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A Capoeira Angola Diversificando a Universidade: semeando ecologia de saberes nas Artes da Cena

La Capoeira Angola Diversifie l’Université: semer l’Écologie des Savoirs dans les Arts du Spectacle

Resumo:

A partir de depoimentos de alunos, coletados após breve contato de um semestre com esta arte, procura-se reforçar a potencialidade da Capoeira Angola para o treinamento do artista da cena, e também para promover o autoconhecimento do ser humano e sua atuação social. É a ludicidade e a complexidade do jogo marcial da Capoeira Angola que congrega habilidade espaço-corporal, musical e poética, além de sua história de resistência e resiliência da ancestralidade africana, compondo uma ecologia de saberes que contribui à formação em Artes da Cena e também ao acolhimento da cultura popular de matriz africana na universidade brasileira.

Palavras-chave:
Capoeira; Treinamento do Ator; Universidade; Conhecimento Popular

Résumé:

Depuis les témoignages d’un groupe d’étudiants, consultés après le bref contact d’un semestre avec cet art, on a essayé de signaler le potentiel de la Capoeira Angola pour la formation d’artiste du Spectacle, bien comme pour la connaissance de soi d’un être humain en formation et son action sociale. La complexité et ludicité de la Capoeira Angola unissent compétences corporelles, de la musique et de la poésie. En plus, cet art apport en soi une histoire de résistance et resilience lié à l’ascendance africaine. Toutes ces caractéristiques peuvent contribuer à la composition integrale d’une Écologie des Savois qui contribue à la formation aux arts de la scène et aussi à l’accueil de la culture populaire afro-brésilienne à l’université.

Mots-clés:
Capoeira; Formation d’Acteur; Université; Sagesse Populaire

Abstract:

Using testimonies from students after one semester practicing the art of capoeira, we underscore the potentiality of Capoeira Angola for actor training, as well as for promoting the self-knowledge of human beings and their social action. It is the playfulness and complexity of Capoeira Angola’s martial game, congregating space-body skills, music and poetry, in addition to a history of resistance and resilience as African heritage, constructing an Ecology of Knowledges that contributes to performing arts training and also to the embracing of Afro-diasporic popular culture by Brazilian universities.

Keywords:
Capoeira; Actor Training; University; Folk Knowledge

1 Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico. - Foi agora que eu cheguei

O artigo propõe o potencial da Capoeira Angola - um jogo de combate, não-violento, que preza pela picardia e beleza de movimentos, música e poesia - na formação dos estudantes no ensino superior no Brasil, enfatizando sua ação junto às carreiras das chamadas Artes da Cena, principalmente a dança e o teatro. A Capoeira Angola é uma arte de matriz africana cuja história se mescla com a formação do Brasil e de sua cultura, e por isso possibilita formas de (auto)reconhecimento do papel da população afrodescendente na sociedade brasileira, como também uma conscientização da violência institucionalizada contra afrodescendentes no Brasil. Nesse sentido, a Capoeira Angola pode atuar sobre estudantes de todas as áreas como porta para a conscientização e luta antirracista. Para exemplificar seu impacto nas artes cênicas, serão aqui apresentados trechos de depoimentos coletados de discentes, ao final de um semestre de encontros semanais com essa arte afro-brasileira. Queremos reforçar que a presença da Capoeira Angola no ensino superior é elemento importante - senão fundamental, no caso do Brasil - para que se propicie a diversidade epistemológica que urge à academia; a Capoeira Angola pode, e deve colaborar na construção de uma ecologia de saberes dentro dos espaços de formação universitária, como será discutido adiante.

Antes de descrever as atividades realizadas, cabe uma explanação breve sobre o histórico da Capoeira na unidade de ensino e pesquisa onde a experiência ocorreu: o Departamento de Artes Corporais do Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na Unicamp, o curso de Artes Cênicas tem a Capoeira como conteúdo possível dentro das disciplinas Técnicas Corpóreas: Luta I e Técnicas Corpóreas: Luta II2 1 ‘Iê’ é interjeição de saudação, algo como ‘viva!’, utilizado para se iniciar e finalizar as rodas de Capoeira Angola: para iniciar, alonga-se a pronúncia (‘Iêeeeeee’); para finalizar, pronuncia-se curto e seco (‘Iê!’). . Embora o curso prime por oferecer a capoeira como conteúdo programático, ainda que na forma dessas disciplinas eletivas, o departamento não tem atualmente um professor especialista compondo o corpo docente, o que dificulta e até muitas vezes impede o oferecimento continuado dessas disciplinas. O único professor especialista foi Mestre Antônio3 2 A descrição dessas disciplinas se encontra no catálogo do curso de Artes Cênicas, IA/Unicamp, disponível online: AC143 - Técnicas Corpóreas: Luta I. Introdução aos elementos técnicos de uma luta ou arte marcial enfatizando os aspectos lúdicos presentes no jogo de combate; AC243 - Técnicas Corpóreas: Luta II. Utilização de elementos do jogo de combate em situações de conflito dramático. Disponível em: https://www.dac.unicamp.br/sistemas/catalogos/grad/catalogo2022/cursos/26g/curriculo.html Acesso em: 08 nov. 2021. , na época em que ainda se podia contratar profissionais sem doutorado ou mesmo diploma de Ensino Superior. Mestre Antônio atuou de meados dos anos 1980 até fim dos anos 1990. Na década de 1990 também lecionou Mestre Tulé4 3 Antônio Ambrósio dos Santos. , de forma extracurricular, agregando alunos de diversos cursos da Universidade, incluindo o IA. No IA, há também um departamento de Dança cujo programa não prevê a capoeira como elemento formativo per se, mas onde ela já esteve presente na forma de cursos de extensão de 2006 a 2009, oferecidos pelos então professores Lara Rodrigues Machado e Eusébio Lobo. Desde o início dos anos 2010 até sua aposentadoria como funcionário em 2012, Mestre Jahça5 4 José Antônio da Silva. , um discípulo de Mestre Antônio, colaborou no departamento de Artes Cênicas, oferecendo aulas de capoeira, além de responder por atividades técnicas do funcionamento cotidiano do departamento. Desde a aposentadoria do Mestre Jahça, o IA não conta com outro especialista em capoeira, que tem sido ministrada descontinuamente, com colaboradores pontuais.

Nesse contexto, a disciplina foi ministrada pelo autor, como professor convidado durante o segundo semestre de 2017 e no primeiro e segundo semestres de 2018. Em cada semestre, foram 15 encontros semanais de duas horas cada (às sextas-feiras das 14h-16h), dedicados à prática dos movimentos e da música da Capoeira Angola dentro da linhagem de Mestre João Pequeno de Pastinha6 5 Jacinto Rodrigues da Silva. , sob orientação de Mestre Jogo de Dentro7 6 João Pereira dos Santos. e do grupo Semente do Jogo de Angola, do qual o autor participa desde 1997, sendo contramestre desde 2018. As atividades de cada encontro seguiram um roteiro específico, de maneira a sempre incluir atividades de aquecimento, alongamento, força e equilíbrio, em movimentos exercitados de forma individual e posteriormente em duplas, além da prática dos instrumentos musicais (berimbaus, pandeiro, reco-reco, agogô e atabaque), do canto e do jogo na roda, geralmente realizada na parte final de cada encontro. Iniciando-se com aquecimento geral e de apoios, evoluíamos a movimentação incorporando os passos da ginga, em sequências de ataque e defesa repetidas em grupo e em duplas. Com a aptidão aumentando, incrementamos também a sequência de movimentos a serem treinados, intercalando-as com alongamentos e desafios de equilíbrio. Dentro do espírito flexível da Capoeira Angola, as especificidades das atividades foram desenvolvidas de forma a se adequar às particularidades de cada aluno e as do conjunto da turma naquele encontro específico, adaptando o conteúdo às limitações físicas, dores, ou até mesmo ao cardápio do almoço, ingerido às vezes poucos minutos antes do encontro. Para uma visão mais detalhada de muitos dos movimentos utilizados e também das práticas de treinamento, e ainda sobre a evolução pedagógica do treinamento dentro da linhagem da Capoeira Angola, indicamos o trabalho de Goulart (2018)GOULART, Lucas Machado. Discípulo que aprende, mestre que dá lição: uma análise sobre o processo formativo da capoeira, na perspectiva do grupo Semente do Jogo de Angola. 2018. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018..

Além de treinar os movimentos, vivenciar o jogo em si, assim como a música da capoeira dentro da roda, nas aulas foram também construídos alguns dos instrumentos utilizados, como berimbau, caxixí e reco-reco. A turma de 2017 pôde também vivenciar a finalização (encordoamento e afinação) da montagem de um atabaque, com Mestre Toshiro8 7 Jorge Egídio dos Santos. . Com essas práticas, buscou-se dar a todos os alunos noções básicas dessas artesanias comuns à capoeira e que seguem paralelas ao treino corporal.

Em dois dos semestres recebemos a visita de Mestre Jogo de Dentro e, em um semestre, a visita de Mestre Bigo9 8 Valdomiro Waciro Katsue Emori. (também conhecido como Francisco 45 de Pastinha), para dar uma aula e conversar com a turma, momentos sempre de grande importância para os alunos, como veremos nos relatos. Não foram realizadas aulas puramente teóricas, mas foram indicados para estudo alguns textos e fontes audiovisuais para suplementar o conhecimento sobre fatos e figuras históricas da capoeira, informações que também apareceram, naturalmente, através das músicas e da conversa informal, no dia a dia dos encontros.

Não havendo avaliações formais, propôs-se que cada discente, de forma livre, escrevesse sobre um tema relativo à capoeira, ou o impacto dessa vivência, ainda que breve, na formação de cada um/a. Essa segunda opção foi a mais escolhida, provavelmente devido ao fato de a maioria dos alunos nunca haver trabalhado com capoeira anteriormente. Sem qualquer direcionamento por parte do docente quanto aos temas, os alunos escreveram pequenos depoimentos, que foram compartilhados com a turma.

Inicialmente, não havia qualquer intenção de se utilizar tais depoimentos em uma pesquisa, ou mesmo em artigo como o que se apresenta aqui. Desejava-se apenas ter um retorno sobre as qualidades exercitadas no breve contato com a Capoeira Angola. Contudo, muitos depoimentos coincidiam em pontos considerados importantes pelos próprios alunos - tanto os relativos à formação profissional como os referentes ao (auto)conhecimento sociocultural. Portanto decidimos coletar alguns trechos, dentre os mais expressivos, que exemplificassem a potência da Capoeira Angola dentro do contexto universitário. Nossa análise é contextualizada e sustentada pela breve revisão bibliográfica a seguir.

Jogo bonito, esse jogo é de Angola - Capoeira semeando saberes

Não cabe aqui uma extensa descrição do desenvolvimento da capoeira, seja da sua vertente hoje denominada Capoeira Angola, seja das demais vertentes, tais como a Capoeira Regional ou a Capoeira Contemporânea. Para tal, indicamos a leitura dos excelentes trabalhos de pesquisa de Assunção (2004ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Capoeira: the history of an Afro-Brazilian martial art. London: Routledge, 2004.; 2019ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Capoeira: From Slave Combat Game to Global Martial Art. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History, Northamptonshire, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1093/acrefore/9780199366439.013.293 Acesso em: 02 nov. 2020.
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), que inclui as narrativas controversas sobre as raízes africanas dessa luta/dança no Brasil colonial; seu desenvolvimento urbano e inserção social e a forte repressão institucional sofrida, já no século XIX; a consolidação/criação na Bahia das atuais escolas de Capoeira (Angola, Regional e Contemporânea) na primeira metade do século XX, e a expansão dessas escolas para as demais regiões do Brasil e do mundo. Para uma análise mais profunda do processo de internacionalização, seus paradoxos e idiossincrasias de discurso e seu papel mercadológico atual, sugerimos o trabalho de Brito (2015)BRITO, Celso de. O processo de transnacionalização da Capoeira Angola: uma etnografia sobre a geoeconomia política nativa. 2015. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.. E, para uma visão ampla e artística sobre os processos de codificação, institucionalização e invenção da capoeira, em que se distinguem as diversas linhagens e grupos (bem como de seus métodos de ensino), sugerimos o trabalho de Höfling (2019)HÖFLING, Ana Paula. Staging Brazil: Choreographies of Capoeira. Middletown: Wesleyan University Press, 2019., que, para além da dicotomia tradição/modernidade, mostra-nos as interações de criação/recriação entre mestres de capoeira e os coletivos artísticos que primeiro expuseram essa expressão cultural brasileira em palcos do exterior, incluindo e transformando o jogo/luta em impressionantes composições de cena, que ainda hoje fazem parte da iconografia do Brasil no exterior. Como mostra Höfling, as intersecções entre capoeira e a cena datam dos anos 1960 e 1970, e seu uso como treinamento complementar para atores e bailarinos não é nada novo, mas é algo que ainda não é reconhecido nos currículos de Artes da Cena em universidades brasileiras.

A pesquisadora e contramestre de Capoeira Angola Renata de Lima Silva (2012SILVA, Renata de Lima. A potência artística do corpo na capoeira Angola. Ilinx-Revista do LUME, Campinas, v. 2, n. 1, p. 1, 2012., p. 1) argumenta que podemos tê-la “[...] não apenas como um elemento potencial para o treinamento do ator e do bailarino, mas como um lugar/momento em que a potência artística do corpo pode ser observada”. Pelo lado do treinamento artístico, essa autora apresenta tanto o treino como o jogo em si como espaços de desafio que, para além da prática física, lidam com riscos e exigem um constante estado de alerta, de prontidão, propiciada por essa ampliação da percepção do corpo no espaço (Silva, 2012SILVA, Renata de Lima. A potência artística do corpo na capoeira Angola. Ilinx-Revista do LUME, Campinas, v. 2, n. 1, p. 1, 2012.). Silva, recordando o momento em que pela primeira vez presenciou uma roda no Forte Santo Antônio (Salvador/BA), bem traduz o encantamento que muitos sentem ao conhecer a Capoeira Angola: “[...] o movimento acabava de se revelar para mim como um pensamento do corpo. E corpo, por sua vez, como algo constituído de um emaranhado de fios da cultura” (Silva; Falcão, 2021SILVA, Renata de Lima; FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021., p. 52); e também algo que, ao se considerar o processo histórico-cultural envolvido, é, “do ponto de vista estético, […] genial, porque se tratava de uma dança fruto de uma consciência que não era apenas corporal, mas também cultural” (Silva; Falcão, 2021SILVA, Renata de Lima; FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021., p. 54).

É nesse exercício de enfrentar desafios, no aprimoramento da aptidão física, no estado de alerta disfarçado de indiferença, com picardia e improviso, e também no resgate e valorização da história e da cultura de matriz africana, que a Capoeira Angola traz ferramentas para contribuir a uma ecologia de saberes que enriqueça o treinamento artístico além do deleite estético e performático de cada um. Nas palavras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, ecologia de saberes é ter “[...] o reconhecimento da copresença de diferentes saberes e a necessidade de estudar as afinidades, as divergências, as complementaridades e as contradições que existem entre eles” (Santos, 2019aSANTOS, Boaventura de Sousa. O Fim do Império Cognitivo - A afirmação das epistemologias do sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019a. (Edição eletrônica Kindle)., p. 26). Santos nos confronta com a urgência de uma ecologia de saberes que abarque epistemologias outras além das eurocêntricas/ocidentais que comumente se apresentam em áreas de conhecimento acadêmico, de forma a cultivarmos, também, os saberes ditos populares: aqueles saberes artesanais como os das populações nativas, ou das organizações populares, muitas vezes descritos como sendo periféricos. O saber central usualmente cultivado na academia, proveniente do Norte - não apenas o geográfico, mas todo aquele dominante e resultado de colonização - precisa urgentemente reaprender com as epistemologias do Sul, o saber periférico e artesanal, que Santos define também como não científico: os saberes práticos, empíricos, vernáculos; que, apesar de muitas diferenças entre si possuem uma coisa em comum: são produzidos junto as práticas sociais, nunca de forma separada (Santos, 2019aSANTOS, Boaventura de Sousa. O Fim do Império Cognitivo - A afirmação das epistemologias do sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019a. (Edição eletrônica Kindle)., p. 173).

A incorporação desses saberes produzidos no cotidiano do povo, em suas celebrações, ritos e costumes, em seus ciclos de relação social e com a natureza, tem a potência de trazer vigor para atuação no ensino superior, principalmente para que se mantenha a universidade pública, livre e plena, em sua missão de incluir e atender toda a sociedade (Santos, 2019bSANTOS, Boaventura de Sousa. Epistemic Justice and the Future of the Democratic University. University Bristol, Public Events, Bristol, 09 jul. 2019b. (Áudio). Disponível em: https://soundcloud.com/university-of-bristol/epistemic-justice-and-the-future-of-the-democratic-university Acesso em: 05 nov. 2020.
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). Muitas vezes esses saberes do Sul são, como a Capoeira, formas de saber corporificado, saber dos corpos dos agentes de transformação, dos agentes de resistência social, dos corpos concretos, vivos; o corpo que sofre opressão e resiste (Santos, 2019aSANTOS, Boaventura de Sousa. O Fim do Império Cognitivo - A afirmação das epistemologias do sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019a. (Edição eletrônica Kindle)., p. 33). Esse é o conhecimento do “corpo que atravessa tempos”, é o corpo dos antepassados, é mesmo uma “extensão temporal do corpo”; é aquele “corpo quem tem as marcas das linhas abissais” - as linhas sinuosas, imprecisas e doloridas que dividem centro/periferia, colono/colonizado; é “[…] o corpo como episteme: o corpo é que conhece, que transmite o conhecimento. É o corpo que diz ao corpo o corpo que é!” (Santos, B.S., 2020SANTOS, Boaventura de Sousa. Corpos Conhecimentos. Colóquio online. Escola de Dança - UFBA, Salvador, 07 out. 2020. Disponível em: https://youtu.be/5C0k3l2--H4 Acesso em: 05 nov. 2020.
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). O corpo do capoeira, do(a) mestre(a) que instrui o discípulo, é esse corpo que atravessa tempos: o corpo que fora escravizado na colônia, que buscava liberdade, hoje é o corpo do oprimido - social, econômica e culturalmente - que busca se libertar, enfrentando os abismos contemporâneos de seu dia a dia: carestia, racismo institucionalizado e preconceito social. A capoeira é essa arte, de corpos vivos que ligam tempos - uma arte multifacetada que se perpetua através dos corpos dos capoeiras -, na vadiação10 9 Francisco Tomé dos Santos Filho. , na roda, onde acontece o jogo/luta e em que se mobilizam múltiplas linguagens - da verbal mais direta até as mais indiretas, insinuadas e misteriosas: os golpes, defesas e esquivas; as expressões faciais e as mímicas, a música e o coro (Moro, 2016MORO, Carlos Alberto Correa. O centro da roda é o centro da vida: tradição, experiência, e improviso na roda de capuêra angola. 2016. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., p. 74).

Essas múltiplas linguagens, a desenvoltura corporal, a interação com os demais participantes do entorno, em suma, as diversas habilidades envolvidas no jogo, fazem da capoeira uma arte complexa, uma arte para uma vida toda de aprendizado, mas que pode também, em pouco tempo de contato, mobilizar muitas potências. Apesar de sua expansão por todos os continentes, paradoxalmente no Brasil a capoeira não tem ainda a devida inserção na educação. Apesar de sua nítida importância transdisciplinar, é relativamente ainda pouco acessada pela pesquisa ou ensino, incluindo as universidades.

O exercício corporal, musical e poético da capoeira dentro da roda propicia união, congregando a todos naquele momento e, muitas vezes, também por toda ou grande parte da vida. A intensa troca durante a roda de capoeira e também durante os treinos semanais cria uma comunidade frequentemente unida em torno de um(a) mestre(a). Tendo a memória, a oralidade e a ritualidade como eixos fundamentais, como sugere o educador e capoeirista Pedro Abib (2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., p. 60), a Capoeira Angola se perpetua na memória coletiva pela figura do(a) mestre(a) (Abib, 2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., p. 64), cujo papel é fundamental para a preservação e transmissão do saber às novas gerações, feita predominantemente de forma oral (Abib, 2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., p. 66). É pela figura do(a) mestre(a) que a arte se perpetua e se amplifica; é ele(a) que propaga, mantém e também atualiza o ritual. É o ritual que “permite essa transposição do aqui e do agora para tempos imemoriais, para locais sagrados, onde tudo se originou”. É o ritual que permite a “[...] conexão com o sagrado, […] enquanto origem, enquanto fonte continuamente suscitadora de sentidos” (Abib, 2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., p. 69).

O(a) mestre(a) age no presente e é também a ponte com o passado e com o futuro dessa arte, que acontece fundamentalmente na roda - espaço para onde todas as ações se encaminham. A pesquisadora e mestra de Capoeira Angola, Rosangela C. Araújo, vê a roda como um “[...] espaço onde se consagra de maneira ritualística a dinâmica sagrada da construção do saber. [...] Assim, mais que avaliar o desempenho puro e simplesmente de cada indivíduo, a roda afere a conduta de quem ensina, de quem orienta este ou aquele capoeirista” (Araújo, 2004ARAÚJO, Rosângela Costa. Iê, viva meu mestre - a Capoeira Angola da ‘escola pastiniana’ como práxis educativa. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004., p. 25). A roda liga presente e passado, explicita indivíduos e coletivos, alunos e professores. A capoeira, com a sua oralidade, história e a ancestralidade, (re)conecta os indivíduos aos seus coletivos; é uma arte que tem o potencial para contribuir em diversas áreas, não só nas Artes da Cena, como será aqui mais detalhado, mas também para a formação humana em geral. Como enfatizado por Araújo, ao trazer a Capoeira Angola para o ambiente educacional, busca-se um mundo realmente holístico - no sentido de totalidade -, por meio de uma pedagogia que considere a integralidade do ser e suas múltiplas temporalidades, e que tem o próprio corpo como base do “seu próprio contexto histórico-vivencial, para apontar o fazer educacional” e seus desdobramentos (Araújo, 2004ARAÚJO, Rosângela Costa. Iê, viva meu mestre - a Capoeira Angola da ‘escola pastiniana’ como práxis educativa. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004., p. 40). Abib vai além, ao afirmar que a Capoeira Angola, como uma manifestação da cultura popular, é fonte de humanidade - onde se aprende sobre solidariedade, cooperação, respeito às diferenças, humildade e parceria (Abib, 2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., p. 161). Busca-se vivenciar as percepções coletivas e individuais, simultaneamente, dentro de sua própria memória e capacidade corporal, e também da história do jogo da capoeira e de seus praticantes, conquistando e exercitando aptidões variadas de corpo, tais como força, equilíbrio, elasticidade, controle, como também aptidões de alma, tais como música, ritmo, poesia; e de espírito, tais como (re)conexão com ancestralidade, solidariedade socioeconômica e acolhimento cultural. E isso pode reverberar em outros âmbitos da vida de jovens em formação, na sua atuação profissional, cultural e social.

A inclusão da capoeira nos currículos de artes cênicas de universidades brasileiras, especificamente a Capoeira Angola, significaria o reconhecimento e valorização de saberes afro-brasileiros, artesanais e corporificados - saberes do Sul - que complementariam e dialogariam com os saberes hegemônicos do Norte, já trazidos comumente nas grades curriculares e geralmente de origem europeia ou estadunidense. A capoeira, ensinada no seu todo, incorporaria sua episteme no meio universitário: é preciso vadiar, cantar e tocar; é preciso construir/afinar seus instrumentos, compor suas músicas, construir seus espaços sociais. É preciso ouvir os(as) mestres(as), e trazê-los para ensinar, sem interferir em seu modo pessoal de ensino. O que se espera é buscar “[...] uma identidade que não aquela imposta pelos europeus, ainda que suas influências permaneçam” em nossos corpos e mentes (Simão; Sampaio, 2018SIMÃO, Marina Fazzio; SAMPAIO, Juliano Casimiro de Camargo. Corpo e Descolonialidade em Composição Poética Cênica. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 8, n. 4, p. 665-690, out./dez. 2018., p. 674).

Apesar de não ser a única arte marcial a ser realizada com auxílio musical, na Capoeira Angola a música inclui ritmo, canto e poesia e exerce papel fundamental ao conduzir a anima, a alma da atividade na roda: o diálogo corporal é modulado pelo berimbau, pelo canto do mestre e pela resposta do coro, junto com a cadência da bateria - o conjunto de instrumentos musicais - com seus diversos elementos (Stotz, 2010STOTZ, Marcelo Backes Navarro. Ritmo & rebeldia em jogo: só na luta da capoeira se dança?. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Centro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.; Abib, 2004ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.). Em um diálogo de ataque e defesa, a atenção ao próprio corpo, ao corpo do outro, e também ao corpo do coletivo, que responde ao canto e embala o jogo, é exercitada na roda compartilhada por todos.

Essa coleção de saberes, somada à inerente força de resistência social da capoeira, vem sendo motivo de pesquisa em diversas áreas de conhecimento11 10 O termo vadiar é usado como sinônimo de brincar, jogar, dançar de forma livre, descompromissada, lúdica e teatral. Termo muito utilizado pelos praticantes (o/a capoeira); no mesmo sentido daquele utilizado nas rodas de Samba, e em outras manifestações populares, onde se vadeia, se brinca, se samba. . Curiosamente, a primeira dissertação de mestrado escrita sobre a capoeira foi na área da Dança, e em língua inglesa, por Eusébio Lobo da Silva (Mestre Pavão), sob a orientação da inovadora Katherine Dunham, em seu centro de formação profissional nos EUA (Ferraz, 2017FERRAZ, Fernando M. C. Eusébio Lobo: caminhos abertos na diáspora. In: ENCONTRO CIENTÍFICO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA, 5., Natal, 2017. Anais [...] Natal: ANDA, 2017. P. 920-944.; Silva, 1980SILVA, Eusébio Lobo da. Cappoeira. 1980. Dissertação (Mestrado em Dança) - The Katherine Dunham School of Arts and Research, East St. Louis, 1980.). 25 anos depois, ele defendeu sua tese de livre-docência com o mesmo tema, explicitando o corpo estético na/da capoeira e discutindo suas amplas possibilidades:

Antigamente, o lugar da capoeira era unicamente o espaço aberto: da rua, do fundo do quintal, da festa de largo. Esses espaços […] continuarão a alimentar, a fornecer grandes mestres, pois, no momento que deixarem de existir, provavelmente a capoeira será outra. […] Chegamos a um momento da capoeira em que temos mais praticantes em academias do que nos espaços originais da sua prática. Um novo espaço cheio de novos estilos, interpretações ou reinvenções. Com essa nova realidade, a capoeira disfarça-se, agora, em esporte, educação, terapia e, inclusive, material teórico, como neste caso. Mesmo assim, continua a cumprir seu papel primordial de aproximar os homens de sua essência (Silva, 2008SILVA, Eusébio Lôbo da. Introdução ao estudo do corpo na capoeira. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008., p. 20).

Segundo Mestre Pavão, a capoeira ginga12 11 Uma revisão ampliada da bibliografia produzida até a última década se encontra em Stotz (2010). , desvia, balança, disfarça-se e adentra novos meios, permeia novas culturas, mas permanece ligada a suas origens. A sabedoria gingada, sabedoria popular, resiste e se afirma em corpos que adentram pelas frestas também os espaços da dita sabedoria letrada, assim como fez Mestre Pastinha há quase um século, ao atuar como um de seus grandes propagadores junto a artistas e intelectuais13 12 A palavra ginga se refere ao balanço corporal, movimento base da Capoeira, onde se anda sem sair do lugar: a partir dos pés paralelos, a base, move-se lateralmente levando um passo para trás, com os braços alternados em relação às pernas; logo se retorna para o centro, a base, e se repete esse mesmo deslocamento para o outro lado. Variando consideravelmente de um grupo/linhagem a outro, na Capoeira Angola é a fonte dos movimentos de ataque e defesa/fuga, um passo com balanço que tenta ludibriar e envolver o camarada pelo jogo de corpo, para melhor aplicar/defender um golpe. Também se refere à forma do andar: leve, ondulante, livre, e à finta, o jogo de corpo, que precede um drible no futebol. Para uma maior análise do termo e seu histórico, vide os estudos de Cristina F. Rosa (Rosa, 2015), Silva e Falcão (2021) e também de Höfling (2019). .

Transdisciplinar por essência, a capoeira traz a luta em uma coreografia social multifacetada de resistência corporal e política. Capoeiristas são brincantes que fazem sua própria música e sua dança, que fazem seus instrumentos, ensinam e divulgam sua arte, que lutam, na cena e na vida. Com sua ginga, a capoeira adentra espaços e permite que Norte e Sul dialoguem, misturem-se e possibilitem aos seres humanos serem realmente mais humanos, aproximando-se e abraçando as suas diferenças. A capoeira nos capacita para o combate na roda, em diálogo corporal com um camarada, o outro jogador, e nisso nos capacita para a vida: uma tentativa de aproximar o ser humano de si mesmo, como colocado acima por Mestre Pavão.

A ação da capoeira em vários aspectos da vida é parte do relato de qualquer capoeirista, e cada vez mais tem sido estudada também com relação a ações de conscientização e combate ao racismo e à misoginia, na luta feminista, no acolhimento e socialização de refugiados e populações de risco, na educação especial, só para citar alguns campos de estudo. Não se pretende aqui tratar de todos esses temas, mas cabe pontuar um: a movimentação para a (auto)consciência da negritude e do privilégio branco. Mestre Jogo de Dentro conta que foi a Capoeira Angola que deu início a esse processo em sua vida: “Não foi a necessidade de brigar” que o levou para capoeira, mas sim “[...] a vontade de resgatar valores históricos, como negro e afro-descendente”, uma vontade de entender o “sofrimento e descaso com a cultura do negro” (Santos, J.E., 2020SANTOS, Jorge Egídio dos. Jogo de Angola: vida e obra (Life and work) / Mestre Jogo de Dentro. 2. ed. Salvador: Ed. do Autor, 2020. Disponível em: https://www.kobo.com/us/en/ebook/jogo-de-angola-mestre-jogo-de-dentro Acesso em: 02 nov. 2020.
https://www.kobo.com/us/en/ebook/jogo-de...
, p. 17).

Araújo (Mestra Janja) também relata que, sendo uma negra em família de brancos, descobriu cedo o racismo, vivendo experiências de não-lugar até conhecer a Capoeira Angola no último ano do curso universitário de Educação Física, o que a levou a abandonar o curso e prestar vestibular para História. Ela relata que a Capoeira Angola foi o espaço de sua maior formação intelectual, que a despertou para a história da África e dos africanos no Brasil; que trouxe um “[...] renascimento para um mundo novo em que era possível conciliar atividades corporais, agora um outro corpo, um corpo com história, com ancestralidade, com espiritualidade e não inimiga de todas estas coisas” (Nogueira, 2013NOGUEIRA, Simone Gibran. Psicologia crítica africana e descolonização da vida na prática da Capoeira Angola. 2013. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2013., p. 164).

Semelhante potencial de conscientização aparece também dentro da população não-afrodescendente - na conscientização de seu relativo privilégio na atual sociedade (Nogueira, 2007NOGUEIRA, Simone Gibran. Processos educativos da Capoeira Angola e construção do pertencimento étnico-racial. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007.). Simone G. Nogueira (2007)NOGUEIRA, Simone Gibran. Processos educativos da Capoeira Angola e construção do pertencimento étnico-racial. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007., psicóloga e capoeirista, fez a pesquisa de seu mestrado no ambiente universitário, que ela considera hostil e adverso à cultura afro-brasileira, e concluiu que, mesmo que ainda não reconhecida como parte igualmente importante na formação dos cidadãos e profissionais, a Capoeira Angola opera como uma pedagogia antirracista, dando apoio coletivo aos estudantes (Nogueira, 2007NOGUEIRA, Simone Gibran. Processos educativos da Capoeira Angola e construção do pertencimento étnico-racial. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2007.). Também Ansel J. Courant (2018)COURANT, Ansel Joseph. Conscientização branca em espaços de Capoeira: percepções de privilégio entre brancos que convivem com negros. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., em seu mestrado, estudou os efeitos da participação na capoeira para o posicionamento de pessoas brancas em relação à identidade racial, racismo, antirracismo e privilégios. Ele conclui que a capoeira, ao promover a “convivência entre pessoas de diferentes lugares de fala e experiências de vida”, atuou no processo de mudança de consciência de todos os entrevistados em sua pesquisa, e que em alguns casos foi o fator principal para mobilizar a “conscientização sobre os privilégios e o processo de entender-se enquanto ser racializado” (Courant, 2018COURANT, Ansel Joseph. Conscientização branca em espaços de Capoeira: percepções de privilégio entre brancos que convivem com negros. 2018. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 217).

A consciência do ‘privilégio branco’ e a necessidade de agir dentro das instituições pelo reconhecimento das contribuições da cultura afro-brasileira são impulsionadas dentro das comunidades envolvidas nessas manifestações, como bem coloca Mestre Plínio14 13 Ver Acuna (2017), Assunção (2004) e Höfling (2019). : “O branco precisa reconhecer o privilégio, e dar voz as comunidades: quem é que contribui? [É] o terreiro de matriz africana: o lugar verdadeiro da cultura e de emancipação popular” (Santos, P.C.F., 2020SANTOS, Plínio César Ferreira dos. Rodas de Debates (2020) - Branquitude na Capoeira. UFPI TV, Teresina, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pxl2uhJ2Vmg Acesso em: 05 nov. 2020.
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).

Essa conscientização da questão racial, que leva ao reconhecimento da contribuição da cultura popular afro-brasileira na organização social e à luta antirracista, é hoje demandada pelos próprios estudantes, que clamam o reconhecimento da cultural afro-brasileira na formação em Artes da Cena. Tal conscientização nos leva a questionamentos que podem ser resumidos nas indagações já feitas por Reis e Rodrigues (2019)REIS, Monique Priscila A.; RODRIGUES, Tatiane Cosentino. Relações étnico-raciais na formação de professores/as de teatro. Perspectiva, v. 37, n. 2, p. 499-520, 2019.: “[…] quantos professores universitários vão passar pela vida acadêmica e trabalhar com estudantes sem ter este despertar para a temática étnico-racial? E quantos estudantes […] passarão pela formação de professores(as) sem ter contato com a temática?”. É nessa lacuna que pode bem atuar a Capoeira Angola, pois “[…] em seu emaranhado complexo, humano, contraditório, a Capoeira apresenta-se como uma potência de transformação, de educação inclusiva, questionadora, libertadora e que valoriza a diversidade” (Machado, 2012MACHADO, Sara Abreu da Mata. Saberes e Fazeres na Capoeira Angola: a autonomia no jogo de Muleekes. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012., p. 230).

Vem jogar mais eu - A Capoeira Angola e as Artes da Cena

As habilidades desenvolvidas com a prática da Capoeira Angola podem ser amplamente utilizadas para o treinamento e a criação artística para a cena. Como será visto nos depoimentos, na próxima seção, a capacidade para o jogo, para prontidão e improviso com fluidez e a presença de cena são os principais pontos notados pela maioria dos alunos. Antes, trazemos um pouco do que já foi desenvolvido por outros pesquisadores.

A capoeirista, atriz e pesquisadora Evani T. Lima, em seu trabalho de treinamento do ator, argumenta que a Capoeira Angola é uma ferramenta que possibilita a autoexpressão e o desenvolvimento de elementos essenciais como “[…] equilíbrio, força, flexibilidade, atenção, vitalidade, ritmo, controle de movimentos, além de contemplar espaços para interações subjetivas, espontaneidade, e improvisações” (Lima, 2002LIMA, Evani Tavares. Capoeira Angola como treinamento para o ator. 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Dança e Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002., p. 31). Lima mostra a potência da utilização da Capoeira Angola no treinamento do ator ao explorar seus elementos para fortalecer aspectos importantes para a atividade cênica. Ela analisa as relações entre os elementos da Capoeira Angola, identificados nas linhas acima, e elementos das grandes escolas do teatro ocidental. Para sua comparação entre o potencial da Capoeira Angola e uma epistemologia ocidental das Artes da Cena, Lima se utiliza da antropologia teatral de Eugênio Barba, e destaca seus elementos em conversa com os elementos próprios da capoeira, dentre os quais destacamos alguns a seguir. A ambivalência do treinamento do ator, em que a incoerência do corpo não-cotidiano circula junto com a organicidade, chamada por Barba de Coerência Incoerente, é ferramenta sempre presente na capoeira: ao mesmo tempo codificada e improvisada, seu jogo possibilita que se conduza “o corpo às disposições extraordinárias” em “conformações absolutamente orgânicas” (Lima, 2002LIMA, Evani Tavares. Capoeira Angola como treinamento para o ator. 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Dança e Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002., p. 102). Outro elemento determinante para o estado de presença em cena, e sempre ativo no corpo do capoeira, é o equilíbrio, ou antes, da eminente ameaça de perda deste, da mudança de apoios em re-arranjo permanente das tensões do corpo: “[...] uma situação de precariedade, [que] faz pensar que não existe equilíbrio ou gravidade nenhuma” (Lima, 2002LIMA, Evani Tavares. Capoeira Angola como treinamento para o ator. 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Dança e Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002., p. 106), i.e., que o corpo domina seus movimentos, ainda que aparentemente cambaleante. Há ainda o que Lima chama de “oposição”: a “negação do gesto como premissa, seja para ampliá-lo, destacá-lo ou escamoteá-lo” (Lima, 2002LIMA, Evani Tavares. Capoeira Angola como treinamento para o ator. 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Dança e Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002., p. 111); negação que pode ser observada na Capoeira Angola no movimento da negativa, a defesa fundamental, e na capacidade do capoeira de negacear, confundir seu oponente no jogo com blefes e picardias.

Daves Otani, outro capoeirista, ator e pesquisador, que também utilizou a prática da Capoeira como matriz para sua criação cênica e treinamento, indica-a como uma ferramenta que possibilita “refletir sobre possíveis processos limitadores da compreensão da personagem”, e que amplia sua “compreensão do sentido de jogo […] no fazer teatral” (Otani, 2005OTANI, Daves. O ator em jogo. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005., p. 5). Essa compreensão do jogo, da tensão das relações em improviso, talvez seja a maior ferramenta para o ator em treinamento, como veremos nos depoimentos mais a diante.

Esses trabalhos de treinamento e de criação artística, como os descritos por Lima (2002)LIMA, Evani Tavares. Capoeira Angola como treinamento para o ator. 2002. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Escola de Dança e Teatro, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002. e Otani (2005)OTANI, Daves. O ator em jogo. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005., resultaram de experiências pessoais, desenvolvidas além das possibilidades fornecidas pela academia. É o artista que, individualmente já tendo proximidade com a Capoeira, utiliza-a posteriormente como base para sua criação e treinamento. Quão mais intenso não seria o uso da capoeira nas Artes da Cena se ela fosse parte do currículo acadêmico no Brasil? Quão ricas seriam as trocas de saberes se a capoeira fosse disciplina obrigatória nos currículos de teatro e dança?

A capoeira, no entanto, é raramente utilizada institucionalmente na formação discente no ensino superior no Brasil. Dificilmente é encontrada como carga horária didática incorporada aos programas de curso, em nível similar a outras disciplinas, como o balé clássico, o teatro europeu/ocidental ou mesmo as artes marciais da Ásia. Como bem expõe Bruno A. Andrade, ao estudar especificamente os casos das escolas primárias e secundárias, públicas e particulares, a exclusão das práticas afrorreferenciadas evidencia o racismo estrutural ainda presente, uma “violência fria […] que se manifesta com a ausência ou subalternização dos mestres e professores de capoeira nestes espaços” (Andrade, 2016ANDRADE, Bruno Amaral. A Arte do Jogo nas Escolas - A capoeira em diferentes espaços educacionais brasileiros. 2016. Tese (Doutorado em Pós-colonialismos e Cidadania Global) - Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016., p. 238). Essa mesma ausência ou subalternização de práticas afrorreferenciadas também é evidente nas universidades no Brasil. Quando se faz presente, a capoeira é na maioria das vezes parte de programas extracurriculares, como atividade exótica e pontual, sempre com a “[...] prevalência de uma relação de subalternização […] marcada pela hegemonia da esportivização e da folclorização” (Andrade, 2016ANDRADE, Bruno Amaral. A Arte do Jogo nas Escolas - A capoeira em diferentes espaços educacionais brasileiros. 2016. Tese (Doutorado em Pós-colonialismos e Cidadania Global) - Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2016., p. ix).

Essa conclusão confirma os argumentos de Araújo (2004)ARAÚJO, Rosângela Costa. Iê, viva meu mestre - a Capoeira Angola da ‘escola pastiniana’ como práxis educativa. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004., de que é preciso desfazer o papel exótico e demonstrar o papel pedagógico e educativo da Capoeira Angola, também no que tange ao ensino superior. É preciso considerar essa arte marcial afro-brasileira como epistemologia, nos corpos que a fazem, e tê-los como agentes de conhecimento também dentro da universidade. Muitas vezes, a abertura universitária a esses saberes populares corporificados se dá, ainda, via certa apropriação disfarçada de inclusão; com uma visão neocolonial, o portador idealizado da cultura é tratado como como um acervo estático, incapaz de inovação ou criação - qualidades reservadas somente aos artistas e estudiosos acadêmicos (Höfling, 2016HÖFLING, Ana Paula. Pedagogia dos Possuídos: repensando o método Bailarino - Pesquisador - Intérprete (BPI) no ensino da dança no Brasil. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 287-308, 2016.). É uma clara marca de um colonialismo que, dando continuidade ao seu antecedente histórico, ainda está presente nos currículos universitários das Artes da Cena; estes trazem a cultura europeia-ocidental como norma, como as bases para a inovação e o virtuosismo, enquanto as demais culturas, quando presentes, são consideradas como exceção, apenas como “repositórios estáticos de tradição” (O’Shea, 2018O’SHEA, Janet. Decolonizar o Currículo? Possibilidades para desestabilizar a formação em performance. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 8, p. 750-762, 2018., p. 756). As escolas de Artes da Cena no Brasil, ainda hoje, “não se debruçarem a fundo nas expressões compreendidas como culturas populares” (Silva; Falcão, 2021SILVA, Renata de Lima; FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021., p. 161); quando não o silêncio total sobre, há apenas uma disciplina para tratar o assunto de forma pontual. Ou seja, “[...] há uma dificuldade sistemática dos programas educacionais oficiais, em seus diferentes níveis, em dialogar com tais performances, o que pode ser compreendido como uma forma de racismo epistemológico” (Silva; Falcão, 2021SILVA, Renata de Lima; FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021., p. 161).

Para exemplificar o potencial cultural corporificado na prática da Capoeira Angola - tão ou mais forte que os cânones tradicionalmente já estudados e praticados na academia - e ajudar a romper com tal racismo epistemológico, trazemos a seguir alguns depoimentos.

Quem nunca viu, venha ver - depoimentos

Trechos de depoimentos das três turmas que frequentaram aulas de Capoeira Angola, dentro de disciplina eletiva do IA/Unicamp de 2017 a 2018, são apresentados a seguir, resguardando-se o real nome dos discentes, mas indicando seu curso de origem e o semestre acadêmico no momento da disciplina15 14 Plínio César Ferreira dos Santos. . Procuramos condensar alguns depoimentos, e também apresentar alguns trechos significativos que mostrem como a Capoeira Angola agiu individualmente e também na turma, ainda que após breve contato com essa arte complexa.

A percepção da proximidade entre o jogo da Capoeira e o jogo cênico é uma das primeiras constatações levantadas pela maioria dos alunos, que distinguem os evidentes exercícios de improviso, de diálogo entre a dupla e com o entorno, de prontidão e também de fluidez, como resumiu a estudante de Teatro Ana16 15 Depoimentos disponíveis na íntegra (sob requisição) em: https://doi.org/10.25824/redu/X7YGPW : “Tudo se dá nas relações […] É preciso sentir o outro e olhar no olho; nem sempre é necessário se impor. A graça do jogo é a fluidez. […] E como em toda relação a dois, quando alguém se impõe demais perde-se o equilíbrio e com ele, a fluidez” (Ana, 4º semestre, Artes Cênicas).

Essa prontidão que flui, um jogo olho no olho sem que seja necessária imposição, que possibilita um franco diálogo corporal: essa é uma marca do jogo da Capoeira Angola. Ao atacar de forma a permitir uma defesa pelo camarada, que logo vem em contra-ataque, os capoeiristas possibilitam que o jogo continue, que flua, para que ambos possam expor seu repertório, sua técnica e destreza, mas sempre em resposta ao que vem do outro. A capoeira cria um contato honesto no qual vícios de linguagem corporal, os chamados cacoetes de cena, que na maioria das vezes não funcionam, são substituídos pela presença, pelo foco no momento presente e na prontidão da relação.

Semelhante visão também foi apresentada por outros alunos, enfatizando a importância da relação verdadeira com o parceiro de jogo, necessária para vivificar a cena; para ser crível, é necessário o flerte com o caos, com o surpreendente. Os formandos em teatro, Alberto e Valter, assim descreveram essa questão: “O jogo escancara que para fluir é preciso flertar com o caos, com ele dar as mãos e vadiar: Estrategista-artista-guerreiro são o mesmo, se apoiam e intermeiam, não podem funcionar separadamente dentro da Roda”17 16 Pseudônimo, preservando o gênero declarado pelo/a discente. (Alberto, 8º semestre, Artes Cênicas).

Conforme as aulas foram caminhando, mais e mais pessoas foram se permitindo ‘puxar o tapete’ do parceiro, obrigando-o a uma resposta rápida e genuína. Isso aumentava a dinâmica da luta, criando um espaço de prontidão e ludicidade. O mesmo pode ser dito do teatro, em que quando um coletivo cria um pacto de mediocridade, ninguém se põe em risco e a cena não evolui (Valter, 8º semestre, Artes Cênicas).

Na roda de Capoeira a imprevisibilidade da mistura entre dança e luta leva à prontidão imanente. Essa vivacidade do jogo na roda propicia trabalhar com o imprevisto, com o aparente absurdo, com o desconcertante, e é algo muito valorizado pelos alunos - o jogo da Capoeira como um espelho vivo do mundo, onde caos e ordem se intermedeiam, verdades e aparências se confundem, sempre de forma a privilegiar a estética e também o ‘mistério’, aquele de ludibriar com elegância - como trazido pelas palavras de Ana e Amanda: “Os gestos da capoeira brincam com a noção de verdade. Bom capoeira é o que consegue iludir com elegância”, tão ilusório que não se duvida também de sua combatividade, e também de seus mistérios: “Jogar capoeira é disfarçar as intenções do corpo. Na capoeira, há um conjunto de sentidos/significados que instauram espaços de ritos: rituais de festejo, de louvação, de respeito às tradições e aos mistérios, etc.” (Ana e Amanda, 8º semestre, Artes Cênicas).

A questão dos ritos, tradições e signos presentes no jogo são aspectos que ficaram marcados para muitos dos alunos, e que em diversas vezes foram relacionados também com a música e o canto - o pedir proteção, o atentar para rituais de respeito e zelo, de manutenção do ambiente de combate com força e vigor, mas também com a calma e paciência necessários. Como traduziu Juliana, o ritmo e o cantar propiciariam “[...] uma espécie de ritual onde os capoeiristas vão adentrar, criando vínculo com a energia da roda, dos instrumentos e consigo mesmo, ao responder as cantigas”. E, assim como “[...] o mestre comentou: devem estar preparados para entrar em uma batalha e devem, portanto, pedir proteção” (Juliana, 4º semestre, Artes Cênicas).

A disponibilidade para o jogo, em exercício de concentração, mas com certa picardia, apareceu em alguns relatos, que observaram o crescimento dessa capacidade durante o semestre. Como descreveu Márcio: “Quando eu me divertia jogando com um colega, era incrivelmente mais fácil manter a energia” (Márcio, 4º semestre, Artes Cênicas). O exercício do jogo coletivo, da prontidão, da precisão e da rapidez de resposta - a presença de cena - foram pontuados em vários depoimentos, no que poderíamos chamar de “ampliar seu estado de presença”. Ana e Amanda, dupla já citada acima, condensaram bem também esse ponto ao dizer que, além do tônus físico, a capoeira “[…] dá consciência corporal para os artistas […], além de trabalhar constantemente com as tensões internas e estímulos externos que são provocados pelo jogo” (Ana e Amanda, 8º semestre, Artes Cênicas). Elas apresentam, em sua análise conjunta da disciplina, a seguinte conclusão:

A capoeira além de ajudar o ator a trabalhar sua presença em cena, concentração àquilo que está acontecendo, rapidez de raciocínio de ação e reação, dilatação e precisão dos movimentos, ter economia, gasto e geração de energia […], trabalha a flexibilidade, força, leveza e equilíbrio do corpo humano. Tudo isso serve para tornar a cena mais limpa e os movimentos mais objetivos. Além de desenvolver a liberdade de interpretação (Ana e Amanda, 8º semestre, Artes Cênicas).

Como elas bem resumiram, todos os elementos primordiais para o treinamento cênico - do corporal ao relacional, do coletivo e também do individual, são potencializados pela prática da Capoeira Angola.

Além dos elementos do treinamento para cena, da valorização da diversidade cultural, linguística e étnica do Brasil, a capoeira também cria novos caminhos para o entendimento e a constituição da sociedade. É certo que a academia, e sua estrutura funcional e conceitual, tão sobeja, ainda tem uma visão limitante daquilo que se convenciona chamar de cultura brasileira. No entanto, a mudança de paradigma iniciou para alguns - ou, ao menos, avizinha-se para outros - rompendo com a hegemonia eurocêntrica muitas vezes ainda predominante no ensino das Artes da Cena. Principalmente para os alunos do curso de Dança, fica evidente o pouco contato com a chamada cultura popular brasileira. Como comentado por Benedita, aluna formanda, o curso de Dança “[…] tem buscado se focar no brasileiro e suas origens, mas ainda enfatiza muito o conhecimento europeu. Foi muito importante ter uma atividade que mexia com o meu corpo de uma maneira muito diferente do que nas aulas e nas minhas experiências passadas” (Benedita, 8º semestre, Dança).

O trabalho corporal proporcionado pela Capoeira Angola - trabalhando com transposições e equilíbrios de forma bem diferente daquelas usadas pelas técnicas frequentemente ensinadas em currículos acadêmicos de Dança - é identificado como a maior contribuição em diversos depoimentos dos discentes da Dança.

O currículo de Dança, apesar de grande carga de aula em técnicas corporais, não inclui nenhuma técnica de dança brasileira específica. Também aluna de último semestre, Cassandra trouxe comentários sobre essa falta em seu depoimento como um ponto central:

Em meu curso tenho uma carga horária muito intensa em técnica corporal, isso inclui aulas de balé clássico, por exemplo. Mas com relação a alguma técnica brasileira não temos nenhuma. […] Assim como a cultura brasileira, [a capoeira] é rica de ritmo e significado e por isso não temos como aprendê-la sem cantar, dançar e conhecer seus mitos e histórias. Ensinada desta forma, exige estímulos cognitivos muito complexos e também é fiel a seu surgimento (Cassandra, 8º semestre, Dança, grifo nosso).

Essa riqueza e complexidade - que envolve várias habilidades simultâneas e cujas origens e formas de ensino são indissociáveis da formação da cultura brasileira - são passadas pelos mestres a seus alunos, discípulos que serão os futuros propagadores da arte.

As experiências vivenciadas com as visitas dos mestres, que trouxeram seus movimentos e também ensinamentos, foi marcante para vários. Indo mais além ao treinamento em si, trouxeram mensagens importantes com seus depoimentos de vida e histórias, como descrito por Gustavo e Dalila: “A experiência com Mestre Bigo foi marcada pelo seu carisma e bom humor: sua sabedoria. Ele me parecia um velho menino. Tive até a honra de ter sido convidado a cair em uma de suas malandragens: saí dela todo molhado!” (Gustavo, 4º semestre, Artes Cênicas).

Foi uma experiência muito linda a aula com o mestre [Jogo de Dentro], as palavras e as histórias que ele contou pra gente me ampliou (sic) a perspectiva que tinha da Capoeira: ‘se não estamos em paz com nós mesmos, isso no jogo da capoeira vai ser muito perceptível, porque o corpo não consegue mentir’ […]. Isso me ajudou a ser mais consciente no jeito que levava minha vida (Dalila, 4o semestre, Artes Cênicas).

Esse impacto na vida pessoal e social, excedendo o momento de dança/teatro/combate, é outra ferramenta importante da Capoeira Angola. O aspecto ancestral da Capoeira Angola foi reforçado com as palavras dos mestres, que trouxeram uma memória histórica, uma tradição de luta, sofrimento e resistência. A memória transmitida pelos corpos é indelével, estará sempre marcada, e os alunos observaram tal marca nos mestres, em seus movimentos e falas.

Na reunião semestral para avaliação da disciplina, as relações das aptidões trabalhadas na Capoeira Angola com as demais disciplinas do curso de Artes Cênicas foram discutidas pelos alunos, de forma mais direcionada por eles mesmos. Uma dessas avaliações internas bem resumiu essa discussão:

Os estudantes conseguem observar o diálogo da disciplina com as outras, como Técnicas Corpóreas: Dança I e II, Elementos Técnicos do Corpo I e II, Técnicas Circenses, Corpo e Teatralidades Brasileiras I e Improvisação: O Jogo. Ao aprender os movimentos da luta, lidamos com questões de coordenação motora, resistência, prontidão, persistência, ritmo, coordenação da respiração para poder cantar enquanto luta, e agilidade da reação do corpo em jogo com o outro. A questão do jogo foi muito mencionada, pois, assim como no teatro, na Capoeira só podemos reagir se o outro agir e não premeditar seus movimentos; o contato visual com o parceiro, estar atento e em prontidão para agir/reagir dentro do jogo, além de estar com tônus extracotidiano para lidar com a luta (4o semestre, Artes Cênicas, avaliação do grupo).

Além das aptidões físicas e de jogo, ressaltou-se também a capacidade de síntese da Capoeira Angola em esclarecer pontos teóricos e práticos das Artes da Cena - abordados em outros contextos ou disciplinas, mas que ainda haviam ficado algo abstratos, ao menos para alguns. Na prática do jogo/luta, esses pontos são exemplificados diretamente nas vivências, no contato livre com o outro jogador, permitindo abrir um novo leque de possibilidades e de reflexão, de aprendizado e pesquisa. Luis, aluno do primeiro ano, notou que

[…] a Capoeira foi se mostrando uma síntese do 2o semestre do primeiro ano de Artes Cênicas. Durante as aulas, eu tinha um resumo do que diversas outras matérias tentavam ensinar ao longo da semana. Aliás, houve questões em disciplinas ao longo do semestre que eu só fui entender por conta da aula de Capoeira. […] Um exemplo muito claro pra mim é […] a respeito do jogo cênico. […] Outro exemplo é […] integrar corpo-voz-movimento, e ampliar as possibilidades expressivas corpóreo-vocais (Luis, 2º semestre, Artes Cênicas, grifo nosso).

Luis explicou que as questões por ele citadas acima, que de início ficavam ainda em plano abstrato, foram decifradas ao longo do semestre dentro da Capoeira, que demonstrava os conceitos na prática e de forma integral. Essa integralidade do jogo cênico é encontrada pelos alunos sem que seja necessário mencioná-la; isso se dá naturalmente pelos corpos ao viverem um jogo, que é marcial e musical simultaneamente, e que exige toda atenção ao momento presente e toda capacidade corporal possível.

Toda essa potência, essa riqueza trazida pelos relatos acima advém do aprendizado realizado em um processo totalmente prático, embasado no oral e no corporal: movimentando-se individualmente e no combate em duplas. Cada indivíduo confronta seus limites e abraça seus conflitos, e também os de outrem, ampliando suas capacidades de ação - no palco e na vida. E, acima de tudo, de forma livre e prezando pela integridade física e espiritual, de si e do entorno. Para o (futuro) profissional da cena, a Capoeira Angola pode ser fonte de alimento, auxiliando na preparação individual e também coletiva, e que extrapola o contexto do jogo/luta e das atividades envolvidas por ele. Essa prática, essa ginga, essa luta-dança, que é também história e resistência cultural, é nossa semente para uma ecologia de saberes nas universidades brasileiras.

Conclusão

A partir de depoimentos originais de alunos/as, concedidos após breve contato com esse jogo/luta, buscamos reafirmar a importância da Capoeira Angola no contexto universitário - principalmente dentro dos cursos de Artes da Cena - como necessária contribuição da cultura afro-brasileira para a formação discente, capaz de mobilizar capacidades individuais e também de relação e interação em dupla e grupo. A capoeira oferece uma sabedoria corporificada, artesanal, viva e ancestral que pode complementar outras atividades já incluídas e valorizadas nos currículos de graduação. Dessa forma, semeiam-se possibilidades para uma ecologias de saberes, abrindo caminhos que incluem a sabedoria popular codificada na Capoeira Angola. Além das Artes da Cena, a capoeira é também ferramenta para ação política de acolhimento, de inclusão, e também de enfrentamento das desigualdades e injustiças sociais.

Os depoimentos dos alunos nos mostram o quanto a capoeira pode ser transformadora como parte do currículo universitário. O interesse por parte dos alunos, somado à ampla disponibilidade de mestres de capoeira em praticamente todas as cidades universitárias do Brasil, faz-nos questionar o porquê da ausência da capoeira nos currículos das universidades no Brasil. Concluímos o artigo convidando as instituições de ensino superior a repensarem o eurocentrismo dos seus currículos, pressionando para que incluam, de forma permanente e igualmente valorizada, a prática da Capoeira Angola (com a presença de contramestres/mestres de capoeira) dentro de seus cursos de graduação e pós-graduação, contribuindo tanto para o ensino das artes como para o meio universitário em geral.

Iê! 18 17 Citação a partir de Gallep (2009).

Notas

  • 1
    ‘Iê’ é interjeição de saudação, algo como ‘viva!’, utilizado para se iniciar e finalizar as rodas de Capoeira Angola: para iniciar, alonga-se a pronúncia (‘Iêeeeeee’); para finalizar, pronuncia-se curto e seco (‘Iê!’).
  • 2
    A descrição dessas disciplinas se encontra no catálogo do curso de Artes Cênicas, IA/Unicamp, disponível online: AC143 - Técnicas Corpóreas: Luta I. Introdução aos elementos técnicos de uma luta ou arte marcial enfatizando os aspectos lúdicos presentes no jogo de combate; AC243 - Técnicas Corpóreas: Luta II. Utilização de elementos do jogo de combate em situações de conflito dramático. Disponível em: https://www.dac.unicamp.br/sistemas/catalogos/grad/catalogo2022/cursos/26g/curriculo.html Acesso em: 08 nov. 2021.
  • 3
    Antônio Ambrósio dos Santos.
  • 4
    José Antônio da Silva.
  • 5
    Jacinto Rodrigues da Silva.
  • 6
    João Pereira dos Santos.
  • 7
    Jorge Egídio dos Santos.
  • 8
    Valdomiro Waciro Katsue Emori.
  • 9
    Francisco Tomé dos Santos Filho.
  • 10
    O termo vadiar é usado como sinônimo de brincar, jogar, dançar de forma livre, descompromissada, lúdica e teatral. Termo muito utilizado pelos praticantes (o/a capoeira); no mesmo sentido daquele utilizado nas rodas de Samba, e em outras manifestações populares, onde se vadeia, se brinca, se samba.
  • 11
    Uma revisão ampliada da bibliografia produzida até a última década se encontra em Stotz (2010)STOTZ, Marcelo Backes Navarro. Ritmo & rebeldia em jogo: só na luta da capoeira se dança?. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Centro de Desportos, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010..
  • 12
    A palavra ginga se refere ao balanço corporal, movimento base da Capoeira, onde se anda sem sair do lugar: a partir dos pés paralelos, a base, move-se lateralmente levando um passo para trás, com os braços alternados em relação às pernas; logo se retorna para o centro, a base, e se repete esse mesmo deslocamento para o outro lado. Variando consideravelmente de um grupo/linhagem a outro, na Capoeira Angola é a fonte dos movimentos de ataque e defesa/fuga, um passo com balanço que tenta ludibriar e envolver o camarada pelo jogo de corpo, para melhor aplicar/defender um golpe. Também se refere à forma do andar: leve, ondulante, livre, e à finta, o jogo de corpo, que precede um drible no futebol. Para uma maior análise do termo e seu histórico, vide os estudos de Cristina F. Rosa (Rosa, 2015ROSA, Cristina F. Brazilian bodies and their choreographies of identification: Swing nation. London: Palgrave Macmillan/Springer, 2015.), Silva e Falcão (2021)SILVA, Renata de Lima; FALCÃO, José Luiz Cirqueira. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021. e também de Höfling (2019)HÖFLING, Ana Paula. Staging Brazil: Choreographies of Capoeira. Middletown: Wesleyan University Press, 2019..
  • 13
    Ver Acuna (2017)ACUNA, Jorge Mauricio Herrera. Maestrias de Mestre Pastinha: um intelectual da cidade gingada. 2017. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., Assunção (2004)ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Capoeira: the history of an Afro-Brazilian martial art. London: Routledge, 2004. e Höfling (2019)HÖFLING, Ana Paula. Staging Brazil: Choreographies of Capoeira. Middletown: Wesleyan University Press, 2019..
  • 14
    Plínio César Ferreira dos Santos.
  • 15
    Depoimentos disponíveis na íntegra (sob requisição) em: https://doi.org/10.25824/redu/X7YGPW
  • 16
    Pseudônimo, preservando o gênero declarado pelo/a discente.
  • 17
    Citação a partir de Gallep (2009)GALLEP, Cristiano M. Foi agora que eu cheguei - a Capoeira Angola e o desenvolvimento humano. 2009. Monografia (Curso Livre de Fundamentação em Pedagogia Waldorf) - Sítio das Fontes, Jaguariúna, 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/34791470/Foi_agora_que_eu_cheguei_a_Capoeira_Angola_e_o_desenvolvimento_humano Acesso em: 05 nov. 2020.
    https://www.academia.edu/34791470/Foi_ag...
    .
  • 18
    Agradecimentos: às camaradas, professoras Grácia Navarro e Andrea Martini, pelo apoio e leitura do germe deste texto, com importantes sugestões, e pelo incentivo para desenvolvimento do manuscrito e por relembrarem trilhas da Capoeira na Unicamp; aos colegas revisores e ao trabalho detalhado dos editores da Revista Brasileira de Estudos da Presença, por todos os comentários, críticas e sugestões, que muito contribuíram para o amadurecimento do texto até esta versão final. Ao Mestre Jogo de Dentro, meu mestre e aqui como representante dos demais mestres, pela dedicação na preservação e disseminação da arte da Capoeira Angola; aos mestres das outras tantas artes populares do Brasil, pela resistência e perseverança em prol da cultura local e, portanto, de nossa humanidade. Aos alunos, que são, foram e serão o centro do trabalho do(a) professor(a); em especial, a Cassio Freire Breda pelo exemplo de vida (in memoriam). À Capoeira, por propiciar vida e movimento, no Brasil e pelo mundo.

Referências

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Editado por

Editora responsável: Ana Paula Hofling

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    17 Nov 2021
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