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O Habitar como Estética do Público: apontamentos sobre a prática de habitação teatral

L’Habiter comme une Esthétique du Publique: notes sur la a pratique de l’habitation thèâtrale

Resumo:

O artigo traz um recorte de uma pesquisa de mestrado na qual se propôs uma conceituação da prática de habitação teatral do grupo Teatro Público (Belo Horizonte/MG) como processo e poética da cena. Para tanto, as autoras partem aqui das estéticas ligadas ao caminhar para mapear o território da pesquisa e, em seguida, recorrem a outras práticas espaciais próximas à habitação teatral, a fim de traçar as semelhanças e diferenças que justifiquem a escolha de uma nova nomenclatura. Por fim, são delineadas algumas características da habitação teatral, como o convívio em temporalidade estendida, no intuito de pensar o habitar como estética do público.

Palavras-chave:
Teatro Performativo; Arte Pública; Práticas Espaciais; Permanência; Habitação Teatral

Résumé:

Cet article présente un extrait de la recherche d’un master dans laquelle il a eté a proposé une conceptualisation de la pratique de l’habitation théâtrale du groupe Teatro Público (Belo Horizonte/MG) en tant que processus et poétique de la scène. Pour cela, les auteurs partent ici des esthétiques liées à la marche pour cartographier le territoire de la recherche, et utilisent d’autres pratiques spatiales proches de l’habitation théâtrale pour tracer les similitudes et les différences afin de justifier le choix d’une nouvelle nomenclature. Enfin, quelques caractéristiques de l’habitation théâtrale sont décrites, comme la convivialité dans une temporalité étendue, afin de penser l’habiter comme une esthétique du public.

Mots-clés:
Théâtre Performatif; Art Publique; Pratiques Spatiales; Permanence; Habitation Théâtral

Abstract:

This article presents an excerpt from a master’s research in which the proposal was to conceptualize the practice of theatrical habitation, performed by the Teatro Público group (Belo Horizonte/MG), as both process and scenic proposition. For this purpose, the authors start from the aesthetics related to walking in order to map the theoretical field of this project, and then use other spatial practices analogous to theatrical habitation to expose their similarities and differences that justify the choice of a new nomenclature. Finally, some of the characteristics of this practice are outlined, such as the coexistence in extended temporality, as a way to think about inhabiting as an aesthetics of the public.

Keywords:
Performative Theater; Public Art; Spatial Practices; Permanency; Theatrical Habitation

O folheto trazia a seguinte instrução: ‘Mova-se pelo caminho assinalado toda sexta-feira, quando o relógio soar XVII badaladas. Você terá três horas para encontrá-los. Bom passeio e boa sorte’. Minha experiência começou ao descer na estação de metrô da Lagoinha e adentrar um bairro nunca antes visitado. Não havia um único trajeto ou destino determinado, mas vários caminhos possíveis, portanto era preciso deixar-se levar. [...] Após um tempo de caminhada [...], encontrei Comadre e Juju andando sozinhas e elas logo me cumprimentaram como antigas conhecidas. [...] Penso que essa sensação se deu [...] pela familiaridade dessas figuras idosas, que remetiam aos meus avós, e também pelo ar cotidiano com que se apresentam, em relação próxima e direta conosco e, sobretudo, com os moradores. Onde estava o teatro? Não havia cena, nem nada a ser visto. Naquele instante, o acontecimento era o nosso encontro, o espaço cênico era o bairro e estávamos inseridos nele. O caminhar, o perder-se e o encontro, tudo fazia parte da experiência estética1 1 Trecho do relato de Luciana Araújo Castro, atriz do Teatro Público desde 2014, sobre sua experiência de deriva como espectadora durante a habitação teatral Naquele Bairro Encantado. .

Figura 1
Naquele Bairro Encantado - Episódio I: Estranhos Vizinhos (2011)

Neste artigo, partimos do relato da experiência de deriva vivida por uma de suas autoras, durante a habitação teatral Naquele bairro Encantado (Figura 1), criada em 2011 pelo grupo Teatro PúblicoTEATRO PÚBLICO. Website. Belo Horizonte, 2018. Disponível em: <Disponível em: http://teatropublico.com.br/ >. Acesso em: 02 jul. 2018.
http://teatropublico.com.br/...
no bairro Lagoinha, em Belo Horizonte/MG. Tal experiência tornou-se disparadora para uma investigação sobre a prática cênica assim nomeada, uma vez que trouxe à tona deslocamentos espaciais, percepções e relações capazes de revelar os pilares dessa prática: o espaço (bairros), como ambiente vivo de relações, com sua arquitetura, história e memória; o espectador (morador e visitante), que é inserido na cena e até se percebe em estado de deriva; e, por fim, o tempo estendido, visível no grau de cumplicidade entre mascarados e moradores.

Essa investigação gerou uma dissertação de mestrado, Sobre o habitar e um teatro que habita: a habitação teatral como processo e poética da cena2 2 A pesquisa foi defendida por Luciana Araújo Castro (2019), sob orientação de Nina Caetano. , defendida em 2019 no Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto (PPGAC-UFOP), na qual foi proposta uma conceituação para a prática de habitação teatral, a partir do acompanhamento da experiência artística do grupo nos bairros da capital mineira, onde desenvolve suas criações. O presente artigo, por sua vez, traz um recorte em que se destaca o percurso teórico do conceito de habitação teatral como processo e poética da cena, de modo a contextualizar essa prática no campo da arte, por meio de um panorama que abrange desde os procedimentos de vanguardas do século XX até a arte contemporânea, na qual está inserida.

As habitações teatrais Naquele Bairro Encantado (2011) e Saudade (2014) foram realizadas por meio de deambulações das personagens por espaços públicos e estabelecimentos comerciais dos bairros Lagoinha e Saudade, respectivamente, de forma processual e em ação direta com a espacialidade e os moradores. Na primeira, um grupo de atores e atrizes, mascarados de velhos, aluga uma casa na Rua Ibiá, 183, e começa a habitar a região. Ali permanece durante 9 meses, desenvolvendo ações cotidianas tais como caminhar, sentar na praça e comprar pão. Após alguns meses, os mascarados passam a realizar serenatas para os moradores do bairro e, ao final do processo, abrem as portas da casa da Rua Ibiá para receber visitas3 3 As caminhadas, serenatas e a visitação a casa foram divulgadas para o público externo em forma de três episódios. Vídeo do Episódio I disponível no link: <https://vimeo.com/137833155>; Episódio II disponível no link: <https://vimeo.com/137995914> e Episódio III disponível no link: <https://vimeo.com/133164493>. . Já na segunda habitação, inspirada na obra A morte e a morte de Quincas Berro d’água, do escritor baiano Jorge Amado, lambe-lambes de desaparecido são espalhados pelo bairro Saudade, noticiando o sumiço de um morto nos arredores do cemitério local. Dias depois, um grupo de atores e atrizes mascarados com véus caminha, silenciosamente, em volta do Cemitério da Saudade à procura do corpo de um familiar falecido. Posteriormente, atores e atrizes, mascarados de bêbados, carregam um corpo e instrumentos musicais pelas ruas do bairro, parando de bar em bar para beber e tocar sambas em uma última despedida4 4 A experiência foi divulgada ao público em um formato de três horas de duração. Vídeo de registro disponível no link: <https://vimeo.com/139649135>. Vídeo de entreato disponível no link: <https://vimeo.com/133160534>. .

Em ambas as experiências não havia ensaio prévio, apenas alguns dispositivos que funcionavam como pontos de partida, tais como: ir ao mercado, procurar a casa, dar uma volta no cemitério ou encontrar um bar. Nas serenatas realizadas durante a noite, em Naquele Bairro Encantado, mesmo quando acompanhadas do público externo ao bairro, não havia um trajeto pré-determinado: a indicação do diretor de ir “para onde o vento levar” conservava a essência experimental da deriva, cuja finalidade era a “sua própria existência em jogo” (IS, 1959, n. 3 apud Jacques, 2003JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Prefácio: Carlos Roberto M. de Andrade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003., p. 105). Em Saudade (Figura 2), os bêbados mascarados saíam com o morto em busca de bares, sem determinar em qual estabelecimento ficar, de forma que as próprias circunstâncias espaciais, temporais e relacionais conduziam as escolhas. Como explica Guy Debord (2015DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.), aqueles que se dedicam à deriva “[...] estão rejeitando, por um período mais ou menos longo, os motivos de se deslocar ou agir que costumam ter com os amigos, no trabalho ou no lazer, para entregar-se às solicitações do terreno e das pessoas que nele venham a encontrar” (1958, IS n. 2 apud Jacques, 2003, p. 87).

Figura 2
Segunda temporada do Saudade (2016)

O caminhar, como um dos procedimentos da habitação teatral, está presente desde o primeiro contato dos atores e atrizes com os bairros, orientado por práticas de deriva em que recolhem as primeiras impressões e mapeiam os espaços; estendendo-se também ao momento em que figuras mascaradas começam a habitar seu cotidiano e se relacionar com os moradores, e até mesmo na experiência do espectador-visitante, que também é colocado em deriva ou percurso quando chega ao bairro. Para além de um simples instrumento de pesquisa e criação artística, o caminhar mostra-se, nesse processo, como uma experiência prática capaz de alterar a percepção do ator sobre o cotidiano. De certa forma, as primeiras atividades deambulatórias já traziam princípios que iriam, posteriormente, reger a forma de habitar o bairro, como a presença, a disponibilidade e a interação com o contexto.

Assim, a prática da habitação teatral propõe relações pouco usuais com o espaço urbano e o espectador, ao experimentar a linguagem do teatro imbricada no cotidiano por meio de um trabalho que envolve uso de máscaras, ocupação de espaços, intervenção urbana, deriva e alguns princípios da performance como motores para a criação. A ausência do treinamento em sala de ensaio, de partituras corporais definidas, cenas ou textos memorizados, revela uma prática que não distingue precisamente o processo de criação da apresentação, uma vez que a experiência se desenha ao vivo. Por esse motivo, buscamos pensar as habitações teatrais realizadas pelo Teatro Público a partir da chave da experiência-ação. Isso porque o caráter experimental e vivencial da palavra experiência, quando se soma à ideia de acontecimento, ajuda-nos a localizar a arte num espaço em que processo e poética coexistem. Aqui, nos aproximamos da reflexão trazida pela performer e pesquisadora Eleonora Fabião (2008FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, v. 8, p. 235-246, nov. 2008., p. 237), quando afirma que “[...] longe de um exercício, prática preparatória para uma futura ação, a experiência é a ação em si mesma”.

É neste aspecto, deslocado da convenção de espetáculo fechado, da separação entre palco e plateia, ensaio e apresentação, processo e produto, e conectado à ideia de acontecimento, do vivo e do vivido, que o teatro pode ser entendido como experiência-ação, aproximando-se de estratégias situacionistas, performativas e contextuais, de modo que a prática do Teatro Público tratada aqui, assim como de outros artistas e coletivos contemporâneos, perpassa um território experimental e poroso. Por trás disso, o que se apresenta é um percurso de rupturas com os paradigmas tradicionais da obra de arte, ao longo do século XX, que desenhou o surgimento de trabalhos cada vez mais híbridos e novos modos de produção e percepção artísticos. Nessa perspectiva, podemos situar a prática de habitação teatral em um campo expandido, fruto de um processo de desfronteirização das artes (Fernandes, 2018FERNANDES, Silvia. Teatralidade expandida em contexto brasileiro. Sala Preta , São Paulo, v. 18, n. 1, p. 6-34, 30 jun. 2018.). Mas quais seriam as fronteiras de que trata Silvia Fernandes? Como esse processo de desfronteirização reverbera na cena contemporânea? Partindo dessas questões, a seguir apresentamos como o caminhar teve papel fundamental para a expansão das fronteiras artísticas.

Caminhar para Expandir Fronteiras

“Cidadãos de todos os países, derivem! Dissolvam as fronteiras e destruam os muros de todos os tipos” (Andrade apud Jacques, 2003JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Prefácio: Carlos Roberto M. de Andrade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003., p. 11). Essas são as palavras de ordem que iniciam o prefácio do livro Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade, organizado por Paola Berenstein Jacques. Nesse trecho, a referência direta ao célebre desfecho do Manifesto Comunista de 1848 - “Proletários de todos os países, uni-vos!” (Marx; Engels, 2006MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista de 1848. 2. ed. Tradução: Klaus Von Puschen. São Paulo: Centauro Editora, 2006., p. 92) - torna inevitável uma conexão com o desejo de ruptura a partir de uma experiência coletiva.

O projeto de transformação da sociedade, impulsionado por Marx, reverberou, aproximadamente um século após a primeira edição do Manifesto Comunista, nas ideias e práticas trazidas pela Internacional Situacionista, coletivo formado por artistas e pensadores cujo objetivo era a “participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social, principalmente no da cultura”, a fim de vencer “a alienação e a passividade da sociedade” (Jacques, 2003JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Prefácio: Carlos Roberto M. de Andrade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003., p. 13). Certos de que uma mudança efetiva só seria possível mediante atitudes concretas e por considerarem o “meio urbano como terreno de ação” (Jacques, 2003, p. 13), os situacionistas já propunham, desde o final da década de 1950, outras formas de experimentar a cidade, ficando conhecidos, sobretudo, pela prática e teoria da deriva5 5 A deriva foi definida pela Internacional Situacionista como uma “técnica de passagem rápida por ambiências variadas” (IS, n. 1, 1958 apud Jacques, 2003, p. 65). .

De acordo com Paola Jacques, os situacionistas defendiam que, a partir da “construção de situações”6 6 “Momento da vida, concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos” (IS, n. 1, 1958 apud Jacques, 2003, p. 65). , os cidadãos se tornariam sujeitos participantes da sociedade ou, nas palavras da autora, passariam de “[...] simples espectadores a construtores, transformadores e ‘vivenciadores’ de seu próprio espaço, isso sim impediria qualquer tipo de espetacularização7 7 A noção de espetacularização da sociedade, que aparece nas discussões situacionistas, vai se aprofundar, cerca de 15 anos após o surgimento da Internacional Situacionista, com o conceito de Sociedade do Espetáculo, desenvolvido por Guy Debord (1997) (um dos membros da IS). urbana” (Jacques, 2003, p. 20). Embora a Internacional Situacionista apresentasse uma atitude de “negação” ou “superação da arte” problematizada por Bourriaud (2009BOURRIAUD, Nicolás. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 26), é incontornável considerar sua participação na mudança de paradigma que acometeu a arte do século XX, com práticas e procedimentos que permitiram alterar os parâmetros artísticos vigentes. Nesse sentido, o que a perspectiva situacionista parecia sugerir era que somente quando as diversas propostas artísticas se voltassem para o espaço urbano e começassem a dissolver as fronteiras entre arte e público, a ideia de espetáculo - configurado tradicionalmente pela separação entre ator e espectador - deixaria de existir. Em alguma medida, o projeto situacionista foi retomado e atualizado pela arte relacional (Bourriaud, 2009) dos anos 1990, reconciliando as ideias de Debord com “o mundo da arte” (Caballero, 2016CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares (teatralidades, performances e políticas). Tradução: Luis Alberto Alonso e Angela Reis. 2. ed. Uberlândia: EDUFU, 2016., p. 46).

Cabe lembrar que os situacionistas não foram os primeiros a se voltarem para o espaço público e a errância. Francesco Careri, em Walkscapes: o caminhar como prática estética (2016CARERI, Francesco. WALKSCAPES O caminhar como prática estética. Prefácio: Paola Berenstein Jacques. Segundo prefácio: Gilles Tiberghien. Tradução: Frederico Bonaldo. São Paulo: Editora G Gilli, 2016.), faz um traçado da história do caminhar desde os nômades, quando aliava-se à necessidade de sobrevivência, até o século XX, momento em que ganha status de prática estética.

De acordo com Careri, nas excursões dadaístas e derivas surrealistas realizadas em 1921, transitar pelos espaços públicos foi experimentado como forma de confrontar a ideia de representação e o sistema da arte vigente. Posteriormente, na década de 1950, as experiências desenvolvidas pelos situacionistas criticaram e intensificaram esse pensamento em direção à tentativa de modificar o comportamento da sociedade. Se, para o autor, “[...] a passagem ‘das salas de espetáculos ao ar livre’ foi o primeiro passo de uma longa série de excursões, deambulações e derivas que atravessaram todo o século como forma da antiarte” (Careri, 2016, p. 71), salientamos que esse pontapé inicial vai desencadear não apenas trabalhos relacionados ao caminhar, mas também uma infinidade de propostas artísticas que passam a ver nos espaços do cotidiano seu horizonte de experimentação. De maneira geral, o que as derivas do início do século XX impulsionaram, ao contrapor-se aos espaços controlados das instituições, foi uma atitude de abertura e escuta para o mundo, que vai desembocar nas práticas ditas contextuais (Ardenne, 2006ARDENNE, Paul. Un Arte Contextual: creación artistica en medio urbano, en situación, de intervención, de participación. Murcia: Cedeac, D. L., 2006.).

Das vanguardas às neovanguardas, entre 1920 e 1970, são diversas as fronteiras que se rompem e diversas as possibilidades artísticas que surgem da exploração de espaços distintos daqueles considerados próprios para abrigar arte (museus, galerias, edifícios teatrais): happenings, instalações, land-art, intervenções urbanas, site-specific, entre outras. A esse conjunto de práticas que nascem da ruptura com os espaços instituídos, em busca de uma relação direta com a realidade, Paul Ardenne denominou como arte contextual.

O conceito reúne “[...] todas as criações que se ancoram nas circunstâncias e se mostram desejosas de ‘tecer com’ a realidade”8 8 Texto original: “todas las creaciones que se anclan en las circunstâncias y se muestran deseosas de ‘tecer con’ la realidad”. (Ardenne, 2006ARDENNE, Paul. Un Arte Contextual: creación artistica en medio urbano, en situación, de intervención, de participación. Murcia: Cedeac, D. L., 2006., p. 15, tradução nossa). Devido a seu caráter circunstancial, a arte contextual depende das condições espaciais, temporais e relacionais, conforme explicita o autor. Desse modo, ela está nas intervenções urbanas, quando os artistas abandonam os espaços que fazem a mediação artística para se inserirem no mundo; na arte site-specific, em que a obra/situação toma o contexto como horizonte de experimentação; nas performances, que procuram se distanciar das ideias de simulacro e representação em busca de uma estética da presença, no aqui e agora da arte como acontecimento; nas derivas e práticas deambulatórias, em que o artista abre mão do controle para se colocar em estado de exploração e aventura; e nas artes relacionais e participativas, que buscam estreitar as relações entre artista e público, reposicionando o lugar do espectador como criador, para citar alguns exemplos.

Apesar da abrangência do conceito apresentado por Ardenne, que abarca poéticas muito distintas, é o deslocamento dos espaços controlados em direção aos espaços do real o aspecto que une os trabalhos contextuais e marca uma mudança de paradigma na arte: o fim da obra de arte autônoma. Para ele, quando a arte perde o status de objeto e assume o caráter de acontecimento, o espectador sai da posição de observador para estar em situação. Com isso, a relação entre arte e público se torna cada vez menos contemplativa e mais participativa, desfazendo a ideia de obra de arte autônoma e reposicionando a arte na esfera pública.

Paralelamente às artes visuais, também as estruturas seculares sedimentadas pela tradição teatral - como o palco italiano, a divisão palco-plateia e as convenções representacionais - são desestabilizadas, permitindo ao teatro se aventurar por outros espaços e explorar novas formas de produção e recepção. Tal movimento é perceptível em diferentes lugares do mundo: com o teatro pobre de Jerzy Grotowski, o teatro da morte de Tadeusz Kantor e os teatros do real de Maryvonne Saison, na Europa; com o teatro do oprimido de Augusto Boal e o Teatro Oficina de Zé Celso, no Brasil, e com o teatro ambiental de Richard Schechnner, nos Estados Unidos. Assim, o teatro contemporâneo tem ocupado cada vez mais espaços cotidianos, como igrejas, hospitais e vilas, a exemplo do Teatro da Vertigem e do Grupo XIX, de São Paulo, para citar dois grupos brasileiros já consagrados que são referências de experimentação teatral no espaço urbano, além do Teatro Público, nosso objeto de pesquisa, que se dedica à prática de habitação teatral em bairros de Belo Horizonte.

A esta altura, já é possível perceber que abordar os diferentes usos e ocupações dos espaços públicos é uma tarefa extensa e as possibilidades se mostram um tanto quanto inesgotáveis. Das artes visuais às artes cênicas, incluindo as poéticas híbridas, a ideia de um trabalho que rompa com as fronteiras do edifício teatral ou da galeria, em busca de novas relações entre arte e público, não é recente, mas herdada dos movimentos artísticos do século XX. Em vista disso, percebemos que o processo de desfronteirização das artes, a partir do qual iniciamos esta reflexão, é tão concreto quanto subjetivo, pois se refere tanto à destruição das fronteiras físicas do espaço institucional em direção ao espaço público, iniciada pelo caminhar, quanto às fronteiras que separam obra de arte e público, artista e espectador, processo e resultado, representação e presença, arte e vida. Se por um lado é possível identificar, na segunda metade do século XX, uma virada contextual nas artes, efeito do deslocamento para o espaço público, por outro, há um “giro performativo” (Fischer-Lichte, 2011FISCHER-LICHTE, Erika. Estética de lo Performativo. Madrid: Abada Editores, 2011.), impulsionado pelos happenings, que, como o próprio nome sugere, concedeu à arte o status de acontecimento.

Pensar o teatro por intermédio da perspectiva de acontecimento vai ao encontro do que Josette Féral (2015FÉRAL, Josette. Além dos Limites: Teoria e Prática do Teatro. Tradução: J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2015.) chama de teatro performativo, na tentativa de buscar outros parâmetros para refletir sobre as práticas cênicas contemporâneas que surgiram sob influência das artes da performance. Para ela, o teatro performativo “aspira a produzir evento, acontecimento”, pois “se distanciou da representação” (Féral, 2015, p. 131). Num contexto em que o modelo dramático - marcado pela primazia do texto e pela ideia de representação - mostra-se insuficiente, é o caráter processual e eventual, aberto ao risco do imprevisível, que caracteriza a noção de teatro performativo, dentre outros elementos. Conforme afirma Féral (2015, p. 124): “[...] a escrita cênica não é mais hierárquica e ordenada; ela é desconstruída e caótica, ela introduz o evento, reconhece o risco. Mais que o teatro dramático, e como a arte da performance, é o processo, ainda mais que o produto, que o teatro performativo coloca em cena”.

Segundo a pesquisadora Ileana Diéguez Caballero (2016CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares (teatralidades, performances e políticas). Tradução: Luis Alberto Alonso e Angela Reis. 2. ed. Uberlândia: EDUFU, 2016., p. 19), durante o século XX “a teatralidade começou a variar sua arquitetura e linguagem”, diluindo os limites entre as diversas linguagens artísticas, bem como entre as esferas da arte e da vida, o que explica o surgimento de poéticas híbridas e difíceis de serem categorizadas - problemática que se estende até hoje no cenário contemporâneo. Como efeito do movimento de expansão dos limites no campo do teatro, é possível pensar, segundo Caballero (2016, p. 177), em um teatro “transcendido”, que excede o próprio campo teatral e abarca o campo social e “ações cidadãs”. É sob esse aspecto que tomamos como nosso o interesse apresentado pela pesquisadora a respeito da condição liminar das práticas contemporâneas, condição que ultrapassa as questões puramente formais, isto é, compreendendo a “[...] liminaridade como estranhamento do estado habitual da teatralidade tradicional e como um ‘ficar perto’ da esfera cotidiana” (Caballero, 2016, p. 57-58).

A partir da discussão apresentada e da investigação sobre os procedimentos adotados pelo Teatro Público, percebemos que a prática de habitação teatral abordada aqui, ainda que pertencente ao campo de estudo das artes da cena, escapa às definições tradicionais do teatro e procura explorar estratégias de outras modalidades artísticas, sobretudo das artes visuais. Além disso, algumas tendências, como a tensão entre arte e vida e entre estética e ética, a ampliação da relação com o espectador e o caráter de risco, que afastam o teatro da tradição dramática e o aproximam da performance, estão presentes nessa prática. Desse modo, partimos da definição de “práticas cênicas”, trazida por Caballero (2016CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares (teatralidades, performances e políticas). Tradução: Luis Alberto Alonso e Angela Reis. 2. ed. Uberlândia: EDUFU, 2016., p. 16), que “tenta quebrar a sistematização tradicional e procura expressar o conjunto de modalidades cênicas - incluindo as não sistematizadas pela taxonomia teatral - como as performances, intervenções, ações cidadãs e rituais”, e caminhamos em direção a um recorte mais específico, ligado à espacialidade.

Chamaremos de práticas espaciais, com base no estudo apresentado pelo pesquisador da performance Luiz Carlos Garrocho (2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.), as diversas modalidades cênicas que possuem como elemento fundante o lugar e o convívio, incluindo nesta noção a habitação teatral, que é o foco deste artigo. Para Garrocho (2015, p. 17), as práticas espaciais tendem tanto para “uma apreensão do lugar em termos mais físicos e/ou mais contextuais” quanto para “uma visada sobre a esfera relacional, mais própria do convívio”, o que parece sintetizar os aspectos levantados até aqui. Localizado o campo teórico do trabalho, cabe agora entrar nas questões que circundam a prática de habitação teatral desenvolvida pelo Teatro Público.

Um Teatro Público e o Habitar como Estética do Público

Desde que nos propusemos a pensar o conceito de habitação teatral, sentimos a necessidade de traçar semelhanças e diferenças entre a prática espacial desenvolvida pelo Teatro Público e outras experiências com espacialidade urbana próximas a ela, como intervenções urbanas, site-specific, ocupações cênicas e até mesmo a noção de residência artística, a fim de entender e justificar a escolha do termo. Se há algo que une todas as práticas artísticas mencionadas, seria o deslocamento para espaços fora do circuito tradicional das artes, em busca de uma relação mais direta com o contexto e o espectador. Portanto, como uma prática espacial (Garrocho, 2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.), a habitação teatral não é a primeira nem a última proposição que se dá em diálogo direto com o real. Diante de tantas nomenclaturas existentes, por que trazer outro termo? Por que insistir na noção de habitar?

O Teatro Público tem um percurso marcado pela experimentação das relações e dos limites entre teatro, espaço público e espectador, por meio da investigação do potencial da ficção no cotidiano da cidade e da participação do público no acontecimento teatral. Dois traços relevantes do trabalho, iniciado em 2011 com Naquele Bairro Encantado, são a escolha de bairros para o desenvolvimento de suas criações e a ocupação de longa duração em convivência com a comunidade. Somada a isso, a pesquisa em torno da máscara também faz parte da assinatura do grupo. Ao conjugar duas referências distintas - oriundas de uma formação que passa pela tradição teatral da máscara no treinamento do ator e pelas máscaras da cultura popular brasileira -, o Teatro Público imprime um caráter particular ao seu uso, pois, inserida no cotidiano, ela apresenta um viés mais relacional e performativo, logo, menos espetacular 9 9 Embora não seja o objetivo deste artigo se debruçar sobre o uso da máscara, cabe observar que em ambas as experiências realizadas pelo Teatro Público os atores nunca revelam seus rostos. Eles portam máscaras desde o início do processo, em toda experimentação ordinária e sem um contexto ficcional demarcado de forma precisa. Os atores mascarados vivenciam o dia a dia dos bairros e se relacionam de forma direta com os moradores, de modo que as características de cada personagem, bem como as narrativas construídas, se desenvolvem processualmente e em constante negociação entre os campos do real e do ficcional. Para maior compreensão dessa questão, ver dissertação completa em: <https://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/11845>. Acesso em: 02 jun. 2019. .

Nos dois trabalhos desenvolvidos pelo grupo, a escolha de bairros de importância histórica que, no entanto, foram gradualmente empurrados pelo processo de urbanização contemporâneo para a margem e o esquecimento, teve o intuito de reativar suas memórias e a identidade local. A atitude de ocupar espaços fora dos circuitos culturais tem um impulso tanto político e social (de dar foco a lugares específicos e buscar novos públicos) quanto estético (de experimentar novas formas artísticas) e, dessa junção de interesses, surgiu uma prática específica: a habitação teatral.

Além do diálogo intenso com os lugares e seus moradores, a prática se mostrou ainda como um modo de convidar o público externo aos bairros a visitá-los, conhecer suas histórias e seu cotidiano, vivendo uma experiência de implicação física com eles - como relata a experiência de deriva citada no início deste artigo. Essa implicação dos corpos, tanto dos atores quanto do público, numa ação concreta (andar, cantar, conversar, beber), nasce da escolha por uma criação em relação direta com a realidade (a vida cotidiana do bairro), mas tem um fundo de interesse performativo e contextual que, como vimos, é herdado dos movimentos artísticos do século passado. De acordo com Ardenne (2006ARDENNE, Paul. Un Arte Contextual: creación artistica en medio urbano, en situación, de intervención, de participación. Murcia: Cedeac, D. L., 2006., p. 53), foi a partir do início do século XX, quando os artistas começaram a criticar o acesso controlado e “demasiado normativo” da arte e passaram a rejeitar os espaços instituídos, a fim de buscar novas relações com os lugares e com os espectadores, que nasceu a “arte pública”.

Não é por acaso que o grupo aqui investigado ganhou o nome de Teatro Público. Além de ser uma referência direta ao espaço público - os bairros onde acontecem suas criações - e ao seu público-alvo - os habitantes, transeuntes e visitantes - também faz parte de sua proposta pensar e fazer um teatro que tenha uma dimensão pública. Neste ponto da discussão, cabe perguntar: o que torna a arte pública? O artista Jorge Menna Barreto, em seminário sobre o tema Práticas de arte pública site-specific10 10 Disponível em: <http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=2867>. Acesso em: 02 jun. 2019. , realizado pelo Itaú Cultural em São Paulo (2009BARRETO, Jorge Menna. Práticas de arte pública site-specific. Seminário As cidades e suas margens. In: FÓRUM PERMANENTE: MUSEUS DE ARTE; ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO. Vídeo. São Paulo: Itaú Cultural, 2009. Disponível em: <Disponível em: http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=2867 >. Acesso em: 07 dez. 2018.
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), afirmou que, o que define o caráter público da arte, é a maneira como ela é feita, os procedimentos utilizados pelo artista, e não apenas uma temática pública ou o fator de acessibilidade conferido pelo espaço aberto. Para ele, “diferente da metodologia do artista que pensa primeiro sua obra e depois expõe”, a arte pública exige que o artista se coloque numa posição de escuta. Ao criar a partir do contexto dos bairros, a habitação teatral parece colocar esse aspecto em evidência, dando foco tanto às características físicas e arquitetônicas do lugar quanto às memórias e ocupações anteriores e simultâneas à proposta artística.

No início da primeira habitação teatral, quando Naquele Bairro Encantado ainda era uma pesquisa de pós-doutoramento do professor e diretor Rogério Lopes Paulino11 11 Rogério Lopes da Silva Paulino, ator e diretor de Naquele Bairro Encantado, é doutor em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pós-doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atua como professor do Teatro Universitário da UFMG. , a proposta se apresentou com o nome de Residência teatral no bairro Lagoinha: Um estudo sobre dramaturgia da improvisação a partir dos princípios cênicos das máscaras brasileiras. A princípio, a ideia de residência estava atrelada ao ato de alugar uma casa no bairro Lagoinha, que seria o ponto de partida para o trabalho. Dessa forma, além do espaço físico da casa, o deslocamento dos artistas para o bairro, a convivência com os moradores e o caráter experimental eram fatores que poderiam ser associados à noção de residência artística. Numa breve investigação sobre o termo, foi possível identificar um campo bastante abrangente, que abarca uma pluralidade de trabalhos com referências e metodologias distintas. Marcos Moraes, doutor em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), pensa a residência artística como “um espaço destinado à criação” (Moraes, 2014, p. 10) e evidencia o caráter de deslocamento do artista para outro contexto e de troca entre artistas e/ou a comunidade, que fazem da residência “uma forma contemporânea de produção” (Moraes, 2014, p. 41).

A grande maioria das residências é fruto de iniciativas de instituições públicas ou privadas que abrem editais e programas, fornecendo financiamento e ambiente adequado para o processo criativo. Conforme Moraes (2014MORAES, Marcos. Residência artística: uma reflexão sobre os ambientes de formação, criação e difusão das práticas artísticas contemporâneas. In: BEZERRA, André; VASCONCELLOS, Ana (Org.). Mapeamento de residências artísticas no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.funarte.gov.br/residenciasartisticas/wp-content/uploads/2014/07/miolo+capa-livro-res-artisticas-FINAL_baixa-res.pdf >. Acesso em: 07 dez. 2018.
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, p. 42), “[...] a experiência da residência artística propicia ao artista uma condição espaço-temporal específica, privilegiada, destinada à criação e produção”. Embora haja exceções, em que grupos e artistas desenvolvem residências artísticas por conta própria, as características citadas colocam essa prática numa relação mais institucional de formação e promoção de experiências e intercâmbios. Assim, a residência parece se apresentar mais como o ambiente onde são desenvolvidas criações variadas do que como uma prática artística ou estética particular. Portanto, se num primeiro momento encontramos muitas aproximações entre a prática desenvolvida pelo Teatro Público e a noção de residência, ao cabo ela se mostra pouco operativa para pensar as especificidades do trabalho.

Outro ponto importante, em que a diferença também se manifesta, está na dimensão da temporalidade. Enquanto a residência artística pode variar de alguns dias até meses, a habitação teatral tem como premissa uma temporalidade estendida, duração necessária para a construção de relações com o lugar e para estabelecer o convívio com as pessoas que nele moram e/ou transitam. Embora não seja possível precisar qual o período mínimo necessário para que a habitação aconteça, definitivamente não é um trabalho passível de ser realizado em poucos dias, como ocorre em algumas residências artísticas. O tempo da habitação teatral varia de acordo com o lugar e as relações estabelecidas, sendo que o que determina sua duração é o processo vivido e não uma delimitação prévia, como na maioria das propostas de residência. Portanto, ainda que residir e habitar apareçam como sinônimos em qualquer dicionário de língua portuguesa, há no significado de habitar12 12 “Morar; permanecer; povoar”. Fonte disponível em: <https://www.dicio.com.br/habitar/>. Acesso em: 02 jun. 2019. um sentido de permanência que não necessariamente encontramos na palavra residência13 13 “Morar; ter lugar em; consistir; existir”. Fonte disponível em: <https://www.dicio.com.br/residir/>. Acesso em: 02 jun. 2019. .

Por fim, ao habitar pertence não apenas o espaço íntimo da residência, pois habitamos também um bairro, uma cidade, um território, um país. A proposta do Teatro Público, de habitar não somente uma casa, mas também as ruas, o comércio, o cotidiano e até mesmo o imaginário dos moradores, parecia não caber mais na palavra residência e, com isso, a noção de intervenção urbana trouxe outras possibilidades. Em um artigo com os primeiros apontamentos da pesquisa, o trabalho chegou a ser apresentado como “um processo artístico de intervenção urbana” (Paulino; Muniz, 2011PAULINO, Rogério Lopes da S.; MUNIZ, Mariana Lima. Por que vocês cobrem o rosto? - Apontamentos iniciais sobre um processo de pesquisa e criação cênica num bairro antigo. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 6., 2011, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, 2011. P. 1-5., p. 3) e, sob essa segunda denominação, o processo foi citado também por outros pesquisadores. Essa variação de terminologia já sinalizava as tentativas de compreender uma prática que não se encontrava em um campo tão facilmente delimitável. Ao nomear como intervenção urbana, Paulino e Muniz estavam se referindo à ação dos mascarados de interagir com o cotidiano das pessoas e dos espaços públicos, já que a proposta não se restringia em ocupar apenas a casa alugada, como já mencionado. Nesse sentido, tal característica dialoga com o conceito de intervenção urbana, que, de acordo com o pesquisador Clóvis Domingos dos Santos (2010SANTOS, Clóvis Domingos. A Cena Invertida e a Cena Expandida: processos de aprendizagem e formação colaborativa para o ator. 2010. Dissertação (Mestrado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010., p. 92-93):

Consiste numa interação com o espaço público ou com algum monumento ou objeto artístico. Seu desafio seria colocar em questão a percepção de algum fato ou acontecimento político ou social e também a relação dos cidadãos com a cidade. Como diferentes formas de intervenção urbana, podemos destacar: a utilização de cartazes, grafites, cenas de teatro ao ar livre, shows musicais e a junção de elementos plásticos, cênicos e sonoros na tentativa de alterar o senso comum e o cotidiano das pessoas e dos espaços.

É evidente que os mascarados causavam uma alteração no fluxo normal do bairro, interferindo em sua dinâmica com uma proposta ficcional, mas a grande questão era que, aos poucos, eles começaram a fazer parte daquele cotidiano. Se, também para Caballero (2016CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares (teatralidades, performances e políticas). Tradução: Luis Alberto Alonso e Angela Reis. 2. ed. Uberlândia: EDUFU, 2016., p. 109), as intervenções “produzem certa alteração, minimamente fugaz, do espaço e contexto”, na habitação é novamente o tempo de permanência (para além da fugacidade das ações) que determina a forma que o trabalho irá tomar, fazendo com que aquelas presenças que, num primeiro momento, eram vistas como estranhas, se tornem a cada dia mais familiares. Assim, o efeito inicial de “disrupção” (Araújo, 2011ARAÚJO, Antônio. Ações Disruptivas no Espaço Urbano. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 6., 2011, Porto Alegre. Memória ABRACE Digital. Anais... Porto Alegre, 2011. P. 1-6. Disponível em: <Disponível em: https://hosting.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3136/3300 >. Acesso em 02 mar. 2018.
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) no cotidiano, característico da intervenção urbana, vai diminuindo com o tempo, e uma poética particular, estabelecida a partir do convívio, instaura-se na vida do lugar. Essa poética começa a fazer parte do cotidiano, ainda que temporariamente, e cria algo que permanece, mesmo depois que os atores mascarados deixam o bairro, sejam histórias inventadas, afetos ou memórias produzidas durante o tempo da habitação.

Dessa forma, os dois conceitos - de residência e de intervenção urbana - que aparecem antes de se chegar ao termo habitação teatral, embora apresentem elementos comuns ao processo de habitar, parecem não dar conta de configurar a prática em sua totalidade. A noção de habitação, propriamente, surge ao final da experiência do Naquele Bairro Encantado, referindo-se ao conjunto de ações desenvolvidas no Lagoinha, já no formato dos três episódios divulgados para um público externo a ele. No entanto, nos interessa pensá-la como uma prática ou forma estética que compreende toda a experiência desenvolvida na relação com o bairro, desde o primeiro contato do grupo com os lugares e seus habitantes até o período posterior à chegada do público externo. Sem a intenção de encaixar a habitação teatral na separação convencional de processo de criação e produto final das apresentações, procuramos entendê-la, ao mesmo tempo, como processo e poética, num se fazer constante e sempre inacabado que a aproxima de princípios da performance e do work in process.

Na tentativa de compreender e conceituar a prática de habitação teatral, agora assumindo-a como denominação escolhida pelo grupo, fizemos um levantamento de outras práticas artísticas que levassem a noção de habitação em sua nomenclatura e chegamos ao termo coabitação teatral, tratado por Daniel Pereira Mendes (2016MENDES, Daniel Pereira. Estudos de processos de composição cenográfica em espetáculos teatrais praticados em espaços de uso não convencional durante a Ocupações Cênicas e a Coabitações Teatral. 2016. Dissertação (Mestrado em Artes Cências) - Instituto de Filosofia Arte e Cultura, Departamento de Artes Cênicas, Universidade Federal de Ouro Preto, 2016. ). Para ele, diferente da ocupação cênica, que diz respeito a espetáculos realizados num espaço “em desuso, abandonado, baldio ou em ruínas [...] algo que se encontra [...] inabitado” (Mendes, 2016, p. 32-33), a “coabitação teatral” é realizada em espaços em funcionamento, que possuem fluxo de pessoas que não estão ali para assistir a um espetáculo, mas para atividades ligadas ao próprio cotidiano, o que justificaria o uso do prefixo na palavra coabitar, indicando um habitar junto a outros sujeitos presentes. Contudo, tais definições parecem dizer mais da espacialidade em questão do que dos procedimentos que caracterizam cada uma delas.

Na via contrária à argumentação de Mendes, que se baseia nas palavras ocupar e desocupar como evidências de uma prática que busca preencher um lugar que esteja até então vazio, cabe lembrar que a recente onda de ocupações ligadas à situação política do Brasil, em 2016, realizadas em escolas, universidades públicas, espaços culturais, dentre outros, pode trazer alguns questionamentos sobre o termo. Nesses casos, a ideia de ocupar não se restringe a lugares em abandono ou desuso. Ademais, a escolha ativista pela denominação ocupação no lugar de invasão - como muitas vezes esse tipo de ação é chamada, pejorativamente - diz respeito a uma necessidade de evidenciar o pertencimento a esses lugares, como um ato político de reivindicação daquilo que é público e não como uma tomada de posse de algo que não nos pertence. Ainda que não seja nossa intenção aprofundar a discussão sobre os tipos de ocupações realizadas pela sociedade civil, tais reflexões são importantes para pensar as práticas artísticas de ocupação hoje.

Antes de avançar na discussão sobre habitação teatral, é pertinente salientar que, a partir do momento em que a cena sai do espaço seguro do edifício teatral, a espacialidade passa a ser o principal aspecto em questão. Por isso, recorremos novamente a Garrocho (2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.), que a trata como recorte de atuação das práticas espaciais. Espetáculos em edifícios abandonados, hospitais, cemitérios, casas noturnas desativadas, estações de metrô, vilas, dentre outras infinitas possibilidades, procuram, segundo ele, algo do real que esses lugares conseguem emanar e que o palco parece não dar mais conta. Espaços não convencionais ou alternativos são os primeiros nomes que surgem, na tentativa de tratar outras espacialidades. No entanto, para Garrocho (2015), tais nomenclaturas não abarcam a complexidade da análise e compreensão espacial, pois, além de focarem somente no fato de não serem lugares consagrados à arte, tratam-nos como se só ganhassem vida com a ação artística.

Por julgar esses termos superficiais, o pesquisador procurou por um conceito mais operativo e chegou à noção de espaços encontrados14 14 O termo original “place found” é mencionado na obra Environmental Theater (Schechner, 1994, p. 33). , de Richard Schechner, que trata dos lugares “que não estão previamente destinados à produção, apresentação e circulação artística [...] e que, como tais, possuem uma existência prévia e/ou simultânea às tentativas de apropriação, intervenção e/ou ficcionalização” (Garrocho, 2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015., p. 134). Em outras palavras, justamente os espaços que, não destinados originalmente à arte, carregam uma vida própria, independentemente das intervenções urbanas, performances e ocupações artísticas que possam acontecer. Para Schechner (1994SCHECHNER, Richard. Six Axioms. In: SCHECHNER, Richard. Environmental Theater. New York: Expanded Ed. 1994. P. 30-36. (The Applause Acting Series). Disponível em: <Disponível em: https://blog.zhdk.ch/stadtalsbuehne/files/2012/01/SCHECHNER-ENVIRONMENTAALTHEATER.pdf >. Acesso em: 25 fev. 2019.
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, p. 30), “todo espaço tem seu próprio caráter dado. Essa particularidade deve ser respeitada”. Ainda sobre os “espaços encontrados”, Schechner (1994, p. 33-34) afirma:

Os princípios aqui são muito simples: (1) os elementos dados de um espaço - sua arquitetura, qualidades texturais, acústica e assim por diante - devem ser explorados e usados, não disfarçados; (2) a ordenação aleatória de espaço ou espaços é válida; (3) a função do cenário, quando usado, é de compreender o espaço, não disfarçá-lo ou transformá-lo; (4) os espectadores podem de repente e inesperadamente criar novas possibilidades espaciais (tradução nossa).

Dentro da noção de espaços encontrados, Garrocho denomina de espaços vazados aqueles que se encontram em seu funcionamento normal e onde circulam uma multiplicidade de pessoas: transeuntes, visitantes ou habitantes e não somente artistas e espectadores. Para ele, os espaços públicos e urbanos, que carregam de forma mais acentuada os elementos de imprevisibilidade, já pressupõem o risco como condição de existência, o que faz com que eles pertençam à categoria de espaços vazados. Como afirma Garrocho (2015, p. 141), “[...] o que caracteriza todo espaço é, assim, ressaltado no âmbito dos espaços públicos: a multiplicidade e o acaso”. Nos espaços vazados, uma vez que os sujeitos não se encontram protegidos, mas expostos às intempéries do cotidiano, eles se encontram em situação mais do que num estado de contemplação. Como ele salienta, tal denominação, “[...] de um lado, diz do grau em que se pode controlar o acesso das pessoas; de outro, dos possíveis das transações entre o fora e o dentro. Também do gradiente de indeterminação que comportam” (Garrocho, 2015, p. 139). Os espaços vazados são, portanto, aqueles sobre os quais temos ainda menor controle, como as ruas, praças, mercados, estações de ônibus e metrô, dentre outros.

Com base nas noções espaciais trazidas por Garrocho, se retomarmos a conceituação de Mendes (2016MENDES, Daniel Pereira. Estudos de processos de composição cenográfica em espetáculos teatrais praticados em espaços de uso não convencional durante a Ocupações Cênicas e a Coabitações Teatral. 2016. Dissertação (Mestrado em Artes Cências) - Instituto de Filosofia Arte e Cultura, Departamento de Artes Cênicas, Universidade Federal de Ouro Preto, 2016. ) sobre as ocupações cênicas e coabitações teatrais, confirmamos nossa hipótese de que o autor aponta para o tipo de espaço onde ocorrem as práticas, de forma que a ocupação aconteceria nos espaços encontrados e, a coabitação, em espaços vazados. Entretanto, somente se inserir nos espaços vazados não garante que o trabalho se configure numa forma de habitar, de maneira que a distinção entre as práticas de ocupação e habitação permanece indefinida.

Para além de pensar o deslocamento espacial em práticas cênicas, ou seja, da caixa preta para os espaços encontrados ou vazados, interessa aqui compreender as relações estabelecidas com a espacialidade, bem como os procedimentos e elementos que as caracterizam. Enquanto fazer um espetáculo em um espaço não destinado à atividade teatral muitas vezes se apresenta como uma simples realocação de um espaço para outro (atitude perceptível em trabalhos que usam espaços encontrados da mesma forma que a caixa preta), pensar em termos de espaços encontrados e vazados exige rever as possibilidades de ocupação, implica em não querer impor transformações ao lugar, mas lidar com suas especificidades físicas e contextuais, não buscando descartar as suas características e presenças, mas entendê-las como possibilidades de jogo.

O entendimento da espacialidade como experimentação também se deve, em grande medida, à arte site-specific. Romper com as linguagens tradicionais, deslocar a atenção do objeto/obra para o contexto, propor novos modos de percepção a partir das noções de experiência e vivência, e combater os modelos capitalistas de circulação da arte, são os princípios que regem a arte site-specific, de acordo com Miwon Kwon (1997KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity. Tradução: Jorge Menna Barreto. October, United States, v. 80, p. 85-110, 1997.). Se essa prática artística, ao sair do lugar “fabricado” e “controlado” da galeria, encontrou seu primeiro paradigma no “‘site’ como localidade real” (Kwon, 1997, p. 167), o que, a princípio, estabeleceu uma relação de dependência e fixidez da “obra” com o lugar de origem, aos poucos, ela ganhou outra dimensão com a atual abordagem site-oriented. Nessa abordagem, diferente da forma recorrente como se pensa acerca dos trabalhos site-specific, a questão da especificidade do site não é tão categórica, no sentido de uma obra que foi concebida a partir de um lugar e só pode existir nele, mas diz respeito aos atravessamentos entre a proposta artística e a espacialidade. Entre os trabalhos específicos do lugar e orientados pelo lugar, o que interessa é se suas especificidades estão sendo ouvidas.

Não foi sem razão que Garrocho se baseou nas estratégias site-specifics para delimitar a sua noção de práticas espaciais. Ao reconhecer que “[...] o caráter site-specific não encontra a resolução no âmbito do objeto [obra de arte], mas sim no deslocamento da atenção do observador para o ambiente, do qual o objeto e ele próprio - observador - fazem parte” (Garrocho, 2015, p. 57), o autor explicita uma mudança determinante no estatuto da obra de arte. Como já dito a respeito da arte contextual, quando novos sujeitos - o espaço e o observador - ganham importância na discussão, a autonomia da obra de arte é posta em xeque. Isso quer dizer que a ideia de obra como objeto autônomo e autossuficiente - que não depende do olhar do observador e que coloca o artista num lugar de única autoridade sobre a obra e sua significação - não é mais suficiente. Com isso, entram em cena novos processos de subjetivação, de forma que a percepção sensorial do sujeito, para além da capacidade de decodificar signos em significados, passa a ter um papel determinante. A partir dessa constatação, Garrocho identificou o lugar e o convívio como os tensores site-specific que operam nas práticas espaciais.

O caráter site-specific foi assumido como pilar de pesquisa e atuação do Teatro da Vertigem e, de forma menos direta, suas estratégias aparecem também em trabalhos isolados da cena belorizontina que se propõem a ocupar a cidade, tais como o espetáculo Casa das Misericórdias, da Maldita Companhia (2003), que ocupou um antigo bar desativado no bairro Horto, e o espetáculo MedeiaZonaMorta (2006), do Teatro Invertido, que teve como cenário um laboratório abandonado no baixo centro. Ou, ainda, os mais recentes Nossa Senhora do Horto (2016), realizado pela Toda Deseo nas ruas do bairro Horto; Intermitentes ou vai e vem, Trincamatraca e Seis personagens à procura de um lugar, que compõem a trilogia andarilha, do grupo Teatro & Cidade (2015, 2016, 2017); Rua das Camélias (2016), que ocupou uma casa noturna desativada na rua Guaicurus; PassAarão (2017), trabalho do grupo Espanca!, que propõe um percurso guiado pelo entorno da sede do grupo, dialogando, sobretudo, com a história da rua Aarão Reis; A Santa do Capital (2017), da Cóccix Cia Teatral, que procurou ocupar diferentes espaços da cidade e, por fim, Escombros da Babilônia (2014 e 2017), criado em um casarão antigo da rua Manaus, no tradicional bairro Santa Efigênia, que foi ocupado por artistas em 2013, após 20 anos de abandono pelo poder público, recebendo o nome de Espaço Comum Luiz Estrela.

Se a cena site-specific, segundo Garrocho (2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015., p. 34), é onde “[...] os estatutos da cena, do lugar e do caráter de encontro entre propositores e espectadores se encontram em evidência, em experimentação e problematização”, as ocupações, intervenções, performances e habitações cênicas carregam sempre uma relação com a noção de “especificidade do lugar”. Conforme explica Miwon Kwon (1997KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity. Tradução: Jorge Menna Barreto. October, United States, v. 80, p. 85-110, 1997., p. 173), “conceber o site como algo mais do que um lugar - como uma história étnica reprimida, uma causa política, um grupo de excluídos sociais - é um salto conceitual crucial na redefinição do papel ‘público’ da arte e dos artistas”. No entanto, para além dos dois tensores assinalados por Garrocho - lugar e convívio -, será acrescentada a temporalidade como terceiro elemento da habitação teatral. Isso porque a habitação, diferente das demais práticas analisadas aqui, está relacionada a uma habituação, ou seja, à criação de um hábito, ao habituar-se a algo. Assim, a partir da permanência no lugar e do convívio com seus habitantes, a proposta cênica torna-se parte dos hábitos de uma comunidade.

Nos três espetáculos da trilogia bíblica do Teatro da Vertigem - O Paraíso Perdido (1992), Livro de Jó (1995) e Apocalipse 1,11 (2000) -, a ocupação dos espaços escolhidos se deu na última fase do processo, sendo sempre em espaços encontrados, já abandonados ou desativados. Já em BR3 (2005), A última palavra é a penúltima (2008) e Bom retiro 958 metros (2012), as apresentações foram realizadas em espaços vazados da capital paulista: o primeiro nas margens do rio Tietê, o segundo numa passarela subterrânea, próximo ao Viaduto do Chá, e o terceiro no bairro Bom Retiro.

Embora aconteçam em espaços distintos, sejam eles encontrados ou vazados, podemos compreender os espetáculos do Vertigem como práticas de ocupação cênica, já que são geralmente criados a partir de workshops e residências, com posterior ocupação dos espaços e com ações, cenas e textos definidos, ainda que concebidos a partir de uma dramaturgia processual. Mesmo em BR3, que talvez seja o mais radical em termos de deslocamento espacial, os artistas passaram por um período inicial de residências por três regiões do Brasil - Brasilândia (SP), Brasília (DF) e Brasiléia (AC) - e, após esse primeiro momento, criaram o espetáculo às margens do Rio Tietê. Há, portanto, uma divisão entre o processo de pesquisa/residência em campo, a ocupação/ensaios no local escolhido e as apresentações divulgadas ao público externo, embora todas as etapas sejam sempre permeadas pelo imprevisível e pela falta de controle característicos desse tipo de espaço. Desse modo, a diferença mais significativa no que tange à prática de habitação teatral seria que nela, desde o primeiro momento em que o grupo se desloca para o bairro, ele já começa a habitá-lo. Apesar de também haver uma fase de divulgação e temporada, exigida pelos editais de fomento, para o Teatro Público a habitação teatral já existe de forma anterior e independente à presença de um público externo ao bairro.

Aqui retomamos as primeiras questões apresentadas acerca da busca por um teatro público. Na contramão do senso comum, “promover um teatro público não é simplesmente lotar plateias”, pois trata-se de “[...] formar espectadores dotados de características comunitárias fortes, ampliando o círculo de conhecedores e defendendo não apenas um espaço público para o teatro, mas também um público-cidadão” (Fernandes, 2002FERNANDES, Silvia. O teatro e a cidade. Revista D’art, São Paulo, n. 9/10, p. 49-58, nov. 2002. Disponível em: <Disponível em: http://www.centrocultural.sp.gov.br/revista_dart/pdfs/revista%20dart%2010.pdf >. Acesso em: 15 fev. 2019.
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, p. 53). Talvez esteja implícita nessa reflexão a ambição e a utopia do Teatro Público de fazer um trabalho que não apenas se insira na cidade, mas que seja empreendido com o espaço público e os espectadores, uma criação aberta e porosa, com múltiplas autorias.

Essa dimensão pública aparece nos momentos em que o bairro assume o protagonismo e torna-se foco da prática cênica, seja pela carga simbólica dos lugares, seja quando os moradores se transformam em “atores do cotidiano”, conforme denomina a pesquisadora Julia Guimarães Mendes (2017MENDES, Julia Guimarães. Teatros do real, teatros do outro: os atores do cotidiano na cena contemporânea. São Paulo. 2017. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 60). Aqui chegamos a uma questão crucial da discussão, que toca as diversas formas de arte pública, incluindo a habitação teatral: o habitar, a partir da prática desenvolvida pelo Teatro Público, pode ser pensado como uma “estética do público” (Cornago, 2019CORNAGO, Óscar. Habitar: practicas de inteligência colectiva. In: CORNAGO, Óscar; PRIETO, Zara Rodrigues. Tiempos de habitar: prácticas artísticas y mundos posibles. Cuenca, Espanha: Genueve Ediciones, 2019. P. 33-52.)?

Óscar Cornago (2019CORNAGO, Óscar. Habitar: practicas de inteligência colectiva. In: CORNAGO, Óscar; PRIETO, Zara Rodrigues. Tiempos de habitar: prácticas artísticas y mundos posibles. Cuenca, Espanha: Genueve Ediciones, 2019. P. 33-52., p. 46) percebe, em alguns trabalhos artísticos, a proximidade cotidiana e a experiência compartilhada com os espectadores como “alguns dos traços das estéticas do habitar como forma pública”. No sentido oposto ao da propriedade privada, o habitar pressupõe uma “relação aberta com o meio” que faz dessa prática um “capital público de inteligência sensível” (Cornago, 2019, p. 34). Nessa perspectiva, quando o autor trata do habitar como estética ligada à dimensão pública, desviando-se do campo privado, podemos identificar uma relação com o conceito de habitação teatral aqui discutido, ou seja, de um habitar que vai além da noção de casa ou residência e se produz em relação ao entorno.

Nas habitações teatrais tratadas neste artigo, as relações com o entorno e com os moradores dos bairros se estabeleciam a partir da proximidade com a vida cotidiana e, sobretudo, por meio da conversação, reconhecida como uma situação potencialmente convivial. Esse aspecto também é compartilhado por Cornago, posto que identifica na palavra “um dos elementos básicos em torno dos quais se articula a situação como forma básica de estar em um espaço” e também como “[...] elemento chave na construção de um sentido coletivo - contar, escutar, reconhecer, recordar, perguntar” (Cornago, 2019, p. 40).

Neste ponto da discussão, tocamos em outro aspecto importante do habitar apresentado por Cornago: a “dimensão coletiva”. Segundo o autor, essa dimensão implica em “fazer com o outro e os outros”, de modo que “se produz conhecimento através de uma situação” da qual todos fazem parte (Cornago, 2019, p. 36). A abordagem de Cornago também explicita a condição de “situação” do habitar, isto é, “um espaço vivo no qual o fundamental está por se fazer” e no qual se produz uma espécie de “conhecimento público” (Cornago, 2019, p. 40), caracterizado por um processo contínuo de intercâmbio com o meio. Nos bairros Lagoinha e Saudade, os atores habitaram os espaços vazados (ruas, praças, bares, mercados, cemitérios) e encontrados (a casa) por meio do caminhar, morar, frequentar e permanecer. Permaneceram durante meses, até que fosse estabelecida uma familiaridade e uma cumplicidade entre artistas e moradores. Conviveram com os moradores a ponto de criar vínculos afetivos e de cultivar um espaço de criação coletiva.

Não seria esse o potencial político da habitação teatral? Diferentemente de pensar uma cena política a partir da tematização e de discursos diretos, é possível pensar, na esteira de Lehmann (2007LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. Tradução: Pedro Sussekind. São Paulo: Cosac Naify 2007., p. 424), que o “seu engajamento político não se encontra nos temas, mas nas formas de percepção”. Também passando um pouco por esse viés, Garrocho (2015GARROCHO, Luiz Carlos de Almeida. Lugar e convívio como prática espacial e tessitura cênica: as performances urbanas do Coletivo Contraponto (MG). 2015. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015., p. 156) “[...] pensa a ação sobre o lugar como um problema de política espacial, em termos dos agenciamentos produzidos como modalidades de enunciação, posicionamento e subjetivação dos participantes”. Pode-se dizer, então, que a espacialidade, a temporalidade e a convivialidade em questão, ou seja, suas características arquitetônicas e contextuais, as formas de acesso, quem transita no espaço, tudo isso é parte da obra-acontecimento e aponta para uma “situação política”, conforme afirma Lippard (apud Fabião, 2008FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, São Paulo, v. 8, p. 235-246, nov. 2008., p. 245). Com isso, se a habitação teatral não apenas permite que as vozes dos espaços e dos habitantes, transeuntes e/ou espectadores sejam ouvidas, mas é constituída a partir delas e por elas, temos uma política da cena ou, dito de outra maneira, a prática artística mostra-se como “uma forma estética do ato ético” (Caballero, 2014CABALLERO, Ileana Diéguez. La ‘efectividad’ de la ‘accíon’ en la ‘escena contemporânea’ ¿La prática estética como acto? In: COLÓQUIO INTERNACIONAL PENSAR A CENA CONTEMPORÂNEA, 2., 2014, Florianópolis. Comunicação (texto não publicado). Florianópolis, jul. 2014., p. 4).

Nessas condições, a habitação teatral, como situação artística e política, perde status de obra acabada e propõe uma temporalidade mais dilatada, que desafia a lógica de aceleração e produtividade da sociedade contemporânea, ao mesmo tempo que foge dos padrões impostos pelo mercado. A proposta de convívio e cultivo das relações, por meio da permanência e do uso cotidiano dos espaços, também é uma forma de resistir às relações cada vez mais virtualizadas, em busca de experiências táteis.

Referências

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  • 1
    Trecho do relato de Luciana Araújo Castro, atriz do Teatro Público desde 2014, sobre sua experiência de deriva como espectadora durante a habitação teatral Naquele Bairro Encantado.
  • 2
    A pesquisa foi defendida por Luciana Araújo Castro (2019CASTRO, Luciana Araújo. Sobre o habitar e um teatro que habita: a habitação teatral como processo e poética da cena. 2019. 140 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2019.), sob orientação de Nina Caetano.
  • 3
    As caminhadas, serenatas e a visitação a casa foram divulgadas para o público externo em forma de três episódios. Vídeo do Episódio I disponível no link: <https://vimeo.com/137833155>; Episódio II disponível no link: <https://vimeo.com/137995914> e Episódio III disponível no link: <https://vimeo.com/133164493>.
  • 4
    A experiência foi divulgada ao público em um formato de três horas de duração. Vídeo de registro disponível no link: <https://vimeo.com/139649135>. Vídeo de entreato disponível no link: <https://vimeo.com/133160534>.
  • 5
    A deriva foi definida pela Internacional Situacionista como uma “técnica de passagem rápida por ambiências variadas” (IS, n. 1, 1958 apud Jacques, 2003, p. 65).
  • 6
    “Momento da vida, concreta e deliberadamente construído pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos” (IS, n. 1, 1958 apud Jacques, 2003, p. 65).
  • 7
    A noção de espetacularização da sociedade, que aparece nas discussões situacionistas, vai se aprofundar, cerca de 15 anos após o surgimento da Internacional Situacionista, com o conceito de Sociedade do Espetáculo, desenvolvido por Guy Debord (1997) (um dos membros da IS).
  • 8
    Texto original: “todas las creaciones que se anclan en las circunstâncias y se muestran deseosas de ‘tecer con’ la realidad”.
  • 9
    Embora não seja o objetivo deste artigo se debruçar sobre o uso da máscara, cabe observar que em ambas as experiências realizadas pelo Teatro Público os atores nunca revelam seus rostos. Eles portam máscaras desde o início do processo, em toda experimentação ordinária e sem um contexto ficcional demarcado de forma precisa. Os atores mascarados vivenciam o dia a dia dos bairros e se relacionam de forma direta com os moradores, de modo que as características de cada personagem, bem como as narrativas construídas, se desenvolvem processualmente e em constante negociação entre os campos do real e do ficcional. Para maior compreensão dessa questão, ver dissertação completa em: <https://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/11845>. Acesso em: 02 jun. 2019.
  • 10
    Disponível em: <http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=2867>. Acesso em: 02 jun. 2019.
  • 11
    Rogério Lopes da Silva Paulino, ator e diretor de Naquele Bairro Encantado, é doutor em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), pós-doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atua como professor do Teatro Universitário da UFMG.
  • 12
    “Morar; permanecer; povoar”. Fonte disponível em: <https://www.dicio.com.br/habitar/>. Acesso em: 02 jun. 2019.
  • 13
    “Morar; ter lugar em; consistir; existir”. Fonte disponível em: <https://www.dicio.com.br/residir/>. Acesso em: 02 jun. 2019.
  • 14
    O termo original “place found” é mencionado na obra Environmental Theater (Schechner, 1994, p. 33).
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2020
  • Aceito
    01 Jun 2020
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