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RESENHA BIBLIOGRÁFICA

GUILBERT, J. J.. How to devise educational objectives. Med. Educ., Edinburgh, 18 (3): 134-41, 1984.
REZLER, A. G.; HAKEN, J. T.. Affect and research in medical education. Med. Educ . Edinburgh, 18 (5): 331-338, 1984.
CLARK, W.R.M.. . Student perceptions of the learning environment in a new medical school. Med. Educ . Edinburgh, 18 (5):321-5, 1984.
METCALFE, D. H. H.. The proper emphasis on primary care in basic medical education. Med. Educ ., Edinburgh, 18 (3): 147-150, 1984.
MARKET, R. J.. A conceptual, practice-oriented biometrics course for medical students. Med. Teach ., Londres, 6 (1): 27-9, 1984.
KISIL, M.. . Residência médica em administração hospitalar. Educ. Méd. Salud , Washington, 18(3): 288-98, 1984.
NEAME, R. L. B.. The preclinical course of study: help or hindrance?J. Med. Educ ., Washington, 59 (9): 699-707, 1984.
KATZ, L. A.. . The role of negative factors inchanges in career selection by medical students. J. Med. Educ ., Washington, 59 (4):285-290, 1984.

GUILBE RT, J. J. How to devise educational objectives. Med. Educ., Edinburgh, 18 (3): 134-41, 1984.

Em palavras simples, pode-se dizer que o enfoque de aprendizagem por objetivos se baseia na aplicação do bom senso aos problemas da educação (Mac Donald Ross). A noção de que o modelo de aprendizagem por objetivos tem sido amplamente usado tem alguma sustentação (Bennet). Certamente, isso não é verdade na formação de profissionais da saúde. Dados obtidos pela OMS em colaboração com o Internacional Council of Nurses e a World Federation of Medical Education indicam que o número de escolas médicas que fizeram o esforço de simplesmente definir os objetivos gerais de aprendizado não é superior a 10%, no mundo inteiro. O número dos que usam o enfoque coerentemente é inferior a 2 ou 3%. Ainda que o conceito tenha sido amplamente aplicado, parece pouco razoável descartá-lo somente porque está sendo mal utilizado. Quando usamos objetivos de aprendizagem de modo incompetente, o problema está em nós, não no conceito. Sejam quais forem os limites e obstáculos desse enfoque, ele tem a vantagem inegável de possibilitar estudos e pesquisas com vistas a aprimoramento.

Comentário. Guilbert, da Divisão de Desenvolvimento de Recursos Humanos da OMS, responde com lógica e coerência a várias questões, dentre as quais: a) Que é (e não é) um objetivo educacional? b) Quais são os diferentes níveis dos objetivos de aprendizado? c) Como são elaborados esses objetivos? d) Quem deve elaborar os objetivos? e) Qual é a utilidade dos objetivos de aprendizado?

Em suas respostas, Guilbert descreve as características essenciais do enfoque analítico de aprendizagem por objetivos e comenta suas limitações. Uma faceta importante do modelo desenvolvido é sua relação com o perfil profissional, em termos do espectro de funções, atividades e tarefas que devem servir de base para a derivação dos objetivos. Isso permite combinar outro enfoque analítico, a análise de competência, com a abordagem por objetivos, no planejamento curricular.

O artigo relaciona vinte referências bibliográficas, incluindo dois trabalhos do próprio Guilbert que foram publicados pela OMS. Pode servir de introdução abrangente ao assunto para os iniciantes e, para os que já têm alguma familiaridade, de revisão íntegra.

REZLER, A. G. & HAKEN, J. T. Affect and research in medical education. Med. Educ. Edinburgh, 18 (5): 331-338, 1984.

Todos os estudos acerca de questões no domínio afetivo foram identificados a partir de uma revisão dos volumes de 1970 a 1982 dos Proceedings of Research in Medical Education (RIME). Um total de setenta e sete trabalhos foram classificados entre as sete seguintes categorias, de acordo com os principais temas tratados: 1) estudos descritivos sobre personalidade, valores e atitudes; 2) mudanças nas atitudes; 3) habilidades de entrevista; 4) personalidade e admissão; 5) personalidade e escolha de carreira; 6) tensão e estilo de lidar com problemas; e 7) miscelânea. Várias tendências emergiram desses 13 anos de pesquisa, com implicações para a educação médica. Esta revisão clarifica os achados que poderiam contribuir para melhor entendimento do enfoque nos estudantes e como esse pode ser influenciado pelos professores. O impacto dos exemplos de atribuições e da aprendizagem informal no delineamento do domínio afetivo estudantil é particularmente marcante. Os autores sugerem que os estudos que abarcam modelos de atuação precisam, indo além da observação e descrição, incorporar algum “feedback” para os participantes do estudo.

Comentário. Este artigo constitui uma súmula clara, organizada e útil da pesquisa recente de origem americana relativa ao domínio afetivo nos estudantes de Medicina. Rezler e Haken apontam duas questões que foram muitas vezes indagadas nesses estudos: 1) Quais são as características, atitudes e valores dos alunos de Medicina e de que modo isso afeta a admissão, a escolha de carreira e o atendimento ao paciente? 2) Mudam as características, atitudes e valores pessoais, seja por causa do tempo de exposição à escola médica, ou de disciplinas específicas organizadas para efetuar mudança em atitudes e valores selecionados? Numerosos itens pertinentes são relatados e debatidos, entre os quais menciono a influência dos valores e características pessoais do estudante na escolha de carreira e a potencialidade conservadora da aprendizagem informal na manutenção do perfil afetivo típico do médico. As autoras (do Centro de Desenvolvimento Educacional da Universidade de Illinois, Chicago) identificam também várias implicações para a pesquisa futura, em termos, por exemplo, da avaliação das qualidades afetivas e da percepção do papel do docente e do residente no desenvolvimento dessas qualidades no estudante.

As referências bibliográficas incluem todos os setenta e sete estudos analisados e citados no texto.

CLARK, W.R.M. et alii. Student perceptions of the learning environment in a new medical school. Med. Educ. Edinburgh, 18 (5):321-5, 1984.

Em que sentido mudam as percepções quanto ao ambiente de aprendizagem na escola de Medicina, do início para o fim do curso? Neste artigo, os autores, da Faculdade de Medicina de Newcastle, na Australia, mostram que as percepções dos alunos, sobre o ambiente de aprendizagem nessa escola inovadora, tornam-se consistentemente menos favoráveis no decorrer do curso.

Os autores aventam duas possibilidades principais para explicar esse inesperado declínio longitudinal. Mudanças progressivas nas atitudes dos estudantes seriam uma possível causa. A segunda, mais provável, seriam transformações reais no ambiente de aprendizagem durante o progresso do aluno no curso. O impacto educacional da escola é menor nos últimos anos, quando os estudantes passam a maior parte do tempo no cenário clínico, em contacto com docentes em tempo parcial (menos imbuídos da ideologia curricular). Os efeitos são detectados na percepção da organização, amplitude de interesse, flexibilidade, clima emocional e outras características do ambiente de aprendizagem.

Na aferição das percepções dos estudantes, os autores usaram o instrumento desenvolvido por Marshall, em 1978, conforme citação incluída entre as dezenove referências bibliográficas. Esse questionário tem validade e confiabilidade bem satisfatória e serve para monitorar os efeitos de mudanças curriculares, bem como para aferir a força da pressão estudantil no sentido da mudança.

METCALFE, D. H. H. The proper emphasis on primary care in basic medical education. Med. Educ., Edinburgh, 18 (3): 147-150, 1984.

A Declaração de Alma-Ata - Saúde para Todos no Ano 2000 - coloca ênfase acentuada no desenvolvimento de serviços competentes de atendimento primário. A OMS não considera que tipos diferentes de países, em desenvolvimento, ou desenvolvidos, tenham os mesmos problemas de saúde, nem que alcancem o mesmo nível de saúde no ano 2000, em termos da melhoria desses problemas. Neste artigo, apresenta-se um modelo conceituai de serviço de saúde racional, examinam-se as carências a partir dele e se pondera se essas insuficiências refletem, ou não, deficiências na educação médica básica.

Comentário. A conclusão principal do autor é que a inclusão e o uso do atendimento, primário, mesmo nos currículos mais convencionais, pode contribuir de maneira significativa para o alcance da declaração de Alma-Ata. Três noções são ressaltadas no texto. Primeira, a apresentação de um modelo conceituai de serviço de saúde racional. Nesse modelo, o atendimento primário situa-se mediante interfaces - entre a pouco flexível Medicina especializada baseada em hospital e a sociedade contemporânea em rápida transformação. As diversas mudanças da sociedade (ecológica, político-social e familiar, entre outras) têm implicações diretas, tanto para a morbidade, quanto para o modo pelo qual as pessoas usam os serviços de saúde. Na visão do autor, o atendimento primário tem a flexibilidade inerente para aceitar, e lidar, com as mudanças, embora sujeito a excessos e limitações na situação real.

Uma segunda noção considerada é a necessidade de vivência na interface “médico-social na educação médica básica, a fim de prover recursos humanos para um serviço de saúde racional. A contribuição do atendimento primário abrangeria três categorias de conteúdo: 1) aqueles aspectos que não podem ser conseguidos no ambiente de aprendizagem hospitalar (a exemplo da história natural da doença e da prevenção primária); 2) os aspectos imperfeitos, difíceis ou de baixa prioridade (o enfoque biopsicossocial e a contribuição da epidemiologia no processo decisório clínico, para exemplificar); 3) aspectos em que os docentes (do atendimento primário) podem reforçar o ensino de outras disciplinas, por exemplo, incutir conscientização de custos.

A terceira noção examinada é a das carências da educação básica, que o autor relaciona com várias incompatibilidades entre o método de educação e o trabalho que os concluintes virão a realizar. Assim, o autor ressalta que o sistema educacional privilegia esses aspectos: controle do ambiente pelo médico, ênfase no diagnóstico/cura, áreas de certeza elevada e enfoque cognitivo convergente. Em contraste, o trabalho no atendimento primário se caracteriza por: controle do ambiente pelo paciente/pessoa, ênfase na decisão de manejo/cuidados, baixa certeza e uso de raciocínio divergente. Várias das insuficiências na prestação de serviços são atribuídas a essas e outras incompatibilidades.

Um artigo curto e interessante que merece ser lido na íntegra.

MARKET, R. J. A conceptual, practice-oriented biometrics course for medical students. Med. Teach., Londres, 6 (1): 27-9, 1984.

Em muitas escolas médicas, a biometria tem sido ensinada com ênfase abstrata e matemática. Conseqüentemente, o estudante de Medicina habitualmente não relaciona o conteúdo da disciplina com sua prática futura, aprende somente em grau restrito e cria uma aversão por métodos de pesquisa e estatística. Esse primeiro contacto desfavorável muitas vezes resulta em médicos com pouca ou nenhuma habilidade em avaliar os méritos da literatura profissional em termos de pesquisa e de credibilidade estatística. Por esse motivo, elaboramos um curso que sublinhava conceitos de pesquisa e de estatística, evitava explanações matemáticas, realçava a relação entre pesquisa e estatística e a prática médica e usava princípios efetivos de ensino.

Comentário. O impacto deste artigo sobre o ensino da metodologia estatística aplicada à Medicina se deve a dois fatores: 1) descrição clara do conteúdo e enfoque do curso em questão, que realça conceitos de crescente significado na utilização de novos conhecimentos na prática médica; 2) descrição concisa da metodologia de produção e avaliação do curso, cujo sucesso foi demonstrado nesta avaliação e na aferição do desempenho estudantil.

Dentre os tópicos enfocados, ressalto os seguintes: natureza da pesquisa e do método científico; definições de normalidade; significância estatística vs significância clínica; princípios de sensibilidade, especificidade e valor preditivo; princípios de incidência e prevalência; risco relativo e risco atribuível; causa vs associação; como ler revistas médicas efetiva e eficientemente.

As referências bibliográficas são especialmente úteis e incluem numerosos trabalhos relativos ao ensino da epidemiologia clínica.

KISIL, M. et alii. Residência médica em administração hospitalar. Educ. Méd. Salud, Washington, 18(3): 288-98, 1984.

O artigo enfoca um projeto inovador, implantado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em cooperação com a Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas. Os autores apresentam os antecedentes da iniciativa e descrevem os objetivos gerais e específicos, o enquadramento metodológico e a estrutura geral do programa. A tônica do programa é expressa neste parágrafo:

“O primeiro nível do programa destina-se a dar ao residente uma sólida formação básica; o segundo, a especializar os seus conhecimentos, aprofundando conceitos, métodos e técnicas utilizadas na administração e organização de serviços de saúde. Aplicando o conceito de pesquisa em serviços de saúde, o programa requer do residente o desenvolvimento de estudos que complementam as pesquisas biomédicas e clínicas com modos alternativos de prestação de serviços, utilização de recursos e mobilização e utilização de mão-de-obra na organização do atendimento médico-hospitalar”.

Os autores indicam que os subsídios obtidos na avaliação do programa, especialmente em função do acompanhamento dos ex-residentes, serão objeto de futura publicação.

NEAME, R. L. B. The preclinical course of study: help or hindrance? J. Med. Educ., Washington, 59 (9): 699-707, 1984.

Na estrutura convencional do curso de graduação existe a premissa implícita de que uma base sólida de compreensão das disciplinas relativas a ciências básicas seja um pré-requisito essencial para começar os estudos clínicos. Adicionalmente, presume que o contexto no qual os fatos são apresentados seja apropriado para esse propósito e que a demonstração de conhecimento de ciências básicas seja suficiente para a iniciação dos estudos clínicos. A estrutura específica da fase pré-clínica do Curso Médico varia um pouco de uma escola médica para outra mas, em geral, continua semelhante àquela descrita por Flexner mais de 70 anos atrás, exceto que, agora, condensa muito mais fatos e pormenores em espaço similar. Chegou a hora de questionar as premissas e rever os objetivos do estudo das ciências básicas e as competências de que um estudante precisa a fim de passar para os estudos clínicos. Neste artigo, o autor examina os dados disponíveis e conclui que existe uma necessidade real de reformulação dos propósitos, conteúdo e contexto de aprendizagem que precede os anos clínicos na escola médica.

Comentário. Este artigo deveria ser lido por todos os professores do Curso Médico que ministram as matérias básicas do currículo. Seu autor, identifica vários fatores (pertinência do conteúdo, desenvolvimento de proficiência em processos, motivação e interesse e outros atributos do aluno) que restringem a potencialidade da utilização efetiva e eficiente do conteúdo das ciências básicas no treinamento clínico.

A revisão sobre a pertinência do conteúdo é especialmente ilustrativa. O autor relaciona quatro condições que devem ser atendidas para estabelecer a essencialidade desse conteúdo para a prática médica de qualidade elevada: (a) o conteúdo é relevante para a prática médica; (b) esse conteúdo é memo rizado pelo aluno; (c) a memória do aluno é organizada e estruturada de tal modo que ele tem capacidade de acesso a pormenores relevantes no contexto da prática médica; (d) o aluno concluinte aplica realmente esse conhecimento na clínica. A conclusão (do autor) com base na revisão feita, é de que existe pouca evidência de que essas disciplinas, na sua estruturação convencional, alcançam objetivos consistentes com os requisitos do treinamento clínico (que a maioria dos alunos virá a ter).

As colocações do artigo, na sua essência, são bem fundamentadas em numerosas citações, relacionadas na bibliografia de duas dezenas de trabalhos.

KATZ, L. A. et alii. The role of negative factors inchanges in career selection by medical students. J. Med. Educ., Washington, 59 (4):285-290, 1984.

Os autores examinaram a extensão em que fatores negativos influenciaram mudanças na escolha de carreira entre estudantes de Medicina. Noventa e oito formandos preencheram um questionário retrospectivo relativo à escolha da carreira, que indagava as áreas da Medicina em que tencionavam exercer a profissão e quando fizeram essa escolha, nos seus currículos; se essa escolha representava uma mudança e, nesse caso, quando e por que a mudança ocorreu. As respostas a essas questões indicaram que 82% de todas as mudanças eram devidas a algum fator negativo relativo à escolha inicial, enquanto apenas 16% eram conseqüência de fatores positivos pertinentes à nova escolha. Os resultados também foram classificados com respeito às especialidades que ganhavam, ou perdiam, candidatos e às fases em que as mudanças ocorreram, durante o Curso Médico. Os autores concluíram que a época da mudança e o conhecimento de motivos para a mudança têm implicações diferentes para várias especialidades médicas. A seleção da carreira médica foi comparada ao processo, de geração e verificação de hipóteses.

Comentário. A dinâmica da escolha (e mudança) de carreira no campo da Medicina ainda não é bem entendida, mas existem evidências de que a escolha de uma área reflete geralmente as características dos estudantes. Diversos estudos têm indicado que cerca de metade dos alunos mudam sua escolha do início para o fim do curso, o que parece refletir a descoberta de combinação mais compatível entre o estudante e uma carreira em particular. O estudo de Katz e colegas sugere que fatores negativos percebidos em relação à p referência inicial são preponderantes na determinação dessa mudança. Inversamente, as preferências iniciais dos alunos são baseadas predominantemente em fatores positivos imaginados (atratividade da carreira e compatibilidade percebida com as características do estudante). Esses investigadores observaram também um padrão desigual no processo de mudança, no ganho e na perda entre as diversas áreas. Por exemplo, a área de preferência inicial mais rejeitada (e que recebeu o menor porcentual de mudanças) foi Clínica Geral ou Medicina Familiar. Em contraste, metade das escolhas finais de Medicina Interna surgiu por mudança na escolha prévia de outra área.

Existe alguma aplicação do conhecimento sobre a dinâmica de decisão de carreira na educação médica brasileira? A meu ver, ainda não, ao menos de modo racional e explícito. Mas as implicações são importantes, por exemplo: que estratégia tem melhor custo/benefício no recrutamento de clínicos gerais para o atendimento primário em postos periféricos, inclusive no meio rural?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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