Acessibilidade / Reportar erro

Recusa e Adesão: resistência entre estudos da cognição e a educação teatral

RESUMO

Este artigo tece reflexões sobre algumas orientações de políticas públicas de educação, direcionadas para o mercado de trabalho e exemplificadas por recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua influência sobre a educação artística e, mais precisamente, teatral. Aborda problemas existentes nesse campo de atividade no Brasil e na França, com destaque para causas conceituais. Em uma possível contribuição para os debates sobre o utilitarismo na educação teatral, vale-se do conceito de resistência, presente nas obras de Michel Foucault, como mediador na utilização de estudos da cognição na análise do planejamento, condução e avaliação de aulas de teatro em escolas do ensino básico.

Palavras-chave:
Resistência; Educação Teatral; Michel Foucault; OCDE; Estudos da Cognição

ABSTRACT

This article presents reflections on certain public education policy guidelines, oriented to the labor market and exemplified by Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) recommendations, concerning their influence on artistic education and, more precisely, theater education. It addresses existing problems in the field of education in Brazil and France, with emphasis on conceptual causes. In a possible contribution to debates on utilitarianism in theater education, the concept of resistance, present in Michel Foucault’s works, is used as mediator in the utilization of cognition studies to analyze the planning, practice and evaluation of theater classes in primary schools.

Keywords:
Resistance; Theater Education; Michel Foucault; OECD; Cognition Studies

RÉSUMÉ

Cet article construit des réflexions sur certaines lignes directrices des politiques publiques d’éducation, orientées vers le marché du travail et illustrées par des recommandations de l’OCDE, dans ce qui concerne son influence sur l’éducation artistique et, plus précisément, théâtrale. Il approche des problèmes dans ce domaine d’activité au Brésil et en France, en mettant l’accent sur ses causes conceptuelles. Dans une éventuelle contribution aux débats sur l’utilitarisme dans l’éducation théâtrale, le concept de résistance, présent dans des œuvres de Michel Foucault, est utilisé comme médiateur dans l’utilisation des études de cognition dans l’analyse de la planification, la conduite et l’évaluation des classes de théâtre dans les écoles du système éducatif.

Mots-clés:
Résistance; Éducation Théâtrale; Michel Foucault; OCDE; Études sur la Cognition

Pequeno Prólogo

Em dezembro de 2019, foi divulgado o resultado mundial do teste educacional Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) de 2018, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na ocasião, o termo utilizado pelo jornal Folha de São Paulo para definir a situação do Brasil foi década de estagnação (Pinho; Amâncio, 2019PINHO, Ângela; AMÂNCIO, Thiago. Prova do PISA expõe década de estagnação no ensino no Brasil; China passa a liderar. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 03 dez. 2020. Available at: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/prova-expoe-decada-de-estagnacao-no-ensino-no-brasil-china-passa-a-liderar.shtml>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2...
), em referência à renitente má posição do país no ranking mundial.

O caráter do PISA tem mudado bastante ao longo dos anos, em sua tentativa de responder a mudanças globais na área da educação e da produção econômica. Podemos deduzir isso por afirmações de Andreas Schleicher (2018)SCHLEICHER, Andreas. Primeira Classe: como construir uma escola de qualidade para o século XXI. Paris: OECD Publishing, 2018., diretor de educação e competências da OCDE, no livro que compôs com reflexões sobre propostas e resultados dos testes, cotejadas com políticas educacionais dos países avaliados:

Nossas escolas atuais foram inventadas na era industrial, quando as normas prevalecentes eram padronização e conformidade, e quando era eficaz e eficiente educar estudantes em lotes e formar professores uma única vez para toda sua vida profissional. [...] Essa estrutura, herdada do modelo industrial de trabalho, é lenta demais para um mundo que se move com muita rapidez (Schleicher, 2018SCHLEICHER, Andreas. Primeira Classe: como construir uma escola de qualidade para o século XXI. Paris: OECD Publishing, 2018., p. 17-18).

O PISA tem-se mostrado como um instrumento de padronização da educação (Pereira, 2019PEREIRA, Rodrigo da Silva. Proposições da OCDE para América Latina: o PISA como instrumento de padronização da educação. RIAEE - Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. esp. 3, p. 1717-1732, out. 2019. Available at: <https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12756>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoa...
) (Ydesen, 2019YDESEN, Christian (ed.). The OECD’s historical rise in education: the formation of a global governing complex. Cham: Palgrave Macmillan, 2019.), tendo como horizonte interesses específicos da OCDE. Entretanto, temos de admitir vantagens que esse teste pode proporcionar, como o fato de não contemplar políticas educacionais que se atêm a modelos pedagógicos anacrônicos de repetição de informações. Podemos atestar isto tanto examinando o teste em si, como por afirmações de Schleicher (2018, p. 21)SCHLEICHER, Andreas. Primeira Classe: como construir uma escola de qualidade para o século XXI. Paris: OECD Publishing, 2018.:

Na nossa visão, a educação tem a ver com promover a paixão por aprender, estimulando a imaginação, e desenvolvendo formuladores de políticas públicas independentes que podem formatar o futuro. Por isso, nosso principal desejo não era premiar estudantes por reproduzir o material que aprenderam nas aulas. Para se sair bem no PISA, os alunos tinham que ser capazes de extrapolar seus conhecimentos, pensar para além das fronteiras das disciplinas e empregar seu conhecimento criativamente em situações novas.

Anteriormente, em fevereiro de 2019, Schleicher concedeu uma audiência no parlamento inglês abordando os desafios para a educação quanto à chamada quarta revolução industrial. Em um determinado momento, a parlamentar Lucy Powell comentou a redução das matérias de design, tecnologia, artes e criatividade. Schleicher foi então indagado sobre suas recomendações quanto à quantidade e a profundidade de assuntos e matérias a serem trabalhadas com os alunos. Durante sua resposta, afirmou categoricamente que “[...] na quarta revolução industrial, a arte pode se tornar mais importante do que matemática” (Reino Unido, 2019REINO UNIDO. Education Committee. Fourth Industrial Revolution. Witness: Andreas Schleicher. House of Commons, London, Tuesday 26 February, 2019. Available at: <http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://data.parliament.uk/writtenevidenc...
, documento eletrônico).

A afirmação de Schleicher é bastante impactante, mas não é gratuita, pois podemos constatar um crescimento de referências à importância da criatividade, do pensamento complexo e de uma boa educação socioemocional para as competências dos trabalhadores. Graças a discursos que chegam a tomar o artista como “[...] figura exemplar do novo trabalhador” (Menger, 2002MENGER, Pierre-Michel. Portrait de l’Artiste en Travailleur: métamorphoses du capitalisme. Paris: Éditions du Seuil, 2002., p. 8), as aulas de artes têm a oportunidade de se tornar coadjuvantes, ou mesmo protagonistas, em iniciativas que almejam o desenvolvimento desses elementos.

Mas ainda nos surpreende o fato de que um profissional da estatística responsável por fomentar o desenvolvimento econômico de países diga isso em uma audiência para o governo britânico. O que estava em jogo nessa audiência não eram políticas públicas de cultura ou o fomento da cidadania (campos normalmente associados às artes), mas aquilo considerado como o hardcore do desenvolvimento econômico - riqueza material, dinheiro, tecnologia, indústrias:

Muitas vezes falamos sobre soft skills como sendo as habilidades sociais e emocionais, e hard skills como sendo ciência e matemática, mas pode ser o oposto. A ciência e a matemática podem se tornar muito mais suaves no futuro, onde a relevância do conhecimento se evapora muito rapidamente, enquanto as habilidades difíceis podem ser sua curiosidade, liderança, persistência e resiliência (Reino Unido, 2019REINO UNIDO. Education Committee. Fourth Industrial Revolution. Witness: Andreas Schleicher. House of Commons, London, Tuesday 26 February, 2019. Available at: <http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://data.parliament.uk/writtenevidenc...
, documento eletrônico).

É bem provável que profissionais do campo da educação artística (a educação teatral aqui incluída) vejam com uma alegria inicial as vantagens imediatas dessa defesa inusitada de seu trabalho, pois a utilidade dessas aulas para o empreendedorismo e a 4ª revolução industrial parece solucionar problemas frequentes no ensino de artes em escolas - sendo o pior deles a pouca importância que lhe é dada: “Muito menos tempo é dedicado às artes em nossas escolas do que em áreas consideradas como o núcleo do currículo acadêmico. As artes são tratadas como um luxo, uma arena para autoexpressão talvez, mas não uma parte necessária da escolaridade” (Winner, 2019WINNER, Ellen. How art Works: a psychological exploration. New York: Oxford University Press, 2019., p. 167).

Entretanto, talvez haja perigos nessa perspectiva, ou ao menos uma necessidade de cautela em aderirmos a ela. Podemos, por exemplo, intuir que essa captura da importância do ensino de artes por parte do mainstream da produção econômica pode, a qualquer momento, virar-se contra a educação artística, se as opiniões decisórias, em algum momento, passarem a considerar que outras competências atendem melhor às necessidades imediatamente econômicas. Quem está sendo valorizado não é o ensino de artes, mas o que se supõe ser promovido por ele - criatividade, autorregulação emocional etc. E esses elementos soft podem, a qualquer momento, ser desprezados se houver a percepção de que não servem tanto para alimentar esse tipo de sistema econômico. O fato de o ensino de artes ser colocado como protagonista no âmbito empresarial e de industrialização não questiona o protagonismo desses âmbitos sobre a vida como um todo. São considerações iniciais sobre uma questão que não é nova, apesar dessas aparentes mudanças atuais em suas configurações.

O texto que se segue articula análises e propostas sobre a educação teatral no Brasil e na França, agregando reflexões desenvolvidas em um estágio pós-doutoral na Universidade de Lyon, realizado em 2018-2019. Foram utilizadas pesquisas sobre o ensino de artes (no Brasil, artes visuais, dança, música, teatro; na França, Educação Artística e Cultural - EAC) nessas reflexões sobre a educação teatral - meu campo de especialidade. Eu cambiarei de modo perigosamente fluente entre o Brasil e a França, bem como entre a educação teatral e o ensino das outras linguagens artísticas, quando as questões forem consideradas como similares, dentro do contexto. Mais claramente: o que aqui for dito sobre a educação artística pode ser estendido para a educação teatral. No entanto, advirto que, em todas as vezes em que houver referências explícitas à educação teatral, a ideia delineada não pode necessariamente ser aplicada ao ensino de artes em geral.

No Brasil, há um sistema de licenciaturas em nível universitário, para que as aulas de teatro sejam ministradas por professores formados para tal. Na França, o ensino de teatro é realizado por artistas, em conjunto com professores de outras disciplinas, no chamado sistema de partenariat (partenariado, parceria). Aproveito para assinalar, neste momento, que prefiro e vejo fortes vantagens no sistema brasileiro de formação de professores de teatro, que permite, inclusive, um expressivo volume de pesquisas e bibliografia nesta área.

Apesar das diferenças, e ao contrário do que o senso comum poderia supor, considero que os problemas conceituais no ensino de teatro do Brasil são similares aos da França. Em ambos há equívocos na compreensão do que se ensina em aulas de teatro, decorrentes principalmente da excessiva dependência que essa educação ainda tem em relação ao teatro profissional. Justificarei essas afirmações a seguir.

Situação

Além do exemplo citado, já existem outros casos de valorização do ensino de artes; dispersos, embora significativos. No entanto, a raridade de declarações como a de Schleicher, bem como o fato de que ele ainda tenha que falar isso, são indicativos de um mal a ser resolvido.

O ensino de teatro no Brasil é assolado por muitos problemas, como o excessivo foco para as artes visuais no imaginário sobre o ensino de artes, a escassez de professores com formação, falta generalizada de estrutura e condições de trabalho nas escolas (Ferreira, 2020FERREIRA, Taís. Artes da Cena e Educação: um comparativo entre Brasil e Itália. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 10, n. 2, 2020. Available at: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602020000200301&tlng=pt>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
). E, mesmo havendo leis pertinentes, sua “[...] efetivação prática nas escolas de ensino regular do país ainda está muito distante” (Ferreira, 2020FERREIRA, Taís. Artes da Cena e Educação: um comparativo entre Brasil e Itália. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 10, n. 2, 2020. Available at: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602020000200301&tlng=pt>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 7). Mas esses problemas, no Brasil, não nos surpreendem e sabemos ser gerais na educação. O que considero pertinente atacar no momento é um problema interno ao campo aqui abordado - um problema cuja maior gravidade é ser pouco percebido ou assumido.

Muitos livros sobre teatro e educação dedicam uma parte significativa, normalmente a inicial, a justificativas para a docência do teatro em escolas. Entretanto, não apenas no Brasil, ainda são insuficientes pesquisas, métodos e modelos que deem conta dos processos pedagógicos que ocorrem em aulas de artes, bem como, não há “[...] método confiável, nem modelo explicativo generalizável para compreendermos o que ocorre nesta formação holística do sujeito pela arte” (Choquet, 2016CHOQUET, Céline. L’art au collège: quels effets pour les eleves?. 2016. Thèse (Doctorat en Sciences de l’Éducation) - L’Université de Lyon 2, Lyon, 2016. Available at: <http://theses.univ-lyon2.fr/documents/lyon2/2016/choquet_c#p=1&a=TH.1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://theses.univ-lyon2.fr/documents/ly...
, p. 6). A necessidade de investigações qualitativas de longa duração, apesar de algumas exceções (como o Projeto Zero1 1 Projeto iniciado por Nelson Goodman em 1967, tendo Howard Gardner como integrante perene, e que, mesmo com modificações significativas, persiste até hoje. Disponível em: <http://www.pz.harvard.edu/>. Acesso em: 02 out. 2020. norte-americano), ainda está longe de ser contemplada. E o mais necessário ainda é o básico - um problema já identificado por Ana Mae Barbosa há 30 anos (Barbosa, 1989BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil - realidade hoje e expectativas futuras. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n. 7, p. 170-182, 1989. Available at: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8536/10087>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.revistas.usp.br/eav/article/v...
), e ainda não resolvido: compor um campo conceitual que consiga implementar um suporte para essa modalidade educacional. Problema que não é apenas brasileiro: “[...] o suporte orçamentário concedido pelo ministério da cultura [francês], que tem efeitos reais quanto ao aumento de beneficiários, não é acompanhado por uma conceitualização forte e compartilhada” (Bordeaux, 2018BORDEAUX, Marie-Christine. L’EAC, ou la construction progressive d’un agenda politique en France pour les arts et la culture à l’école. In: FOURREAU, Éric (dir.). L’éducation artistique dans le monde: Récits et enjeux, Toulouse: Ed. de L’Attribut, 2018. P. 259-269., p. 267-268).

Mesmo se não infligimos esse tom alarmista sobre o trabalho conceitual já realizado nesse campo, temos de reconhecer a necessidade de se disseminar, para fora e além de nichos sociais diretamente relacionados às artes, argumentos consistentes que promovam a necessidade da educação teatral. Tarefa difícil e pouco enfrentada, ou mesmo entendida.

E talvez essa situação se deva, dentre outras razões, a problemas internos aos próprios argumentos. Mesmo os termos em que os problemas relativos ao ensino de artes devam ser examinados talvez ainda não tenham sido bem colocados. As falsas questões relativas à transferência de competências (aulas de artes servirem para aprimorar capacidades linguísticas, matemáticas ou socioemocionais), bem como a abordagem superficial sobre o utilitarismo quanto ao ensino de artes, são sintomas disso.

E um dos motivos pelos quais essa questão não tenha sido devidamente elaborada, muito menos respondida, pode ser o fato de que os responsáveis por abordar o problema não o vejam como tal (um problema), mas como algo já dado, resolvido. Para os profissionais da arte e de seu ensino, a pergunta fatal por que as artes são importantes para o mundo e essenciais na educação? sempre foi, de algum modo, resolvida - as artes são importantes para mim. Reforçando, para artistas e professores de artes, a importância da arte na vida em todos os dias é uma resposta, e não uma pergunta: “[...] a EAC2 2 Educação Artística e Cultural - sigla comum na França. está assentada sobre um forte voluntarismo dos meios relacionados à cultura: neste caso, desenvolver a imaginação e a expressão são palavras de ordem que não levantam questão alguma e são até reivindicadas por políticos e responsáveis pela cultura” (Bordeaux, 2016BORDEAUX, Marie-Christine (coord.). L’évaluation des “effets” de l’éducation artistique et culturelle - Étude méthodologique et épistémologique (rapport finale). Grenoble: GRESEC - Université Grenoble Alpes; Éducation Cultures Politiques, août, 2016. Available at: <https://recherche.univ-lyon2.fr/ecp/ressources/axe-3/levaluation-des-effets-de-l2019education-artistique-et-culturelle-etude-methodologique-et-epistemologique/view>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://recherche.univ-lyon2.fr/ecp/ress...
, p. 11).

Além disso, as razões que os atores sociais desse conflito, no Brasil e na França, empregam como justificativas para a presença das artes na escola não são unânimes. Menos do que um sintoma de uma riqueza epistemológica, num cenário de “definições contraditórias”, “numerosos desacordos”, numa complexificação que “fragilizou seus objetivos” (Bordeaux, 2018BORDEAUX, Marie-Christine. L’EAC, ou la construction progressive d’un agenda politique en France pour les arts et la culture à l’école. In: FOURREAU, Éric (dir.). L’éducation artistique dans le monde: Récits et enjeux, Toulouse: Ed. de L’Attribut, 2018. P. 259-269., p. 263), podemos ver essa indefinição de justificativas como a falta de uma unidade necessária para a formação de políticas fortes de educação artística.

É necessário enfrentar o desafio de justificar de modo convincente a presença de aulas de artes no currículo das escolas, se existe um desejo de se generalizar e/ou tornar obrigatório o ensino de artes para todos. Disputa relacionada a tempo, dinheiro e, o que não é muito explicitado, a opções de vida no sentido mais amplo.

Linhas Estratégicas

Marie-Christine Bordeaux (2017)BORDEAUX, Marie-Christine. L’éducation artistique et culturelle à l’épreuve de ses modèles. Éditions de la Maison des sciences de l’homme. Quaderni, Paris, v. 1 n. 92, p. 27-35, 2017. Available at: <https://www.cairn.info/revue-quaderni-2017-1-page-27.htm>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.cairn.info/revue-quaderni-20...
, ao comparar o teor de dois textos de referência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre a educação artística, identifica o que ela chama de:

[...] uma tensão entre duas orientações: de uma parte, a afirmação da prática das artes e da iniciação cultural como direitos em si e não como meios dirigidos a outro fim [‘Roteiro para a Educação Artística’, 2006]; de outra parte, a adaptação às demandas econômicas da sociedade [‘Agenda de Seul’, 2010] (Bordeaux, 2017BORDEAUX, Marie-Christine. L’éducation artistique et culturelle à l’épreuve de ses modèles. Éditions de la Maison des sciences de l’homme. Quaderni, Paris, v. 1 n. 92, p. 27-35, 2017. Available at: <https://www.cairn.info/revue-quaderni-2017-1-page-27.htm>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.cairn.info/revue-quaderni-20...
, p. 27).

Essa mudança sintomatiza a crescente influência da agenda econômica mundial sobre os valores e critérios que orientam a educação artística, que, frequentemente de modo diverso, associou-se mais ao desejo de melhorar a vida “[...] não pelo acúmulo de bens materiais, mas pela constituição de valores eticamente aceitos por uma determinada comunidade” (Icle, 2010ICLE, Gilberto. Pedagogia Teatral como Cuidado de Si. São Paulo, HUCITEC, 2010., p. 23). Além disso, nestas diretrizes da UNESCO de 2006 e 2010, podemos perceber um jogo entre duas forças, apesar da multiplicidade de configurações que essa dicotomia pode assumir: a adesão aos imperativos do mercado e, se lhe opondo, uma recusa a seus poderes.

Em vista desse jogo de forças, de forma análoga gostaria de tipificar duas linhas de argumentação em defesa da educação artística. Mesmo que sejam bem imbricadas, por vezes é possível fazer uma discriminação clara entre suas características.

A primeira é a que considero a argumentação mais primordial: adotar a dimensão estética como critério privilegiado para a avaliação da vida. Reconhecer a importância da estética como forma de compor o mundo (Kerlan, 2017KERLAN, Alain. La tâche Culturelle à l’âge des Banques de Données. In: FORAY, Philippe; KERLAN, Alain. Le métier d’enseigner - Approches philosophiques. Nancy: PUN - Éditions Universitaires de Lorraine, 2017. P. 201-217.) e produzir a política (Rancière, 2008RANCIÈRE, Jacques. Les paradoxes de l’art politique. In: RANCIÈRE, Jacques. Le spectateur émancipé. Paris: La Fabrique Éditions, 2008. P. 56-92.). Neste paradigma estético, a influência de Friedrich Nietzsche, Gilles Deleuze e Félix Guattari é imprescindível. E, na esteira do pensamento de Deleuze e Espinosa (Silva, 2013SILVA, Cíntia Vieira da. Corpo e pensamento: alianças conceituais entre Deleuze e Espinosa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.), a abordagem é intensiva: não se trata de priorizar a arte como instituição ou fenômeno cultural, mas como operação estética que permeia cotidianamente a vida. Não interessam tanto as formas acabadas do teatro, mas suas intensidades, suas operações - a teatralidade, passível de existir em qualquer lugar e de qualquer modo. E no caso da educação teatral, suas operações cognitivas teatrais (Magela, 2018MAGELA, André L. L. Cognição Teatral e Educação. Rascunhos. Caminhos da pesquisa em artes cênicas, Uberlândia, v. 5, n. 3, p. 302-318, dez. 2018. Available at: <http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunh...
).

Removendo a vida estética de um lugar sobrenatural, utópico e inacessível, essa perspectiva consiste em misturar a arte com o comum, configurando um efetivo processo democrático (Kerlan, 2015KERLAN, Alain. A experiência Estética, uma nova Conquista Democrática. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 266-286, 2015. Available at: <https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/49193>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://seer.ufrgs.br/presenca/article/v...
), uma disseminação plena da arte e seu ensino. Na contemporaneidade, uma (re)integração:

Em contraste com o credo, totalmente romântico, de que a vida deveria ser arte, esse movimento nasce da percepção de que o artístico é uma dimensão da vida como muitas outras, uma dimensão que, pelo menos nas sociedades ocidentais esclarecidas, tem sido mantida à distância, e, portanto, tornada inócua, por muito tempo. O desafio enfrentado é justamente reintegrá-la, retirando-a de seu pedestal e restaurando sua ‘normalidade’. Tudo isso não pode deixar de reverberar no campo da educação artística. Mas isso não acontece. Ainda não (Gielen; Van Heusden, 2015GIELEN, Pascal; VAN HEUSDEN, Barend. Arts Education beyond Art: teaching arts in times of change. Amsterdam: Valiz, 2015., p. 12).

Nessa linha de argumentação, aulas que deem conta das dimensões estéticas da vida praticariam e educariam o que podemos considerar como mais importante para nós - viver a beleza. A vida como obra de arte, na qual cada evento constitui uma obra de acordo com os critérios estéticos que podem ser utilizados ou produzidos. Em suma, a arte como forma fundamental de compor o mundo; e as aulas de arte na vida, da vida, para a vida ser uma grande arte:

O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feita por especialistas, que são os artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida? (Foucault, 1995FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. P. 231-249., p. 261).

Isso nos distancia dos critérios utilitaristas em vigor na sociedade, uma vez que a arte é que funciona como valoração maior. Nessa estética da existência, que julga aquilo que nos cerca e nos constitui, a vida é uma obra a ser construída com zelo, e à qual devemos ser fiéis (Kerlan, 2004KERLAN, Alain. L’Art pour éduquer: la tentation esthétique. Saint-Nicolas (Québec): Les Presses de l’Université Laval, 2004.). Em seu desdobramento educativo, essa perspectiva se configura como uma orientação para toda a educação com base em valores estéticos:

Em sua forma mais radical, esse processo é alimentado por um pensamento educativo para o qual a arte não é mais apenas um recurso e uma nova base ao serviço de aprendizagens e de outros objetivos da escola, mas, na verdade, a única educação plenamente realizada, a única maneira de cumprir plenamente o ideal educativo: aqui, só a arte educa plenamente. [...] Todas essas formas fazem parte de um paradigma alternativo em educação, que, na minha opinião, atesta a ascensão do paradigma estético na educação (Kerlan, 2013KERLAN, Alain. À la source educative de l’art. STAPS, Paris, v. 4, n. 102, p. 17-30, 2013. Available at: <https://www.cairn.info/revue-staps-2013-4-page-17.htm#>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.cairn.info/revue-staps-2013-...
, p. 17).

Nesse caminho, se assumimos a necessidade de um paradigma estético para a cultura escolar, podemos estendê-lo, fazendo-o transbordar, em direção à vida como um todo. Deste modo, as aulas de arte diriam respeito não tanto à arte instituída sob forma de expressões realizadas por profissionais, ou mesmo à definição senso comum sobre a educação artística, “[...] todas as atividades voltadas para transmitir um patrimônio cultural aos jovens e permitir que eles entendam e criem sua própria linguagem artística” (Bamford, 2006BAMFORD, Anne. The Wow Factor: global research compendium on the impact of the arts in education. New York: Waxmann Münster, 2006., p. 119); ou, mesmo de modo mais amplo, a tentativas de expandir o escopo da educação artística convencional:

A educação artística e a educação cultural incluem a educação para as artes (por exemplo, a promoção de jovens talentos que podem formar a próxima geração de artistas), em artes (por exemplo, incentivando todos a usar sua capacidade para a experiência artística), e através das artes (usando as artes para outros propósitos, por exemplo, para usar múltiplos estilos de aprendizagem ou para ser criativo em campos não-artísticos). A educação artística ou educação cultural incentiva as pessoas a aprender sobre sua herança cultural e a se envolver com várias formas de arte tradicional e contemporânea (educação artística no sentido estreito) e a cultura cotidiana (educação cultural no sentido amplo) como fonte e recurso para sua vida presente e futura (Wagner; Veloso, 2019WAGNER, Ernst; VELOSO, Luísa. Arts Education and Diversity: terms and concepts. In: FERRO, Lígia; WAGNER, Ernst; VELOSO, Luísa; IJDENS, Teunis; LOPES, João Teixeira. Arts and Cultural Education in a World of Diversity. Cham: Springer, 2019. P. 01-10., p. 4).

Diversamente daquilo que é mais adotado, o ensino de artes em escolas diria respeito às operações artísticas presentes na vida de todos, em todos os âmbitos. É como pensar que as aulas de matemática não são dirigidas à prática dos engenheiros, mas sim à experiência matemática presente em tudo o que fazemos: “[...] não existem ‘atletas’: todos os homens são atléticos e há que desenvolver as potencialidades de todos, e não só de alguns eleitos que se especializam” (Boal, 1979BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979., p. 17).

A referência é uma educação estética da vida, cuja concepção extrapola “[...] a atividade artística strictu sensu, designando aspectos implicados nas formas de nos relacionarmos e conhecermos a realidade” (Quilici, 2015QUILICI, Cassiano Sydow. Educação Estética. In: KOUDELA, Ingrid Dormien; ALMEIDA JÚNIOR, José Simões de. Léxico de Pedagogia do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015. P. 61-62., p. 61). Daí a preferência pelo termo Educação Teatral, que considero mais amplo do que Pedagogia do Teatro, a meu ver excessivamente subsumido por aquilo que os artistas fazem, pela atividade profissional e reconhecível do teatro (que, mesmo que seja contemporânea, singular e transgressora, não é o efetivo tema destas aulas).

Esse posicionamento começa a caracterizar a segunda linha estratégica de argumentação que eu gostaria de identificar. Ela paradoxalmente tenta satisfazer o aspecto utilitário e relacionado à manutenção da sobrevivência, de forma próxima ao exemplo da OCDE que inicia esse texto.

A resposta mais comum à desvalorização das artes em nossas escolas tem sido insistir em justificativas instrumentais que reivindicam valor para as artes por causa do que elas podem fazer pelos tipos básicos de escolarização (ou pela economia, embora eu não esteja discutindo as reivindicações monetárias aqui) (Winner, 2019WINNER, Ellen. How art Works: a psychological exploration. New York: Oxford University Press, 2019., p. 168).

Encontramos exemplos desse tipo de tentativa no livro Art for Art’s Sake?: The impact of Arts Education, publicado pela OCDE (Winner et al., 2013WINNER, Ellen et al. Art for Art’s Sake?: the impact of arts education. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: <https://read.oecd-ilibrary.org/education/art-for-art-s-sake_9789264180789-en#page1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://read.oecd-ilibrary.org/education...
), que analisa pesquisas abordando a educação artística quanto ao seu suposto poder de beneficiar habilidades gerais e transversais, tais como criatividade, imaginação, pensamento crítico, perseverança e motivação, habilidades comunicativas e sociais, bem como a capacidade complexa de cooperação. O pano de fundo dessa obra é o fomento, pela educação, da inovação e criatividade.

Esse poder foi também invocado pela International Society for Education Through Art (INSEA), em 2016, em uma carta contra medidas do governo brasileiro que ameaçavam a educação artística em nosso país. A carta mencionava competências caras à cultura empresarial e indicava que aulas de arte desenvolvem habilidades que lhes são afeitas. Os argumentos da INSEA adotavam claramente a tática política de tentar um diálogo pedagógico com setores da sociedade menos próximos ao sistema artístico e com perspectivas de mundo mais produtivistas e neoliberais. A carta afirma, por exemplo, que:

[...] as sociedades do século XXI precisam de um número crescente de trabalhadores criativos, flexíveis, adaptáveis e inovadores [...] [e que] [...] a educação artística ou o ensino de artes também é um meio à disposição das nações para preparar os recursos humanos necessários para explorar seu precioso capital cultural (International..., 2016).

Reconheço o mérito dessas duas iniciativas, embora as considere excessivamente harmônicas com uma cultura de capital humano, o que demanda reservas (López-Ruiz, 2007LÓPEZ-RUIZ, Osvaldo J. Os Executivos das Transnacionais e o Espírito do Capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007.). E é quase inevitável que associações de aulas de artes com a formação de mão-de-obra sejam capturadas ou atendam acriticamente a uma ideologia de profissionalização da educação (Laval, 2019LAVAL, Christian. A Escola não é uma Empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019.), e ao objetivo de “[...] garantir que os alunos possam desenvolver as habilidades necessárias para se adaptar às sociedades de inovação e se tornar seus promotores” (Winner et al., 2013WINNER, Ellen et al. Art for Art’s Sake?: the impact of arts education. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: <https://read.oecd-ilibrary.org/education/art-for-art-s-sake_9789264180789-en#page1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://read.oecd-ilibrary.org/education...
, p. 24)3 3 Esta citação não é exatamente uma afirmação de Ellen Winner, Thalia Goldstein e Stéphan Vincent-Lancrin, autores deste livro de 2013, pela OCDE. Aqui, eles se referem de modo inespecífico a uma obra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2010) dedicada à inovação, que foi atualizada e ampliada em 2015. Pesquisando o PDF, eu consegui estabelecer uma relação dessa frase citada com a página 79 da obra sobre inovação de 2010. :

O trabalho da OCDE sobre capital baseado em conhecimento sugere que um foco exclusivo destes esquemas [de inovação] na STEM4 4 STEM - Sciences, Technology, Engineering, Mathematics (educação baseada e focada em Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemática). é muito limitado. No Reino Unido, por exemplo, quase metade dos acadêmicos das artes criativas e da mídia estão envolvidos de alguma forma com negócios. Essa realidade, que reflete a mudança da natureza da inovação, também precisa ser refletida nos programas governamentais (Organização..., 2015ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The Innovation Imperative: contributing to productivity, growth and well-being. Paris: OECD Publishing, 2015. Available at: https://www.oecd.org/publications/the-innovation-imperative-9789264239814-en.htm. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.oecd.org/publications/the-in...
, p. 73).

Ao mesmo tempo, apesar de todas essas críticas, a necessidade de diálogo com os atores sociais mais ligados ao maisntream econômico se desdobrará aqui menos como recusa inflexível do que em uma cautela produtiva. Em outras palavras, entre o que é (ou parece ser) e o que deve ser (ou ao menos desejamos), podemos conceber ações minimamente legítimas e pragmáticas.

Deslocamento

Existe uma querela antiga e frequente na educação artística em geral e na teatral - a perspectiva intrínseca versus a extrínseca. Em um polo temos o ensino de teatro (intrínseco), que tem como objetivos e orientadores os aspectos técnicos e valores internos ao nicho social específico de seu ramo artístico. No polo antagônico, o ensino pelo teatro (extrínseco), que assunta algo externo aos interesses imediatos do teatro como instituição social - por exemplo, montar uma peça em que o tema explícito seja leis da física ou questões de cidadania. Ou mesmo o treino de habilidades socioemocionais pela prática de atuação.

Uma opção pode ser configurada, tomando-se como base referências diferentes das que são comumente utilizadas. Percebo que o aparato conceitual derivado da filosofia intensiva de Deleuze e Guattari (após Espinosa) sugere outro caminho para essa falsa oposição. Porque se a arte e o teatro são vistos como dimensão intensiva, operacional, funcional (que pode ocorrer, com a mesma natureza, mas em modos diferentes, tanto na vida comum como nas manifestações artísticas e na escola), seu ensino sempre será de arte, de teatro - assunto já desenvolvido em outros textos deste autor (Magela, 2018MAGELA, André L. L. Cognição Teatral e Educação. Rascunhos. Caminhos da pesquisa em artes cênicas, Uberlândia, v. 5, n. 3, p. 302-318, dez. 2018. Available at: <http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunh...
; 2019aMAGELA, André Luiz Lopes. Normatividade da Cooperação em Aulas de Teatro. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 34, p. 110-128, 2019a. Available at: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101342019110>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.revistas.udesc.br/index.php/u...
; 2019bMAGELA, André Luiz Lopes. Educação Teatral como Produção de Subjetividade. Conceição/Conception, Campinas, v. 8, n. 2, p. 50-74, dez. 2019b. Available at: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8656489>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
). Ensino que visa a se tornar potência na vida de seus alunos de vários modos - na vida pessoal, nas profissões em geral ou em práticas artísticas identificáveis como tal.

Associam-se, então, as aulas de teatro com o cotidiano de todas as pessoas de forma funcional e/ou operacional. Afirmar, seguindo semelhanças entre teatro e vida que já foram feitas por pensadores como Erving Goffman (1956GOFFMAN, Erving. The Presentation of Self in Everyday Life (monograph report). Edinburgh: University of Edinburgh Social Sciences Research Centre, 1956.; 1974)GOFFMAN, Erving. Frame Analysis: an essay on the organization of experience. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1974., dentre outros, que elementos teatrais ou de teatralidade estão sempre presentes em nossas vidas práticas. Logo, sua presença pedagógica no sistema educacional seria relevante para todos os cidadãos também nos âmbitos relacionados à sobrevivência, à geração de riqueza, às soluções de problemas - dos mais comuns aos mais graves.

A aposta é que essa abordagem atenda a uma visão “essencialista” (Japiassú 2001JAPIASSÚ, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro. Campinas: Papirus, 2001., p. 22), “intrínseca” (Bordeaux, 2017BORDEAUX, Marie-Christine. L’éducation artistique et culturelle à l’épreuve de ses modèles. Éditions de la Maison des sciences de l’homme. Quaderni, Paris, v. 1 n. 92, p. 27-35, 2017. Available at: <https://www.cairn.info/revue-quaderni-2017-1-page-27.htm>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://www.cairn.info/revue-quaderni-20...
, p. 30) ou “estética” (Decoursey, 2018DECOURSEY, Matthew. Embodied Aesthetics in Drama Education: theatre, literature and philosophy. New York: Bloomsbury, 2018., p. 9) do ensino de teatro, e ao mesmo tempo apazigue os imperativos extrínsecos, por reposicionar e reconfigurar as perguntas e visões que têm sido utilizadas para se pensar o utilitarismo no ensino de teatro.

Uma decorrência disso é uma outra perspectivação quanto aos termos e conceitos utilizados nas discussões sobre o ensino de artes e sua importância na sociedade. Como já dito, neste recorte, que desloca as discussões tradicionais sobre a educação teatral, o componente principal dessas aulas não seria tanto ensinar o teatro já realizado e consagrado (peças ou textos de teatro) ou facilitar o contato com manifestações teatrais instituídas e convencionalmente consideradas como tal. Seria, diferentemente, fomentar que o aluno faça da sua vida uma obra de arte teatral. Esta cognição teatral, um objeto inventado (Bachelard, 1947BACHELARD, Gaston. La formation de l’esprit scientifique. Paris: Librairie Philosophique L. Vrin, 1947.) (Bourdieu, 1968BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Le métier de sociologue: préalables épistémologiques. Berlin; New York: Mouton de Gruyter, 1968.), é que seria o efetivo conteúdo das aulas de educação teatral (Magela, 2018MAGELA, André L. L. Cognição Teatral e Educação. Rascunhos. Caminhos da pesquisa em artes cênicas, Uberlândia, v. 5, n. 3, p. 302-318, dez. 2018. Available at: <http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunh...
).

Outra consequência analítica dessa visão, em termos de política educacional e social, é que a falta de obrigatoriedade da educação teatral em todo o sistema de ensino não quer tanto dizer que crianças e jovens não serão obrigados a fazer aulas de teatro. Não quer dizer que eles serão livres. Ela significa que eles não terão garantido o acesso a aulas de teatro elaboradas e conduzidas sistematicamente para sua educação teatral. Quer dizer que a teatralidade que já existe em sua vida (que, como a língua portuguesa, eles têm de dominar para não ser mal dominados) não será abordada pela escola dentro de uma política pública que visa, a princípio, o melhor para cada aluno (mesmo errando eventualmente). Que esse componente capital de suas vidas estará à mercê do acaso, das variações por vezes nocivas ou deficitárias das características culturais dos pais, das determinações socioculturais e econômicas por vezes excessivamente locais, da cultura de massa, dos anunciantes da mídia - interesses que não querem necessariamente o melhor para os alunos, pois os veem como alguém de quem se tira proveito como consumidor, força de trabalho, eleitor por conveniência.

São competências (sic) teatrais a ser alimentadas em uma aula de teatro, em uma política educacional que deve visar o bem do aluno, sua potência teatral de vida (Magela, 2019bMAGELA, André Luiz Lopes. Educação Teatral como Produção de Subjetividade. Conceição/Conception, Campinas, v. 8, n. 2, p. 50-74, dez. 2019b. Available at: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8656489>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
). Se professores e escolas não fazem isso, a mídia, as forças de consumo e os interesses privados e de ocasião o farão, para seus interesses.

(Largar os) Ossos do Ofício

Se acolhermos essa atitude mais radical, tornamo-nos consternados com o fato de que perspectivas que associem, de modo mais autônomo, as aulas de artes em escolas à estética da vida não foram ainda satisfatoriamente abordadas. E que a necessidade de se estabelecer claramente a conexão entre o teatro e a trama da vida não foi devidamente tomada em conta na educação.

Quando a vida do aluno ou a importância das aulas de teatro para o cotidiano entram em qualquer análise, o que normalmente se avalia são transformações pessoais que poderiam ocorrer com qualquer outra aula que dinamize melhor seus vínculos sociais, não havendo uma percepção dos aspectos teatrais em seu cotidiano.

Um grande paradoxo na educação teatral é que talvez ela será tão mais importante quanto mais ordinária se tornar na rotina escolar e na existência de todos. Para uma maior inserção do teatro (e suas aulas) na sociedade, talvez seja preciso haver uma implantação da vida ordinária no teatro. Contaminação recíproca, que não é apenas deixar a cidade ou a vida entrar no palco como tema, mas sim aceitar e reconhecer a legitimidade do teatro da vida comum; aceitar que as relações humanas e a experiência do tempo e do espaço na vida de todos, e não apenas o trabalho dos artistas profissionais, também são teatro. Em outros termos, as aulas não são do teatro, mas de teatro.

Se é um teatro bom ou ruim, isso deve ser avaliado em termos de potência de vida e capacidade de agenciamento teatral (Magela, 2019bMAGELA, André Luiz Lopes. Educação Teatral como Produção de Subjetividade. Conceição/Conception, Campinas, v. 8, n. 2, p. 50-74, dez. 2019b. Available at: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8656489>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
). Trata-se aqui da defesa de uma abordagem Freireana na educação teatral, ao alimentar centelhas de potência teatral na vida dos alunos, acolhendo as configurações de teatralidade que lhe sejam pertinentes (e não apenas as formas previamente aceitas de teatro). Também é uma convocação a examinarmos melhor ou com mais eficácia argumentativa o porquê de haver aulas de teatro para todos e que tipo de conteúdo-abordagem elas devem ter - um modo que não contemple apenas o ponto de vista dos profissionais do teatro e mesmo os de sua educação. Enquanto não forem priorizados os interesses mais abrangentes de todos os alunos, a educação teatral não cumprirá um papel efetivo como elemento integrante da educação básica e continuará sendo desimportante para os que são estranhos “[...] a um pequeno grupo de iniciados (profissionais de teatro ou aficionados do teatro amador)” (Japiassú, 2001JAPIASSÚ, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro. Campinas: Papirus, 2001., p. 22).

Se essa abordagem aqui defendida deseja contribuir para uma melhoria das aulas de teatro, ao estabelecer um escopo pertinente pedagogicamente (aulas de teatro em uma abordagem intensiva, nos aspectos operacionais do teatro, que ocorrem tanto em peças de teatro como na vida), ela também adveio de um pragmatismo. Porque ela atenderia a um utilitarismo peculiar: se o sentido profundo da vida é estético e o teatro está entranhado no cotidiano, logo aulas que dizem respeito a isto estariam no cerne de uma educação para a vida (alegação implícita da OCDE, por exemplo). Este argumento peculiar se constitui pela ideia de que não é o caso de que aulas de teatro não sejam utilitárias: é o utilitarismo hegemônico que precisa ser aprofundado e expandido, retificado até.

Mas isso acarreta outro paradoxo: tornar central o paradigma estético, o argumento essencialista, é a atitude mais suscetível, vulnerável, devido a conflitos quanto aos modos de vida que podemos e devemos ter. Primeiro, por seu componente político e crítico inevitável e imediato, se consideramos que a educação teatral pode reconfigurar os modos de percepção-produção da realidade:

Eu penso que a questão da cena é também ligada muito fortemente à questão da aparência, na medida em que a aparência não é o contrário da realidade, a caverna, mas propriamente a cena da manifestação. Não há uma cena e um atrás da cena, uma caverna e um lugar da verdade; há um espaço de aparência onde jogamos sempre aparência contra aparência. Assim, é feito aparecer o mundo onde os plebeus falam onde eles eram supostos não falar. A teatralidade é a construção de um outro universo de aparências: o fato de fazer aparecer aquilo que não aparece, ou de fazer aparecer de um outro modo aquilo que aparecia segundo um certo modo de visibilidade e de inteligibilidade (Rancière, 2018RANCIÈRE, Jacques. La Méthode de la Scène. Paris: Lignes, 2018., p. 14).

As aulas de artes não remetem apenas ao que importa na vida de modo ulterior. Elas se conectam a valores, ideias, estruturas intelectuais e ideologias relacionadas à sobrevivência:

A desigualdade não é econômica ou tecnológica: ela é ideológica e política. [...] O ponto importante é que as relações de poder não são apenas materiais: são também e acima de tudo intelectuais e ideológicas. Em outras palavras, as ideias e ideologias contam na história. Eles tornam possível imaginar e estruturar constantemente novos mundos e sociedades diferentes. Múltiplas trajetórias são sempre possíveis (Piketty, 2019PIKETTY, Thomas. Capital et Idéologie. Paris: Éditions du Seuil, 2019., p. 32).

Além disso, mesmo sem considerar seus componentes críticos, implícitos na capacidade das artes de (re)compor mundos, esse paradigma estético (priorizar a arte como valor maior da vida), coloca muito fortemente em questão o tipo de utilitarismo que domina as relações de produção na sociedade (incluindo a produção de modos de viver). Utilitarismo que relega às artes um local secundário e prioriza atividades e estudos que concernem, por exemplo, aos cursos de engenharia, gestão e de administração. Utilitarismo associado às ciências exatas e da natureza - talvez não necessariamente ao seu campo epistemológico ou seus rigores, mas principalmente ao seu caráter de intervenção sobre a natureza, previsão e controle dos fenômenos (Sousa Santos, 1988SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um Discurso sobre as Ciências na Transição para uma Ciência Pós-Moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, maio/ago. 1988. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200007>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) e sua promessa de garantia de sobrevivência.

Recurso Conceitual

Após essas digressões, gostaria enfim de destacar, na segunda linha de argumentação, a questão que dá título a este trabalho. O foco não é o conteúdo desses argumentos, ou mesmo se eles são verdadeiros ou falsos, mas algo que eles têm em comum no seu aspecto de estratégia política. Mais precisamente, destaco a existência de elementos já identificados por Michel Foucault em situações de resistência aos poderes estabelecidos.

A noção de resistência está dispersa na obra de Foucault, em seu trabalho escrito e em suas entrevistas. Indiretamente, ela se relaciona aos conceitos de estratégia, luta e produção de subjetividade.

Aqui, o elemento mais importante que podemos delimitar com essa noção de resistência, enquanto lente ou ferramenta epistemológica, é que essas iniciativas argumentativas que mencionei (a carta da INSEA, o livro da OCDE sobre ensino de artes e a proposta intensiva de cognição teatral), situam-se nos mesmos espaços e modos em que são exercidos os poderes que enfrentam5 5 No caso do trabalho de Winner et al. (2013) para a OCDE, não se trata exatamente de um confronto. Mas, de todo modo, é uma ação que quer mudanças no status quo, ao defender uma maior importância para as aulas de artes. . Nesse sentido, algo a enfatizar nas declarações de Foucault é que, se essas formas de luta querem escapar de alguma forma das situações limitantes, muitas vezes o fazem em uma relação de coextensividade com os vários exercícios assimétricos de poder ou de manutenção da hegemonia: “Onde há poder, há resistência; entretanto, ou melhor, como resultado, essa resistência nunca está em uma posição de exterioridade em relação ao poder” (Foucault, 1976FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité I: la volonté de savoir. Paris: Éditions Gallimard, 1976. , p. 125-126).

Dito de outra forma, nessas estratégias não há uma solução fora das relações de poder em que elas estão inseridas. A luta se desenrola em um campo que é parte integrante do jogo de forças dominante, que lhe é interno: no caso, a valorização do utilitarismo. Invocando Foucault, é de dentro dos processos que se tenta criar pragmaticamente “[...] estratégias de confronto”, “[...] estratégias definidas pela escolha de soluções ‘vencedoras’” (Foucault, 1994bFOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - IV. Paris: Gallimard, 1994b., p. 241).

É importante dizer que essa promiscuidade (sic) cria uma ambiguidade e uma intensa contradição nessas situações de resistência. Da mesma forma que não há “[...] uma estrutura binária com de um lado os ‘dominantes’ e do outro os ‘dominados’” (Foucault, 1994aFOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - III. Paris: Gallimard, 1994a., p. 425) podemos deduzir (e constatar) que é muito difícil resolver a percepção binária de uma determinada situação - essa atitude ou ação adere ou resiste?; ela corrobora ou mina as formas de poder dominantes?. Além disso, essas ações muitas vezes têm características semelhantes ao exercício do poder instituído:

[...] que não há relações de poder sem resistência; que estas são tão mais reais e eficazes quanto se formam lá mesmo onde se exercem as relações de poder; a resistência ao poder não tem que vir de outros lugares para ser real, mas ela não está aprisionada porque é compatriota do poder. Ela existe tão mais quanto ela está lá onde está o poder; ela é, portanto, como ele, múltipla e integrada a estratégias globais (Foucault, 1994aFOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - III. Paris: Gallimard, 1994a., p. 425).

No caso da carta da INSEA, o discurso de salvaguarda das aulas de artes invoca o mesmo tom de uma escola de engenharia a fim de gerar inovação e aumentar a dita produtividade de seus alunos, futuros empregados ou empreendedores. De todo modo, esse tipo de estratégia de misturar-se com a cultura empresarial não é nova, e se mostra muitas vezes como uma necessidade ou saída negociada, como na instituição do sistema de partenariat no ensino de teatro em escolas na França:

E é com Christian Beullac [em 1977], Ministro da Educação egresso do mundo corporativo, que o conceito de ‘partenariat’ encontra pela primeira vez um quadro institucional e administrativo. Observando que a Educação Nacional deve se adaptar a um mundo econômico em rápida mudança e que as formas de transmissão do conhecimento devem ser mais abertas aos verdadeiros atores da cidade, ele defende uma abertura das escolas e uma aproximação com o mundo dos negócios. É nessa linha liberal [...] que a missão Luc6 6 Missão de ação cultural confiada a Jean-Claude Luc. desenvolve a pedagogia do projeto (Lallias, 2002LALLIAS, Jean-Claude. De L’ouverture au partenariat. In: LALLIAS, Jean-Claude; LASSALLE, Jacques; LORIOL, Jean-Pierre. Le théâtre et l’école: histoire et perspectives d’une relation passionnée. Arles: Actes sud; ANRAT, 2002. P. 95-111., p. 100).

Essas estratégias tentam, ao menos de imediato, capturar as prerrogativas dos modos de pensar mais aceitáveis para a sociedade. Dessa forma, agindo de dentro, podem proceder como linhas de resistência a modos hegemônicos e excludentes de validação da vida, tanto nas políticas públicas como no imaginário social a elas associado.

Por outro lado, apesar da necessidade histórica dessas táticas, também existem nelas restrições (especialmente a falta de autonomia da dimensão estética) e riscos, por exemplo, a adesão excessiva à expropriação da vida perpetrada pelos modos vigentes de produção econômica. Ou, como veremos agora, a excessiva validação científica da experiência.

Exame de Caso

Por essas razões, e na tentativa de justificar o ensino de teatro usando o campo cognitivo, tenho me valido, como parte importante no meu trabalho com a educação teatral, de pesquisas científicas sobre a cooperação (Magela, 2019aMAGELA, André Luiz Lopes. Normatividade da Cooperação em Aulas de Teatro. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 34, p. 110-128, 2019a. Available at: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101342019110>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.revistas.udesc.br/index.php/u...
). Trata-se de um recurso adicional de resistência: além de compor uma linha argumentativa que dialoga com o utilitarismo em vigor, tentar situá-la em uma epistemologia chancelada socialmente. Noto, neste sentido, que o PISA é composto basicamente por uma perspectiva estatística, que é o componente mais explícito nas elaborações de evidências científicas.

Essa abordagem da cooperação considera teorias mais amplas, por exemplo (Bowles; Gintis, 2011BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. A Cooperative Species: human reciprocity and its evolution. Princeton: Princeton University Press, 2011.) (Sennett, 2012SENNETT, Richard. Together: the rituals, pleasures and politics of cooperation. London: Yale University Press, 2012.), em conexão com aspectos cognitivos da cooperação. Neste último domínio, a pesquisa realizada por Michael Tomasello no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, tem um papel fundamental. Michael Tomasello, em seus estudos de psicologia cognitiva e desenvolvimento infantil, descreve meticulosamente operações de pensamento implicadas na cooperação (Tomasello, 1999TOMASELLO, Michael. The Cultural Origins of Human Cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999. ; 2014TOMASELLO, Michael. A Natural History of Human Thinking. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014.; 2016TOMASELLO, Michael. A Natural History of Human Morality. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2016.; 2019TOMASELLO, Michael. Becoming Human: a theory of ontogeny. Cambridge: Harvard University Press, 2019.) e seu papel crucial na constituição da cultura.

De acordo com sua narrativa científica, os atos de pensamento cooperativo são formados por ações intersubjetivas, tais como colocar em perspectiva as ações que se toma, o conhecimento dinâmico do próprio papel e do papel dos outros, a percepção mais ampla da importância dos eventos. Entre todos esses elementos, a atenção conjunta (Eilan et al., 2007EILAN, Naomi et al. Joint Attention: communication and other minds. New York: Oxford University Press, 2007.) (Tomasello et al., 2005TOMASELLO, Michael et al. Henrike. Understanding and sharing intentions: the origins of cultural cognition. Behavioral and brain sciences, Cambridge/MA, v. 28, p. 675-735, 2005.) é a capacidade cognitiva fundamental para que todas as outras operações possam se produzir. A atenção conjunta consiste em se envolver com pessoas e objetos em triadismo - triangular a atenção com outros, tendo como matéria entidades e situações ao seu redor. Essa abordagem da cooperação para as aulas de teatro (Magela, 2019aMAGELA, André Luiz Lopes. Normatividade da Cooperação em Aulas de Teatro. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 34, p. 110-128, 2019a. Available at: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101342019110>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.revistas.udesc.br/index.php/u...
) enfoca principalmente as ações corporais coordenadas, majoritariamente sem fala.

Resistência como Adesão (e Vice-Versa)

O que parece ser o elemento mais pragmático na utilização desses estudos para a educação teatral é que todas essas operações cognitivas descritas têm uma similaridade quase total com elementos de atenção identificáveis na base da prática de atuação teatral. Assim, essa aproximação entre o ensino de teatro e essas descrições cognitivas mais gerais seria uma conexão dessas aulas com algo que satisfaz os imperativos da sobrevivência e do utilitarismo hegemônico: a cooperação.

Em situações em que o utilitarismo se torna o pretexto para a existência das coisas, qualificar de modo mais aceito a aula de teatro como útil pode ser uma forma de resistência. A proposta é, portanto, pesquisar como essa interpretação científica da cooperação pode ser imbricada a uma descrição analítica de exercícios e jogos teatrais. Com isso, compor uma compreensão dessa prática pedagógica que forneça um ponto de contato entre aulas de teatro e outras epistemologias próximas à “[...] forma dominante de compor um mundo” (Kerlan, 2017KERLAN, Alain. La tâche Culturelle à l’âge des Banques de Données. In: FORAY, Philippe; KERLAN, Alain. Le métier d’enseigner - Approches philosophiques. Nancy: PUN - Éditions Universitaires de Lorraine, 2017. P. 201-217., p. 215), no caso, a científica.

A ação da resistência residiria no deslocamento da luta argumentativa para o interior de uma epistemologia hegemônica, onde se situa o exercício de poder (Foucault, 1994aFOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - III. Paris: Gallimard, 1994a.) - a ciência. O intento é transformar relações subalternas da educação teatral com os modos de saber e conhecimento instituídos (Foucault, 1994bFOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - IV. Paris: Gallimard, 1994b.), ao reconhecer e lidar com a realidade deles, seu poder manifesto - a importância que a sociedade dá às ciências naturais.

Assim, a estratégia consiste em assumir esse aspecto das aulas de teatro caracterizado como cognitivo e ressaltar seu poder pedagógico de aumentar a cooperação nas interações dos alunos em suas vidas diárias (e, claro, no futuro ambiente de trabalho). Essa perspectiva científica das aulas de teatro pode produzir uma resistência política imediata e eficaz: uma validação discursiva reconhecível para as instâncias públicas, para os atores sociais que influenciam o destino de recursos materiais e simbólicos que fornecem as condições necessárias para a educação teatral nas escolas.

Ao mesmo tempo, lembro que o convencimento final desejado não é que as aulas de artes melhoram outras formas importantes de estar no mundo, mas sim que a experiência estética (em aula ou na vida) já é o que importa. Que é a beleza, e não a subsistência, o mais importante para nossa vida. Entretanto, mudar toda uma valoração questionável de vida (em que carros potentes são mais importantes do que uma vida potente) é difícil em uma luta direta. Por isto, essa caracterização estratégica das aulas de teatro como um setting de treinamento cooperativo pode ser um nível intermediário de luta.

Decorrência Necessária

Neste momento, gostaria de reforçar, nesta descrição cognitiva, seu caráter de narração e discurso (Sousa Santos, 1988SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um Discurso sobre as Ciências na Transição para uma Ciência Pós-Moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, maio/ago. 1988. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200007>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), enquanto intermediário para uma maior aceitação da necessidade e obrigatoriedade de aulas de teatro por parte da sociedade. É preciso ter clareza de que essa descrição em termos cognitivos é uma ferramenta, tomando o cuidado de não achar que a ferramenta é a obra.

Por um lado, concordo com essa categorização de aulas de teatro na educação básica como situação a ser analisada cognitivamente. Aceito e me engajo na ideia de que as aulas de teatro podem praticar, sim, essas operações cognitivas. E, mais ainda, que essa perspectiva enriquece a elaboração e condução de aulas de teatro e as pesquisas sobre a educação teatral.

Por outro lado, é necessário ser vigilante e manter reservas quanto a esse aplicacionismo. Pois, uma vez que reconhecemos a legitimidade dessa utilização das ciências sobre as aulas de teatro e sua pedagogia, há uma outra operação necessária, e que ao mesmo tempo parece estar implicada em se deixar claro que esse uso é uma resistência.

O conceito de resistência se torna, aqui, uma chave de compreensão; e captura (conveniente, neste caso). Considerar o conceito de resistência pode ajudar a que esse atrelamento entre a educação teatral e essas pesquisas científicas sobre cognição não funcione como uma explicação ou essencialização dessas atividades como cognitivas - no limite, ceder à sedução de uma neuroeducação (Rose; Abi-Rached, 2013ROSE, Nikolas S.; ABI-RACHED, Joelle M. Neuro: the new brain sciences and the management of the mind. New Jersey: Princeton University Press, 2013.), reduzida ao utilitarismo imediato. Porque há sempre o risco de se adotar as operações epistemológicas científicas de uma forma absoluta, como verdade exclusiva sobre as coisas - cair no fascínio causado por sua positividade, que pode configurar uma palavra final da ciência sobre essas aulas de teatro.

E a caracterização desta relação entre as aulas de teatro e a psicologia cognitiva como uma estratégia de resistência (e talvez ela seja só isso) pode ser, por sua vez, uma resistência a um aplicacionismo ingênuo e sem contradições da ciência sobre a educação teatral. Neste momento de reflexão, agora, quem está sendo aplicado é o conceito de Foucault, como uma caixa de ferramentas, uma forma de nos guiar a “[...] escapar dos dispositivos de identificação, de classificação e de normalização do discurso” (Revel, 2005REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005., p. 74).

Abordar a teatralidade como operações cognitivas teatrais identificadas e dissecadas, fazendo uma categorização e taxonomia, reduz a totalidade ou a potência das aulas de teatro, principalmente na sua dimensão de experiência irredutível à descrição. Mas, ao mesmo tempo, o conceito de resistência caracteriza e analisa esse uso classificatório da psicologia cognitiva; e proporciona, assim, uma distância dessa aplicação científica.

O conceito de resistência nos ajuda a lembrar que a caracterização dessas aulas de teatro como científicas e cognitivas é um identitarismo parcial e provisório. Podemos superar, portanto, o binarismo e as exclusões mútuas entre recusa e adesão, com a percepção de que essas atitudes estão sempre imbricadas; e que percorrer esses lugares não oferece complacências nem certezas.

De modo esquemático: usar essas pesquisas de cognição seria uma forma de resistência. E a designação dessa estratégia como uma resistência nos adverte para os riscos de naturalizar essa caracterização de uma aula de teatro como cognitiva. Um aplicacionismo filosófico para neutralizar, em parte, os problemas do aplicacionismo científico.

Meios e Fins

Ainda, e talvez como consequência desse distanciamento: essa aliança com a psicologia cognitiva não precisa estar fadada a racionalizar as aulas, subsumindo-as à visão da ciência. Nem chancelar superficialmente a aula de teatro de uma forma científica e defini-la como útil.

Essa ascensão na mídia de posições como as de Schleicher talvez seja uma oportunidade para investir na estratégia de constituir uma autonomia (pragmática e econômica, mas principalmente epistemológica) da cognição teatral. E, neste sentido, o discurso científico de Michael Tomasello é um recurso adequado a este momento, devido ao modo como pode ser convincente dentro desta linha argumentativa. Sua narrativa se mostra como mais propícia a criar estratégias que visam dar autonomia à dimensão estética da vida.

Primeiro, como já dito, porque as descrições dessas operações são análogas às descrições de operações de atenção com atores no jogo teatral. Dizer, portanto, que a colaboração (como descrita por Tomasello) é teatral é quase uma tautologia. Não é como em outras associações, onde o teatro pode desenvolver, por exemplo, autoestima ou inteligência emocional (e temos de adotar estatísticas baseadas em evidências indiretas).

Com os textos de Tomasello e seus colaboradores, o cotejamento entre a descrição das operações cognitivas de cooperação e as aulas de teatro apresenta um nível de autoevidência muito persuasivo. Portanto, esse paralelismo de descrições de atos cognitivos colaborativos com descrições do que acontece com atores estudantes praticando teatro não perde a afinidade com uma dimensão estética, uma vez que a descrição científica é traduzível diretamente para a teatral.

Essas pesquisas dizem respeito à sobrevivência, mas, na verdade, o centro de seu interesse é a constituição coletiva da cultura - os laços inefáveis entre as pessoas; compromissos provisórios; suposições mútuas, tácitas, indefinidas; a ação baseada em informações parciais e dinâmicas; os valores construídos de forma complexa, sob o olhar dos outros (incluindo a moralidade). Isso promove uma abordagem mais ampla e contemporânea do teatro como uma prática dessa atenção que passa por nossa cognição social (Tomasello, 1999TOMASELLO, Michael. The Cultural Origins of Human Cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999. ). A vida social, em sua dimensão cognitiva teatral, como uma grande improvisação.

Uma consequência possível deste aplicacionismo utilitário, para além da resistência, e talvez depois de uma longa luta, consiste em caracterizar as operações cognitivas da vida diária como teatrais. Eu reforço: menos do que dizer que o teatro é cognitivamente cooperativo, mostrar que a cooperação e a vida são teatrais. Isso significa, em última análise, um maior reconhecimento de operações estéticas na cognição em geral e contribuir para a inserção de escalas de valor estético na vida cotidiana.

Notas

  • 1
    Projeto iniciado por Nelson Goodman em 1967, tendo Howard Gardner como integrante perene, e que, mesmo com modificações significativas, persiste até hoje. Disponível em: <http://www.pz.harvard.edu/>. Acesso em: 02 out. 2020.
  • 2
    Educação Artística e Cultural - sigla comum na França.
  • 3
    Esta citação não é exatamente uma afirmação de Ellen Winner, Thalia Goldstein e Stéphan Vincent-Lancrin, autores deste livro de 2013, pela OCDE. Aqui, eles se referem de modo inespecífico a uma obra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (2010)ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The OECD Innovation Strategy: getting a head start on tomorrow. Paris: OECD Publishing, 2010. Available at: <https://www.oecd-ilibrary.org/content/publication/9789264083479-en>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    https://www.oecd-ilibrary.org/content/pu...
    dedicada à inovação, que foi atualizada e ampliada em 2015. Pesquisando o PDF, eu consegui estabelecer uma relação dessa frase citada com a página 79 da obra sobre inovação de 2010.
  • 4
    STEM - Sciences, Technology, Engineering, Mathematics (educação baseada e focada em Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemática).
  • 5
    No caso do trabalho de Winner et al. (2013)WINNER, Ellen et al. Art for Art’s Sake?: the impact of arts education. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: <https://read.oecd-ilibrary.org/education/art-for-art-s-sake_9789264180789-en#page1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    https://read.oecd-ilibrary.org/education...
    para a OCDE, não se trata exatamente de um confronto. Mas, de todo modo, é uma ação que quer mudanças no status quo, ao defender uma maior importância para as aulas de artes.
  • 6
    Missão de ação cultural confiada a Jean-Claude Luc.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

References

  • BACHELARD, Gaston. La formation de l’esprit scientifique Paris: Librairie Philosophique L. Vrin, 1947.
  • BAMFORD, Anne. The Wow Factor: global research compendium on the impact of the arts in education. New York: Waxmann Münster, 2006.
  • BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil - realidade hoje e expectativas futuras. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n. 7, p. 170-182, 1989. Available at: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8536/10087>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8536/10087
  • BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
  • BORDEAUX, Marie-Christine (coord.). L’évaluation des “effets” de l’éducation artistique et culturelle - Étude méthodologique et épistémologique (rapport finale) Grenoble: GRESEC - Université Grenoble Alpes; Éducation Cultures Politiques, août, 2016. Available at: <https://recherche.univ-lyon2.fr/ecp/ressources/axe-3/levaluation-des-effets-de-l2019education-artistique-et-culturelle-etude-methodologique-et-epistemologique/view>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://recherche.univ-lyon2.fr/ecp/ressources/axe-3/levaluation-des-effets-de-l2019education-artistique-et-culturelle-etude-methodologique-et-epistemologique/view
  • BORDEAUX, Marie-Christine. L’éducation artistique et culturelle à l’épreuve de ses modèles. Éditions de la Maison des sciences de l’homme. Quaderni, Paris, v. 1 n. 92, p. 27-35, 2017. Available at: <https://www.cairn.info/revue-quaderni-2017-1-page-27.htm>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.cairn.info/revue-quaderni-2017-1-page-27.htm
  • BORDEAUX, Marie-Christine. L’EAC, ou la construction progressive d’un agenda politique en France pour les arts et la culture à l’école. In: FOURREAU, Éric (dir.). L’éducation artistique dans le monde: Récits et enjeux, Toulouse: Ed. de L’Attribut, 2018. P. 259-269.
  • BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Le métier de sociologue: préalables épistémologiques. Berlin; New York: Mouton de Gruyter, 1968.
  • BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. A Cooperative Species: human reciprocity and its evolution. Princeton: Princeton University Press, 2011.
  • CHOQUET, Céline. L’art au collège: quels effets pour les eleves?. 2016. Thèse (Doctorat en Sciences de l’Éducation) - L’Université de Lyon 2, Lyon, 2016. Available at: <http://theses.univ-lyon2.fr/documents/lyon2/2016/choquet_c#p=1&a=TH.1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://theses.univ-lyon2.fr/documents/lyon2/2016/choquet_c#p=1&a=TH.1
  • DECOURSEY, Matthew. Embodied Aesthetics in Drama Education: theatre, literature and philosophy. New York: Bloomsbury, 2018.
  • EILAN, Naomi et al. Joint Attention: communication and other minds. New York: Oxford University Press, 2007.
  • FERREIRA, Taís. Artes da Cena e Educação: um comparativo entre Brasil e Itália. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 10, n. 2, 2020. Available at: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602020000200301&tlng=pt>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602020000200301&tlng=pt
  • FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité I: la volonté de savoir. Paris: Éditions Gallimard, 1976.
  • FOUCAULT, Michel. On the Genealogy of Ethics: an overview of work in progress. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault: Beyond structuralism and hermeneutics. Chicago: The University of Chicago Press, 1983. 229-252.
  • FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - III Paris: Gallimard, 1994a.
  • FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits - IV Paris: Gallimard, 1994b.
  • FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. P. 231-249.
  • GIELEN, Pascal; VAN HEUSDEN, Barend. Arts Education beyond Art: teaching arts in times of change. Amsterdam: Valiz, 2015.
  • GOFFMAN, Erving. The Presentation of Self in Everyday Life (monograph report). Edinburgh: University of Edinburgh Social Sciences Research Centre, 1956.
  • GOFFMAN, Erving. Frame Analysis: an essay on the organization of experience. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1974.
  • ICLE, Gilberto. Pedagogia Teatral como Cuidado de Si São Paulo, HUCITEC, 2010.
  • INTERNATIONAL SOCIETY FOR EDUCATION THROUGH ART (INSEA). Carta para o Governo do Brasil Portugal: INSEA, 2016. Available at: <https://insearesearchshare.files.wordpress.com/2016/11/cartadainseaparaogovernodobrasil.pdf>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://insearesearchshare.files.wordpress.com/2016/11/cartadainseaparaogovernodobrasil.pdf
  • JAPIASSÚ, Ricardo. Metodologia do Ensino de Teatro Campinas: Papirus, 2001.
  • KERLAN, Alain. L’Art pour éduquer: la tentation esthétique. Saint-Nicolas (Québec): Les Presses de l’Université Laval, 2004.
  • KERLAN, Alain. À la source educative de l’art. STAPS, Paris, v. 4, n. 102, p. 17-30, 2013. Available at: <https://www.cairn.info/revue-staps-2013-4-page-17.htm#>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.cairn.info/revue-staps-2013-4-page-17.htm#
  • KERLAN, Alain. A experiência Estética, uma nova Conquista Democrática. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 266-286, 2015. Available at: <https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/49193>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/49193
  • KERLAN, Alain. La tâche Culturelle à l’âge des Banques de Données. In: FORAY, Philippe; KERLAN, Alain. Le métier d’enseigner - Approches philosophiques Nancy: PUN - Éditions Universitaires de Lorraine, 2017. P. 201-217.
  • LALLIAS, Jean-Claude. De L’ouverture au partenariat. In: LALLIAS, Jean-Claude; LASSALLE, Jacques; LORIOL, Jean-Pierre. Le théâtre et l’école: histoire et perspectives d’une relation passionnée. Arles: Actes sud; ANRAT, 2002. P. 95-111.
  • LAVAL, Christian. A Escola não é uma Empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019.
  • LÓPEZ-RUIZ, Osvaldo J. Os Executivos das Transnacionais e o Espírito do Capitalismo: capital humano e empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2007.
  • MAGELA, André L. L. Cognição Teatral e Educação. Rascunhos. Caminhos da pesquisa em artes cênicas, Uberlândia, v. 5, n. 3, p. 302-318, dez. 2018. Available at: <http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/43132
  • MAGELA, André Luiz Lopes. Normatividade da Cooperação em Aulas de Teatro. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 34, p. 110-128, 2019a. Available at: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101342019110>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101342019110
  • MAGELA, André Luiz Lopes. Educação Teatral como Produção de Subjetividade. Conceição/Conception, Campinas, v. 8, n. 2, p. 50-74, dez. 2019b. Available at: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8656489>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8656489
  • MENGER, Pierre-Michel. Portrait de l’Artiste en Travailleur: métamorphoses du capitalisme. Paris: Éditions du Seuil, 2002.
  • ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The OECD Innovation Strategy: getting a head start on tomorrow. Paris: OECD Publishing, 2010. Available at: <https://www.oecd-ilibrary.org/content/publication/9789264083479-en>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.oecd-ilibrary.org/content/publication/9789264083479-en
  • ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). The OECD Innovation Strategy: getting a head start on tomorrow. Paris: OECD Publishing, 2010. Available at: <https://www.oecd-ilibrary.org/content/publication/9789264083479-en>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.oecd-ilibrary.org/content/publication/9789264083479-en
  • ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). The Innovation Imperative: contributing to productivity, growth and well-being. Paris: OECD Publishing, 2015. Available at: https://www.oecd.org/publications/the-innovation-imperative-9789264239814-en.htm Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.oecd.org/publications/the-innovation-imperative-9789264239814-en.htm
  • ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). The Innovation Imperative: contributing to productivity, growth and well-being. Paris: OECD Publishing, 2015. Available at: https://www.oecd.org/publications/the-innovation-imperative-9789264239814-en.htm Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www.oecd.org/publications/the-innovation-imperative-9789264239814-en.htm
  • PEREIRA, Rodrigo da Silva. Proposições da OCDE para América Latina: o PISA como instrumento de padronização da educação. RIAEE - Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. esp. 3, p. 1717-1732, out. 2019. Available at: <https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12756>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12756
  • PIKETTY, Thomas. Capital et Idéologie Paris: Éditions du Seuil, 2019.
  • PINHO, Ângela; AMÂNCIO, Thiago. Prova do PISA expõe década de estagnação no ensino no Brasil; China passa a liderar. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 03 dez. 2020. Available at: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/prova-expoe-decada-de-estagnacao-no-ensino-no-brasil-china-passa-a-liderar.shtml>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/prova-expoe-decada-de-estagnacao-no-ensino-no-brasil-china-passa-a-liderar.shtml
  • QUILICI, Cassiano Sydow. Educação Estética. In: KOUDELA, Ingrid Dormien; ALMEIDA JÚNIOR, José Simões de. Léxico de Pedagogia do Teatro São Paulo: Perspectiva, 2015. P. 61-62.
  • RANCIÈRE, Jacques. Les paradoxes de l’art politique. In: RANCIÈRE, Jacques. Le spectateur émancipé Paris: La Fabrique Éditions, 2008. P. 56-92.
  • RANCIÈRE, Jacques. La Méthode de la Scène Paris: Lignes, 2018.
  • REINO UNIDO. Education Committee. Fourth Industrial Revolution. Witness: Andreas Schleicher. House of Commons, London, Tuesday 26 February, 2019. Available at: <http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html
  • REVEL, Judith. Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
  • REVEL, Judith. Dictionnaire Foucault Paris: Éditions Ellipses, 2008.
  • ROSE, Nikolas S.; ABI-RACHED, Joelle M. Neuro: the new brain sciences and the management of the mind. New Jersey: Princeton University Press, 2013.
  • SCHLEICHER, Andreas. Primeira Classe: como construir uma escola de qualidade para o século XXI. Paris: OECD Publishing, 2018.
  • SENNETT, Richard. Together: the rituals, pleasures and politics of cooperation. London: Yale University Press, 2012.
  • SILVA, Cíntia Vieira da. Corpo e pensamento: alianças conceituais entre Deleuze e Espinosa. Campinas: Editora da UNICAMP, 2013.
  • SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um Discurso sobre as Ciências na Transição para uma Ciência Pós-Moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, maio/ago. 1988. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200007>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000200007
  • TOMASELLO, Michael. The Cultural Origins of Human Cognition Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.
  • TOMASELLO, Michael. A Natural History of Human Thinking Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014.
  • TOMASELLO, Michael. A Natural History of Human Morality Cambridge, MA: Harvard University Press, 2016.
  • TOMASELLO, Michael. Becoming Human: a theory of ontogeny. Cambridge: Harvard University Press, 2019.
  • TOMASELLO, Michael et al. Henrike. Understanding and sharing intentions: the origins of cultural cognition. Behavioral and brain sciences, Cambridge/MA, v. 28, p. 675-735, 2005.
  • UNITED KINGDOM. Education Committee. Fourth Industrial Revolution. Witness: Andreas Schleicher. House of Commons, London, Tuesday 26 February, 2019. Available at: <http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » http://data.parliament.uk/writtenevidence/committeeevidence.svc/evidencedocument/education-committee/fourth-industrial-revolution/oral/97393.html
  • WAGNER, Ernst; VELOSO, Luísa. Arts Education and Diversity: terms and concepts. In: FERRO, Lígia; WAGNER, Ernst; VELOSO, Luísa; IJDENS, Teunis; LOPES, João Teixeira. Arts and Cultural Education in a World of Diversity Cham: Springer, 2019. P. 01-10.
  • WINNER, Ellen. How art Works: a psychological exploration. New York: Oxford University Press, 2019.
  • WINNER, Ellen et al. Art for Art’s Sake?: the impact of arts education. Paris: OECD Publishing, 2013. Available at: <https://read.oecd-ilibrary.org/education/art-for-art-s-sake_9789264180789-en#page1>. Accessed on: Oct. 02, 2020.
    » https://read.oecd-ilibrary.org/education/art-for-art-s-sake_9789264180789-en#page1
  • YDESEN, Christian (ed.). The OECD’s historical rise in education: the formation of a global governing complex. Cham: Palgrave Macmillan, 2019.

Editado por

Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2020
  • Aceito
    28 Set 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Paulo Gama s/n prédio 12201, sala 700-2, Bairro Farroupilha, Código Postal: 90046-900, Telefone: 5133084142 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: rev.presenca@gmail.com