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PSICOLOGIA MÉDICA E CURRÍCULO

Em 1978, oportuno manifesto da Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, intitulado "A crise institucional da Medicina", denunciava: "Somos (...) um País que esqueceu os valores humanos e morais (...) que sempre nortearam a prática da Medicina".

Advertências semelhantes não foram raras na última década, neste e noutros países. Felizmente, entretanto, aqui e ali, surgiram movimentos reacionais a essa crise. No dizer de Abram Eksterman, ex-Presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, "a Medicina de hoje (...) esforça-se em reparar o longo esquecimento a que relegou o objeto básico de sua atenção: a humanidade do Homem".

Vannotti, famoso professor e internistas suíço, em discurso por ocasião do 139 Congresso Internacional de Medicina Inte rna, em 1976, disse: "The moment has come to react against the current tendency of public opinion to see only the negative side of medicine. To achieve this we should not, in the presence of the patient, forget our duty, solidarity, and try to understand the patient who is suffering and trusting us".

Quatro anos antes, em sua última aula, Vannotti recomendara: “In every situation, don't forget that in front of suffering you will always have to demonstrate a profound respect, a great solicitude, a sincere affection towards the one who puts his confidence in you in time of distress”.

Nesta época de crise na Medicina, sobreleva a importância da Psicologia Médica no Curso de Graduação, entendido este em sua dimensão maior - instrumento de formação de pessoal para a Saúde.

O conceito de currículo, como estrutura dinâmica, flexível, ajustável, compreende, também, extinção, acréscimo, ou valorização de determinados conteúdos, conforme a época. Nos dias de hoje, a Ética Médica contemporânea e a Psicologia Médica estão merecendo relevo no curso médico. A discussão e a reflexão acerca da temática dessas disciplinas podem ajudar a construir um mundo melhor para aqueles que sofrem.

Ensinam os estudiosos da Psicologia Médica que a relação médico-paciente, objeto dessa disciplina, é o campo dinâmico estabelecido pelos personagens dessa relação, e não somente as regras de conduta, a capacidade de ouvir e o exercício da empatia necessários a essa relação.

Tais aspectos mais simples, porém, não menos importantes, devem ser objeto de qualquer disciplina, até porque haverá peculiaridades na relação, conforme as diversas práticas especializadas: a Cardiologia e a Ginecologia, por exemplo. Existirão diferenças entre os desempenhos do Cirurgião Plástico, que corrige embelezando, e o Cirurgião Vascular que, por vezes, deforma para corrigir. Daí, o comentário de conceituado professor titular de Clínica Médica: "estudo da relação médico-paciente não é apanágio da Psicologia Médica".

Assim como todo professor deve ter conhecimentos do seu vernáculo que lhe assegurem, pelo menos, a linguagem asseada, assim, também, todo professor de Medicina deve familiarizar-se com os conceitos e procedimentos da Psicologia Médica, ajudados por seus especialistas. A importância e as singularidades da relação médico-paciente recomendam seja a Psicologia Médica ministrada ao longo da formação médica, não apenas por seus professores, senão também pelos pertencentes às demais disciplinas. É, portanto, inadequado manter apenas a disciplina individualizada e isolada. O ensino da Psicologia Médica deve-se fazer dentro e através das várias disciplinas, o que implica intercomunicação contínua dos professores.

Esse ensino interdisciplinar, todavia, é aspiração, é meta a ser alcançada numa longa preparação do corpo docente. Nesse sentido, cabe à Psicologia Médica, no currículo do curso de Medicina, uma ação em duas direções: uma dirigida para os alunos, outra dirigida para os docentes. São ainda muito freqüentes as incoerências percebidas pelos estudantes entre o que aprendem na Psicologia Médica e o que verificam em práticas de ensino e de assistência.

É auspicioso lembrar que a área da Medicina Interna mostra-se cada vez mais receptiva às contribuições da Psicologia Médica. Programas de treinamento pós-graduado do internista passam a sublinhar a importância do encontro médico-paciente para o resultado das ações assistenciais.

Este é o desafio à Psicologia Médica: convencer cada professor de Medicina e cada futuro médico do caráter instrumental da disciplina e de sua marcada obrigação com a prática profissional, "função de nossa capacidade técnica e da possibilidade de fazermos um bom relacionamento com nosso paciente".

Alice Reis Rosa
Diretoria da ABEM

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1980
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