Acessibilidade / Reportar erro

RESIDÊNCIA EM PSIQUIATRIA NA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU: RELATO CRÍTICO DE UM PROGRAMA

A Residência de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP funciona oficialmente desde 1975, tendo sido credenciada em 1980 pelo Conselho Nacional de Residência (CNRM). Desde então formou 26 psiquiatras: 23 como residentes e três, anteriormente a 1975, como estagiários.

Em início de julho de 1985, no 1o Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental da Rede Pública do Estado de São Paulo, foi proposta uma mesa redonda sobre como está se formando pessoal para uma nova política de saúde mental. Ficou claro, nas exposições dos relatores de cada um dos vários programas de residência e estágios, que nenhuma faculdade mudou seu conteúdo nos últimos anos em função de mudanças na política de saúde. As mudanças surgiram principalmente em função de novas contratações-pessoas de orientações teóricas diferentes, mais experiência - ou ainda da maior disponibilidade de tempo do grupo como um todo e sua vontade de responder ou se adequar às necessidades.

Assim aconteceu conosco: de dois docentes em 1973 fomos aos poucos para seis em 1978, mais duas funcionárias pagas pela UNESP (uma psicóloga e uma assistente social desde 1980), todos em tempo integral e dedicação exclusiva. Temos ainda um Convênio com a Coordenadoria de Saúde Mental desde 1972 que empregou, ao longo dos últimos 13 anos, de um até os atuais sete técnicos de nível universitário, quase todos em tempo integral e dedicação exclusiva. Conforme foram sendo contratadas as pessoas, foi-se introduzindo psicoterapia de base analítica, psicodramática ou comportamental, técnicas de relaxamento, psicopedagógicas, terapia ocupacional, programa para alcoolistas e seus familiares, grupo de idosos, grupo de mulheres com problemas conjugais, de mães, de poliqueixosos, de epilépticos, de adolescentes e outros (ver item 3 da tabela 1).

Nosso programa tem carga horária dentro das normas do CNRM (quadros 1 e 2) e, quanto ao conteúdo, nossa orientação é a seguinte:

QUADRO 1
FACULDADE DE MEDICINA OE BOTUCATU PRM EM PSIQUIATRIA (R1)

QUADRO 2
FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU PRM EM PSIQUIATRIA (R2)

1o ANO

Ênfase em Psicopatologia com abordagem fenomenológica, Psiquiatria Clínica e Psicofarmacologia. De início tentávamos seguir a programação teórica normal ao longo do ano. Agora, fazemos no primeiro mês e meio uma revisão rápida mas intensiva de Psiquiatria Clínica além de darmos orientação prática de uso de psicotrópicos. Só então passamos aos seminários teóricos normais com maior calma e profundidade. Isto evitou muita ansiedade para os residentes respondendo a uma necessidade dos mesmos.

O programa é cumprido em rodízios pelo hospital-dia (com 15 "leitos") e ambulatório (este com carga horária que é o dobro do tempo dispendido no hospital-dia). Por não contarmos com uma enfermaria de internação completa, fizemos convênio com o Hospital do Servidor Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira” desde 1982, para estágios de dois a três meses. Este ano, todavia, estamos procurando nos integrar com a equipe do Hospital Psiquiátrico Prof. “Cantídio de Moura Campos”, sediado em Botucatu, cumprindo estágio de enfermaria também lá.

Há seminários semanais, reunião clínica, reunião de revista (com assuntos escolhidos pela equipe multiprofissional como um todo) e role-playings também semanais, supervisão de casos, individualmente e em grupo, reuniões de equipe (1 vez/mês), de discussão e passagem de casos (1 vez/semana) e de preceptoria (1 vez/mês).

2o ANO

O 2o ano é centrado em psicoterapia grupal (o R2 faz acompanhamento de grupos) e individual breve, recebendo treinamento também em algumas técnicas de terapia comportamental (como dessensibilização sistemática e treino assertivo). Há algum espaço para que faça escolhas entre mais informações práticas e teóricas em infantil, comportamental, grupos, psicoterapia de base analítica ou psicodrama.

Recomendamos que montem grupos, por si, com supervisão, que façam certo número de individuais também como supervisão e sua própria terapia fora do serviço se tiverem vontade e condições econômicas (sem nenhuma imposição).

Fazem rodízios entre o hospital-dia e ambulatório apenas, não freqüentando enfermarias de internação completa a menos que queiram como opção.

Temos ainda procurado desenvolver pelo menos um projeto de pesquisa por ano com os residentes nos últimos dois anos, onde todos aprendem a fazer revisões bibliográficas e muitos têm assinado revistas preocupando-se em continuarem a se atualizar depois da residência. Isto foi visto nos encontros de ex-residentes (bianuais: que temos promovido e sabemos que a maioria freqüenta congressos, simpósios e outros programas de atualização. Pelo menos três de nossos ex-residentes estão em posição de chefia importante e vários outros têm desenvolvido programas em grupo que atendem às necessidades maiores da população brasileira (montando programas de tratamento de alcoolistas, por exemplo).

Além disso, queremos chamar a atenção para o fato de que temos um bom programa de extensão à comunidade, estando integrados com o Centro de Saúde I, Centro de Saúde Escola, a Legião Brasileira de Assistência, creches e escolas e o residente participa desses programas à medida de seu interesse e necessidade.

ALGUMAS CRÍTICAS

Em 1983 o CNRM baixou uma resolução (4/83) com as seguintes exigências de tempo mínimo para residência em Psiquiatria: - programa a ser cumprido em unidade de internação:

  • completa ou parcial: 20%

  • ambulatório: 50%

  • urgência: 10%

  • proporções a critério do programa:

  • estágio obrigatório em neurologia e programa de Saúde Mental e

  • estágios optativos em ambulatórios de Centro de Saúde e unidades mistas.

Não acreditamos que nossa população seja muito diferente da de outros hospitais públicos: 62% de adultos entre 20 e 49 anos, escolaridade inferior a primário completo em cerca de 60%, renda inferior a um salário per capita em mais de 70%, uma prevalência maior de meninos com problemas de escolaridade e de mulheres no ambulatório como um todo (ficando mais ou menos equilibrada a percentagem de homens e mulheres adultos por causa do programa de alcoolista onde quase 100% são homens).

Nosso serviço é movimentado. Como se pode ver na tabela 1 a média mensal de atendimentos entre junho de 1984 e maio de 1985 foi de 1.380 pacientes. Os pacientes têm retornos freqüentes e possibilidade de psicoterapia. Com isso, a taxa de internação é bastante baixa (0,5%). Considerando ainda que não temos enfermaria para internação completa, o que pode selecionar de certa forma a demanda, as emergências também não são muitas (3% do total). Como pretender então, ao mesmo tempo, que o residente cumpra um mínimo de 50% do tempo em ambulatório e que 10% de seu tempo seja ocupado com emergências?

TABELA 1
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO AOS PACIENTES PSIQUIÁTRICOS DA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU, UNESP - JUNHO DE 1984 A MAIO DE 1985

Há ainda outros pontos a considerar como:

  1. um serviço credenciado para dar residência em psiquiatria pode ter apenas internação parcial (como é o nosso caso );

  2. para internar um paciente em hospital-dia é necessário que a família, amigos ou parentes residam na cidade ou, no mínimo, que o estado do paciente não seja tão grave a ponto de impedir que ele se hospede em pensão, o que limita o número de pacientes elegíveis para o tratamento, tanto do ponto de vista psiquiátrico, como econômico. Fica também difícil manter o número máximo de pacientes que a unidade comporte, durante o ano todo.

Assim sendo, entendemos que o 2o ano possa ter uma maior carga de ambulatório como a proposta pelo CNRM. Mas, cargas iguais para 1o e 2o anos e sem exigência da enfermaria de internação completa pelo menos em nível de 1o ano, nos parece uma confusão do que deve ser a assistência psiquiátrica com a formação psiquiátrica. Se é verdade que é melhor que a maior parte da assistência seja feita em ambulatório, um residente com treino maior em enfermaria aprende a conviver, observar de perto e perceber a evolução do paciente de uma forma que é muito difícil conseguir só no ambulatório. Como em outras especialidades, o médico que sabe tratar os casos mais graves saberá se conduzir com mais segurança nos mais simples, principalmente se também fizer o ambulatório. A recíproca não é verdadeira.

Portanto, no nosso caso acreditamos que só tem sido possível ministrar um bom programa de residência por causa dos convênios com outros locais para uso de enfermarias de internação completa (apesar do ambulatório movimentado).

Se formarmos o residente: a) voltado para e consciente da importância do atendimento ambulatorial; b) que sabe internar só quando necessário; c) que não associa psicotrópicos, nem exagera no seu uso; d) que sabe trabalhar em equipe multiprofissional, respeitando o trabalho, habilidade e identidade profissional dos outros especialistas de saúde mental e e) que desenvolveu, inclusive, algumas habilidades com organização de serviço e até de pesquisa, isso não implica que podemos dispensar o treino intra-hospitalar. Corremos o risco, no mínimo, de formar pessoas com medo do doente mental mais grave, o qual necessita mais cuidados e quem sabe, até, isso não possa levar o médico a internar mais.

Concluindo: nossa proposta foi de descrever um programa de residência, que, ao longo dos anos, tem-se mostrado eficiente apesar de divergir das normas do CNRM. Nossa sugestão é no sentido de que outros preceptores de residências em Psiquiatria também comentem criticamente seus programas para que, juntos, possamos fazer nossas propostas com relação às exigências de tempo a serem dispensadas entre ambulatório e enfermaria durante a residência. E nossa impressão que a atual proposta provavelmente não está sendo cumprida por nenhum programa sério, não devendo haver confusão entre como deve ser a assistência com a formação psiquiátrica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1986
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com