satisfazer a ligação de todos os pares. Supondo que um dos spins possui possui σi = +1, podemos escolher um segundo para ter σj = −1 para satisfazer sua interação com o primeiro porém, qualquer que seja a orientação do terceiro, uma das suas interações não será satisfeita ou, como se diz, estará frustrada (Figura 3(a)). Para cada orientação de um dado spin, a ligação frustrada pode estar entre qualquer uma dos três pares, de modo que o estado fundamental desse pequeno sistema possui degenerescência Ω = 6, cujas configurações são exibidas na Figura 3(b). Figura 3 Ilustração gráfica do fenômeno da frustração magnética de origem geométrica. (a) Impossibilidade de satisfazer interações antiferromagnéticas entre três spins de Ising situados nos vértices de um triângulo retângulo. (b) Os seis possíveis estados degenerados que surgem da configuração mostrada em (a). (c) Ilustração da desordem correlacionada e do aumento exponencial da degenerescência nos estados de menor energia. É simples se convencer de que a degenerescência do estado fundamental cresce à medida que adicionamos mais spins para formar uma rede triangular. Mais especificamente, ela cresce exponencialmente como Ω ∼ aN, onde N é o número de spins e a > 1 um número real. Assim, o estado fundamental é macroscopicamente degenerado e, como consequência, apresenta uma entropia por spin residual (i.e. não nula) s ∼ k no limite termodinâmico, violando a terceira lei como expressa anteriormente. Notavelmente, o sistema descrito por esse modelo apresenta um comportamento muito incomum: ele permanece flutuando a temperaturas arbitrariamente baixas e, em particular, no zero absoluto, entre suas configurações de mínima energia extensivamente numerosas. Finalmente, essas diversas configurações não são ordenadas. Por outro lado, elas não são completamente aleatórias, pois obedecem, em cada triângulo, a condição de que apenas uma das ligações é frustrada. O estado fundamental desse modelo apresenta o que é chamado de “desordem correlacionada”. Para entender isso conceitualmente, considere que sabemos a configuração de um triângulo de uma rede triangular, como mostrado na Fig. 3(c). Se a rede está em um dos seus estados fundamentais, então a orientação do terceiro spin pertencente ao triângulo vizinho que compartilha a ligação frustrada deve ser oposta à orientação dos outros dois spins. Por outro lado, o terceiro spin dos demais triângulos vizinhos pode cada um estar em qualquer estado, mas elas também influenciam a orientação dos seus vizinhos, e assim por diante. Assim, embora um dado spin exerça alguma influência sobre seus vizinhos, ela é mais fraca quanto maior a distância entre eles. Uma maneira quantitativa de caracterizar esse estado é calcular as correlações espaciais de spins. Por exemplo, a correlação de spin entre primeiros vizinhos é definida como:(8)C1=〈Si→⋅Sj→〉|〈ij〉 Onde a média é tomada sobre todos os pares de primeiros vizinhos da rede. Da mesma forma, é possível calcular as correlações entre segundos vizinhos, terceiros, etc. Em regimes desordenados, mas correlacionados, a correlação não é nula mas decai a zero para vizinhos distantes. Isso contrasta com um estado paramagnético ideal, onde a orientação de cada spin é independente umas das outras e todas as correlações são nulas, e com estados ordenados, onde as correlações não decaem a zero. introduzimos definições e conceitos básicos sobre modelos de spin e frustração. Na Seção 3 3. Pirocloros Magnéticos como Gelos de Spins Originais e o Surgimento dos Gelos de Spins Artificiais A partir da década de 90 despertou-se na comunidade científica um enorme interesse por uma nova classe de materiais denominados por Pirocloros magnéticos. Tais materiais possuem uma composição do tipo A23+B24+O7, com A representando um elemento de terra rara e B, em geral, um metal de transição. A estrutura cristalina dos pirocloros comportam duas redes de tetraedros interpenetrantes, com simetria global cúbica (grupo espacial Fd3_m, No. 227) [7]. Spins com acoplamento antiferromagnético situados nos vértices de um tetraedro no espaço tridimensional é um caso análogo ao bidimensional do triângulo equilátero descrito na seção anterior. Isso faz dos pirocloros excelentes candidatos a não apresentarem um estado fundamental ordenado mesmo a baixíssimas temperaturas, podendo apresentar fenômenos quânticos emergentes e justificando assim o enorme interesse da comunidade científica em dedicar esforços em tal linha de pesquisa [8]. A título de curiosidade, podemos citar como exemplos de fenômenos exibidos pelos compostos A23+B24+O7: comportamento do tipo vidro de spin em Y23+Mo24+O7, líquido de spin em Tb23+Ti24+O7, gelo de spin em Ho23+Ti24+O7 e Tb23+Sn24+O7, ordem via desordem em Er23+Ti24+O7, efeito Hall anômalo em Nd23+Mo24+O7, supercondutividade em Cd23+Re24+O7, efeito Kondo em Pr23+Ir24+O7 etc. [9]. Do ponto de vista teórico, frustração magnética do tipo geométrica vem sendo intensivamente estudada desde a década de 50, com trabalhos reportando soluções para o modelo de Ising em redes antiferromagnéticas triangulares [10]. Esses trabalhos pioneiros já apontavam para a ausência de transição de fase a temperatura finita que levasse o sistema a um estado fundamental com ordem de longo alcance. Como consequência, uma entropia de caráter extensivo (aumenta com a dimensão da rede estudada) aparece para estados fundamentais degenerados. Mais especificamente, Anderson foi quem investigou o papel do acoplamento antiferromagnético entre spins dispostos em uma rede do tipo pirocloro [11]. A conexão feita por Anderson, entre o problema magnético que leva a um número extensivo de estados fundamentais degenerados e o problema da entropia de ponto zero apresentada água em fase de gelo hexagonal, estudado por Pauling em 1935 [12] praticamente determinou a forma como iríamos ver tais sistemas a partir daí, cunhando, inclusive, o termo gelo de spin para sistemas do tipo pirocloros. Os estados de baixa energia em tais sistemas, obedecem a chamada regra do gelo que, no caso dos pirocloros, consistem em dois spins com orientação convergindo para o centro do tetraedro e outros dois em sentidos opostos. Um dos primeiros aspectos interessantes e de caráter emergente que surge nos sistemas frustrados dos pirocloros é a aparição de entidades que se comportam como monopólos magnéticos e que, de fato, passam a ser conhecidos como tal. A existência de tais monopólos ficou evidente a partir de um trabalho seminal de Castelnovo [13] no qual foi proposta uma visualização diferente para o mesmo problema. Castelnovo imaginou os momentos magnéticos nos sítios tetraédricos do pirocloros como halteres de cargas magnéticas separados por distâncias interatômicas. Nesse contexto, cada nanomagneto de comprimento d, tratado como um momento magnético de Ising m, e é substituído por um dipolo magnético de cargas magnéticas opostas, q=±md. Dessa forma, o centro de cada tetraedro da rede do pirocrolo possui uma carga total Q=∑iqi, que é sempre um múltiplo inteiro de q, onde i indexa as quatro cargas que se encontram nessa posição. Dessa forma, a regra do gelo (dois spins entrando e dois saindo de cada tetraedro) é alcançada minimizando a carga total no centro de cada tetraedro, ou seja, totalizando zero. A reversão de um dipolo leva dois tetraedros vizinhos a apresentarem cargas totais diferentes de zero e opostas (ΔQ = ±2q). Tais cargas podem então serem separadas facilmente, invertendo dipolos adjacentes ao longo de um caminho unidimensional, “denominado corda de Dirac” em alusão ao interessante trabalho de Dirac sobre a previsão de monopólios magnéticos na natureza [14]. Ao longo de uma corda de Dirac, a regra do gelo seria preservada e cargas magnéticas totais diferentes de zero residiriam apenas em seus extremos. Diferente de monopólos magnéticos análogos às partículas elétricas carregas, que jamais foram encontrados na natureza, os monopólos magnéticos de Castalnovo não são vistas como partículas elementares e sim como emergentes, ou seja, manifestações das correlações presentes no sistema de muitos momentos magnéticos interagentes. A possibilidade do surgimento de monopólos magnéticos como quase-partículas emergentes, juntamente com o fenômeno da frustração magnética apresentados pelos pirocloros motivaram a comunidade a ter uma ideia que viria abrir uma nova linha de pesquisa em física da matéria condensada: fabricar sistemas macroscópicos de momentos magnéticos frustrados que permitisse a observação de tais fenômenos físicos de forma direta, a partir de imagens facilmente obtidas via microscopia de contraste magnético como, por exemplo, a “microscopia de força magnética” (MFM). Nesse contexto, gelos de spin artificiais foram inicialmente construídos para imitar sua contrapartida cristalina, os pirocloros magnéticos já mencionados. Nos primeiros estudos [15, 16] nanomagnetos fabricados via litografia por feixe de elétrons foram dispostos nos sítios de redes bidimensionais quadradas ou do tipo Kagomé, com foco principal no comportamento da inversão da magnetização das ilhas via aplicação de campo magnético ou na simulação de efeitos térmicos via aplicação de campo magnético alternado de baixa intensidade. Por serem, geralmente, fabricadas de Permalloy (Fe80%Ni20%), as nanoilhas magnéticas possuem baixa anisotropia magnetocristalina e suas dimensões, com formato alongado, favorecem uma estrutura de monodomínio longitudinal de forma a reproduzirem o comportamento microscópico de spins ideais do tipo Ising encontrados nos pirocloros. Apesar do interesse inicial em reproduzir os fenômenos encontrados em sistemas cristalinos volumétricos, o surgimento de uma nova área de pesquisa já começa a ser sugerido, uma vez que se pode dispor as nanoilhas magnéticas em qualquer geometria e não somente naquelas favorecidas pela natureza e análogas aos cristais já conhecidos. Por exemplo, encontramos sistemas quirais [17], redes toroidais [18], Shakti [19], quasicristais [20] ou até mesmo em estruturas tridimensionais [21], dentre muitas outras [5]. Uma das grandes vantagens experimentais se encontra no momento da caracterização do sistema, uma vez que os processos de mapeamento magnético utilizados, além de não interferirem nos estados magnéticos das ilhas, podem ser feitos utilizando técnicas facilmente encontradas em laboratórios de pesquisa, como a “microscopia de força magnética” (MFM) ou de efeito Kerr magneto óptico de resolução manométrica (NanoMoke). apresentamos brevemente alguns fenômenos chaves observados nos gelos de spin originais que motivaram a criação dos gelos de spin artificiais. Na Seção 4 4. Gelos de Spin Artificiais, Uma Nova Área de Pesquisa em Física da Matéria Condensada Gelos de spin artificiais, um caso particular dos sistemas de spins artificiais, são tipicamente conjuntos de nanoestruturas magnéticas que possuem caráter de Ising e que estão dispostas em um arranjo bidimensional. De forma geral, isso define dois dos três aspectos de um modelo de spin: o tipo de spin (Ising) e a rede. O terceiro elemento é o hamiltoniano do sistema. Nesses arranjos, os nanomagnetos estão sempre acoplados através de interações magnetostáticas, cuja principal componente é a dipolar. Considerando que cada magneto carrega um momento de dipolo magnético m→i=m S→i=m σi e^i de magnitude m, o hamiltoniano dipolar é dado por:(9)Hdip=μ04π∑(ij)(m→i⋅m→j)−3(m→i⋅r^ij)(m→j⋅r^ij)rij3 Que pode ser colocado sob a forma (2) se definirmos o seguinte fator de acoplamento dipolar:(10)Jijdip=−μ0m24π(e^i⋅e^j)−3(e^i⋅r^ij)(e^j⋅r^ij)rij3 Onde μ0 é a permeabilidade magnética do vácuo e r→ij=r→i−r→j. Uma característica muito importante dessa interação é ser de longo alcance. Ou seja, embora ela caia rapidamente com a distância, na forma de 1r3, ela só se anula de fato no infinito, de modo que qualquer par de dipolos separados por uma distância finita é interagente. Em certos casos, considerar somente a interação entre primeiros ou segundos vizinhos é suficiente para explicar a física observada em sistemas artificiais. Porém, como veremos, o caráter de longo alcance pode também alterar drasticamente as propriedades termodinâmicas de um modelo em relação a sua versão de primeiros ou poucos vizinhos, com efeitos observáveis experimentalmente. Um dos principais atrativos dos gelos de spin artificiais é a possibilidade de modular a interação magnetostática através das características geométricas do arranjo. Por exemplo, é possível controlar a intensidade |Jij| dos acoplamentos ao regular a distância entre os elementos magnéticos ou modificando propriedades das nanoestruturas, como o formato e razão de aspecto. Por sua vez, o sinal do acoplamento magnetostático, que define sua natureza ferro ou antiferromagnetica, é dependente da posição relativa e orientação angular do par interagente. Além disso, parte da energia do sistema também está associada ao caráter micromagnético dos nanoimãs, sendo armazenada localmente em regiões onde a magnetização não é uniforme. Esse efeito, é especialmente relevante em redes com estruturas fisicamente conectadas, onde a magnetização tende a ser altamente não uniforme nos pontos de interligação. Enquanto o tipo de spin e a rede são estabelecidos a priori, definir diretamente o hamiltoniano associado ao sistema de spin artificial é uma tarefa mais delicada. Se por um lado é possível manipular propriedades geométricas a fim de ajustar os acoplamentos na tentativa de obter um determinado hamiltoniano, o sucesso ou não dessa tentativa é verificado experimentalmente a posteriori. Um ponto importante é precisamente explicar como verificar se um determinado gelo de spin artificial é uma realização experimental de um dado modelo de spin e o que isso significa dentro do contexto de sistemas de spins artificiais. Dessa forma, vamos discutir procedimentos experimentais e análises de dados gerais que podem ser utilizados no estudo de qualquer tipo de rede. Do ponto de vista termodinâmico, os sistemas de spins artificiais são atérmicos! Isso significa que os dipolos magnéticos das nanoilhas são estáticos e não exibem flutuações térmicas. A razão disso é que, devido à anisotropia de forma, a magnetização de um nanoimã precisa superar uma barreira de energia da ordem de ∼ 104K para inverter a orientação. Considerando modelos, isso corresponde a um termo extra no hamiltoniano, que introduz um custo gigantesco de energia para cada inversão de spin, sendo que na prática gostaríamos de reproduzir modelos sem custo nenhum. À primeira vista, isso parece impedir a reprodução experimental de qualquer modelo que seja, sendo ainda mais grave no contexto de modelos frustrados, por eles serem caracterizados justamente pela persistência de flutuações térmicas a baixas temperaturas. Para contornar esse problema, uma estratégia simples e amplamente utilizada é promover as inversões dos dipolos através de um protocolo de aplicação de campo magnético para fazer com que o sistema explore o espaço de configuração, simulando o que supostamente aconteceria em um sistema em equilíbrio térmico. Como ilustrado na Figura 4, esse protocolo consiste em aplicar, no plano da amostra um campo magnético oscilante de baixa frequência ωB e com amplitude decrescente no tempo e, ao mesmo tempo, girar a amostra em alta frequência ω, ω ≫ ωB, em torno de um eixo perpendicular ao plano da rede. Esse é na verdade um processo padrão de desmagnetização de materiais magnéticos. Aqui, o objetivo é idealmente conduzir a rede a estados exóticos de baixa energia de modelos de spins frustrados, que geralmente possuem de fato magnetização nula. Figura 4 Ilustração do protocolo de desmagnetização ao qual são submetidos os sistemas de spin artificiais com o intuito de atingir estados de baixas energias (baixas temperaturas efetivas). Para entender melhor a dinâmica durante esse processo, é importante notar que cada nanoimã é caracterizado por um campo de inversão de sua magnetização e que, experimentalmente, sempre haverá uma distribuição do seu valor. Assim, podemos dividir o processo de desmagnetização em três momentos, como indicado na Figura 4. Para t < t1, a amplitude do campo magnético é maior do que os campos de inversão de todos os dipolos que, basicamente, acompanham o campo magnético aplicado. A etapa crucial do processo se dá no intervalo de tempo t1 < t < t2 e corresponde a situação na qual o campo aplicado é menor do que o campo de inversão de alguns imãs e maior do que o de outros. Durante esse período de tempo, o campo aplicado não desempenha mais um papel dominante na dinâmica dos dipolos e as flutuações são fortemente mediadas pelas interações entre os constituintes magnéticos. Para t > t2 a intensidade do campo é menor do que todos os campos de inversão e não provoca mais flutuações. Ao final do processo, a amostra se encontra em uma configuração de dipolos estática que pode ser determinada através de técnicas de mapeamento magnético. Em casos onde o estado fundamental é não degenerado e ordenado é relativamente fácil verificar o desempenho do protocolo. Por exemplo, nos casos triviais de estados ferro- ou antiferromagneticos, basta conferir diretamente se os dipolos estão ordenados dessas maneiras. Contudo, essa avaliação é menos óbvia no caso de sistemas frustrados porque, tipicamente, o estado fundamental é altamente degenerado e desordenado. Porém, como já dito, a desordem é correlacionada. Para ilustrar esse ponto, considere as configurações de spin de uma rede quadrada mostrada nas Figura 5(b)–(d). Nesse sistema há spins com eixos de Ising no plano da rede e perpendiculares entre si, formando vértices onde quatro spins se encontram. Ha 24 = 16 Configurações possíveis de vértice, mas os microestados exibidos possuem apenas vértices do tipo I (em azul) e do tipo II (em vermelho e verde), como mostrado na Fig. 5(a). Além disso, a proporção dos tipos de vértice é a mesma em todos os casos: 38% do tipo I e 62% do tipo II. Figura 5 (a) dois tipos de vértices que respeitam a regra do gelo no sistema de spins artificiais em rede quadrada. (b) – (d) diferentes ordenamentos de spins com quantidades relativas de vértices tipo I (38%) e II (62%) iguais. (e) correspondentes fatores de estrutura magnéticos [4]. O microestado da Fig. 5(b) é altamente ordenado, contendo dois grandes domínios antiferromagneticos de vértices do tipo I e do tipo II. Já, os microestados das Figuras 5(c) e 5(d) aparentam ser desordenados e são visualmente semelhantes. Porém, eles representam estados magnéticos completamente diferentes! Essa distinção fica clara ao calcular a transformada de Fourier das correlações espaciais de spin, conhecida como fator de estrutura magnético e mostrado nas Figuras 5(e)–(g) para cada configuração. O fator de estrutura de uma configuração de spin é um análogo magnético do padrão de difração de raio X de um arranjo de átomos. O fator de estrutura da primeira configuração (Figura 5(e)) apresenta intensos picos acentuados devido ao ordenamento do microestado, correspondendo a um análogo magnético de um sólido cristalino. Também é possível identificar esses picos no fator de estrutura da segunda configuração, mas eles são mais largos (Figura 5(f)), indicando uma tendência a um estado magnético “cristalino”. Em contrapartida, a terceira configuração apresenta um padrão difuso, mas estruturado (Figura 5(g)), característico de um “líquido” magnético. Na grande maioria dos casos, o sistema artificial não é capaz de atingir exatamente o estado fundamental. Mais frequentemente, a rede se encontra em estados de maior energia, representativos de equilíbrio térmico a temperaturas finitas mas baixas o suficiente para observar assinaturas do modelo. Por exemplo, em um ferromagneto comum, se esperaria observar a formação de diferentes domínios ferromagnéticos ao invés do verdadeiro estado fundamental com absolutamente todos os spins alinhados. Essa temperatura teórica da qual o microestado experimental é representativo é chamada de temperatura efetiva. Ela na verdade é mais um parâmetro que ajuda a caracterizar a configuração obtida com respeito ao modelo de spin investigado. Enfatizamos que ela não guarda qualquer relação com a temperatura real do ambiente de laboratório onde os experimentos são conduzidos, pois, como mencionamos, essa última não é capaz de induzir flutuações e proporcionar a dinâmica do sistema. Uma maneira largamente utilizada de determinar a temperatura efetiva de sistemas artificiais faz uso novamente das correlações. A partir da comparação do cálculo de correlações entre vizinhos (até sexto ou sétimo) via simulações de Monte Carlo de um hamiltoniano dipolar com as verificadas experimentalmente via mapeamento magnético de um sistema de spins artificiais após o protocolo de desmagnetização, pode-se definir a temperatura efetiva em unidades da constante de acoplamento de primeiros vizinhos, por exemplo. Chioar e colaboradores [22]. Investigaram uma rede kagome de dipolos com eixo de Ising perpendicular ao plano da rede (Figura 6(a)). Considerando um hamiltoniano dipolar, as correlações de spin dos sete primeiros vizinhos em função da temperatura, obtidas através de simulações de Monte Carlo, são mostradas na Figura 6(b). Após desmagnetizar a amostra, eles inspecionaram o microestado final através de microscopia MFM. Com isso, eles calcularam as correlações experimentais e avaliaram que a temperatura kT∼1 seria a que melhor ajusta os dados experimentais com respeito ao modelo dipolar. O critério utilizado foi identificar o valor de temperatura que minimiza o desvio quadrático médio dado por:(11)∑jCαjexp−Cαjmod(T) Onde a soma percorre os sete primeiros vizinhos considerados e Cαjexp e Cαjmod(T) são, respectivamente, as correlações experimentais e as do modelo. De fato, no gráfico da Figura 6(b) é possível observar que o acordo é excelente e as correlações experimentais estão dentro da incerteza numérica de um desvio padrão. Figura 6 (a) geometria da rede kagome com nanomagnetos perpendiculares ao plano. (b) correlações de spin dos sete primeiros vizinhos em função da temperatura, obtidas através de simulações de Monte Carlo considerando interações de longo alcance e as comparações com os respectivos parâmetros obtidos experimentalmente. No destaque temos a ilustração dos índices que indicam os vizinhos envolvidos nas correlações. (c) o mesmo que em (b) para o modelo de primeiros vizinhos [22]. Esse tipo de análise ainda permite avaliar qual o hamiltoniano que rege o sistema artificial. No mesmo trabalho, os autores também compararam os resultados experimentais com a previsão do modelo de primeiros vizinhos (Figura 6(c)). Nesse caso, mesmo na temperatura que fornece o melhor ajuste, existem sempre desvios significativos entre as correlações experimentais e teóricas, especialmente para Cαβ, Cαγe Cαν, indicando que a ocorrência do microestado correspondente ao modelo de primeiros vizinhos é um evento muito improvável no contexto de sistemas de spins artificiais macroscópicos analisados aqui. É importante frisar que nesse exemplo a diferença entre os modelos de primeiros vizinhos e dipolar pode não ser meramente quantitativa. O modelo de primeiros vizinhos é frustrado e, a baixas temperaturas, permanece flutuando de forma desordenada, mas correlacionada, entre os diversos microestados do seu estado fundamental extensivamente degenerado. A presença de interações dipolares, por outro lado, quebra essa degenerescência e, em última instância, ordena o sistema em um estado fundamental não extensivamente degenerado. explicamos estratégias para projetar um gelo de spin artificial que reproduza um determinado modelo de spin e como verificar experimentalmente se a abordagem foi bem sucedida. Na Seção 5 5. Alguns Resultados Iniciais Importantes A maioria dos estudos iniciais em sistemas artificiais de spin, a partir dos anos 2000, se concentraram basicamente em duas redes: a quadrada e a kagome. No trabalho pioneiro de Wang e colaboradores [15] verificaram que nanomagnetos dispostos em uma rede quadrada bidimensional obedeciam à regra do gelo, ou seja, em cada vértice com 4 spins convergentes, dois possuem momentos magnéticos apontando para o vértice e os outros dois apontam no sentido oposto. No entanto, foi observado que a situação na verdade não é a mesma que nos gelos de spin cristalinos, uma vez que a regra do gelo é obedecida por dois tipos de vértices que possuem diferentes energias magnetostáticas fazendo com que o estado fundamental dessa rede não seja extensivamente degenerado. Embora tal fato eliminar a frustração e suas consequências, é um bom modelo para testar a eficiência dos protocolos de desmagnetização em sistemas atérmicos, que são capazes de conduzir as redes muito próximo do seu estado fundamental. Para contornar esse problema, Y. Perrim e coautores [23] visualizaram a rede quadrada de nanomagnetos como sendo duas subredes e elevaram uma delas verticalmente por uma distância manométrica com o objetivo de igualar as interações magnetostáticas entre vizinhos. Com essa abordagem, conseguiram recuperar todas as características do modelo do gelo de spin quadrado. Dessa forma, foi obtido, de fato, um estado final após o protocolo de desmagnetização, que obedece às regras do gelo e que é desordenado, apresentando fortes assinaturas do estado degenerado. Além disso, foram capazes de observar, pela primeira vez, excitações locais correspondentes aos análogos clássicos dos monopolos magnéticos. Por outro lado, a rede kagomé, também amplamente estudada, possui a vantagem que as interações entre os spins nos vértices são iguais de partida, não necessitando nenhum artifício como a elevação de determinados nanomagnetos. Diferente do caso da rede quadrada, um modelo de primeiros leva a um sistema frustrado obedecendo a regra do gelo de dois spins com momento apontando para o vértice e outro no sentido oposto, ou vice-versa. Os primeiros trabalhos mostraram que nesse caso é possível conduzir a rede a estados onde a regra do gelo é obedecida por todos os vértices [24]. Ainda assim, foi verificado que as correlações de spins de vizinhos superiores não concordavam com o modelo de Ising de primeiros vizinhos e o motivo são as interações entre vizinhos superiores que correlacionam ainda mais nanomagnetos, levando à conclusão de que o sistema estudado é, na verdade, uma realização do modelo dipolar de longo alcance. O modelo dipolar não é só quantitativamente diferente do modelo de primeiros vizinhos, mas apresenta um diagrama de fase muito mais rico. À altas temperaturas o sistema se encontra num estado paramagnético completamente desordenado e descorrelacionado e, à medida que a temperatura efetiva decresce, acessa um regime onde as regras do gelo são satisfeitas (fase “spin ice I”), como no modelo de Ising de primeiros vizinhos. Para temperaturas mais baixas, o sistema, ainda correlacionado, passa por uma transição de fase para a chamada fase “spin ice II”. Nessa fase, as cargas efetivas dos vértices se cristalizam, porém, seus spins ainda apresentam flutuações de forma especial, através da inversão de spins sucessivos formando um caminho fechado. Finalmente, para temperaturas ainda mais baixas o sistema atinge um estado fundamental não degenerado com cargas e spins ordenados. Em particular, a fase de spin ice II é um estado exótico, muito interessante e não observado em sistemas cristalinos. Pode ser vista como uma realização do que é conhecido como fragmentação de spin, uma coexistência de ordem magnética com líquido de spin coulômbico. Um dos maiores desafios da área hoje é acessar essa fase e observá-la diretamente. Embora isso ainda não tenha sido propriamente feito, B. Canals e colegas do grupo de Rougemaille conseguiram preparar rede kagomé em um estado spin ice I próximo da transição com o spin ice 2, onde algumas assinaturas da fragmentação já são apreciáveis [25]. revisamos de maneira sucinta alguns resultados pioneiros em gelos de spins artificiais na rede quadrada e kagome. Finalmente, na Seção 6 6. Perspectivas e Conclusões A linha de pesquisa brevemente introduzida neste artigo abrange um leque enorme de possibilidades de exploração, permitindo não apenas esperar resultados esclarecedores de questões fundamentais em física da matéria condensada, como também abrindo caminho para soluções criativas aplicadas a problemas diversos. Os resultados obtidos ao longo dos últimos dez anos demonstram que os sistemas de macrospins artificiais em geral e, dentre eles, os gelos de spin, são verdadeiros laboratórios para o estudo de aspectos da física de muitos corpos de nanomagnetos frustrados de forma direta, via mapeamento magnético. Vimos que, além de servirem como simuladores materiais de modelos estatísticos, do ponto de vista fundamental, tais sistemas foram palco para a descoberta, por exemplo, de estados da matéria não convencionais, como o presente na fase spin ice II da estrutura kagomé. Como perspectivas futuras, no que confere ao material em si, além de investigar sistema de macrospins artificiais de composição diferente do Permalloy, pode-se explorar efeitos de anisotropias, visando sistemas termicamente ativados. Há muito potencial ainda na exploração de geometrias alternativas às clássicas redes quadradas ou kagomé, incluindo arquiteturas tridimensionais. Além dos métodos de microscopia comumente utilizados na caracterização dos gelos de spin (MFM ou PEEM) o avanço tecnológico e a interação com outras subáreas do magnetismo experimental podem permitir a utilização de outras técnicas de magnetometria, como a microscopia magneto-óptica de efeito kerr com resolução manométrica (NanoMoke) ou até mesmo provar o estado de macrospins individuais via técnicas magnetoresistivas. Dessa forma, estudos experimentais relacionados aos monopólos magnéticos, novas fases, transições de fase e frustrações magnéticas, possam seguir sendo feitos baixo outras perspectivas. Por outro lado, técnicas dinâmicas de caracterização, como os feitos com analisadores vetoriais de rede (VNA), podem colocar tais sistemas no domínio dos cristais magnônicos, abrindo caminho para a fabricação de dispositivos. Avanços teóricos caminham lado a lado com inovações experimentais fazendo com que novos modelos para além do de Ising, como por exemplo o XY ou de Heisenberg, sejam considerados para a explicação de novos fenômenos. Para maiores detalhes sobre os vários caminhos mencionados aqui, sugerimos o artigo de revisão citado na referência [5]. Apesar do crescente número de trabalhos que vêm sendo publicados na área, alguns desafios podem ser citados, como por exemplo, uma observação inequívoca de estados de baixa temperatura efetiva e as respectivas transições de fase; a completa caracterização das configurações magnéticas de sistemas artificiais de macrospins com arquiteturas tridimensionais; a incorporação de interações quânticas entre os nanomagnetos, via compromisso entre tamanho e baixas temperaturas possibilitando, por exemplo, a simulação material do modelo de Kiatev [26]; demonstrações práticas da utilização de sistemas de spins artificiais em computação neuromorfica compatível com a tecnologia de semicondutores CMOS dentre outros muitos que podemos imaginar. Por fim, do ponto de vista das aplicações tecnológicas, sistemas artificiais de macrospins têm sido considerados para aplicações em computação neuromorfica, armazenamento de dados, encriptação de informações, sistemas híbridos magneto-mecânicos e cristais magnônicos. As aplicações propostas até o momento exploram tanto o caráter quase estático da reversão da magnetização, as interações de longo alcance, a aparição de fenômenos não lineares, processos que ocorrem com frequência no domínio da ressonância ferromagnética e fenômenos multiferróicos [27, 28, 29, 30]. A título de observação final, como vimos, o tema de pesquisa é bastante interessante e o caminho ainda se apresenta bastante fértil, o que justifica os esforços crescentes dedicados ao tema pelos mais importantes centros de pesquisa no mundo. , encerramos com um panorama das questões ainda em aberto e seus desafios, bem como caminhos promissores para futuras investigações.

2. Conceitos Básicos

2.1. Modelos estatísticos de spins

Modelos de spins foram introduzidos na física estatística como modelos microscópicos simples de materiais magnéticos, descrevendo esses sistemas como um arranjo de dipolos magnéticos, representando os spins interagentes. Em geral, esses modelos são caracterizados por três elementos: (i) o tipo de spin, (ii) uma rede sobre a qual os spins estão distribuídos, e (iii) um hamiltoniano de interação.

Os spins são os graus de liberdade elementares do modelo. Em modelos clássicos, cada spin é tratado como um vetor S, sendo o de Ising o tipo mais simples. Um spin de Ising pode apontar somente em dois sentidos em uma dada direção definida por um vetor unitário e^. Assim, ele é da forma S=σ e^, onde σ é uma variável escalar que pode assumir os valores +1 ou −1. Dessa forma, um microestado do sistema corresponde a uma configuração específica de spins e é caracterizado pelo conjunto {σi}.

A rede, por sua vez, é um arranjo periódico de pontos que define as posições ri de cada spin Si, da mesma forma que a estrutura cristalina de um sólido define as posições microscópicas dos seus átomos. Aqui, vamos lidar apenas com redes bidimensionais nas quais os spins estão localizados periodicamente sobre um plano.

Finalmente, o hamiltoniano descreve as interações presentes no sistema. Em modelos de Ising, a energia de interação Eij entre spins Si=σi e^i e Sj=σj e^j frequentemente é especificada sob a forma:

(1)Eij=Jijσiσj

O coeficiente Jij caracteriza a interação do par e é chamado de coeficiente de acoplamento (ou simplesmente acoplamento). Dizemos que uma interação (ou ligação) é satisfeita quando o par de spins assume a configuração que minimiza sua energia de interação. Se Jij > 0, a interação do par é satisfeita quando σi = σj (i.e. spins de mesma direção e sentido, se e^i=e^j) e é dito que o acoplamento tem caráter ferromagnético. Por outro lado, se Jij < 0, a ligação é satisfeita para σi = −σj (i.e. spins de mesma direção e sentidos opostos, se e^i=e^j) e dizemos que o acoplamento tem caráter antiferromagnético. Considerando que a energia total do sistema é a soma da energia entre todos os spins, o hamiltoniano é dado por:

(2)H=(i,j)Jijσiσj

Onde a notação (ij) indica que a soma varre todos os pares de spins distintos.

A termodinâmica de um modelo de spin pode ser completamente determinada pelo formalismo da física estatística. Por exemplo, considerando o ensemble canônico, um sistema com um número fixo de spins em equilíbrio térmico a uma temperatura T tem probabilidade

(3)pμ=1ZeHμ/kT
de acessar um microestado μ, onde k é a constante de Boltzmann, Hμ é a energia do microestado dada pelo hamiltoniano (2) e Z é a função de partição do sistema definida como:
(4)Z=μeHμ/kT

A distribuição de probabilidades (3) é chamada de distribuição de Boltzmann e é um dos pilares de toda a física estatística. Uma das conhecidas interpretações acerca desse resultado é a de que, ao longo de um processo macroscópico de medida, o sistema físico passeia por inúmeros microestados de acordo com a distribuição de Boltzmann, de modo que o valor da medição corresponde a média da grandeza examinada sobre todos esses estados. Se a amostra desses microestados for representativa, então o valor obtido é muito próximo da média tomada sobre todos os microestados possíveis. Assim, por exemplo, o que conhecemos como energia interna U da termodinâmica nada mais é do que

(5)U(T)=μHμpμ

O mesmo raciocínio pode ser usado para avaliar mais quantidades, como a magnetização M(T), enquanto outras podem ser derivadas a partir dessas, como o calor específico c=dUdT e a susceptibilidade magnética χ=dMdH.

Para certos modelos, é possível “deduzir” toda a sua termodinâmica de maneira analítica. Porém, para a maior parte dos casos, é necessário recorrer a métodos numéricos. Disparadamente, a classe de métodos mais utilizada são as chamadas simulações de Monte Carlo. Elas simulam precisamente as flutuações térmicas do sistema de acordo com a distribuição de Boltzmann e calculam os valores médios, e correspondentes desvios padrões, sobre uma amostragem finita de estados gerados. Como veremos, essas simulações são importantes ferramentas para determinar as propriedades dos modelos teóricos contra as quais resultados experimentais são comparados. Os detalhes do método estão além do escopo deste artigo e indicamos a referência [6[6] M.E.J. Newman e G.T. Barkema, Monte Carlo methods in statistical physics (Oxford University Press, Oxford, 1999).] como um excelente livro texto sobre o assunto.

2.2. O modelo de Ising na rede quadrada

Um dos modelos mais simples e importantes (se não o mais importante!) da física estatística é o modelo de Ising quadrado ferromagnético de primeiros vizinhos, ou simplesmente modelo de Ising, como muitas vezes é chamado. Ele é definido por spins descritos por Si=σi e^, que compartilham o mesmo eixo e^, em uma rede quadrada com interações restritas a primeiros vizinhos de caráter ferromagnético, de forma que o hamiltoniano do sistema é dado por:

(6)H=Jijσiσj

Com J > 0 e onde a notação ⟨ij⟩ indica que a soma varre apenas pares de primeiros vizinhos.

Assim, é fácil perceber que há somente dois microestados distintos de energia mínima e que, portanto, pertencem ao estado fundamental: um no qual todos os spins possuem σi = +1 e outro onde possuem σi = −1. Um deles é representado na Figura 2.

Figura 2
Um dos dois estados fundamentais para o modelo de Ising considerado no texto.

Gostaríamos de chamar a atenção para três características acerca do seu estado fundamental. A primeira é que a energia é minimizada par a par, i.e. todos os pares possuem suas interações satisfeitas. A segunda é que ele não é macroscopicamente (ou extensivamente) degenerado. Isso significa que sua degenerescência não cresce com o tamanho do sistema. De fato, o número de microestados com energia mínima é Ω = 2 para qualquer arranjo quadrado contendo um número finito N de spins e, em particular, no limite onde N tende ao infinito. Consequentemente, a entropia por spin s = S/N do estado fundamental tende a zero no dito limite termodinâmico:

(7)limNs=limNkln2N=0

Onde usamos que a entropia de um sistema é dada por S = k ln Ω. Uma das formulações mais comuns da terceira lei da termodinâmica é que a entropia de um sistema vai a zero no limite que a temperatura tende a zero. Como esse sistema de spins acessa seu estado fundamental para temperaturas suficientemente baixas, o resultado (7) é uma verificação da terceira lei no modelo de Ising.

A terceira característica é que o estado fundamental é ordenado. Isso significa que podemos definir uma célula unitária cuja configuração de spin se repete periodicamente pela rede. Neste caso, a célula unitária é trivial: ela é a própria célula unitária da rede quadrada contendo um spin com σi = +1, para um dos representantes do estado fundamental, ou σi = −1, para o outro.

2.3. Frustração geométrica

Uma das maiores virtudes do modelo de Ising é ser extremamente simples e capaz de capturar o que é uma tendência quase universal da matéria: a de que ela ordena a baixas temperaturas. É fácil perceber que o mesmo vale para o modelo de Ising com interações antiferromagnéticas (J < 0).

Em contrapartida, existem outros modelos muito simples que preveem comportamentos completamente diferentes e inusitados, e que são o foco deste trabalho: modelos frustrados. Na física, frustração é um conceito que se refere a incapacidade de um sistema satisfazer simultaneamente todas as interações entre seus constituintes. Em particular, chamamos de frustração geométrica quando a frustração surge devido a uma incompatibilidade entre a natureza das interações e a geometria da rede. Frequentemente, ela dá origem a fenômenos que contrastam diretamente com o paradigma do modelo de Ising discutido na seção anterior. A saber, três efeitos frequentemente provocados pela frustração são: (i) a incapacidade do sistema minimizar sua energia total par a par; (ii) estados de baixa energia macroscopicamente degenerados; e (iii) estados de baixa energia desordenados de forma correlacionada.

Para ilustrar isso, considere três spin de Ising sobre os vértices de um triângulo equilátero com interações antiferromagnéticas entre primeiros vizinhos, como ilustrado na Figura 3(a). Ao contrário do modelo de Ising na rede quadrada, aqui não é possível satisfazer a ligação de todos os pares. Supondo que um dos spins possui possui σi = +1, podemos escolher um segundo para ter σj = −1 para satisfazer sua interação com o primeiro porém, qualquer que seja a orientação do terceiro, uma das suas interações não será satisfeita ou, como se diz, estará frustrada (Figura 3(a)). Para cada orientação de um dado spin, a ligação frustrada pode estar entre qualquer uma dos três pares, de modo que o estado fundamental desse pequeno sistema possui degenerescência Ω = 6, cujas configurações são exibidas na Figura 3(b).

Figura 3
Ilustração gráfica do fenômeno da frustração magnética de origem geométrica. (a) Impossibilidade de satisfazer interações antiferromagnéticas entre três spins de Ising situados nos vértices de um triângulo retângulo. (b) Os seis possíveis estados degenerados que surgem da configuração mostrada em (a). (c) Ilustração da desordem correlacionada e do aumento exponencial da degenerescência nos estados de menor energia.

É simples se convencer de que a degenerescência do estado fundamental cresce à medida que adicionamos mais spins para formar uma rede triangular. Mais especificamente, ela cresce exponencialmente como Ω ∼ aN, onde N é o número de spins e a > 1 um número real. Assim, o estado fundamental é macroscopicamente degenerado e, como consequência, apresenta uma entropia por spin residual (i.e. não nula) sk no limite termodinâmico, violando a terceira lei como expressa anteriormente. Notavelmente, o sistema descrito por esse modelo apresenta um comportamento muito incomum: ele permanece flutuando a temperaturas arbitrariamente baixas e, em particular, no zero absoluto, entre suas configurações de mínima energia extensivamente numerosas.

Finalmente, essas diversas configurações não são ordenadas. Por outro lado, elas não são completamente aleatórias, pois obedecem, em cada triângulo, a condição de que apenas uma das ligações é frustrada. O estado fundamental desse modelo apresenta o que é chamado de “desordem correlacionada”. Para entender isso conceitualmente, considere que sabemos a configuração de um triângulo de uma rede triangular, como mostrado na Fig. 3(c). Se a rede está em um dos seus estados fundamentais, então a orientação do terceiro spin pertencente ao triângulo vizinho que compartilha a ligação frustrada deve ser oposta à orientação dos outros dois spins. Por outro lado, o terceiro spin dos demais triângulos vizinhos pode cada um estar em qualquer estado, mas elas também influenciam a orientação dos seus vizinhos, e assim por diante. Assim, embora um dado spin exerça alguma influência sobre seus vizinhos, ela é mais fraca quanto maior a distância entre eles.

Uma maneira quantitativa de caracterizar esse estado é calcular as correlações espaciais de spins. Por exemplo, a correlação de spin entre primeiros vizinhos é definida como:

(8)C1=SiSj|ij

Onde a média é tomada sobre todos os pares de primeiros vizinhos da rede. Da mesma forma, é possível calcular as correlações entre segundos vizinhos, terceiros, etc. Em regimes desordenados, mas correlacionados, a correlação não é nula mas decai a zero para vizinhos distantes. Isso contrasta com um estado paramagnético ideal, onde a orientação de cada spin é independente umas das outras e todas as correlações são nulas, e com estados ordenados, onde as correlações não decaem a zero.

3. Pirocloros Magnéticos como Gelos de Spins Originais e o Surgimento dos Gelos de Spins Artificiais

A partir da década de 90 despertou-se na comunidade científica um enorme interesse por uma nova classe de materiais denominados por Pirocloros magnéticos. Tais materiais possuem uma composição do tipo A23+B24+O7, com A representando um elemento de terra rara e B, em geral, um metal de transição. A estrutura cristalina dos pirocloros comportam duas redes de tetraedros interpenetrantes, com simetria global cúbica (grupo espacial Fd3_m, No. 227) [7[7] M.A. Subramanian e A.W. Sleight, Handbook on the physics and chemistry of rare earths (Elsevier Science, New York, 1993).].

Spins com acoplamento antiferromagnético situados nos vértices de um tetraedro no espaço tridimensional é um caso análogo ao bidimensional do triângulo equilátero descrito na seção anterior. Isso faz dos pirocloros excelentes candidatos a não apresentarem um estado fundamental ordenado mesmo a baixíssimas temperaturas, podendo apresentar fenômenos quânticos emergentes e justificando assim o enorme interesse da comunidade científica em dedicar esforços em tal linha de pesquisa [8[8] L.R. Corrucini e S.J. White, Phys. Rev. B 47, 773 (1993).]. A título de curiosidade, podemos citar como exemplos de fenômenos exibidos pelos compostos A23+B24+O7: comportamento do tipo vidro de spin em Y23+Mo24+O7, líquido de spin em Tb23+Ti24+O7, gelo de spin em Ho23+Ti24+O7 e Tb23+Sn24+O7, ordem via desordem em Er23+Ti24+O7, efeito Hall anômalo em Nd23+Mo24+O7, supercondutividade em Cd23+Re24+O7, efeito Kondo em Pr23+Ir24+O7 etc. [9[9] J.S. Gardner, M.J.P. Gingras e J.E. Greedan, Rev. Mod. Phys. 82, 53 (2010).].

Do ponto de vista teórico, frustração magnética do tipo geométrica vem sendo intensivamente estudada desde a década de 50, com trabalhos reportando soluções para o modelo de Ising em redes antiferromagnéticas triangulares [10[10] R.M.F. Houtappel, Physica (Utrecht) 16, 425 (1950).]. Esses trabalhos pioneiros já apontavam para a ausência de transição de fase a temperatura finita que levasse o sistema a um estado fundamental com ordem de longo alcance. Como consequência, uma entropia de caráter extensivo (aumenta com a dimensão da rede estudada) aparece para estados fundamentais degenerados. Mais especificamente, Anderson foi quem investigou o papel do acoplamento antiferromagnético entre spins dispostos em uma rede do tipo pirocloro [11[11] P.W. Anderson, Phys. Rev. 102, 1008 (1956).]. A conexão feita por Anderson, entre o problema magnético que leva a um número extensivo de estados fundamentais degenerados e o problema da entropia de ponto zero apresentada água em fase de gelo hexagonal, estudado por Pauling em 1935 [12[12] L. Pauling, J. Am. Chem. Soc. 57, 2680 (1935).] praticamente determinou a forma como iríamos ver tais sistemas a partir daí, cunhando, inclusive, o termo gelo de spin para sistemas do tipo pirocloros. Os estados de baixa energia em tais sistemas, obedecem a chamada regra do gelo que, no caso dos pirocloros, consistem em dois spins com orientação convergindo para o centro do tetraedro e outros dois em sentidos opostos.

Um dos primeiros aspectos interessantes e de caráter emergente que surge nos sistemas frustrados dos pirocloros é a aparição de entidades que se comportam como monopólos magnéticos e que, de fato, passam a ser conhecidos como tal. A existência de tais monopólos ficou evidente a partir de um trabalho seminal de Castelnovo [13[13] C. Castelnovo, R. Moessner e S.L. Sondhi, Nature 451, 42 (2008).] no qual foi proposta uma visualização diferente para o mesmo problema. Castelnovo imaginou os momentos magnéticos nos sítios tetraédricos do pirocloros como halteres de cargas magnéticas separados por distâncias interatômicas.

Nesse contexto, cada nanomagneto de comprimento d, tratado como um momento magnético de Ising m, e é substituído por um dipolo magnético de cargas magnéticas opostas, q=±md. Dessa forma, o centro de cada tetraedro da rede do pirocrolo possui uma carga total Q=iqi, que é sempre um múltiplo inteiro de q, onde i indexa as quatro cargas que se encontram nessa posição. Dessa forma, a regra do gelo (dois spins entrando e dois saindo de cada tetraedro) é alcançada minimizando a carga total no centro de cada tetraedro, ou seja, totalizando zero. A reversão de um dipolo leva dois tetraedros vizinhos a apresentarem cargas totais diferentes de zero e opostas (ΔQ = ±2q). Tais cargas podem então serem separadas facilmente, invertendo dipolos adjacentes ao longo de um caminho unidimensional, “denominado corda de Dirac” em alusão ao interessante trabalho de Dirac sobre a previsão de monopólios magnéticos na natureza [14[14] P.A.M. Dirac, Proc. R. Soc. A 133, 60 (1931).]. Ao longo de uma corda de Dirac, a regra do gelo seria preservada e cargas magnéticas totais diferentes de zero residiriam apenas em seus extremos. Diferente de monopólos magnéticos análogos às partículas elétricas carregas, que jamais foram encontrados na natureza, os monopólos magnéticos de Castalnovo não são vistas como partículas elementares e sim como emergentes, ou seja, manifestações das correlações presentes no sistema de muitos momentos magnéticos interagentes.

A possibilidade do surgimento de monopólos magnéticos como quase-partículas emergentes, juntamente com o fenômeno da frustração magnética apresentados pelos pirocloros motivaram a comunidade a ter uma ideia que viria abrir uma nova linha de pesquisa em física da matéria condensada: fabricar sistemas macroscópicos de momentos magnéticos frustrados que permitisse a observação de tais fenômenos físicos de forma direta, a partir de imagens facilmente obtidas via microscopia de contraste magnético como, por exemplo, a “microscopia de força magnética” (MFM). Nesse contexto, gelos de spin artificiais foram inicialmente construídos para imitar sua contrapartida cristalina, os pirocloros magnéticos já mencionados.

Nos primeiros estudos [15[15] R.F. Wang, C. Nisoli, R.S. Freitas, J. Li, W. McConville, B.J. Cooley, M.S. Lund, N. Samarth, C. Leighton, V.H. Crespi et al., Nature 439, 303 (2006)., 16[16] E. Mengotti, L.J Heyderman, A.F. Rodríguez e F. Nolting, Nat. Phys. 7, 68 (2010).] nanomagnetos fabricados via litografia por feixe de elétrons foram dispostos nos sítios de redes bidimensionais quadradas ou do tipo Kagomé, com foco principal no comportamento da inversão da magnetização das ilhas via aplicação de campo magnético ou na simulação de efeitos térmicos via aplicação de campo magnético alternado de baixa intensidade. Por serem, geralmente, fabricadas de Permalloy (Fe80%Ni20%), as nanoilhas magnéticas possuem baixa anisotropia magnetocristalina e suas dimensões, com formato alongado, favorecem uma estrutura de monodomínio longitudinal de forma a reproduzirem o comportamento microscópico de spins ideais do tipo Ising encontrados nos pirocloros. Apesar do interesse inicial em reproduzir os fenômenos encontrados em sistemas cristalinos volumétricos, o surgimento de uma nova área de pesquisa já começa a ser sugerido, uma vez que se pode dispor as nanoilhas magnéticas em qualquer geometria e não somente naquelas favorecidas pela natureza e análogas aos cristais já conhecidos. Por exemplo, encontramos sistemas quirais [17[17] S. Gliga, G. Hrkac, C. Donnelly, J. Büchi, A. Kleibert, J. Cui, A. Farhan, E. Kirk, R.V. Chopdekar, Y. Masaki et al., Nat. Mater. 16, 1106 (2017).], redes toroidais [18[18] J. Lehmann, C. Donnelly, P.M. Derlet, L.J. Heyderman e M. Fiebig, Nat. Nanotechnol. 14, 141 (2018).], Shakti [19[19] Y. Lao, F. Caravelli, M. Sheikh, J. Sklenar, D. Gardeazabal, J.D. Watts, A.M. Albrecht, A. Scholl, K. Dahmen, C. Nisoli et al., Nat. Phys. 14, 723 (2018).], quasicristais [20[20] D. Shi, Z. Budrikis, A. Stein, S.A. Morley, P.D. Olmsted, G. Burnell e C.H. Marrows, Nat. Phys. 14, 309 (2018).] ou até mesmo em estruturas tridimensionais [21[21] A. May, M. Hunt, A.V.D. Berg, A. Hejazi e S. Ladak et al. Commun. Phys. 2, 13 (2019).], dentre muitas outras [5[5] S.H. Skjoervo, C.H. Marrows, R.L. Stamps e L.J. Heyderman, Nature Reviews Physics. 2, 13 (2020).]. Uma das grandes vantagens experimentais se encontra no momento da caracterização do sistema, uma vez que os processos de mapeamento magnético utilizados, além de não interferirem nos estados magnéticos das ilhas, podem ser feitos utilizando técnicas facilmente encontradas em laboratórios de pesquisa, como a “microscopia de força magnética” (MFM) ou de efeito Kerr magneto óptico de resolução manométrica (NanoMoke).

4. Gelos de Spin Artificiais, Uma Nova Área de Pesquisa em Física da Matéria Condensada

Gelos de spin artificiais, um caso particular dos sistemas de spins artificiais, são tipicamente conjuntos de nanoestruturas magnéticas que possuem caráter de Ising e que estão dispostas em um arranjo bidimensional. De forma geral, isso define dois dos três aspectos de um modelo de spin: o tipo de spin (Ising) e a rede. O terceiro elemento é o hamiltoniano do sistema. Nesses arranjos, os nanomagnetos estão sempre acoplados através de interações magnetostáticas, cuja principal componente é a dipolar. Considerando que cada magneto carrega um momento de dipolo magnético mi=m Si=m σi e^i de magnitude m, o hamiltoniano dipolar é dado por:

(9)Hdip=μ04π(ij)(mimj)3(mir^ij)(mjr^ij)rij3

Que pode ser colocado sob a forma (2) se definirmos o seguinte fator de acoplamento dipolar:

(10)Jijdip=μ0m24π(e^ie^j)3(e^ir^ij)(e^jr^ij)rij3

Onde μ0 é a permeabilidade magnética do vácuo e rij=rirj.

Uma característica muito importante dessa interação é ser de longo alcance. Ou seja, embora ela caia rapidamente com a distância, na forma de 1r3, ela só se anula de fato no infinito, de modo que qualquer par de dipolos separados por uma distância finita é interagente. Em certos casos, considerar somente a interação entre primeiros ou segundos vizinhos é suficiente para explicar a física observada em sistemas artificiais. Porém, como veremos, o caráter de longo alcance pode também alterar drasticamente as propriedades termodinâmicas de um modelo em relação a sua versão de primeiros ou poucos vizinhos, com efeitos observáveis experimentalmente.

Um dos principais atrativos dos gelos de spin artificiais é a possibilidade de modular a interação magnetostática através das características geométricas do arranjo. Por exemplo, é possível controlar a intensidade |Jij| dos acoplamentos ao regular a distância entre os elementos magnéticos ou modificando propriedades das nanoestruturas, como o formato e razão de aspecto. Por sua vez, o sinal do acoplamento magnetostático, que define sua natureza ferro ou antiferromagnetica, é dependente da posição relativa e orientação angular do par interagente. Além disso, parte da energia do sistema também está associada ao caráter micromagnético dos nanoimãs, sendo armazenada localmente em regiões onde a magnetização não é uniforme. Esse efeito, é especialmente relevante em redes com estruturas fisicamente conectadas, onde a magnetização tende a ser altamente não uniforme nos pontos de interligação.

Enquanto o tipo de spin e a rede são estabelecidos a priori, definir diretamente o hamiltoniano associado ao sistema de spin artificial é uma tarefa mais delicada. Se por um lado é possível manipular propriedades geométricas a fim de ajustar os acoplamentos na tentativa de obter um determinado hamiltoniano, o sucesso ou não dessa tentativa é verificado experimentalmente a posteriori.

Um ponto importante é precisamente explicar como verificar se um determinado gelo de spin artificial é uma realização experimental de um dado modelo de spin e o que isso significa dentro do contexto de sistemas de spins artificiais. Dessa forma, vamos discutir procedimentos experimentais e análises de dados gerais que podem ser utilizados no estudo de qualquer tipo de rede.

Do ponto de vista termodinâmico, os sistemas de spins artificiais são atérmicos! Isso significa que os dipolos magnéticos das nanoilhas são estáticos e não exibem flutuações térmicas. A razão disso é que, devido à anisotropia de forma, a magnetização de um nanoimã precisa superar uma barreira de energia da ordem de ∼ 104K para inverter a orientação. Considerando modelos, isso corresponde a um termo extra no hamiltoniano, que introduz um custo gigantesco de energia para cada inversão de spin, sendo que na prática gostaríamos de reproduzir modelos sem custo nenhum. À primeira vista, isso parece impedir a reprodução experimental de qualquer modelo que seja, sendo ainda mais grave no contexto de modelos frustrados, por eles serem caracterizados justamente pela persistência de flutuações térmicas a baixas temperaturas. Para contornar esse problema, uma estratégia simples e amplamente utilizada é promover as inversões dos dipolos através de um protocolo de aplicação de campo magnético para fazer com que o sistema explore o espaço de configuração, simulando o que supostamente aconteceria em um sistema em equilíbrio térmico. Como ilustrado na Figura 4, esse protocolo consiste em aplicar, no plano da amostra um campo magnético oscilante de baixa frequência ωB e com amplitude decrescente no tempo e, ao mesmo tempo, girar a amostra em alta frequência ω, ωωB, em torno de um eixo perpendicular ao plano da rede. Esse é na verdade um processo padrão de desmagnetização de materiais magnéticos. Aqui, o objetivo é idealmente conduzir a rede a estados exóticos de baixa energia de modelos de spins frustrados, que geralmente possuem de fato magnetização nula.

Figura 4
Ilustração do protocolo de desmagnetização ao qual são submetidos os sistemas de spin artificiais com o intuito de atingir estados de baixas energias (baixas temperaturas efetivas).

Para entender melhor a dinâmica durante esse processo, é importante notar que cada nanoimã é caracterizado por um campo de inversão de sua magnetização e que, experimentalmente, sempre haverá uma distribuição do seu valor. Assim, podemos dividir o processo de desmagnetização em três momentos, como indicado na Figura 4. Para t < t1, a amplitude do campo magnético é maior do que os campos de inversão de todos os dipolos que, basicamente, acompanham o campo magnético aplicado. A etapa crucial do processo se dá no intervalo de tempo t1 < t < t2 e corresponde a situação na qual o campo aplicado é menor do que o campo de inversão de alguns imãs e maior do que o de outros. Durante esse período de tempo, o campo aplicado não desempenha mais um papel dominante na dinâmica dos dipolos e as flutuações são fortemente mediadas pelas interações entre os constituintes magnéticos. Para t > t2 a intensidade do campo é menor do que todos os campos de inversão e não provoca mais flutuações.

Ao final do processo, a amostra se encontra em uma configuração de dipolos estática que pode ser determinada através de técnicas de mapeamento magnético. Em casos onde o estado fundamental é não degenerado e ordenado é relativamente fácil verificar o desempenho do protocolo. Por exemplo, nos casos triviais de estados ferro- ou antiferromagneticos, basta conferir diretamente se os dipolos estão ordenados dessas maneiras. Contudo, essa avaliação é menos óbvia no caso de sistemas frustrados porque, tipicamente, o estado fundamental é altamente degenerado e desordenado. Porém, como já dito, a desordem é correlacionada.

Para ilustrar esse ponto, considere as configurações de spin de uma rede quadrada mostrada nas Figura 5(b)(d). Nesse sistema há spins com eixos de Ising no plano da rede e perpendiculares entre si, formando vértices onde quatro spins se encontram. Ha 24 = 16 Configurações possíveis de vértice, mas os microestados exibidos possuem apenas vértices do tipo I (em azul) e do tipo II (em vermelho e verde), como mostrado na Fig. 5(a). Além disso, a proporção dos tipos de vértice é a mesma em todos os casos: 38% do tipo I e 62% do tipo II.

Figura 5
(a) dois tipos de vértices que respeitam a regra do gelo no sistema de spins artificiais em rede quadrada. (b) – (d) diferentes ordenamentos de spins com quantidades relativas de vértices tipo I (38%) e II (62%) iguais. (e) correspondentes fatores de estrutura magnéticos [4[4] N. Rougemaille e B. Canals, Eur. Phys. J. B 92 , 62 (2019).].

O microestado da Fig. 5(b) é altamente ordenado, contendo dois grandes domínios antiferromagneticos de vértices do tipo I e do tipo II. Já, os microestados das Figuras 5(c) e 5(d) aparentam ser desordenados e são visualmente semelhantes. Porém, eles representam estados magnéticos completamente diferentes! Essa distinção fica clara ao calcular a transformada de Fourier das correlações espaciais de spin, conhecida como fator de estrutura magnético e mostrado nas Figuras 5(e)(g) para cada configuração. O fator de estrutura de uma configuração de spin é um análogo magnético do padrão de difração de raio X de um arranjo de átomos. O fator de estrutura da primeira configuração (Figura 5(e)) apresenta intensos picos acentuados devido ao ordenamento do microestado, correspondendo a um análogo magnético de um sólido cristalino. Também é possível identificar esses picos no fator de estrutura da segunda configuração, mas eles são mais largos (Figura 5(f)), indicando uma tendência a um estado magnético “cristalino”. Em contrapartida, a terceira configuração apresenta um padrão difuso, mas estruturado (Figura 5(g)), característico de um “líquido” magnético.

Na grande maioria dos casos, o sistema artificial não é capaz de atingir exatamente o estado fundamental. Mais frequentemente, a rede se encontra em estados de maior energia, representativos de equilíbrio térmico a temperaturas finitas mas baixas o suficiente para observar assinaturas do modelo. Por exemplo, em um ferromagneto comum, se esperaria observar a formação de diferentes domínios ferromagnéticos ao invés do verdadeiro estado fundamental com absolutamente todos os spins alinhados.

Essa temperatura teórica da qual o microestado experimental é representativo é chamada de temperatura efetiva. Ela na verdade é mais um parâmetro que ajuda a caracterizar a configuração obtida com respeito ao modelo de spin investigado. Enfatizamos que ela não guarda qualquer relação com a temperatura real do ambiente de laboratório onde os experimentos são conduzidos, pois, como mencionamos, essa última não é capaz de induzir flutuações e proporcionar a dinâmica do sistema.

Uma maneira largamente utilizada de determinar a temperatura efetiva de sistemas artificiais faz uso novamente das correlações. A partir da comparação do cálculo de correlações entre vizinhos (até sexto ou sétimo) via simulações de Monte Carlo de um hamiltoniano dipolar com as verificadas experimentalmente via mapeamento magnético de um sistema de spins artificiais após o protocolo de desmagnetização, pode-se definir a temperatura efetiva em unidades da constante de acoplamento de primeiros vizinhos, por exemplo. Chioar e colaboradores [22[22] I.A. Chioar, N. Rougemaille, A. Grimm, O. Fruchart, E. Wagner, M. Hehn, D. Lacour, F. Montaigne e B. Canals, Phys. Rev. B 90, 064411 (2014).]. Investigaram uma rede kagome de dipolos com eixo de Ising perpendicular ao plano da rede (Figura 6(a)). Considerando um hamiltoniano dipolar, as correlações de spin dos sete primeiros vizinhos em função da temperatura, obtidas através de simulações de Monte Carlo, são mostradas na Figura 6(b). Após desmagnetizar a amostra, eles inspecionaram o microestado final através de microscopia MFM. Com isso, eles calcularam as correlações experimentais e avaliaram que a temperatura kT∼1 seria a que melhor ajusta os dados experimentais com respeito ao modelo dipolar. O critério utilizado foi identificar o valor de temperatura que minimiza o desvio quadrático médio dado por:

(11)jCαjexpCαjmod(T)

Onde a soma percorre os sete primeiros vizinhos considerados e Cαjexp e Cαjmod(T) são, respectivamente, as correlações experimentais e as do modelo. De fato, no gráfico da Figura 6(b) é possível observar que o acordo é excelente e as correlações experimentais estão dentro da incerteza numérica de um desvio padrão.

Figura 6
(a) geometria da rede kagome com nanomagnetos perpendiculares ao plano. (b) correlações de spin dos sete primeiros vizinhos em função da temperatura, obtidas através de simulações de Monte Carlo considerando interações de longo alcance e as comparações com os respectivos parâmetros obtidos experimentalmente. No destaque temos a ilustração dos índices que indicam os vizinhos envolvidos nas correlações. (c) o mesmo que em (b) para o modelo de primeiros vizinhos [22[22] I.A. Chioar, N. Rougemaille, A. Grimm, O. Fruchart, E. Wagner, M. Hehn, D. Lacour, F. Montaigne e B. Canals, Phys. Rev. B 90, 064411 (2014).].

Esse tipo de análise ainda permite avaliar qual o hamiltoniano que rege o sistema artificial. No mesmo trabalho, os autores também compararam os resultados experimentais com a previsão do modelo de primeiros vizinhos (Figura 6(c)). Nesse caso, mesmo na temperatura que fornece o melhor ajuste, existem sempre desvios significativos entre as correlações experimentais e teóricas, especialmente para Cαβ, Cαγe Cαν, indicando que a ocorrência do microestado correspondente ao modelo de primeiros vizinhos é um evento muito improvável no contexto de sistemas de spins artificiais macroscópicos analisados aqui.

É importante frisar que nesse exemplo a diferença entre os modelos de primeiros vizinhos e dipolar pode não ser meramente quantitativa. O modelo de primeiros vizinhos é frustrado e, a baixas temperaturas, permanece flutuando de forma desordenada, mas correlacionada, entre os diversos microestados do seu estado fundamental extensivamente degenerado. A presença de interações dipolares, por outro lado, quebra essa degenerescência e, em última instância, ordena o sistema em um estado fundamental não extensivamente degenerado.

5. Alguns Resultados Iniciais Importantes

A maioria dos estudos iniciais em sistemas artificiais de spin, a partir dos anos 2000, se concentraram basicamente em duas redes: a quadrada e a kagome. No trabalho pioneiro de Wang e colaboradores [15[15] R.F. Wang, C. Nisoli, R.S. Freitas, J. Li, W. McConville, B.J. Cooley, M.S. Lund, N. Samarth, C. Leighton, V.H. Crespi et al., Nature 439, 303 (2006).] verificaram que nanomagnetos dispostos em uma rede quadrada bidimensional obedeciam à regra do gelo, ou seja, em cada vértice com 4 spins convergentes, dois possuem momentos magnéticos apontando para o vértice e os outros dois apontam no sentido oposto. No entanto, foi observado que a situação na verdade não é a mesma que nos gelos de spin cristalinos, uma vez que a regra do gelo é obedecida por dois tipos de vértices que possuem diferentes energias magnetostáticas fazendo com que o estado fundamental dessa rede não seja extensivamente degenerado. Embora tal fato eliminar a frustração e suas consequências, é um bom modelo para testar a eficiência dos protocolos de desmagnetização em sistemas atérmicos, que são capazes de conduzir as redes muito próximo do seu estado fundamental.

Para contornar esse problema, Y. Perrim e coautores [23[23] Y. Perrin, B. Canals e N. Rougemaille, Nature 540, 410 (2016).] visualizaram a rede quadrada de nanomagnetos como sendo duas subredes e elevaram uma delas verticalmente por uma distância manométrica com o objetivo de igualar as interações magnetostáticas entre vizinhos. Com essa abordagem, conseguiram recuperar todas as características do modelo do gelo de spin quadrado. Dessa forma, foi obtido, de fato, um estado final após o protocolo de desmagnetização, que obedece às regras do gelo e que é desordenado, apresentando fortes assinaturas do estado degenerado. Além disso, foram capazes de observar, pela primeira vez, excitações locais correspondentes aos análogos clássicos dos monopolos magnéticos.

Por outro lado, a rede kagomé, também amplamente estudada, possui a vantagem que as interações entre os spins nos vértices são iguais de partida, não necessitando nenhum artifício como a elevação de determinados nanomagnetos. Diferente do caso da rede quadrada, um modelo de primeiros leva a um sistema frustrado obedecendo a regra do gelo de dois spins com momento apontando para o vértice e outro no sentido oposto, ou vice-versa. Os primeiros trabalhos mostraram que nesse caso é possível conduzir a rede a estados onde a regra do gelo é obedecida por todos os vértices [24[24] Y. Qi, J.Y. Park, B.L.M. Hendriksen, D.F. Ogletree e M. Salmeron, Phys. Rev. B 77, 184105 (2008).]. Ainda assim, foi verificado que as correlações de spins de vizinhos superiores não concordavam com o modelo de Ising de primeiros vizinhos e o motivo são as interações entre vizinhos superiores que correlacionam ainda mais nanomagnetos, levando à conclusão de que o sistema estudado é, na verdade, uma realização do modelo dipolar de longo alcance. O modelo dipolar não é só quantitativamente diferente do modelo de primeiros vizinhos, mas apresenta um diagrama de fase muito mais rico. À altas temperaturas o sistema se encontra num estado paramagnético completamente desordenado e descorrelacionado e, à medida que a temperatura efetiva decresce, acessa um regime onde as regras do gelo são satisfeitas (fase “spin ice I”), como no modelo de Ising de primeiros vizinhos. Para temperaturas mais baixas, o sistema, ainda correlacionado, passa por uma transição de fase para a chamada fase “spin ice II”. Nessa fase, as cargas efetivas dos vértices se cristalizam, porém, seus spins ainda apresentam flutuações de forma especial, através da inversão de spins sucessivos formando um caminho fechado. Finalmente, para temperaturas ainda mais baixas o sistema atinge um estado fundamental não degenerado com cargas e spins ordenados.

Em particular, a fase de spin ice II é um estado exótico, muito interessante e não observado em sistemas cristalinos. Pode ser vista como uma realização do que é conhecido como fragmentação de spin, uma coexistência de ordem magnética com líquido de spin coulômbico. Um dos maiores desafios da área hoje é acessar essa fase e observá-la diretamente. Embora isso ainda não tenha sido propriamente feito, B. Canals e colegas do grupo de Rougemaille conseguiram preparar rede kagomé em um estado spin ice I próximo da transição com o spin ice 2, onde algumas assinaturas da fragmentação já são apreciáveis [25[25] B. Canals, I.A. Chioar, V.D. Nguyen, M. Hehn, D. Lacour, F. Montaigne, A. Locatelli, T.O. Menteş, B.S. Burgos e N. Rougemaille, Nature comm. 7, 11446 (2016).].

6. Perspectivas e Conclusões

A linha de pesquisa brevemente introduzida neste artigo abrange um leque enorme de possibilidades de exploração, permitindo não apenas esperar resultados esclarecedores de questões fundamentais em física da matéria condensada, como também abrindo caminho para soluções criativas aplicadas a problemas diversos. Os resultados obtidos ao longo dos últimos dez anos demonstram que os sistemas de macrospins artificiais em geral e, dentre eles, os gelos de spin, são verdadeiros laboratórios para o estudo de aspectos da física de muitos corpos de nanomagnetos frustrados de forma direta, via mapeamento magnético. Vimos que, além de servirem como simuladores materiais de modelos estatísticos, do ponto de vista fundamental, tais sistemas foram palco para a descoberta, por exemplo, de estados da matéria não convencionais, como o presente na fase spin ice II da estrutura kagomé.

Como perspectivas futuras, no que confere ao material em si, além de investigar sistema de macrospins artificiais de composição diferente do Permalloy, pode-se explorar efeitos de anisotropias, visando sistemas termicamente ativados. Há muito potencial ainda na exploração de geometrias alternativas às clássicas redes quadradas ou kagomé, incluindo arquiteturas tridimensionais. Além dos métodos de microscopia comumente utilizados na caracterização dos gelos de spin (MFM ou PEEM) o avanço tecnológico e a interação com outras subáreas do magnetismo experimental podem permitir a utilização de outras técnicas de magnetometria, como a microscopia magneto-óptica de efeito kerr com resolução manométrica (NanoMoke) ou até mesmo provar o estado de macrospins individuais via técnicas magnetoresistivas. Dessa forma, estudos experimentais relacionados aos monopólos magnéticos, novas fases, transições de fase e frustrações magnéticas, possam seguir sendo feitos baixo outras perspectivas. Por outro lado, técnicas dinâmicas de caracterização, como os feitos com analisadores vetoriais de rede (VNA), podem colocar tais sistemas no domínio dos cristais magnônicos, abrindo caminho para a fabricação de dispositivos. Avanços teóricos caminham lado a lado com inovações experimentais fazendo com que novos modelos para além do de Ising, como por exemplo o XY ou de Heisenberg, sejam considerados para a explicação de novos fenômenos. Para maiores detalhes sobre os vários caminhos mencionados aqui, sugerimos o artigo de revisão citado na referência [5[5] S.H. Skjoervo, C.H. Marrows, R.L. Stamps e L.J. Heyderman, Nature Reviews Physics. 2, 13 (2020).].

Apesar do crescente número de trabalhos que vêm sendo publicados na área, alguns desafios podem ser citados, como por exemplo, uma observação inequívoca de estados de baixa temperatura efetiva e as respectivas transições de fase; a completa caracterização das configurações magnéticas de sistemas artificiais de macrospins com arquiteturas tridimensionais; a incorporação de interações quânticas entre os nanomagnetos, via compromisso entre tamanho e baixas temperaturas possibilitando, por exemplo, a simulação material do modelo de Kiatev [26[26] A.Y. Kitaev, Ann. Phys. 321, 2 (2006).]; demonstrações práticas da utilização de sistemas de spins artificiais em computação neuromorfica compatível com a tecnologia de semicondutores CMOS dentre outros muitos que podemos imaginar.

Por fim, do ponto de vista das aplicações tecnológicas, sistemas artificiais de macrospins têm sido considerados para aplicações em computação neuromorfica, armazenamento de dados, encriptação de informações, sistemas híbridos magneto-mecânicos e cristais magnônicos. As aplicações propostas até o momento exploram tanto o caráter quase estático da reversão da magnetização, as interações de longo alcance, a aparição de fenômenos não lineares, processos que ocorrem com frequência no domínio da ressonância ferromagnética e fenômenos multiferróicos [27[27] P. Mellado, A. Concha e S. Rica, Phys. Rev. Lett. 125, 237602 (2020)., 28[28] H. Arava, N. Leo, D. Schildknecht, J. Cui, J. Vijayakumar, P.M. Derlet, A. Kleibert e L.J. Heyderman, Phys. Rev Appl. 11, 054086 (2019)., 29[29] F. Caravelli e C. Nisoli, New J. of Phys. 22, 103052 (2020)., 30[30] P. Gypens, N. Leo, M. Menniti, P. Vavassori e J. Leliaert. Phys. Rev. Appl. 18, 024014 (2022).].

A título de observação final, como vimos, o tema de pesquisa é bastante interessante e o caminho ainda se apresenta bastante fértil, o que justifica os esforços crescentes dedicados ao tema pelos mais importantes centros de pesquisa no mundo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2024
  • Aceito
    13 Abr 2024
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