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Materiais ópticos dependentes do tempo: cristais fotônicos temporais como um caso ilustrativo

Time-dependent optical materials: photonic time crystals as an illustrative case

Resumos

Materiais ópticos com propriedades variando ao longo do tempo são introduzidos no artigo, com foco especial nos cristais fotônicos temporais. Inicialmente, são exploradas as variações espaciais das características ópticas, como a permissividade elétrica e a permeabilidade magnética, destacando fenômenos como a refração e a formação de band gaps em cristais fotônicos espaciais. Paralelamente, se aprofunda nas variações temporais dessas características, apresentando uma introdução â teoria e aos fenômenos associados, como a refração temporal e a reflexão induzida por variações temporais abruptas. O conceito de cristais fotônicos temporais é então introduzido, explicando como a periodicidade temporal pode gerar intervalos de propagação proibidos para frequências específicas. Torna-se fácil perceber a importância e as potenciais aplicações de materiais dependentes do tempo na óptica.

Palavras-chave:
Campos elétrico e magnético; constante dielétrica; óptica; permissividade elétrica


Optical materials with properties varying over time are introduced in this article, with a special focus on temporal photonic crystals. Initially, spatial variations of optical characteristics, such as electric permittivity and magnetic permeability, are explored, highlighting phenomena like refraction and the formation of band gaps in spatial photonic crystals. Simultaneously, temporal variations of these characteristics are examined, presenting an introduction to the theory and associated phenomena, such as temporal refraction and reflection induced by abrupt temporal variations. The concept of temporal photonic crystals is then introduced, explaining how temporal periodicity can create propagation gaps for specific frequencies. It becomes evident the importance and potential applications of time-dependent materials in optics.

Keywords:
Electric and magnetic fields; dielectric constant; optics; electric permittivity


1. Introdução

O campo da óptica apresenta fenômenos fascinantes desde suas abordagens mais elementares. Em turmas do ensino médio, a capacidade de visualizar certos eventos permite a exploração de grandezas físicas de maneira simples e frequentemente cativante. Normalmente, os sistemas estudados, mesmo que não explicitamente declarado, são do tipo passivo. Isso significa que as grandezas características permanecem constantes ao longo do tempo. Em outras palavras, esses sistemas exibem simetria temporal [1[1] K. Sacha, em: Time Crystals (Springer, Cham, 2020).].

Ao descrever um sistema como passivo, não estamos afirmando que ele é homogêneo em todo o espaço. A simetria que caracteriza esses sistemas é apenas temporal, não espacial. Assim, variações no espaço são comuns. Para que as grandezas associadas a um ponto específico sofram alterações, é necessária a interação com outro elemento do sistema.

Na óptica, até mesmo a possibilidade de variação temporal das grandezas é frequentemente ignorada na literatura. Por exemplo, na descrição das ondas eletromagnéticas, a permissividade elétrica e a permeabilidade magnética são geralmente consideradas constantes, variando apenas no espaço (ϵ(r),μ(r)). No entanto, existem fenômenos onde a simetria temporal não se mantém, sendo necessário expressar ϵ(r,t) e μ(r,t) [2[2] E. Galiffi, R. Tirole, S. Yin, H. Li, S. Vezzoli, P.A. Huidobro, M.G. Silveirinha, R. Sapienza, A. Alù e J.B. Pendry, Advanced Photonics 4, 014002 (2022).].

Em 1958, Morgenthaler apresentou o primeiro estudo sobre materiais dielétricos com características dependentes do tempo [3[3] F.R. Morgenthaler, IEEE Transactions on Microwave Theory and Techniques 6, 167 (1958).]. Em seu artigo pioneiro, Morgenthaler já indicava que a variação temporal das características ópticas dos materiais seria uma resposta a campos externos. O autor também solucionou as Equações de Maxwell para casos específicos de variação temporal da permeabilidade magnética e da permissividade elétrica.

Nas décadas seguintes, surgiram diversas abordagens para o estudo de materiais ópticos dependentes do tempo. Essas incluem o uso de funções de Mathieu, pontos excepcionais e várias técnicas de transformação, como as transformações espaciais e de contorno [4[4] G.V. Eleftheriades e K.G. Balmain, Negative – Refraction Metamaterials: Fundamental Principles and Applications (John Wiley & Sons, Hoboken, 2005)., 5[5] T. Ruiz, C. Wright e J. Smith, IEEE Transactions on Antennas and Propagation 26, 358 (1978)., 6[6] T.T. Koutserimpas e R. Fleury, IEEE Transactions on Antennas and Propagation 68, 6717 (2020)., 7[7] N. Wang, Z.Q. Zhang e C.T. Chan, Physical Review B 98, 085142 (2018).].

Neste artigo, oferecemos uma introdução ao estudo de materiais cujas características ópticas variam ao longo do tempo. Dado o caráter introdutório do texto, focamos na propagação unidimensional. O leitor que busca aplicações práticas poderá facilmente adaptar os conceitos para casos com duas ou mais dimensões. Para facilitar a compreensão das variações temporais, revisaremos inicialmente as variações espaciais, que são mais frequentemente abordadas na literatura.

2. Variação Espacial

Primeiro, o que ocorre se um meio for homogêneo? Para materiais ópticos homogêneos, as grandezas são uniformes em todo o meio. Portanto, a permeabilidade magnética e a permissividade elétrica são constantes em qualquer ponto do material. Como o índice de refração n é dado por n=(ϵμ), temos que n é constante. Se o material for não magnético (μ1), n=ϵ permanece constante. Isso traz diversas consequências, como a constância da velocidade de propagação da onda eletromagnética no meio (n=c/v), mantendo a trajetória retilínea da onda eletromagnética [8[8] M. Artamonov e T. Seideman, The Journal of Physical Chemistry Letters 6, 320 (2015).].

No entanto, o que ocorre quando a onda eletromagnética encontra uma mudança no meio? Por exemplo, quando a onda encontra uma interface entre dois materiais e cada material possui um índice de refração diferente. Diversos fenômenos físicos resultam desse tipo de mudança. O caso mais simples é o citado anteriormente e ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Propagação de radiação eletromagnética atingindo a interface entre dois meios ópticos distintos, com indicação dos raios incidente (i), refletido (r) e transmitido (t).

A Figura 1 ilustra o fenômeno bem conhecido da refração. Parte da energia da onda é refletida de volta ao meio original, enquanto a outra parte é transmitida através da interface. Como consequência da mudança no índice de refração, há uma alteração na velocidade de propagação da onda, resultando em um desvio em relação à direção original da propagação. As direções das ondas incidente e transmitida obedecem à Lei de Snell [9[9] B.D. Guenther, Modern Optics (Oxford University Press, Oxford, 2015).]:

(1) n 1 sin θ 1 = n 2 sin θ 2 .

Materiais podem ser desenvolvidos para ter interfaces repetidas entre múltiplos meios com diferentes índices de refração [10[10] F. Bilotti e L. Sevgi, International Journal of RF and Microwave Computer-Aided Engineering 22, 422 (2012).]. Dessa forma, a transmissão e a reflexão representadas na Figura 1 ocorrerão em cada interface, permitindo o surgimento de outros fenômenos resultantes dessa variação espacial.

Materiais podem ser projetados de forma a termos repetidas interfaces entre diversos meios com diversos índices de refração diferentes [10[10] F. Bilotti e L. Sevgi, International Journal of RF and Microwave Computer-Aided Engineering 22, 422 (2012).]. Consequentemente, a transmissão e a reflexão indicadas na Figura 1 ocorrerá em cada interface, possibilitando o surgimento de outros fenômenos advindos dessa variação espacial.

Uma única característica fundamental, o índice de refração, quando projetada de maneira periódica, pode produzir materiais com diversos tipos de fenômenos ópticos. Quando o índice de refração possui periodicidade espacial, usamos o termo cristal fotônico para descrever esse arranjo óptico cristalino [11[11] J.D. Joannopoulos, P.R. Villeneuve e S. Fan, Solid State Communications 102, 165 (1997)., 12[12] J.D. Joannopoulos, S.G. Johnson, J.N. Winn e R.D. Meade, Molding the Flow of Light (Princeton University Press, Princeton, 2008).]. A Figura 2 exemplifica um cristal fotônico bidimensional, onde o índice de refração varia periodicamente em duas direções distintas.

Figura 2
Cristal fotônico bidimensional. Cada cor indica um valor para o índice de refração. Desta forma, o índice de refração varia em duas direções.

Cristais fotônicos possuem os chamados band gaps, que são intervalos de frequência da onda eletromagnética em que a propagação é proibida. Grupos de modos permitidos (frequências que se propagam) são chamados de bandas [13[13] H.N.S. Pereira, J.N. Rocha, L.E.P. Caballero e O.P. Vilela Neto, em: 32nd Symposium on Microelectronics Technology and Devices (Fortaleza, 2017).]. Os intervalos de frequência que não conseguem se propagar no cristal formam lacunas (a origem ao termo band gap) [14[14] K. Sakoda, Optical Properties of Photonic Crystals (Springer Science & Business Media, Berlin Heidelberg, 2004).]. A existência de band gaps é resultado da interferência destrutiva causada por muitas reflexões que a onda sofre dentro do cristal [12[12] J.D. Joannopoulos, S.G. Johnson, J.N. Winn e R.D. Meade, Molding the Flow of Light (Princeton University Press, Princeton, 2008).]. Há uma extensa literatura abordando as características e aplicações desses materiais. Assim, encontrar os modos permitidos quando a permissividade elétrica possui arranjos periódicos é relativamente simples. de compreender. Vejamos alguns detalhes para o caso não magnético, onde a permeabilidade magnética tica (μ) é igual a um.

Assumimos, sem perda de generalidade, que a permissividade elétrica varia periodicamente ao longo do eixo Z – isto é, ϵ(z+L)=ϵ(z). Adicionalmente, a onda eletromagnética se propaga ao longo da direção Z e está polarizada na direção X. Dessa forma, podemos escrever E(r)=E(z)ex. A partir das equações de Maxwell e inserindo essas especificações, a relação que descreve o campo elétrico E(r) é dada por [12[12] J.D. Joannopoulos, S.G. Johnson, J.N. Winn e R.D. Meade, Molding the Flow of Light (Princeton University Press, Princeton, 2008).]:

(2) 2 E ( z ) z 2 + ω 2 c 2 ϵ ( z ) E ( z ) = 0

A periodicidade espacial nos permite utilizar o Teorema de Bloch. Esse teorema nos fornece a relação

(3) E ( z ) = u N , K ( z ) e i K z .

Como indicado na equação (3), a função uN,K é periódica com período L (L é a dimensão característica da periodicidade); ou seja, uN,K(z+L)=uN,K(z). É importante notar K, o número de onda de Bloch. Esse representa a frequência espacial da função periódica em um cristal e é fundamental para descrever as propriedades de ondas em meios periódicos. Por sua vez, o índice N, identifica as chamadas bandas de frequências (ω=ωN(K)). Há diversas funções u que nos servem como solução das equações periódicas. Em virtude de os resultados serem periódicos, podemos restringir a análise a um intervalo finito do número de onda, intitulado zona de Brillouin, π/LKπ/L [12[12] J.D. Joannopoulos, S.G. Johnson, J.N. Winn e R.D. Meade, Molding the Flow of Light (Princeton University Press, Princeton, 2008)., 15[15] C.J. Silva Junior, Materiais Inovadores em Fotônica. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Alagoas, Maceió (2021)., 16[16] J.D. Joannopoulos, P.R. Villeneuve e S. Fan, Nature 386, 143 (1997).].

Dentro de cada camada de um material periódico, as ondas devem ser contínuas e as soluções da equação (3) são da forma

(4a) E ( z ) = C i e i k i z + D i e i k i z ,

(4b) E ( z ) = C j e i k j z + D j e i k j z ,

com ki=ωϵic e kj=ωϵijc, respectivamente para as camadas i e j.

O campo E(z) e sua derivada dE(z)/dz devem ser contínuos na interface entre as camadas e também a periodicidade de uN,K e duN,K/dz. Desta forma, obtemos a seguinte relação:

(5) cos ( K L ) = cos ( k i d i ) cos ( k j d j ) 1 2 ( e j e i + e i e j ) sen ( k i d i ) sen ( k j d j )

A partir da equação (5), é simples notar que nem todos os valores numéricos validam a relação. Em virtude de cos(K L) obrigatoriamente estar no intervalo [1, +1], o lado direito da equação também deve estar nesse intervalo. Se, ao inserir os valores de ki/j,di/j e ϵi/j no lado direito da equação, resultar em um valor menor que 1 ou maior que +1, cos (K L) não é possível para essa combinação. Desta forma, não há valor permitido para K. Vemos aqui uma origem dos band gaps.

Como exemplo, vejamos um caso onde a permissividade elétrica ϵ varia periodicamente no espaço na direção z. Além disso, o valor de ϵ muda alternadamente entre duas camadas. Cada camada i tem largura di=0.3 e ϵ=ϵi=3. Já as camadas j possuem largura dj=0.3 e ϵ=ϵj=10. O material é isotrópico dentro de cada camada, ou seja, material não muda.

A equação (5) nos fornece a relação entre as grandezas do cristal fotônico em questão. A Figura 3 mostra a relação entre o vetor de onda K e as frequências com propagação permitida dentro do cristal. Para algumas frequências, não temos vetor de onda correspondente. Uma onda com frequência nesse intervalo é totalmente refletida ao atingir o cristal.

Figura 3
Gráfico com a relação entre o vetor de onda K e as frequências permitidas. As camadas possuem permissitivade elétricas com valores ϵ=3 e ϵ=10. Ondas eletromagnéticas com frequência não permitida são refletidas ao atingir o cristal.

Como mostrado acima, o fenômeno da refração é consequência da variação espacial das características ópticas do material. Se essa variação for periódica, outros fenômenos surgem – como os band gaps. Note que tais variações são espaciais – a permissividade elétrica varia no espaço.

3. Variação Temporal

Na seção anterior, exemplificamos mudanças espaciais no índice de refração. Para a permissividade elétrica, podemos escrever genericamente ϵ(t)=ϵa+ϵb(t), onde ϵa é independente do tempo. Materiais onde |ϵb| é extremamente menor do que |ϵa| são fartamente estudados em detalhes na literatura. Esse é o caso indicado anteriormente. Ou seja, o termo dependente do tempo na permissividade elétrica é ignorado. Tal atitude só se justifica se ϵb for muito menor do que ϵa. Porém, se ϵb for da mesma ordem que ϵa, a análise do sistema necessita de observação mais criteriosa.

Para fins de generalização, não nos concentraremos na origem da variação temporal – consideramos este aspecto como externo ao problema tratado aqui. Não há perda com essa abordagem, pois a literatura mostra que sistemas em equilíbrio não podem ter quebra de simetria temporal [17[17] P. Bruno, Physical Review Letters 111, 070402 (2013).].

Vamos começar com um caso parecido com o tratado no início da seção anterior. Uma onda eletromagnética se propaga em um meio qualquer. Tal meio possui sua permeabilidade elétrica ϵ1 constante em todo o meio. Em certo momento t0, o material sofre uma mudança abrupta: sua permeabilidade elétrica é alterada para ϵ2. Temos um caso similar ao mostrado na Figura 1. Porém, agora a mudança é temporal. Da mesma forma que a Figura 1 indica uma interface espacial onde há uma refração, o caso presente também pode ser entendido como o surgimento face temporal em t0. Podemos esperar um fenômeno similar à refração?

3.1 Refração

Para o caso espacial, temos a Lei de Snell já vista na equação (1). Para o caso temporal que estamos lidando, lembramos que antes de t0 as grandezas eram constantes e assim permanecem após t0. A mudança é pontual, apenas em t0. Para os tempos antes de t0, temos a relação k=(ω1/c)n1. Para os tempos posteriores a t temos k=(ω2/c)n2. Isto ocorre, pois a mudança no índice de refração é acompanhada com a mudança na velocidade de propagação da onda no meio. Portanto, chegamos à relação

(6) n 1 ω 1 = n 2 ω 2

Da mesma maneira que a Lei de Snell relaciona a mudança espacial com alteração na direção de propagação antes e depois da interface espacial, a equação (6) relaciona a mudança temporal com a alteração na frequência das ondas propagantes antes e depois da interface temporal.

Comparando as equações (1) e (6), percebemos uma diferença central entre variações espaciais e temporais das características ópticas. No caso espacial, a variação do índice de refração leva a uma mudança na direção de propagação – expressa na Lei de Snell pelo seno dos ângulos. Em outras palavras, o vetor de onda característico da onda propagante é alterado com a variação espacial – enquanto a frequência é mantida. Já no caso de variação temporal, vemos que a mudança das características ópticas leva a uma mudança na frequência da onda propagante. O vetor de onda é mantido. Temos diversas consequências em virtude dessa mudança. Mais à frente no texto, indicamos uma diferença relevante: a existência de band gaps no intervalo de vetores de onda.

Fenômenos envolvendo variação temporal são conhecidos há décadas. Por exemplo, Fante, em seu artigo de 1973, explorou fenômenos temporais para ondas de forma exp(iω0t) [18[18] R.L. Fante, Applied Scientific Research 27, 341 (1973).]. Em anos mais recentes, além de estudos teóricos, passamos a ter diversos estudos experimentais envolvendo materiais ativos [19[19] K. Preston, P. Dong, B. Schmidt e M. Lipson, Applied Physics Letters 92, 151104 (2008)., 20[20] X. Wang, M.S. Mirmoosa, V.S. Asadchy, C. Rockstuhl, S. Fan e S.A. Tretyakov, Science Advances 9, eadg7541 (2023)., 21[21] E. Lustig, S. Saha, E. Bordo, C. Devault, S.N. Chowdhury, Y. Sharabi, A. Boltasseva, O. Cohen, V.M. Shalaev e M. Segev, em: 2021 Conference on Lasers and Electro-Optics (CLEO) (San Jose, 2021)., 22[22] J. Zhang, P.W. Hess, A. Kyprianidis, P. Becker, A. Lee, J. Smith, G. Pagano, I.D. Potirniche, A.C. Potter, A. Vishwanath et al., Nature 543, 217 (2017).]

3.2 Reflexão

Partindo das equações de Maxwell, conseguimos notar outro fenômeno vinculado às alterações ópticas temporais. Levando em conta soluções gerais para ondas propagantes após a interface temporal, devemos considerar componentes em ambos os sentidos de propagação (para propagação unidimensional, como dito anteriormente). Ou seja, devemos ter H=H2+H2 para o campo magnético e E=E2+E2 para o campo elétrico (onde o índice subscrito 2 indica os campos após a interface temporal).

Se as relações constituintes dos campos forem B=μH e D=μE, para materiais não magnéticos podemos facilmente chegar a uma relação entre o campo elétrico antes da interface temporal e o campo elétrico após a interface temporal [15[15] C.J. Silva Junior, Materiais Inovadores em Fotônica. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Alagoas, Maceió (2021).]. Curiosamente, temos uma relação tanto para E2 (direção de propagação antes da interface temporal) como para E2 (direção de propagação oposta à direção antes da interface temporal) [15[15] C.J. Silva Junior, Materiais Inovadores em Fotônica. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Alagoas, Maceió (2021).]:

(7) E 2 = 1 2 ( ϵ 1 ϵ 2 + ϵ 1 ϵ 2 ) E 1 ,

(8) E 2 = 1 2 ( ϵ 1 ϵ 2 ϵ 1 ϵ 2 ) E 1 ,

As relações acima são de interesse especial, pois destacam um fenômeno inesperado. Nesta seção, tratamos uma mudança temporal na permissividade elétrica. A equação (7) é a relação entre o campo E1 anterior à interface temporal e o campo E2, posterior à interface temporal. Claramente, os dois termos possuem a mesma direção de propagação. Porém, a equação (8) indica que existe um campo E2, após a interface temporal, que se propaga com direção contrária ao campo E1. De forma mais simples, o que as equações (7) e (8) nos mostram é que, quando uma onda propagante encontra uma interface temporal, surgem duas ondas propagantes.

Uma dessas ondas possui a mesma direção da onda original. A outra onda possui direção contrária, como se houvesse uma reflexão. A existência de uma interface temporal causa uma reflexão espacial. Obviamente, não esperaríamos uma reflexão temporal, pois seria o caso de uma onda se propagando para trás no tempo – caso sem significado físico.

As Figuras 4, 5 e 6 tornam mais simples a visualização desse fenômeno, a reflexão fruto de mudanças temporais. Neste artigo, não vamos nos debruçar so bre a escrita em FDTD (finite-difference time-domain method) de códigos para efetivar as simulações computacionais relacionadas. O leitor que assim desejar, pode encontrar em Sullivan um excelente texto introdutório ou em Taflove um ferramental mais aprofundado, entre muitos [23[23] D.M. Sullivan, Electromagnetic Simulation Using the FDTD Method (John Wiley & Sons, Hoboken, 2013)., 24[24] A. Taflove e S.C. Hagness, Computational Electrodynamics: The Finite-difference Time-domain Method (Artech House, Norwood, 2005), 3 ed., 25[25] S. Zhang, Z. Yong, Y. Zhang e S. He, Scientific Reports 6, 24487 (2016)., 26[26] Z. Zhang, W. Zhang e L. Zeng, Modern Physics Letters B 34, 2050082 (2020).].

Figura 4
Simulação computacional da propagação em uma dimensão de onda eletromagnética em um material com características ópticas com uma mudança abrupta em um instante t. (a) A onda é excitada na extremidade esquerda do eixo X. No trecho inicial da simulação, não há alteração nas características ópticas do material.
Figura 5
(b) Instantes após a alteração repentina na constante dielétrica do material, passamos a ter uma onda refletida espacialmente a se propagar no interior do material. A onda propagante original, após a interação com o material em sua mudança temporal, nos fornece duas outras ondas propagantes: uma transmitida no mesmo sentido da original e outra refletida no sentido oposto.
Figura 6
(c) Não havendo alteração nas características ópticas do material, as ondas continuam a propagar de maneira suave.

As Figuras mostram três momentos distintos de uma simulação computacional. Vemos uma onda eletromagnética propagando em um espaço unidimensional. Os gráficos indicam o campo elétrico (normalizado). A excitação, no início de nosso espaço, impõe que toda a energia propague em uma única direção para visualização mais simples do fenômeno.

Em (a) nós vemos o início da propagação. A permissividade elétrica é ϵ=2. Sem alterações, nem espaciais nem temporais, a onda propagaria para a direita ininterruptamente. Mas, em dado momento, com a permissividade elétrica sendo abruptamente alterada para ϵ=9, o que ocorre?

Conforme mostrado nos parágrafos anteriores, esperamos uma onda refletida no espaço, fruto do encontro da interface temporal. Em (b), vemos exatamente isso acontecer. Parte da energia prossegue em uma onda transmitida para a direita, mas parte da energia é refle- tida e gera uma onda propagante no sentido contrário. Durante o restante da simulação, não alteramos o valor da permissividade elétrica. Consequentemente, as ondas transmitida e refletida se propagam suavemente, como visto em (c).

O fato de haver uma onda refletida no espaço como consequência de uma interface no tempo nos fornece mais uma fronteira a ser alcançada: a utilização de periodicidade na variação temporal.

4. Cristais Fotônicos Temporais

Variações espaciais periódicas nas características ópticas de materiais é muito estudado na literatura, como vimos na seção 2. O que podemos esperar de variações periódicas temporais?

Já vimos que uma mudança súbita no tempo na permissividade elétrica de um material tem como um dos resultados o surgimento de uma onda refletida. É algo similar ao que ocorre quando uma onda eletromagnética encontra uma mudança súbita no espaço. Também vimos que mudanças espaciais periódicas no valor da permissividade elétrica impõe restrições na propagação de ondas eletromagnéticas nesse material.

Chegamos então ao conceito de cristais fotônicos. Se a mudança na constante dielétrica do material ocorrer no tempo, ao invés do espaço, usamos o termo cristais fotônicos temporais [1[1] K. Sacha, em: Time Crystals (Springer, Cham, 2020)., 27[27] J.R. Zurita-Sánchez, P. Halevi e J.C. Cervantes-González, Physical Review A 79, 053821 (2009)., 28[28] J.R. Zurita-Sánchez, J.H. Abundis-Patiño e P. Halevi, Optics Express 20, 5586 (2012)., 29[29] J.G. Gaxiola-Luna e P. Halevi, Physical Review B 103, 144306 (2021).].

Vamos assumir as mesmas condições do caso espacial da seção 2: material homogêneo, linear, não magnético, além da onda eletromagnética se propagar ao longo da direção Z e estar polarizada ao longo da direção X. Porém, agora vamos lidar com a constante dielétrica mudando seu valor periodicamente no tempo, ou seja, ϵ(t+T)=ϵ(t).

Novamente partindo das Equações de Maxwell e inserindo as especificidades do material, chegamos à relação

(9) 2 t 2 [ ϵ ( t ) E ( t ) ] + k 2 c 2 E ( t ) = 0 .

Como a periodicidade é temporal, podemos utilizar o Teorema de Floquet que nos fornece

(10) E ( t ) = u n , Ω ( t ) e i Ω t ,

onde un,Ω(t+T)=un,Ω(t). Similar ao caso espacial, a função u é periódica. Porém sua periodicidade se dá no tempo. Também o índice n aqui serve para identificar bandas, enquanto a frequência Ω pode ter seu estudo restrito ao intervalo π/tΩπ/T [30[30] K. Sacha e J. Zakrzewski, Reports on Progress in Physics 81, 016401 (2017).].

Se nós seguirmos os mesmos passos que tivemos anteriormente para o caso de cristais fotônicos espaciais, impondo condições de continuidade similares (neste caso, no domínio do tempo), alcançamos a seguinte relação de dispersão [31[31] L. Zeng, J. Xu, C. Wang, J. Zhang, Y. Zhao, J. Zeng e R. Song, Scientific Reports 7, 17165 (2017).]:

(11) cos ( Ω T ) = cos ( ω 1 t 1 ) cos ( ω 1 t 1 ) 1 2 ( e 2 e 1 e 1 e 2 ) sen ( ω 1 t 1 ) sen ( ω 2 t 2 )

De forma similar ao que fizemos com a equação (5), podemos notar na equação (11) que suas variáveis não possuem valores permitidos quaisquer. Em virtude de cos (Ωt) ter valor no intervalo [1, +1], o lado direito da relação deve estar nesse intervalo. Ao inserirmos valores para ωi/j, ti/j e εi/j a relação deve permanecer no intervalo indicado. Caso contrário, haverá um valor para Ω não permitido no lado esquerdo. Isto nos fornece band gaps. Mas, diferente do caso espacial, os band gaps estão na frequência [32[32] I.I. Smolyaninov, Electronic Journal of Theoretical Physics 12, 75 (2015).].

Para exemplificar, consideremos o exemplo de um material onde a constante dielétrica ε varia no tempo periodicamente – o valor de ε varia alternadamente entre dois intervalos de tempo, sendo ε1=6 para t2 e ε2=1 para t2=Tt1. Em cada intervalo específico de tempo o valor de ε permanece constante. A Figura 7 mostra a relação entre o número de onda k e a frequência vinculada com sua propagação no material ativo já indicado para o caso com t1=t2.

Figura 7
Vetores de onda proibidos na propagação de radiação eletromagnética para o material com variação periódica de sua permissividade elétrica com valores ϵ1=6 e ϵ2=1. Radiação eletromagnética com frequência dentro dos intervalos indicados não consegue propagar enquanto o cristal fotônico temporal estiver ativo.

Com a equação (11) temos a relação entre as grandezas do cristal fotônico temporal em questão, enquanto a Figura 7 mostra a relação entre a frequência ω e os vetores de onda com propagação permitida dentro do cristal. Para alguns valores de k, não temos frequência correspondente. Uma onda com vetor de onda nesse intervalo não propaga no material.

O que ocorre se, durante a propagação de uma onda eletromagnética, o material entra em uma variação periódica de ϵ, como descrito aqui? Similar ao caso de mudanças espaciais, diversos fenômenos podem ocorrer.

Por exemplo, suponha um pulso descrito por ondas planas com vetores de onda k que estejam dentro de um gap. As frequências fornecidas pela equação (11) tem valores complexos – não são reais. Em outras palavras, isto gera um crescimento exponencial da radiação eletromagnética no interior do material. Neste caso, durante a variação do valor da constante dielétrica há transmissão e reflexão (visto na seção anterior) além de um crescimento exponencial em virtude do gap. Agora suponha também que, após determinado período, a variação temporal cessa. Ou seja, o material deixa de se comportar como um cristal fotônico temporal e volta a se comportar como um material ordinário. Quando o cristal fotônico temporal cessa, dois pulsos se propagam no material, em direções opostas e com intensidades muito maiores do que o pulso inicial [33[33] K. Sacha, Time Crystals (Springer, Cham, 2020).].

5. Conclusão

Variações espaciais nas características ópticas são vastamente estudadas em Física. Muitos fenômenos, de tão simples e ao mesmo tampo fascinantes, são estudados já na educação básica. Porém, de tão comuns, alguns fenômenos talvez pareçam ser únicos. É o caso das mudanças espaciais nas características ópticas dos materiais. Neste artigo tivemos uma introdução sobre mudanças temporais – capazes de gerar fenômenos tão curiosos quanto suas contrapartidas espaciais. Um dos casos é o cristal fotônico temporal, com intervalos de propagação proibidas para os vetores de onda, ao invés das frequências (caso dos cristais fotônicos espaciais).

Materiais ativos, com alterações temporais, abrem novos caminhos para a pesquisa de fenômenos físicos e desenvolvimento de materiais. Uma boa introdução pode auxiliar os estudantes de todos os níveis a buscar mais essa fronteira no conhecimento da óptica.

Agradecimentos

Agradecemos ao constante suporte de tantos colegas que colaboram para nossa visão científica – entre eles XXXIII, prof. Gentileza e Jorge Mcfly. Também agradecemos ao suporte de CAPES, FAPEAL, CNPq, Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Referências

  • [1]
    K. Sacha, em: Time Crystals (Springer, Cham, 2020).
  • [2]
    E. Galiffi, R. Tirole, S. Yin, H. Li, S. Vezzoli, P.A. Huidobro, M.G. Silveirinha, R. Sapienza, A. Alù e J.B. Pendry, Advanced Photonics 4, 014002 (2022).
  • [3]
    F.R. Morgenthaler, IEEE Transactions on Microwave Theory and Techniques 6, 167 (1958).
  • [4]
    G.V. Eleftheriades e K.G. Balmain, Negative – Refraction Metamaterials: Fundamental Principles and Applications (John Wiley & Sons, Hoboken, 2005).
  • [5]
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2024
  • Revisado
    09 Jul 2024
  • Aceito
    09 Jul 2024
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