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Composição Instantânea: formação coreográfica do artista da dança e de seu corpo-realidade

La Composition Instantanée: formation chorégraphique du danseur et son corps-realité

Resumo:

O artigo se propõe a discutir a formação e a preparação do corpo-real do artista da dança, a partir das práticas corporais relacionadas com o trabalho de composição instantânea, segundo a concepção do coreógrafo britânico Julyen Hamilton. Para tanto, realizou-se um estudo de prática artística em que o campo privilegiado foi o próprio estúdio e workshops. Da análise dos dados, emergiram categorias como: qualidade de movimento, arenas reflexivas e presença. O estudo sugere maneiras de se trabalhar o corpo e a formação coreográfica, almejando construir um corpo autônomo, de modo que os exercícios se transformem em performances que fujam aos padrões normativos.

Palavras-chave:
Hamilton; Composição Instantânea; Formação; Corpo-realidade; Dança

Résumé:

L’article se propose à discuter la formation et la préparation du corps-réel de l’artiste de la danse, en partant des pratiques corporelles liées au travail de composition instantanée, selon la conception du chorégraphe Julyen Hamilton. Pour ce faire, nous avons accomplis une étude de la pratique artistique. De l’analyse des données sont issues quelques catégories telles quelles: qualité de mouvement, arènes de réflexion et presence. Cette étude propose des manières pour travailler le corps et la formation chorégraphique ayant pour but la construction d’un corps autonome, de façon que les exercises deviennent des performances qui se dérobent des règlements de normalité.

Mots-clés:
Hamilton; Composition Instantanée; Formation; Corps-Realité; Danse

Abstract:

The article discusses the training and development of the dance artist’s corporeality drawing primarily from the bodily practices related to the work of instant composition, proposed by the British choreographer Julyen Hamilton. For that purpose, a field study of artistic practice was conducted both in the studio and over the workshops. Some of the categories emerging from the analysis of the data collected - quality of movement, reflective arenas and presence - are presented and discussed. This study further suggests ways of working up the body and the choreographic training that lead to an autonomous body, where exercises become performances, out of normative patterns.

Keywords:
Hamilton; Instant Composition; Training; Corporeality; Dance

Introdução

Com o objetivo de investigar práticas corporais da dança e sua relação com o pensamento coreográfico, com a formação e a preparação do corpo-real1 1 “Corpo-real” ou “Corpo-realidade” é consecutivamente uma livre tradução de corporeal e corporeality. Consideramos que a noção de corpo é mais bem compreendida atualmente por meio do conceito de corporeality, categoria forjada por um coletivo de autores norte-americanos, entre eles, Susan Foster, Mark Franko, Randy Martin e Peggy Phelan. Corporeality introduz o entendimento do corpo como multiplicidade, em constante autotransformação, autodiferenciação, dissolução, formação e deformação, imbuído do real (Lepecki, 2014). (corporeal), produzidos durante workshops e treinamentos, este artigo envolve o estudo de caso do coreógrafo contemporâneo Julyen Hamilton2 2 Julyen Hamilton é professor, bailarino, coreógrafo, poeta e musicista. Desde 2009, é diretor artístico da Companhia Allen´s Line (Bruxelas). Para mais informações, ver: <http://www.julyenhamilton.com/bio.html>. . O trabalho pedagógico de Hamilton é voltado para a performance, isto é, para o trabalho da cena: seu pensamento coreográfico se dá em torno da composição instantânea. Dessa forma, suas práticas corporais encontram-se desde o início relacionadas com elementos composicionais por meio do trabalho com a improvisação. Trata-se de um saber incorporado que se estrutura em torno da composição instantânea vista como coreografia.

Pretende-se assim investigar como as práticas corporais desse autor guiam e refletem a arte da dança, dando origem a uma epistemologia própria, pois o treino de práticas corporais da dança não desempenharia apenas a função de construir habilidades (skill builders), mas também as funções de invenção, descoberta e desenvolvimento da dança (Bales; Nettl-Fiol, 2008BALES, Melanie; NETTL-FIOL, Rebecca. The Body Eclectic: evolving practices in dance training. Illinois: University of Illinois Press, 2008., p. VIII). Nesse sentido, o lugar da prática é visto aqui como agenciamento para o pensamento e para a criação. Luigi Pareyson (1993PAREYSON, Luigi. Estética - Teoria da Formatividade. Petrópolis: Vozes, 1993.) define que a arte é a forma expressiva da personalidade do artista, um fator que parece ser importante na medida em que as práticas corporais estudadas estão diretamente ligadas ao coreógrafo em questão e, portanto, à sua história, experiência e bagagem cultural. Desse modo, uma maneira de abarcar o pensamento na arte seria “[...] nos aproximar de artistas e dos modos como eles se engajam e pensam sua própria arte” (Rajchman, 2013RAJCHMAN, John. Art as a Thinking Process: New Reflections. In: AMBROŽIČ, Mara; VETTESE, Angela (Ed.). Art as a Thinking Process: visual forms of knowledge production. Berlin: Sternberg Press, 2013. P. 194-205., p. 196).

Para formar aqui um quadro referencial teórico, fez-se a apropriação do conceito-chave de Pierre Bourdieu (2007BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.) de prática e habitus. Segundo Bourdieu, o habitus produz a prática, sendo assim, o habitus produzido no contexto estudado estaria ligado à prática de um conjunto de exercícios, do aquecimento às sequências de movimento, passando pelas formas de se iniciar processos de pensamento e de pensar estratégias de trabalho. Práticas que, por sua vez, são dinâmicas e abertas, centrais para sustentar o próprio indivíduo e o trabalho criativo, além de envolverem uma contínua e complexa negociação intelectual e psicofisiológica, paradigmas e discursos sobre técnicas, preparação corporal, saber incorporado, corpo-realidade, pensamento coreográfico, improvisação e também uma relação com a própria Educação Somática e outras disciplinas orientais do corpo, como Tai Chi Chuan, Hatha Yoga e Aikidô.

O trabalho de Julyen Hamilton se constitui em práticas corporais da dança contemporânea como lugares generativos de arte e de produção de conhecimento. Embora pouco conhecido no Brasil, a escolha por esse coreógrafo como sujeito da pesquisa se deu por vários motivos: 1) por ele produzir um pensamento no modo de conduzir a preparação e formação do corpo-realidade do artista da dança, que possibilita reflexão e produção de conhecimento que pode ser partilhada; 2) por apontar caminhos possíveis para o trabalho coreográfico, que quebram a relação de forças de comando e de obediência; e 3) pelo seu percurso, que envolve critérios de notabilidade e importância na história da dança.

Em um breve contexto histórico-estético, Hamilton estaria filiado à dança pós-moderna americana3 3 Usamos aqui o termo pós-moderno mais no seu sentido histórico do que filosófico, visto que este termo tem se revelado uma categoria problemática, e promovido grandes debates entre estudiosos da dança, como, por exemplo Sally Banes (1987). Contudo, historicamente nos anos de 1962 e 1964, a dança pós-moderna abrangeu os trabalhos de coreógrafos da Judson Church (Nova York) e ainda outros cujas características envolviam um ecletismo de técnicas, dentre outros elementos, uma forte ideia de jogo e a rejeição dos elementos que mais marcaram a dança moderna. . Embora tenha se formado em dança moderna e no balé clássico, na London Contemporary Dance School, foi um dos artistas expoentes do movimento que ficou conhecido como Nova Dança inglesa, trabalhando, inclusive, na Companhia de Rosemary Butcher, pioneira nesse estilo. O pesquisador Peter Brinson (1991BRINSON, Peter. Dance as Education: towards a national dance culture. New York; London: Routledge, 1991.) o apresenta como um agente catalizador para o desenvolvimento da Nova Dança inglesa por sua abordagem coreográfica por meio da improvisação.

Considerando que o trabalho de Hamilton se situa no campo da abordagem da composição instantânea, ao lado de outros artistas da dança como João Fiadeiro e Mark Tompkins, estes seriam exemplos de trabalhos que, mesmo seguindo linhas muito divergentes, puderam aprofundar e problematizar o conceito de composição, coreografia, improvisação, dança, movimento, dentre outros, o da construção de um corpo-realidade que não se espelha no coreógrafo. Seu trabalho pedagógico voltado para a cena com a improvisação e a composição instantânea facilmente pode-se desenvolver para um campo criativo e da performance do corpo como prática artística independente - isto é, ter um papel central na prática do trânsito entre ser intérprete e criador de uma dança que se distancia de uma visão de entretenimento e da construção de um corpo puramente atlético ou acrobático.

Antonio Pinto Ribeiro (1997RIBEIRO, Antonio Pinto. Corpo a Corpo: possibilidades e limites da crítica. Lisboa: Edições Cosmos, 1997.) apresenta a dança, assim como o teatro e a performance art, como integrantes da categoria “artes do corpo”, em que as práticas artísticas seriam derivadas de um uso “mediado” do corpo (Ribeiro, 1997, p. 93). Nessa categoria, diferente do que se dá nas práticas corporais atléticas, o corpo como experiência de criação artística não teria um fim em si mesmo. O corpo na dança, como arte, se constitui como uma “medialidade” capaz de criar imaginários e ficções que remeteriam a uma zona artística explicitada pela “corporeidade” (corporeité), termo de Paul Valéry, e que Pinto Ribeiro (1997) utiliza em seu livro como a forma do corpo que possibilita a arte, “[...] a dança-domínio da fisicalidade já organizada, com a intenção de construir um código passível de ser legível, atividade qualificada” (Ribeiro, 1997, p. 89). Este conceito, denominado por Valéry de quarto corpo, seria diferente de outro termo também utilizado por ele, o da fisicalidade (physicité), no qual estariam incluídas as noções do atlético, do espontâneo, do quantitativo.

É, contudo, do corpo-realidade, daquele corpo que se organiza para dançar ou do quarto corpo, de que trata este estudo. Na compreensão de corpo-realidade de Susan Foster, haveria uma recusa de ver o corpo como mero veículo ou instrumento para a expressão de alguma outra coisa que não o corpo: “Corpo-realidade procura vivificar o estudo dos corpos através de uma consideração da realidade corporal, não como dado natural ou absoluto, mas como uma categoria tangível e substancial da experiência cultural” (Foster, 2005 [1996], p. XI, tradução nossa)4 4 No original em inglês: “Corporealities seeks to vivify the study of bodies through a consideration of bodily reality, not as natural or absolute given but as a tangible and substantial category of cultural experience”. .

Considera-se aqui, no entanto, como Deborah Jowitt, que “[...] o corpo humano guiado por seu intelecto e espírito não pode ser um meio artístico neutro. Nunca é inexpressivo” (Jowitt 1994 [1983], p. 169, tradução nossa). Falar em expressão na dança seria, para essa autora, falar também em ficção, na capacidade do bailarino de expressar emoções sem necessariamente senti-las, poder ainda criar personagens e transmitir um gesto para além de sua real expressividade. Embora na concepção de corpo-realidade de Foster haja uma recusa da utilização do corpo como veículo para a representação, ela implica as ficções de que fala Jowitt e Ribeiro. Ou seja, parafraseando Foster, há o reconhecimento de que os gestos produzidos pelo corpo sempre apontam para outros campos de sentido; em suas próprias palavras: “uma narração dos destinos físicos” (Foster, 2005, [1996], p. X, tradução nossa). Consequentemente, há em corpo-realidade a compreensão da “[...] abordagem da fisicalidade como um local (site) de criação de significado e para a realidade do saber incorporado” (Foster, 2005, [1996], p. XI). Dessa forma, a dança se mostra central para (re)pensar qual o papel e as forças dos corpos em movimento, uma ‘reimaginação’ do que pode o corpo, do que a dança pode ser, do que o corpo da dança pode ser (Lepecki, 2014LEPECKI, André. Performance and Corporeality: lecture by André Lepecki. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc >. Acesso em: 13 fev. 2015.
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).

Processos de criação do fazer da dança podem revelar modos de investigação e pensamentos envolvidos na construção de obras e pedagogias. Para os pesquisadores da prática artística canadense, Sylvie Fortin e Pierre Gosselin (2014FORTIN, Sylvie; GOSSELIN, Pierre. Considerações metodológicas para a pesquisa em arte no meio acadêmico. ARJ-Art Research Journal, ABRACE, ANPAP, ANPPOM e UFRN, v. 1, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2014.), a criação é, inclusive, vista propriamente como um lugar de construção, de ideias, de imagens e de saberes.

John Rajchman (2011RAJCHMAN, John. O pensamento na arte contemporânea. Novos Estudos - CEBRAP, São Paulo, Cebrap, n. 91 p. 97-106, nov. 2011., p. 97), filósofo e professor de Arte Moderna da Columbia University, tem pesquisado o que chama de “reinvenção do pensamento em arte”, pois considera que haveria muitos exemplos dessas relações. Contudo, sua contribuição para esse artigo, bem como sua linha teórica, vai ao encontro ao que coloca o professor Robin Nelson (2013NELSON, Robin. Practice as Research in the Arts: principles, protocols, pedagogies, resistances. London: Palgrave Macmillan, 2013.), do campo da prática artística inglesa, na qual o conceito não teria a função de sustentar ou explicar a arte. Rajchman (2011, p. 97), por sua vez, explica que se deve evitar a ideia de ter dois extremos na relação entre arte e teoria, na qual a arte ilustraria uma dada teoria. Suas considerações orientam e reforçam o ponto de vista deste artigo, que é pensar o fluxo entre arte e conceito. Assim, por exemplo, o que é feito no estúdio ressoa no quadro teórico? Como as “ideias da arte” podem envolver outros campos como a filosofia? (Rajchman, 2011, p. 97).

As práticas da dança estudadas estão no âmbito de uma ‘dança-que-se-pensa’ (Lepecki, 2014LEPECKI, André. Performance and Corporeality: lecture by André Lepecki. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc >. Acesso em: 13 fev. 2015.
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), portanto, na presente pesquisa tenta-se pensar sobre criação, sobre o corpo-realidade e princípios pedagógicos. Porém, seria nos processos criativos e na sua reflexão crítica que conhecimentos tácitos5 5 O conhecimento tácito estaria mais ligado ao conhecimento encarnado (Polanyi, 1966). É um conhecimento, portanto, que é mais experiencial, podendo ser relacionado aos sentidos, à percepção, à propiocepção e também ao performativo (Nelson, 2013). poderiam se tornar explícitos, seria o processo de trazer o conhecimento inconsciente para a consciência (Nelson, 2013NELSON, Robin. Practice as Research in the Arts: principles, protocols, pedagogies, resistances. London: Palgrave Macmillan, 2013.). Privilegiar o trânsito entre arte e quadro teórico seria conectar esses dois campos, encontrando ressonâncias, observando esse processo como recíproco.

A questão da presente investigação não seria, portanto, procurar unificar métodos ou buscar fórmulas, mas se debruçar sobre a riqueza de práticas corporais nesse campo da dança e do imenso pensamento que é produzido no contexto dos estúdios e na própria dança quando é feita. As práticas corporais são o coração dessa pesquisa e se colocam como necessárias para o entendimento e fortalecimento da dança como disciplina da arte contemporânea. Pretende-se, assim, contribuir para que a dança possa reconhecer “sua própria capacidade, sua própria autonomia epistemológica” (Spångberg, 2015SPÅNGBERG, Mårten. Postdance. 2015. Disponível em: <Disponível em: https://vimeo.com/15 1532717 >. Acesso em: 12 jul. 2015.
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), sem deixar de problematizar as categorias que delas podem emergir, e de levantar determinados questionamentos.

Considerações Metodológicas

As considerações metodológicas partem da pesquisa do corpo-realidade da autora e do seu aprendizado de práticas corporais da dança como lócus de um devir-coreográfico, via um processo de imersão6 6 Considera-se o estar imerso, envolvido, pleno como “condição de se fazer pesquisa de/em arte” (Strazzacappa, 2014, p. 97). na prática propriamente dita. Dessa forma, é a própria experiência corporal que é assumida também como um dado de análise. Esse tipo de pesquisa, pesquisa em arte, se define pela própria prática do pesquisador, pela compreensão de seu saber incorporado, seus processos e produtos. É diferente, portanto, de uma pesquisa sobre arte, em que esta é o objeto de estudo (Fortin; Gosselin, 2014FORTIN, Sylvie; GOSSELIN, Pierre. Considerações metodológicas para a pesquisa em arte no meio acadêmico. ARJ-Art Research Journal, ABRACE, ANPAP, ANPPOM e UFRN, v. 1, n. 1, p. 1-17, jan./jun. 2014.). Por se tratar de uma pesquisa da prática artística (Fortin, 2009), o campo privilegiado foi o próprio “estúdio” e a “aula” (workshop) realizados em Berlim7 7 Embora Julyen Hamilton não esteja sediado em Berlim, o coreógrafo faz parte de seus circuitos nessa cidade. A pesquisa de campo foi realizada entre janeiro e junho de 2015. , nos estúdios Dock 11 e RadialSystem V.

A teórica Deidre Sklar usa como estratégia, para observar o movimento em seus estudos, a percepção de uma “empatia cinestésica” (kinesthetic empathy) ou de um “sentimento com” (feeling with), por isso, apreende o campo da dança segundo uma “perspectiva de quem faz” (Sklar, 1991, p. 9). Desse modo, a experiência vivida e apreendida pela empatia cinestésica, somada a todos os elementos da imersão no campo de pesquisa, torna a experiência um dado etnográfico (Sklar, 1991). No mesmo sentido, Sylvie Fortin (2009FORTIN, Sylvie. Contribuições possíveis da etnografia e da auto-etnografia para a pesquisa na prática artística. Revista Cena, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, n. 7, p. 77-88, fev. 2009.) considera que a observação participante, tão cara à etnografia, não é apenas visual, ela é também uma troca de amplitude cinestésica e pode suscitar reações somáticas no pesquisador. Segundo Fortin, “[...] as reações corporais devem ser reveladas pelo que elas são: uma fonte de informação parcial que, combinada a outros tipos de dados, facilitarão a construção da reflexão do pesquisador” (Fortin, 2009, p. 81). O problema do corpo é, assim, de certa forma, central, na medida em que o corpo que dança é o objeto e o sujeito da dança (Louppe, 2012LOUPPE, Laurence. Poética da Dança Contemporânea. Lisboa: Orfeu Negro, 2012. [1997]).

Fortin compreende como “bricolagem”8 8 O conceito de bricolagem foi ressignificado por alguns autores, entre eles, pesquisadores do campo da educação, como Norman Denzin e Yvonna Lincoln, Joe Kincheloe e Kathleen Berry que parecem ter alargado o conceito de Lévi-Strauss, uma vez que pretenderam fazer da bricolagem ela mesma uma abordagem metodológica. a “[...] integração de empréstimos vindo dos horizontes múltiplos [...] integrados a uma finalidade particular que, muitas vezes, pelos pesquisadores em arte, toma a forma de uma análise reflexiva da prática de campo” (Fortin, 2009, p. 78). Uma bricolagem metodológica poderia, então, contribuir com as pesquisas que tratam da prática artística. Por intermédio dessa ideia, priorizam-se neste estudo, assim como coloca Fortin, vários tipos de abordagens, por se considerar que uma única metodologia não seria suficiente para conduzir a pesquisa.

Na presente análise, configurou-se uma perspectiva duplamente insider, pelo fato de a pesquisadora ser bailarina e pertencer às comunidades de dança estudadas. Portanto, é uma perspectiva de alguém de dentro do mundo da dança fazendo um trabalho de campo em casa (Jackson, 1987JACKSON, Anthony. Anthropology at Home. London: Tavistock, 1987.). A observação participante, de certa forma, trouxe vantagens para a pesquisa, pois desse olhar foi possível ter um entendimento do ponto de vista êmico e, assim, ter acesso às categorias e jargões da dança (categorias ‘nativas’) e, além disso, como decorrência das vivências nas práticas da dança, ter o movimento como forma de conhecimento encarnado no corpo.

A perspectiva outsider ou ética também foi considerada como parte da abordagem etnográfica. Com isso, privilegiou-se buscar níveis de análise do material coletado, de forma êmica e ética para se chegar a categorias de análise. Conforme coloca Strathern (2014STRATHERN, Marilyn. O Efeito Etnográfico e Outros Ensaios. Tradução de Iracema Dulley et al. São Paulo: Cosac & Naify, 2014., p. 349-350), o pesquisador está diante de um quebra-cabeça oferecido pelo trabalho de campo num período isolado de tempo. Assim, foram identificadas palavras ou frases entendidas como constituidoras de unidades de significado, também conhecido como “menor informação auto-suficiente” (Guba; Lincoln apud Dantas, 2008DANTAS, Monica. Ce dont Sont Faits les Corps Anthropophages: la participation des danseurs dans la mise en œuvre chorégraphique comme construction des corps dansants chez deux chorégraphes brésiliennes. 2008. Tese (Doutorado em Estudos de Práticas de Arte) - Montréal, Université du Québec à Montréal, 2008., p. 168) para, em seguida, juntar as unidades de análise com cenas descritivas, transformando-as em categorias de análises (conjunto de sentidos mais amplos).

Da análise dos dados do material coletado emergiram algumas categorias, imbricadas umas nas outras, pois não se trata de categorias puras, e sim de sínteses formuladas no próprio modo de formar e preparar o corpo-real que dança. Para o escopo deste artigo, serão discutidas a seguir as seguintes categorias: (1) Qualidade de Movimento; (2) Arenas Reflexivas; e (3) Presença. Como horizonte, há também sua relação com a composição instantânea, segundo a abordagem de Julyen Hamilton.

Conforme coloca Robin Nelson (2013NELSON, Robin. Practice as Research in the Arts: principles, protocols, pedagogies, resistances. London: Palgrave Macmillan, 2013.), deseja-se conectar o campo da teoria, a partir de uma perspectiva outsider, com o campo da prática, por sua vez, insider, encontrando ressonâncias entre esses campos, tratando-se de um processo que se alimenta reciprocamente. Da análise dessas categorias em conjunto com as práticas da dança, como apresenta Hamilton, encontra-se um caminho possível de ressonância para pensar a relação entre a dança e o conceito ou teoria por meio de vários autores. Com o filósofo José Gil, em sua investigação denominada metafenomenologia, há o diálogo com os pensamentos de Gilles Deleuze (1925-1995) e uma notável contribuição para as artes do corpo, sobretudo para a improvisação da dança (Gouvea, 2012GOUVEA, Raquel. A Improvisação de Dança na (trans) Formação do Artista-Aprendiz: uma reflexão nos entrelugares das Artes Cênicas, Filosofia e Educação. 2012. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.)9 9 José Gil tem contribuído com o trânsito entre a arte e a filosofia ao propor uma nova teoria da consciência na qual inclui processos inconscientes, o que nos ajuda a pensar o processo de criação do artista. . Com os estudos de performance (performances studies)10 10 Estudos de Performance é um campo interdisciplinar que se debruça sobre a dança, o teatro e a performance art, dentre outros, dramas sociais, eventos performativos e rituais. , representados também por Victor Turner e Richard Schechner, encontram-se ressonâncias com o trabalho prático e pedagógico. Para pensar o conceito de presença em diálogo com a fenomenologia de Merleau-Ponty, mas também com Deleuze e Guattari, serão abordados autores como Eleonora Fabião, Erika Fischer-Lichte e Hans Ulrich Gumbrecht.

Categorias

1. Qualidade de movimento

A categoria qualidade de movimento indica o ‘como’ do movimento. Segundo Laban (1963LABAN, Rudolf Von. Modern Educational Dance. London: MacDonald and Evans, 1963 [1948]. ), a qualidade de movimento está englobada na categoria de análise do movimento pertencente ao esforço11 11 Categorias de Análise de Movimento Laban são: Corpo-Esforço-Forma-Espaço (em inglês Body, Effort, Shape and Space – BESS). Ver Laban (1963). , relacionada a quatro fatores básicos de como o indivíduo se move: fluxo, peso, tempo e espaço, isoladamente e em suas múltiplas combinações.

No interesse de expandir essa categoria relacionada ao trabalho de Hamilton, outra forma proposta aqui de se olhar para a qualidade de movimento seria a atenção dada para que o movimento não perca o seu começo. Para Hamilton, esse é um elemento que favorece a precisão em qualquer movimento que se crie. De certa forma, essa precisão em não se perder o início do movimento está ligada ao fator tempo, pois o domínio ou a precisão tornariam possível não se antecipar ou atrasar o movimento, evitando hesitações. Assim, Hamilton fala de “se estar no constante agora”: “[...] o agora é a natureza do contemporâneo. Poder estar no constante agora. Se não, parece que estamos dançando dez anos atrás, não em questão de estilo, mas em nossa mente” (Hamilton, 2015a)12 12 As referências – Julyen Hamilton (2015a) e mais a frente (2015b) – tratam-se de anotações de caderno de campo (informação verbal) que foram feitas em diferentes workshops e por isso não há paginação. Rhythm and Placement in Time foi o treinamento realizado no estúdio Dock 11, ocorreu em 16-20 de fev. (2015a). Working with objects foi o treinamento feito no Radialsystem V., em 11-16 de maio (2015b). .

Não perder o começo do movimento também é visto por ele como algo ligado a outro fator, o respeito. “Respeitar o que fazemos é algo mais além. Re-spect”, descreve ele no workshop. Hamilton propõe a separação da palavra para fazer notar que o elemento “specto” remete a “espelho” - “olhar de novo”. De fato, um dos elementos de composição da raiz spect corresponde ao substantivo espelho, mas também a spek, que seria olhar com atenção, contemplar, observar (Houaiss; Villar, 2001HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mário de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.). Para Hamilton (2015a), o respeito liga-se a essa atenção, implicando observação do trabalho que é feito. É dessa forma, portanto, que se propõe aqui a análise da ideia de respeito ao movimento, ligado a qualidades de movimento, pois essa seria uma forma de se chegar a um movimento mais acabado, visto que o trabalho com a composição instantânea nasce com a finalidade de se tornar arte. Algo que, portanto, se contrapõe a ações automatizadas, dispersas, desatentas ou apenas espontâneas.

A qualidade do movimento com desrespeito foi algo apontado por Hamilton ao longo do workshop. O que se passava é que estaríamos fazendo muitos movimentos e abandonando-os; ao abandoná-los, estaríamos “desenvolvendo e treinando a indiferença” (Hamilton, 2015a). Desrespeito ou indiferença, além dos automatismos, dispersões e desatenções, talvez sejam sinais de julgamentos que o bailarino cultiva muitas vezes sobre si mesmo, quando se encontra no quarto escuro da criação. Na composição instantânea, não há fórmulas ou passos a serem seguidos. Contudo, não se deseja negar a técnica, ela é bem-vinda, uma vez aliada à atenção, escuta, percepção e presença.

Outro elemento ligado à qualidade de movimento seria seu acabamento. No trabalho de Hamilton é importante buscar sempre uma finalização, a cada coisa que se faça. E como saber quando o movimento acaba? Hamilton dedica muita atenção ao trabalho com os centros do corpo, relacionando-os com o fim do movimento: “Você sabe que é o fim do movimento por causa do centro. E não se pode fazer isso a partir do fora. [Isso é possível somente] dentro de si ou se você tiver um coreógrafo ou editor que te diga onde acabar o movimento” (Hamilton, 2015b). Para ele, ademais, não perder o começo do movimento resultaria também em uma maior clareza no sistema corporal.

O movimento de ir para o chão ou de executar um rolamento feito com consciência são exemplos para Hamilton de clareza de movimento e, segundo ele, uma outra forma de se alcançar isso seria ter uma objetividade interna que guiasse pelos caminhos do movimento. Na relação entre objetividade e clareza, seria necessário também saber quanta clareza é almejada pelo intérprete, por exemplo, no toque. Qual seria, então, o peso desse toque? Qual a sua temperatura? Qual a textura que se desenha? Na composição instantânea, as ações devem ser claras para que a relação entre os intérpretes, ou entre um intérprete e o espaço ou objeto, possa alimentar a criatividade e construir a composição. A clareza no toque, por exemplo, deverá irradiar-se para o corpo todo, seja a da pessoa com a qual se contracena, seja a da materialidade do objeto ou da arquitetura presente. Na relação entre dois intérpretes, portanto, deve-se ter certeza de que o toque foi recebido, por isso, tão importante quanto tocar com clareza é receber o toque da pessoa. Da mesma forma, o intérprete deve ter clareza ao tocar o espaço, pois tudo pode ser informação - isto é, dramaturgia sendo composta em tempo real.

As observações de Hamilton organizam-se pela ideia de não se assumir nada como adquirido a respeito da dança que vai sendo criada. E de se cultivar uma atenção ao movimento quando ele acontece, pois o próximo nasceria pleno. A ideia de pleno diz respeito ao acabamento, à clareza, à objetividade do movimento, ao não se perder seu início; categorias estas que se encontram imbricadas. Na concepção de Hamilton, a clareza em um movimento liga-se também à ideia de “[...] sabermos que sabemos algo e, simultaneamente, sabermos que não sabemos [...]. Devemos ter claro o que não sabemos especialmente quando performamos” (Hamilton, 2015a). Essa fala vai ao encontro de toda uma postura ética de Hamilton e de sua responsabilidade com o ofício da dança, consigo próprio, com o público, bem como com os outros intérpretes com os quais trabalha13 13 Quando se trabalha com outros intérpretes, faz parte da composição instantânea de Hamilton respeitar e assistir com atenção todos os colegas, o que se configura também para Hamilton como um trabalho de escuta e ética, mas também de disciplina. .

A ideia do movimento como acontecimento parece aproximar-se da consideração da bailarina e terapeuta Flávia Liberman (2008LIBERMAN, Flávia. Delicadas Coreografias: instantâneos de uma terapia ocupacional. São Paulo: Summus Editorial, 2008.), que observa nas composições promovidas por seus laboratórios o corpo/acontecimento como campo de forças/fluxos, excitações e intensidades. Para ela, o corpo/acontecimento é aquilo que afeta e que produz sensações, percepções, ações e agenciamentos nos indivíduos. No caso de Liberman, seus alunos são seus pacientes, pois se trata de um contexto terapêutico; já no caso de Hamilton, seus alunos são, ou não, artistas de sua Companhia ou estão em formação, e o contexto é a dança como forma de arte. Mas o objetivo parece ser o mesmo: o movimento quando acontece ou corpo/acontecimento é aquele que faz do indivíduo sujeito de suas ações. Para Hamilton, trata-se da transformação do bailarino em protagonista, condição pela qual tem a possibilidade de aprofundar um movimento, desenvolver a postura ética acima mencionada e o “respeito ao movimento”, o que consequentemente poderá “transformar regimes do escoamento da energia” (Gil, 2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005., p. 54), elevando a criação/composição a outro nível de sentido:

Um salto, uma figura, podem não constituir um acontecimento se vierem na continuidade de um mesmo regime de energia; em contrapartida, um gesto tão simples como virar a cabeça ou levantar um cotovelo pode testemunhar a irrupção de acontecimentos decisivos na marcha da coreografia. A dança compõe-se de microacontecimentos que transformam sem cessar o sentido do movimento (Gil, 2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005., p. 54).

Para Gil (2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005., p. 54) a energia “cria unidades de espaço-tempo”, e o bailarino procura distanciar-se de um corpo fixo e variar-se, por exemplo, em diferentes velocidades e texturas em seus movimentos. Segundo ele, tudo dependerá “do espaço do corpo que nasce da energia”, de modo que o que se procura no treinamento da composição instantânea de Hamilton não seria atravessar distâncias objetivas do tempo cronológico, como atenta Gil a respeito, mas “[...] dançar unidades de espaço singulares e indissolúveis que transmitem toda a sua força de verdade a metáforas como: ‘uma lentidão dilatada’ ou ‘o alargamento brusco do espaço’, que descrevem certos gestos do bailarino” (Gil, 2005, p. 54-55). José Gil, assim como Flávia Liberman, fala de agenciamentos, consoante Deleuze e Guattari. Os agenciamentos criam “novas conexões entre materiais, novos nexos, outras vias de passagem de energia”, exigindo sempre novos agenciamentos (Gil, 2005, p. 57). Dessa forma, o agenciamento, sempre ligado ao desejo, não seria apenas o desejo de agenciamentos, mas de transformação, produção e construção em si próprio. O gesto dançado para Gil constitui-se de um agenciamento particular do corpo a um objeto ou a outros corpos:

O que agenciam os gestos da dança? Podemos dizer: agenciam gestos com outros gestos; ou um corpo atual com os corpos virtuais que atualizam; ou ainda movimento com outros movimentos. Em todos os casos, a gestualidade dançada experimenta o movimento (os seus circuitos, a sua qualidade, a sua força) a fim de obter as melhores condições para que ele execute uma coreografia. Neste sentido, dançar é experimentar, trabalhar os agenciamentos possíveis do corpo. Ora, esse trabalho consiste principalmente em agenciar. Dançar é portanto agenciar os agenciamentos do corpo (Gil, 2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005., p. 58).

Para Liberman (2008LIBERMAN, Flávia. Delicadas Coreografias: instantâneos de uma terapia ocupacional. São Paulo: Summus Editorial, 2008., p. 185), o acontecimento também produz “presença”, diferentemente de quando o corpo está “[...] ali fisicamente, porém distante do contato, do desejo ou da criação de qualquer tipo de intimidade com o outro”. Isso, novamente, é pensado em um contexto terapêutico, mas o mesmo poderia ser ampliado para a dança, em que o bailarino pode estar apenas se movimentando “fisicamente ali”, por automatismos, pela indiferença ou pela lógica do descartar os movimentos, de modo que, pelo contrário, ao tornar o movimento acontecimento, ele produziria presença (Fischer-Lichte, 2012; Gumbrecht, 2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010.). Sem falar em um conceito de presença propriamente, mas em uma concepção que parece ir ao seu encontro, são as considerações de José Gil quando pondera sobre o modo como os limites do bailarino transbordam da sua pele. Em suas palavras: sem se deter “na fronteira do próprio corpo”, como um resultado da “projeção-secreção do espaço interior sobre o exterior” (Gil, 2005, p. 53), dilatam-se o corpo e o seu interior.

Assim, a composição instantânea, conduzida por Hamilton, tenta realizar o aperfeiçoamento do intérprete por meio de um trabalho que busca qualidades de movimento para se chegar a níveis cênicos, ou ao corpo cênico, que, nas palavras de Eleonora Fabião (2010FABIÃO, Eleonora. Corpo cênico, estado cênico. Revista Contrapontos, Santa Catarina, Univali, v. 10, n. 3, p. 321-326, set./dez. 2010., p. 321), seria aquele que “experimenta espaço e tempo potencializados” e que também “potencializa tempo e espaço”. Que, portanto, busca a presença ou o “presente do presente” (Fabião, 2010, p. 322), pois os exercícios conduzidos por Hamilton, decorrentes da composição instantânea na própria composição instantânea, parecem contemplar “[...] a capacidade de conhecer e habitar esse presente dobrado, [que] determina a presença do ator” (Fabião, 2010, p. 322).

Essa dimensão temporal de que fala Fabião seria, no entanto, possível quando o corpo cênico ou o corpo-realidade se organiza como um estado de fluxo, segundo a concepção de Mihaly Csikszentmihalyi. Nas palavras de Turner (1979TURNER, Victor. Frame, Flow, and Reflection: ritual and drama as public liminality. Japanese Journal of Religious Studies, Nagoya, Nanzan Institute for Religion and Culture, v. 6, n. 4, p. 465-499, dec. 1979.), e de acordo com Csikszentmihalyi (Beyond boredom and anxiety, 1975), o fluxo é um estado em que ações são seguidas de ações conforme uma lógica interna que parece não precisar de nenhuma intervenção consciente da nossa parte. Desse modo, ação e consciência seriam experienciadas como um mesmo atributo, havendo, portanto, pouca distinção entre o eu e o meio ambiente, entre estímulo e resposta, ou entre passado, presente e futuro. Para Fabião, então, o corpo cênico em fluxo “[...] atento a si, ao outro, ao meio; é o corpo da sensorialidade aberta e conectiva” (Fabião, 2010, p. 322); esse estado de atenção seria para ela o que desconstrói hábitos. No entanto, no presente artigo, esse mesmo estado de atenção poderia ser visto também como elemento que constrói o habitus, bem como, qualidades de movimento.

De todo modo, parece haver uma ligação entre tempo, presença e qualidade de movimento cujo objetivo é a criação. No trabalho de Hamilton, a criação procura-se pelo agora e não pelo futuro do pretérito. Para Fabião, as formas do passado e do futuro são fatores que podem acontecer comprometendo a qualidade da presença do ator. Uma forma de se manter a qualidade da presença seria conjugá-los como formas do presente. Mas, como? Considerando-se uma sessão de composição instantânea, pode-se observar e experienciar que uma saída possível seria a repetição de um mesmo acontecimento que tenha ocorrido nessa mesma apresentação, fruto de um encontro entre intérpretes, ou de um solo naquele determinado espaço, que acontecera em um passado, seja ele o início da peça ou segundos atrás. Às vezes, acontecem movimentos preciosos, em um certo tempo e espaço, como uma pausa. Pode-se, então, sempre acioná-los como dispositivos da memória, de modo que, ao passar por onde o movimento aconteceu, será sempre possível seguir seu traço, ter a memória do que houve, repetir o mesmo de forma diferente. Dessa forma, é como se fosse possível sentir e ver a impressão desse corpo e mente sendo tocados como uma reencenação de um momento passado. O movimento dançado, seus gestos, o uso da voz são materiais que acontecem no espaço que podem, contudo, ser arquivados no corpo. Um material que se torna arquivo, então, diria respeito à possibilidade de voltar a uma determinada situação, especialmente em se tratando de uma situação marcante, clara ou até mesmo mais imagética. Nesse sentido, pode-se arquivar um material no corpo para poder usá-lo no futuro, como se assim houvesse a possibilidade de voltar no tempo ou retraçar uma trajetória passada. A noção de arquivo relaciona-se aqui com as histórias carregadas no corpo, bem como com sequências de movimento compostas nesse tempo e espaço da composição instantânea.

2. Arenas reflexivas

Em um determinado exercício, Hamilton pediu a todos que fizessem um movimento. E, a cada um, Hamilton ia demarcando problemas com relação à “falta de respeito ao movimento”, como a perda do seu início, os automatismos, o “jogar fora” movimentos, ou a falta de um acabamento. Para um dos bailarinos, ele disse: “você perdeu a primeira, o início”. E aconselhou a esse bailarino que respeitasse o movimento a partir do centro. Em seguida, chamou outro participante, pediu para que fosse ao centro do estúdio e fizesse um movimento “com respeito” e fosse “direto ao movimento para saboreá-lo em sua essência” (Hamilton, 2015a).

Em muitas situações, era possível ver quando os movimentos nasciam de uma hesitação, perdendo sua potência, parecendo, muitas vezes, ocupar um lugar de dúvida, como se o subtexto (Stanislavski) fosse “estou fazendo certo?”, já que algo nesse sentido se fazia visível nos gestos. Em outra situação, Hamilton colocou um participante na quinta posição do balé e disse: “agora você está pronto para tudo. Quando eu disser, você começa”. O que põe em questão o quanto a técnica (neste caso, o balé clássico por meio da quinta posição) nos faria estar prontos para tudo e a sua relação entre o corpo e a mente nesse contexto. E ainda, como a técnica dialoga ou reconstrói o habitus durante a prática.

No decorrer de todo o workshop, foi constante o procedimento de ter uma pessoa solando e todas as outras assistindo, ou a divisão em grupos em que uns dançavam e outros assistiam, revezando sempre esses papéis. Nunca, porém, isso ocorria com o propósito de expor os alunos, nem mesmo nas inúmeras interrupções (questionamentos, indicações, feedback) feitas por Hamilton ao longo da movimentação dos participantes. Esses momentos de interrupção configuraram-se, na verdade, como formas de partilha e de observação nas quais reflexões e a própria performance eram geradas. Em todas as experimentações e reflexões que se seguiram, muitos foram os depoimentos sobre como é difícil desenvolver a percepção do que é o centro do corpo quando nos movemos, ou sobre como ele é fugidio, pois “às vezes [ele] mora em segundos, mas ainda assim é possível senti-lo” (Hamilton, 2015a). A repetição de movimento seria talvez uma forma de afinar a percepção do centro? Até que ponto a clareza de um movimento, como resultado da percepção do centro, se espalharia para o nível da criatividade, conforme afirmou Hamilton em determinada altura do workshop?

Os momentos reflexivos, como os descritos acima, e a performance da dança como acontecimento, nos solos ou em grupos, gostaríamos que pudessem ser pensados como arenas reflexivas. Seguindo as considerações da pesquisadora Heloisa Gravina (2010GRAVINA, Heloisa Corrêa. Por Cima do Mar eu Vim, por Cima do Mar eu vou Voltar: políticas angoleiras em performance na circulação Brasil-França. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.) a respeito do enquadramento do paradigma da performance de Victor Turner (1987TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. London: PAJ Publications, 1987.), a pesquisadora analisou em seu doutorado que a roda da capoeira se configurava como uma arena reflexiva. Dessa forma, para a autora, a roda de capoeira se articulou primeiro como performance, por instaurar um tempo-espaço distinto do cotidiano, e, segundo, como uma arena reflexiva, pois, ao se situar como alguém de dentro do universo da capoeira, os comentários que recebera ao jogar puderam potencializar sua consciência de ser observada, experiência esta que se enraizava na experiência de observadora e comentadora de outros jogadores. Noutras palavras:

Estando no centro da roda, essa consciência é experienciada e produz efeitos concretos no corpo - tenso, no início, relaxando conforme os comentários do cantador e da audiência, tornando-se pouco a pouco mais eficaz no jogo. Ao mesmo tempo essa reflexividade, produtora de efeitos concretos no corpo, aponta para a própria performance (ou performatividade) como uma dimensão central, constitutiva do universo da capoeira (Gravina, 2010GRAVINA, Heloisa Corrêa. Por Cima do Mar eu Vim, por Cima do Mar eu vou Voltar: políticas angoleiras em performance na circulação Brasil-França. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010., p. 147).

Para Turner (1987TURNER, Victor. The Anthropology of Performance. London: PAJ Publications, 1987.), as performances são reflexivas por revelar o indivíduo a ele mesmo. Turner observa isso de duas formas: como o ator, “[...] que acaba conhecendo a si mesmo ao atuar ou ‘reatuar’; ou como ser humano, por meio da observação e/ou da participação gerada e apresentada por um conjunto de outros seres humanos” (Gravina, 2010GRAVINA, Heloisa Corrêa. Por Cima do Mar eu Vim, por Cima do Mar eu vou Voltar: políticas angoleiras em performance na circulação Brasil-França. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010., p. 81, tradução nossa). No trabalho de Hamilton, os participantes são performers, mas também público, assim como na roda de capoeira, portanto vinculados também a um coletivo, como propõe Gravina. Percebem-se também, na abordagem de Hamilton, as fases da performance teatral que propõe Schechner14 14 O modelo pensado por Schechner para uma sequência total da performance teria ao menos sete etapas: training (treino), workshop (oficinas), rehearsal (ensaios), warm-ups (aquecimentos), performance, cool-down (ressaca, reposição) e aftermath (consequências). Tradução nossa. e como elas podem contribuir com o conceito de arena reflexiva, na medida em que ela desorganiza a sequência total da performance (Schechner, 2013) ao borrar suas fronteiras.

Por fim, o estúdio como o lugar da invenção, sob o paradigma da performance, parece se configurar como um espaço de possibilidades e como zona limiar, o modo subjuntivo do como se. Para Turner, como oposto da vida cotidiana, no qual seria para ele o acontecimento no modo indicativo, haveria o modo subjuntivo, algo que predomina na fase limiar, pois é: “[...] o modo do ‘talvez’, do ‘pode ser’, do ‘como se’, hipótese, fantasia, conjectura, desejo. […] A liminaridade pode talvez ser descrita como um caos frutífero” (Turner, 2005, p. 183).

Parece importante dar atenção ao conceito de arenas reflexivas, que são seus campos de possibilidades, feitos no estúdio, e de tomadas de posições, que vão se modificando ao longo do processo pelo próprio caráter transformativo do corpo, da performance e das pessoas envolvidas. Isso se revela também porque algo enraizado em um cotidiano específico poderá sempre emergir e retornar, transformando-se (Gravina, 2010GRAVINA, Heloisa Corrêa. Por Cima do Mar eu Vim, por Cima do Mar eu vou Voltar: políticas angoleiras em performance na circulação Brasil-França. 2010. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.); e pelo seu caráter reflexivo. Desse modo, a formação de arenas reflexivas parece contribuir para uma pedagogia da dança que desmonte hierarquias, que repense as qualidades de presença do espectador e as polaridades: teórico e experimental, espaço do estúdio e espaço do corpo, individual e grupal, restrição e possibilidade, disciplina e experimentação.

3. Presença

No trabalho de Hamilton o conceito de presença implica temporalidade. O estar no agora da cena é uma recorrência em sua fala. Na relação com o tempo, para Eleonora Fabião, como já visto, presença pressupõe a relação entre passado e futuro evocada ou vislumbrada como forma de presente. Essa forma de presente, “de presente do presente”, como chama, é o tempo da atenção. A atenção para ela é uma forma de conhecimento, uma vez que se configura “como forma de conexão sensorial e perceptiva” (Fabião, 2010, p. 322). Desse modo, Hamilton aproxima-se de Fabião porque o estar no agora liga-se com a escuta e a atenção, por exemplo, de onde estão os outros intérpretes ou os objetos com os quais se contracena. Da mesma forma, durante a composição instantânea tenta-se observar nesse estado de atenção e escuta a estrutura e o material que vai sendo criado como uma reminiscência do que acontece. Há, contudo, muitos jeitos de se deixar tocar e muitos jeitos de se lidar com o material que vai sendo criado. Como se viu anteriormente, por meio desse estado de atenção e da conjugação do passado e futuro com o presente, pode-se tornar um material ‘arquivo’ com a possibilidade de voltar a uma determinada situação. Pode-se também deixar estar imerso no material e ‘esquecer’ os intérpretes e os objetos; contudo, as aspas indicam que a conexão é sentida e mantida, pois não significa que quem está dançando precise olhar, por exemplo, para seu parceiro o tempo todo. O resultado disso tudo é a intensificação da presença do performer, que parece deixar os intérpretes mais abertos para o ‘diálogo’ entre os elementos que compõem a cena e entre eles. A criação de mais relações parece fruto da intensificação da presença.

A presença em Hamilton parece estar mais ligada ao conceito do filósofo alemão Hans Ulrich Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010.), da teórica Erika Fischer-Lichte (2012) e do artista pesquisador Phillip Zarrilli (2012ZARRILLI, Phillip. “…presence…” as a question and emergent possibility: a case study from performer´s perspective. In: GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Michael (Ed.) Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being . London: Routledge , 2012. P. 1-78.), sobre a presença do corpo na sua materialidade e singularidade. Trata-se, entretanto, mais dos efeitos da presença do que um atributo que o intérprete possa ter, isto é, a presença reduzida a algo narcísico, ou a um poder mágico do ator (Zarrilli, 2012).

As referências de Fischer-Lichte e Zarrilli estão em Arqueologias da presença (2012ZARRILLI, Phillip. “…presence…” as a question and emergent possibility: a case study from performer´s perspective. In: GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Michael (Ed.) Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being . London: Routledge , 2012. P. 1-78.), cujos editores, Gabriella Giannachi, Nick Kaye e Michael Shanks, pensadores da performance e do teatro, refletem “[...] sobre a teoria da presença no estudo da performance como estratégia metodológica para lidar com a indeterminação e especulação inerente ao conceito” (Dias, 2015DIAS, Sandra Isabel das Candeias Guerreiro. O Corpo como Texto: poesia, performance e experimentalismo nos anos 80 em Portugal. 2015. Tese (Doutorado em Linguagens e Heterodoxias: História, Poética e Práticas Sociais) - Programa de Pós-graduação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015., p. 37). Fischer-Lichte, ao definir três graus de presença relativos aos seus efeitos (fraco, forte e radical), distingue como conceito fraco o “estar aqui, diante do olhar atento de um outro” (Fischer-Lichte, 2012, p. 9, tradução nossa). Como conceito forte de presença, destaca a habilidade do bailarino de comandar e ocupar o espaço, prendendo a atenção do espectador. E, por fim, a presença em um grau radical estaria relacionada com processos de incorporação e de energia. Dessa forma, quando o ator gera presença por meio desse corpo energético, ele aparece e é percebido como mente incorporada (embodied mind), o que quer dizer que corpo e mente não podem ser separados, considerando-se na verdade a implicação mútua entre eles. Ao vivenciar esse processo de corpo e mente, o ator estaria vivenciando um constante processo de devir, portanto, de transformação.

Para Zarrilli (2012ZARRILLI, Phillip. “…presence…” as a question and emergent possibility: a case study from performer´s perspective. In: GIANNACHI, Gabriella; KAYE, Nick; SHANKS, Michael (Ed.) Archaeologies of Presence: art, performance and the persistence of being . London: Routledge , 2012. P. 1-78.), o trabalho para se alcançar a presença é sempre constituído pelo treino, pela experiência, pela dramaturgia e pela estética de cada performance realizada. O mesmo acontece no treinamento de Hamilton, visto que a forma como ele opera está sempre ligada ao trabalho de cena; ao passo que a dramaturgia e a estética estariam mais ligadas à formação da obra em si, isto é, à própria natureza da peça e ao “não saber”15 15 Um ponto recorrente no trabalho de Julyen Hamilton é a exclusão de conclusões na obra que vai sendo criada por composição instantânea, pois não se deve antecipar o fim. . Outro fator é a inclusão contínua da relação com o público, já que Hamilton procura estimular, sempre que os participantes de seus workshops possam, a alternância entre o papel de performer e o de público - faz parte de seu processo, bem como do processo de sua Companhia, que todos possam assistir uns aos outros16 16 O que reforça a ideia, no trabalho de Hamilton, das arenas reflexivas de que fala Gravina. .

O filósofo Hans Ulrich Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2010.), para compreender a presença, faz um recuo histórico até a Idade Média e descobre a performance do teatro fundada no corpo. O contexto de sua obra é a crítica ao mundo dominado pela produção de sentido. O conceito de presença seria para este autor aquilo que o “sentido não exprime” (Dias, 2015DIAS, Sandra Isabel das Candeias Guerreiro. O Corpo como Texto: poesia, performance e experimentalismo nos anos 80 em Portugal. 2015. Tese (Doutorado em Linguagens e Heterodoxias: História, Poética e Práticas Sociais) - Programa de Pós-graduação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015., p. 21). Gumbrecht considera também que o conceito não diz respeito somente a uma relação temporal, mas a uma “relação espacial com o mundo e os seus objetos” (Gumbrecht, 2010, p. 9). Em sua análise, presença indica intensificação dos objetos “presentes sobre corpos humanos”, o que o autor chama “produção de presença”.

Para Hamilton, podemos nos situar melhor no espaço por meio do objeto e da construção de presença em relação a ele. Há também a possibilidade de poder expandir a consciência para todo o estúdio mantendo a relação com o objeto, o que propiciaria encontrar formas de se intensificar a presença em uma composição instantânea, por criar relações não fundadas no sentido, deixar que o efeito de presença seja produzido quando o significado do signo dissolver-se “no movimento do gesto”; deixar “o gesto-signo se afogando no corpo-movimento” (Gil, 2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005., p. 97). Um modo de intensificar a presença, na relação objeto e corpo, se deu, por exemplo, em um exercício realizado durante o seu workshop, no qual os presentes foram solicitados a escolher um objeto e carregá-lo com eles enquanto dançavam. O foco não esteve, contudo, em dançar com o objeto, mas em esquecê-lo para incorporá-lo ao corpo e à dança. Em alguns momentos se deveria trocá-lo de mão. Com esse exercício, pôde-se também descobrir como segurar um objeto, observando novos gestos que aparecessem nas mãos e nos braços apenas pelo fato de se estar carregando-o enquanto dançavam. Além disso, com uma mão ocupada pelo objeto e a outra livre, tornou-se mais forte a percepção do lado direito e o lado esquerdo do corpo.

A presença, no trabalho de Hamilton, relaciona-se também com o espaço, indicando a possibilidade de ser instaurada em uma relação com a arquitetura. O trabalho com o espaço foi feito a partir da observação dos objetos que compõem o estúdio Radial System V e sua própria arquitetura. Depois da observação, iniciou-se composições instantâneas em pequenos grupos; curioso foi perceber que há detalhes da arquitetura que nos empurram para determinados lugares, como para a janela, para a porta ou para o chão; tais tendências gravitacionais, sobretudo nos bailarinos, parecem enfraquecer a qualidade dessa presença instaurada pela arquitetura. Haveria então lugares que potencializam a presença? Da mesma forma na relação com o objeto? Como então o trabalho com a arquitetura e com o objeto podem desafiar conceitos de presença? Um caminho poderia ser o de ouvir os objetos, assim como a arquitetura. Hamilton (2015b) chamou à atenção em seu workshop para o fato de que os objetos falam, cada qual com sua especial poesia e contexto. Atentou também para formas de se chegar ao público ao informar sobre a tradição de se falar para um objeto, para que ele possa chegar ao público. Ato que se concentra para radiar.

Na peça Goat Ocean, repertório da Companhia Allen´s Line, de Julyen Hamilton, a presença se produz também por meio da ausência de intérpretes, sem eles saírem do palco ou de cena. Para esse efeito, Hamilton trocou as saídas laterais, como é tradição no teatro, por um pano mais ou menos central. Esse pano, um tanto quanto estreito, deixa que se vejam partes do corpo dos intérpretes, construindo um jogo de aparições e desaparições. O pano preto é o que permitirá também a produção de um tempo subjetivo. Esse efeito de presença pela ausência parece criar também uma série de transformações que dialogam com a própria dramaturgia da peça, convidando o público e o próprio intérprete a uma expectativa de um movimento futuro. Ainda sobre a presença a partir da ausência, no workshop Trabalhando com Objetos investigou-se a relação da dança com o objeto para a composição instantânea. Dessa forma, cada participante escolheu um novo objeto para trabalhar em cena. Durante o processo, o que ficou evidente foi que o objeto, deixado a certa distância do corpo, formava uma composição. Isto é, para que a composição acontecesse não era necessário que o intérprete ficasse sempre atado ao objeto. O vazio que se pode estabelecer entre o objeto, a dança e a ausência de um corpo nos arredores do objeto, detém uma força composicional que parece potencializar os efeitos de presença. O mesmo pode-se dizer quando o bailarino sabe que atrás dele, onde dança, há uma janela ou um muro e, neste interstício, há o vazio onde ele não está.

Uma Breve Conclusão

No processo da composição instantânea parece haver espaço para a integração de diferentes experiências do bailarino, na construção do corpo-realidade, conceitos que estão ligados aos elementos discutidos acima, como a qualidade de movimento, a presença e as arenas reflexivas, conjugando a imaginação, a escuta, a consciência do corpo, etc. As arenas reflexivas, que seriam o momento das performances em classe; as demais etapas consideradas como fases da performance teatral (Schechner, 2013SCHECHNER, Richard. Performance Studies: an introduction. New York; London: Routledge , 2013 [1988].) - como seus momentos aftermath ou o cool-down - e também os treinos e aquecimentos, todas essas noções encontram-se no trabalho de Hamilton como categorias mescladas umas às outras. O resultado disso é o embaralhar-se das fronteiras entre o treino e o trabalho de cena. Esse caminho é percorrido no decorrer das aulas e workshops para que se passe de exercícios de improvisação à composição em um nível mais acabado.

O habitus do bailarino não se formata segundo o modelo do coreógrafo, neste caso, o de Julyen Hamilton. A bem dizer, na composição instantânea proposta por Hamilton não há um modelo. Contudo, para ele, até mesmo os tão condenáveis padrões são bem-vindos: “A vida é cheia da vibração de hábitos. Não esse tipo de hábito que impõe percepções, mas certos hábitos da dança. Eu quero esses hábitos” (Hamilton, 2015a).

Uma possível crítica do trabalho de Hamilton, contudo, é a existência de uma contradição entre dois elementos importantes do método. O primeiro elemento é o de se estar no constante agora, do estado de fluxo, e o segundo é a característica coreográfica, um trabalho que envolve também o intelecto, o pensamento. Esses dois elementos parecem não ser possíveis de coexistirem. Foster (2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing Empathy. iBooks. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://itunes.apple.com/WebObjects/MZStore.woa/wa/viewBook?id= 11047B238E1BA6A06C489C79F17A83E9 >. Acesso em: 13 fev. 2015.
https://itunes.apple.com/WebObjects/MZSt...
, p. 30) lembra que, muitas vezes, a noção de coreografia é construída em oposição à improvisação e a elementos espontâneos na performance da dança, ou é interpretada como partituras (scores). O processo intelectual de julgar e avaliar as decisões relacionadas à performance, como o “nexo coreográfico” (Gil, 2005GIL, José. Movimento Total: O Corpo e a Dança. São Paulo: Iluminuras, 2005.) ou elementos de composição, parece incompatível com o estar no constantemente agora. O próprio nome, composição instantânea, parece uma contradição em si, contradição entre a presença no instante e a composição que requer momentos de contemplação, momentos outsiders. Um bom exemplo para essa contradição é o fato de Hamilton interromper frequentemente o fluxo dos acontecimentos durante os workshops para tecer suas considerações.

Por sua vez, o pensamento coreográfico no trabalho de Hamilton, aliado à composição instantânea, encontra-se mais próximo da ideia de uma prática expandida, conforme explica Spångberg (2015SPÅNGBERG, Mårten. Postdance. 2015. Disponível em: <Disponível em: https://vimeo.com/15 1532717 >. Acesso em: 12 jul. 2015.
https://vimeo.com/15 1532717...
). Nesse caso, não por se divorciar da dança (pois o que acontece é o oposto disso), mas sim por reconhecer sua própria capacidade e autonomia, sua própria epistemologia, alcançando uma ética e conhecimentos próprios. Por isso, o trabalho de Hamilton seria um caso de como a dança pode realizar sua possibilidade de ser política sem necessariamente ser provocativa ou debruçar-se sobre um tema que se relacione com algo político, pois, para Hamilton, o corpo é político. Sua fala e consequentemente seu trabalho indicam o ganho de autonomia da dança e do bailarino. Carregam uma potencialidade política. Uma prática que se expande até quase não ser mais necessária a existência do coreógrafo ou dos comandos de obediência. Nesse sentido, Hamilton (2015a) considera que seu trabalho como diretor é partilhar informações suficientes: técnicas, práticas emocionais, metafóricas em qualquer nível no qual estejam os seus intérpretes.

Na composição instantânea, por fim, o que parece ser importante é o bailarino atualizar-se o tempo todo. Um grande desafio e trabalho de corpo e mente. É possível sempre chegar com uma ótima ideia que pode invalidar-se depois de segundos, quando tudo começar a se mover. Pois não há nenhuma maneira de dizer para os nossos co-dancers qual é a minha ideia e o que eles devem fazer.

Os exercícios e as reflexões geradas no workshop de Hamilton com as arenas reflexivas parecem possibilitar que nada seja deixado para depois. A ideia é que o exercício possa sair da potência para produzir possibilidades. De modo intermitente, e muito por consequência dessas arenas, peças foram sendo criadas transformando os exercícios em performances, isto é, em trabalho da cena. A reação somática do pesquisador foi a de exaustão, exaustão pela impossibilidade de deixar a mente vaguear pelo estúdio, exaustão intelectual. Os processos das composições instantâneas constituíram a mente corporificada de Fischer-Lichte. Outra problemática decorrente disso foi a possibilidade de os dançarinos se tornarem muito ocupados diante do quanto o corpo é capaz de se afetar. As consequências são os riscos de se afundar no prazer ou no êxtase da infinita possibilidade do que pode o corpo, como o canto da sereia perder a mente corporificada.

Percebe-se que estamos, com efeito, diante de um trabalho que busca um corpo autônomo, capaz de assumir o controle de sua formação; e de um corpo híbrido (Louppe, 2000LOUPPE, Laurence. Corpos Híbridos. In: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia (Org.). Lições de Dança 2. Rio de Janeiro: Editora da Universidade, 2000. P. 27-40.), eclético (Davida, 1993DAVIDA, Dena. Le corps éclectique. In: GELINAS, Aline (Org.). Les Vendredi du Corps. Montréal: Cahiers du théâtre-Jeu/Festival International de nouvelle danse, 1993. P. 19-33.), mas que seria diferente de um corpo sem referência (Louppe, 2000, p. 27) ou, como resume Elizabeth Dempster (2010DEMPSTER, Elisabeth. Women writing the body: Let’s watch a little how she dances. In: CARTER, Alexandra; O’SHEA, Janet (Ed.). The Routledge Dance Studies Reader. London; New York: Routledge, 2010. P. 229-235. ), de um corpo pós-moderno, aquele que estaria em processo de se destreinar de seus padrões de movimento. No caso da composição instantânea, procura-se o corpo-realidade específico de cada um para se chegar ao nível da arte e fugir de padrões normativos. Um trabalho em que pode ser possível criar material e descobri-lo enquanto ele fala, isto é, tentar não decidir antes de acabar, talvez viver a serendipidade seja um caminho. Pretende-se, enfim, a partir deste estudo, uma contribuição para o debate e pensamento sobre as práticas da dança quando ligadas à arte, à criação e à pedagogia.

Referências

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  • 33
    Este artigo inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    “Corpo-real” ou “Corpo-realidade” é consecutivamente uma livre tradução de corporeal e corporeality. Consideramos que a noção de corpo é mais bem compreendida atualmente por meio do conceito de corporeality, categoria forjada por um coletivo de autores norte-americanos, entre eles, Susan Foster, Mark Franko, Randy Martin e Peggy Phelan. Corporeality introduz o entendimento do corpo como multiplicidade, em constante autotransformação, autodiferenciação, dissolução, formação e deformação, imbuído do real (Lepecki, 2014LEPECKI, André. Performance and Corporeality: lecture by André Lepecki. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://artmuseum.pl/en/doc/video-performans-i-cielesnosc >. Acesso em: 13 fev. 2015.
    http://artmuseum.pl/en/doc/video-perform...
    ).
  • 2
    Julyen Hamilton é professor, bailarino, coreógrafo, poeta e musicista. Desde 2009, é diretor artístico da Companhia Allen´s Line (Bruxelas). Para mais informações, ver: <http://www.julyenhamilton.com/bio.html>.
  • 3
    Usamos aqui o termo pós-moderno mais no seu sentido histórico do que filosófico, visto que este termo tem se revelado uma categoria problemática, e promovido grandes debates entre estudiosos da dança, como, por exemplo Sally Banes (1987BANES, Sally. Terpsichore in Sneakers: post-modern dance. Middletown: Wesleyan University Press, 1987.). Contudo, historicamente nos anos de 1962 e 1964, a dança pós-moderna abrangeu os trabalhos de coreógrafos da Judson Church (Nova York) e ainda outros cujas características envolviam um ecletismo de técnicas, dentre outros elementos, uma forte ideia de jogo e a rejeição dos elementos que mais marcaram a dança moderna.
  • 4
    No original em inglês: “Corporealities seeks to vivify the study of bodies through a consideration of bodily reality, not as natural or absolute given but as a tangible and substantial category of cultural experience”.
  • 5
    O conhecimento tácito estaria mais ligado ao conhecimento encarnado (Polanyi, 1966POLANYI, Michael. The Tacit Dimension. New York: Doubleday & Co., 1996.). É um conhecimento, portanto, que é mais experiencial, podendo ser relacionado aos sentidos, à percepção, à propiocepção e também ao performativo (Nelson, 2013NELSON, Robin. Practice as Research in the Arts: principles, protocols, pedagogies, resistances. London: Palgrave Macmillan, 2013.).
  • 6
    Considera-se o estar imerso, envolvido, pleno como “condição de se fazer pesquisa de/em arte” (Strazzacappa, 2014STRAZZACAPPA, Marcia. Imersões poético-acadêmicas como processos de formação do artista-docente. ARJ ARJ-Art Research Journal, ABRACE, ANPAP, ANPPOM e UFRN, v. 1, n. 2, p. 96-111, jul./dez. 2014., p. 97).
  • 7
    Embora Julyen Hamilton não esteja sediado em Berlim, o coreógrafo faz parte de seus circuitos nessa cidade. A pesquisa de campo foi realizada entre janeiro e junho de 2015.
  • 8
    O conceito de bricolagem foi ressignificado por alguns autores, entre eles, pesquisadores do campo da educação, como Norman Denzin e Yvonna Lincoln, Joe Kincheloe e Kathleen Berry que parecem ter alargado o conceito de Lévi-Strauss, uma vez que pretenderam fazer da bricolagem ela mesma uma abordagem metodológica.
  • 9
    José Gil tem contribuído com o trânsito entre a arte e a filosofia ao propor uma nova teoria da consciência na qual inclui processos inconscientes, o que nos ajuda a pensar o processo de criação do artista.
  • 10
    Estudos de Performance é um campo interdisciplinar que se debruça sobre a dança, o teatro e a performance art, dentre outros, dramas sociais, eventos performativos e rituais.
  • 11
    Categorias de Análise de Movimento Laban são: Corpo-Esforço-Forma-Espaço (em inglês Body, Effort, Shape and Space – BESS). Ver Laban (1963LABAN, Rudolf Von. Modern Educational Dance. London: MacDonald and Evans, 1963 [1948]. ).
  • 12
    As referências – Julyen Hamilton (2015a) e mais a frente (2015b) – tratam-se de anotações de caderno de campo (informação verbal) que foram feitas em diferentes workshops e por isso não há paginação. Rhythm and Placement in Time foi o treinamento realizado no estúdio Dock 11, ocorreu em 16-20 de fev. (2015a). Working with objects foi o treinamento feito no Radialsystem V., em 11-16 de maio (2015b).
  • 13
    Quando se trabalha com outros intérpretes, faz parte da composição instantânea de Hamilton respeitar e assistir com atenção todos os colegas, o que se configura também para Hamilton como um trabalho de escuta e ética, mas também de disciplina.
  • 14
    O modelo pensado por Schechner para uma sequência total da performance teria ao menos sete etapas: training (treino), workshop (oficinas), rehearsal (ensaios), warm-ups (aquecimentos), performance, cool-down (ressaca, reposição) e aftermath (consequências). Tradução nossa.
  • 15
    Um ponto recorrente no trabalho de Julyen Hamilton é a exclusão de conclusões na obra que vai sendo criada por composição instantânea, pois não se deve antecipar o fim.
  • 16
    O que reforça a ideia, no trabalho de Hamilton, das arenas reflexivas de que fala Gravina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2017
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2016
  • Aceito
    20 Fev 2017
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