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Extensões auto-adjuntas de operadores em mecânica quântica

Self-adjoint extensions of operators in Quantum Mechanics

Resumos

O problema das extensões auto-adjuntas de operadores em mecânica quântica, um assunto normalmente não apresentado em livros-texto, é brevemente discutido neste trabalho.

mecânica quântica; condições de contorno; extensão auto-adjunta


In this work we discuss briefly the problem of self-adjoint extensions in quantum mechanics, a subject usually not presented in textbooks.

quantum mechanics; boundary conditions; self-adjoint extension


ARTIGOS GERAIS

Extensões auto-adjuntas de operadores em mecânica quântica

Self-adjoint extensions of operators in Quantum Mechanics

C. Filgueiras1 1 E-mail: cleverson@df.ufpe.br. ; Fernando Moraes

Departamento de Física, CCEN, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

O problema das extensões auto-adjuntas de operadores em mecânica quântica, um assunto normalmente não apresentado em livros-texto, é brevemente discutido neste trabalho.

Palavras-chave: mecânica quântica, condições de contorno, extensão auto-adjunta.

ABSTRACT

In this work we discuss briefly the problem of self-adjoint extensions in quantum mechanics, a subject usually not presented in textbooks.

Keywords: quantum mechanics, boundary conditions, self-adjoint extension.

1. Introdução

Em mecânica quântica lidamos com o fato de que um operador é um observável quando ele é hermitiano, isto é, A = A^ [1]. Contudo, o que não fica claro é que, tecnicamente, um operador será observável se ele for autoadjunto, ou seja, D(A) = D(A^) e A = A^; D(A) é o domínio em que ele atua. Para que um operador seja autoadjunto, é preciso que ele seja simétrico [2]

Enquanto não especificamos a física do problema, o que temos simplesmente é o problema de um operador A atuando em um subespaço de Hilbert. Nesse ponto um fato nos passa despercebido: a condição (1) revela que, matematicamente, as condições de contorno para um sistema não devem ser impostas: elas entram na própria definição do operador em questão. Isso quer dizer que no domínio de tal operador teremos autofunções satisfazendo a diferentes condições de contorno. Assim, antes mesmo de especificar a física do problema, podemos fazer a seguinte pergunta: Qual é o domínio em que um operador simétrico será efetivamente autoadjunto? Com os exemplos das seções a seguir vamos deixar a mensagem de que um operador simétrico A atuando em um subespaço de Hilbert admite, na maioria dos casos, infinitas condições de contorno. A física do problema é quem vai selecionar qual é a correta.

2. O operador momento em um intervalo finito

Vamos considerar o operador momento linear, P = -, agindo em um espaço de funções definidas no intervalo fechado [0,L]. Se seguíssemos os livros-texto, seu domínio seria escrito como

Sendo um pouco mais atentos, percebemos que não dissemos nada sobre a física do problema. Apenas dissemos "um operador P atuando em um intervalo fechado [0,L]" e não "P em uma caixa unidimensional". Assim, conforme foi dito anteriormente, para que P seja observável, ele deve satisfazer a condição (1), isto é,

Se y = f e f(L) = eiqf(0), P será simétrico no intervalo [0,L] pois (3) será satisfeita [3]. Assim, vemos que o domínio em que P é autoadjunto (e, portanto, observável) será escrito como

com q Î [0,2p]. Vemos daí que este problema admite infinitas condições de contorno parametrizadas por q. Dizemos que P em [0,L] possui infinitas extensões auto-adjuntas [4]. Notemos que, fisicamente, isto não faz sentido. O que temos, de fato, é o seguinte: cada valor de q, tomado dentro do intervalo [0,2p], corresponderá a uma situação física diferente. Por exemplo, quando q = 0, recuperamos as condições de contorno periódicas (2), as quais se referem ao problema de uma partícula em uma caixa unidimensional ou em um círculo. Agora, se temos uma partícula carregada com momento P se movendo em um anel, no qual se atravessa um fluxo magnético, podemos afetar a periodicidade da função de onda, ou seja, teremos q ¹ 0.

Concluímos aqui que um dado problema físico onde se tem P atuando em L2([0,L]) pode ser modelado via condições de contorno.

3. O operador Hamiltoniano em um intervalo finito

Consideremos o operador hamiltoniano, H = -, agindo em um espaço de funções definidas no intervalo finito [0,L]. Novamente, se identificássemos esse problema como o de uma partícula livre em uma caixa unidimensional, o domínio de H seria dado por [5],

Mas não foi isso que dissemos de início. Temos uma situação análoga à da seção anterior. Conforme já sabemos, para que H seja autoadjunto em [0,L] é preciso que ele seja simétrico, isto é,

A integração (6), com y = f (isto é, D(H) = D(H^)) leva a

Usando a identidade

primeiro tomamos x = L

*(L) e Y = f(L); depois x = L
*(0) e Y = f(0). A expressão (7) pode ser reescrita como

Para que a expressão (9) se anule, vemos que (L), f(L), (0) e f(0) devem satisfazer as seguintes condições de contorno

onde U é uma matriz unitária 2×2 que as parametriza. Deste modo, vemos que o domínio de H em [0,L] é

Notemos mais uma vez que é a física do problema que vai selecionar os parâmetros corretos da matriz U. Por exemplo: U = I corresponde à condição de contorno periódica (6), que pode ser aplicada à partícula em uma caixa unidimensional ou em um círculo. Se se tem a presença de um fluxo magnético outra condição de contorno é selecionada para modelar o problema, e assim por diante.

Por fim, podemos escrever o espectro de H em [0,L] sem especificar a física do problema. Isto é feito em [3] e não vamos reproduzí-lo aqui. Mas vale uma ressalva sobre esse artigo: devemos ser cautelosos ao analisá-lo pois pode ficar uma falsa impressão de que estamos obtendo o espectro do hamiltoniano em uma caixa unidimensional. Se assim fosse, estaríamos dizendo que esse problema físico teria infinitas condições de contorno nos extremos x = 0 e x = L, e poderíamos escolher qualquer uma, aquela que nos fosse mais conveniente. Obviamente, isto não faz sentido físico algum. Conforme foi dito antes, temos apenas o espectro de H em L2([0,L]), do qual podemos extrair os estados ligados da partícula na caixa tomando-se U = I.

4. Conclusão e considerações finais

Desse breve estudo, concluímos o seguinte: em geral, um operador simétrico terá extensões auto-adjuntas, isto é, infinitas condições de contorno parametrizadas por um ou mais parâmetros. A física é que vai selecionar, naturalmente, a condição de contorno correta. Um exemplo disto é o caso de um campo clássico ou quântico em torno de uma singularidade cônica (defeito cônico) [6],[7]. Ao se estudar o comportamento de vários desses campos e ondas no espaço cônico, muitas vezes erramos em dizer que tais campos são regulares quando atigem a singularidade (em coordenadas cilíndricas significa dizer que tais campos são regulares quando r = 0). Ao fazer isto estamos ignorando o fato de que, fisicamente, estas singularidades possuem um tamanho finito (como no caso de uma corda cósmica [8]) e que mesmo a grandes distâncias estes campos sofrem efeitos devido à estrutura interna de um defeito cônico [9]. Conforme o trabalho de B.S. Kay e U.M. Studer [10], o problema pode ser modelado via condição de contorno: para uma variedade de situações envolvendo campos escalares e ondas em torno de singularidades cônicas existe uma família de possíveis condições de contorno (extensões auto-adjuntas) - uma delas é regular na origem enquanto as outras envolvem campos que divergem logaritmicamente próximo da origem:

onde R é o parâmetro de extensão, com dimensão de comprimento, que é facilmente determinado em termos da estrutura interna de um defeito cônico, caso esta seja conhecida [11].

Concluindo, podemos dizer que as extensões auto-adjuntas de um operador em mecânica quântica são relevantes em problemas que possuem topologia não-trivial, ou seja, espaços [13] onde foi retirado um ponto, uma linha ou um plano, por exemplo, espaços-tempos com singularidades cônicas (como no caso da corda cósmica [8]). Outros exemplos podem ser vistos na literatura; em [14] tem-se os estudo das extensões auto-adjuntas do hamiltoniano com potencial tipo Aharonov-Bohm-Coulomb. Em [15], apresentam-se as extensões auto-adjuntas do hamiltoniano de Landau. Aplicações à física de muitos corpos são discutidas em [16]. O que falta na maioria destes trabalhos é se determinar o valor correto do(s) parâmetro(s) de extensão em função da física neles contida.

Agradecimentos

Este trabalho foi parcialmente financiado por PRONEX/FAPESQ-PB, CNPq e CAPES (PROCAD).

Recebido em 1/6/2006; Aceito em 26/9/2006

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Set 2006
    • Recebido
      01 Jun 2006
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