Open-access Hábitos saudáveis: que tipo de orientação a população idosa está recebendo dos profissionais de saúde?

RESUMO:

Objetivo:  Descrever a prevalência de orientações sobre hábitos saudáveis recebidas de profissionais de saúde entre idosos e sua relação com indicadores socioeconômicos, demográficos, comportamentais, de saúde e do tipo de serviços.

Métodos:   Estudo transversal, de base populacional, com indivíduos de 60 anos ou mais da zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul. Foram avaliadas sete orientações sobre hábitos saudáveis: controlar o peso, reduzir o sal, açúcar e gordura, praticar atividade física, não fumar e não ingerir bebidas alcoólicas.

Resultados:  Entre os 1.451 idosos entrevistados, 1.281 (88,3%) consultaram no último ano. As orientações mais referidas foram para redução do consumo de gordura (61,7%), de sal (61,5%) e prática de atividade física (58,2%). Idosos que consultaram três vezes ou mais e em serviços financiados pelo Sistema Único de Saúde receberam mais orientações. Aqueles idosos de classificação econômica A/B tiveram maior probabilidade de receber orientação para controle de peso (RP = 1,27; IC95% 1,06 - 1,70) e para prática de atividade física (RP = 1,34; IC95% 1,06 - 1,69).

Conclusão:   As orientações, por profissionais de saúde, foram pouco frequentes e, em alguns casos, desfocalizadas.

Palavras-chave: Orientação; Promoção da saúde; Estilo de vida; Comportamentos saudáveis; Idoso; Epidemiologia.

ABSTRACT:

Objective:  To describe the prevalence of guidance on healthy habits received from health professionals by elderly and its relation to socioeconomic demographic, behavioral and health indicators, and the type of services.

Methods:  Cross sectional population based study including individuals aged 60 years or more in the urban area of Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil. Seven guidance on healthy habits were evaluated: weight control, reduction in salt, sugar and fat intake, physical activity practice, not smoking and not drinking alcohol.

Results:  Among the 1,451 elderly interviewed, 1,281 (88.3%) consulted in the last year. The orientations more refereed were to fat (61.7%) and salt (61.5%) intake reduction and physical activity (58.2%). Elderly who consulted three times or more and in services financed by the Unified Health System received more guidance. Those elderly from the socioeconomic classes A/B were more likely to receive guidance for weight control (RP = 1.27; 95%CI 1.06 - 1.70) and physical activity (RP = 1.34; 95%CI 1.06 - 1.69).

Conclusion:  The orientation from health professionals were uncommon and, in some cases, unfocused.

Keywords: Orientation; Health promotion; Life style; Healthy behavior; Aged; Epidemiology.

INTRODUÇÃO

A mudança demográfica que acometeu a população mundial é caracterizada pelo fenômeno do envelhecimento populacional1,2. No Brasil, esse processo ocorreu concomitante à transição epidemiológica, agregando um grande desafio para o sistema de saúde3, com a necessidade de maior ênfase e investimentos em ações de promoção e prevenção da saúde1.

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) objetiva ações de prevenção de doenças e promoção da saúde como componente fundamental dos serviços, mencionando as orientações ao longo do ciclo vital2,4. Em países de renda alta, estudos evidenciaram uma melhoria nos hábitos de vida após recomendações realizadas por profissionais de saúde5,6,7. O Brasil possui marcantes desigualdades sociais em saúde, onde indivíduos com menor classificação econômica e escolaridade tendem a utilizar menos os serviços de saúde8, recebendo menos orientações9,10.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, aproximadamente 90% dos indivíduos de 18 anos ou mais com diagnóstico médico de hipertensão arterial ou diabetes mellitus referiram receber orientações sobre hábitos saudáveis. Porém, essas informações não foram investigadas para a população que não possuía essas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)11.

As orientações sobre hábitos saudáveis podem estar vinculadas a diversos meios, inclusive aos de comunicação3. Entretanto, ações de promoção e prevenção são atribuições dos profissionais e devem ser realizadas em todo contato do usuário com o serviço de saúde2,12,13. O recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis realizadas por profissionais de saúde pode ser avaliada por meio de observação de consultas14, em entrevistas realizadas no serviço de saúde com os indivíduos15 e, ainda, no relato do indivíduo em inquéritos domiciliares5,6,16,17. Esta última possui algumas vantagens em relação às anteriores, pois evita que a resposta dos indivíduos seja influenciada por estarem nos serviços de saúde - viés de cortesia -, e estima de forma mais precisa se a orientação foi captada, uma vez que a compreensão é fundamental para a efetiva realização das recomendações18. Estudos de base populacional sobre a temática são escassos no Brasil, principalmente com a população idosa. A maioria dos estudos investiga o recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis em populações com algum problema crônico de saúde9,14.

Sendo assim, este estudo tem como objetivo descrever as orientações sobre hábitos saudáveis recebidas de profissionais de saúde entre idosos e sua relação com indicadores socioeconômicos, demográficos, comportamentais, de saúde e do tipo de serviços de saúde.

MÉTODOS

Estudo transversal, de base populacional, realizado com indivíduos de 60 anos ou mais da zona urbana do município de Pelotas, Rio Grande do Sul, no ano de 2014. No último censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)19 em 2010, foi possível constatar que o município possuía 46.099 idosos na zona urbana. A seleção da amostra foi realizada em dois estágios, sendo o primeiro a seleção dos setores censitários da cidade de acordo com o IBGE e o segundo, a seleção sistemática dos domicílios dentro de cada setor. Para estimar as prevalências dos desfechos seriam necessários 979 idosos. Para estimar as associações em estudo, foram necessários 1.493 idosos considerando os seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%; poder estatístico de 80%; razões de prevalências mínimas de 1,2; acréscimos de 10% para perdas e recusas, 15% para fatores de confusão e 1,5 para efeito de delineamento.

Todos os indivíduos com 60 anos ou mais foram convidados a participar da pesquisa. Para os idosos com algum problema que os impossibilitasse de responder ao questionário foram consideradas as respostas do responsável. Idosos institucionalizados não foram incluídos. Maiores detalhes sobre a estratégia metodológica do "Consórcio de Pesquisas", utilizada neste estudo, podem ser encontrados em outra publicação20. O questionário final foi realizado com idosos de setores não sorteados, a fim de garantir a clareza das perguntas. As entrevistadoras selecionadas foram devidamente treinadas e padronizadas. As entrevistas foram realizadas por meio de netbooks onde eram registrados os dados, e as medidas antropométricas foram realizadas na mesma ocasião. Foram consideradas perdas e recusas após três ou mais tentativas em dias e turnos diferentes. O controle de qualidade das entrevistas foi realizado pelos mestrandos em 10% da amostra com questionário reduzido.

Os desfechos deste estudo foram operacionalizados através do seguinte questionamento: "Desde <MÊS> do ano passado até agora, algum profissional de saúde orientou o(a) Sr.(a) a..." sendo substituído pelas seguintes orientações: controlar o peso; reduzir o consumo de sal; reduzir o consumo de açúcar e doces; reduzir o consumo de gorduras; praticar atividade física; não fumar e não ingerir bebidas alcoólicas1,3,12. Essas questões eram precedidas por uma pergunta filtro: "Desde <MÊS> do ano passado até agora, o(a) Sr(a). consultou com algum profissional de saúde?". O questionário utilizado neste estudo foi previamente testado.

As variáveis demográficas e socioeconômicas utilizadas foram: sexo (masculino e feminino), faixa etária (60 a 69, 70 a 79 e 80 anos ou mais), cor da pele observada pela entrevistadora (branca, parda, preta, amarela e vermelha), situação conjugal (casados, solteiros, viúvos e separados), escolaridade (nenhuma, 1º grau incompleto, 1º grau completo, 2º grau e nível superior) e classificação econômica (A - mais alta e B, C, D e E)21. Também foram utilizadas as morbidades autorreferidas (sim/não) - hipertensão arterial e diabetes mellitus -, a utilização de medicamentos de uso contínuo (sim, não), tabagismo (nunca fumou, ex-fumante e fumante atual), consumo de bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias (sim, não), insuficientemente ativos (sim, não) e excesso de peso (sim, não). Para classificação de idosos insuficientemente ativos (prática de atividade física < 150 minutos/semana) foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ)22 sendo utilizada uma estimativa global, considerando a atividade física no deslocamento e no lazer. Ainda, realizou-se a mensuração do peso e altura dos idosos. Devido à comum a presença de curvatura de coluna, a altura foi estimada através da medida da altura do joelho ao calcanhar23, por meio de equações específicas para idosos de cor da pele branca e preta24. Para os idosos com outras cores de pele (4,7% da amostra) utilizou-se a equação para os idosos de cor de pele branca, sendo possível obter uma estimativa da altura real de todos os idosos utilizando um antropômetro infantil da marca Indaiá(r), com escala de 100 cm, graduação em milímetros. Para aferição do peso foram utilizadas balanças eletrônicas da marca Tanita(r), modelo UM-080, com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 100 g. O ponto de corte do Índice de Massa Corporal (IMC) definido para excesso de peso25 foi de > 27 kg/m2.

Ainda, foram utilizadas variáveis referentes às consultas aos serviços de saúde: número de consultas (1, 2 e 3 ou mais), local da última consulta (Unidade Básica de Saúde - UBS, pronto socorro, consultório, ambulatórios das faculdades e hospitais/pronto-atendimentos/policlínicas, sindicatos/empresas e outros) e financiamento do atendimento da última consulta (particular, convênio ou Sistema Único de Saúde - SUS). O período recordatório utilizado foi de um ano.

Os dados foram analisados no programa STATA 12.1. Inicialmente, realizou-se uma descrição dos desfechos obtendo-se as prevalências e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para obtenção das prevalências dos desfechos segundo as variáveis independentes utilizou-se o teste do χ2 de heterogeneidade e o teste do χ2 de tendência linear para as variáveis categóricas ordinais. Utilizou-se regressão de Poisson26 para obtenção das razões de prevalência com seus respectivos IC95% e valores p na análise bruta e ajustada entre os desfechos e a classificação econômica (ABEP). O ajuste incluiu as variáveis sexo, idade, cor da pele, situação conjugal e escolaridade. Considerou-se que a classificação econômica e a escolaridade não eram colineares (correlação = 0,61). Associações com valor p menor do que 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. Todas as análises foram realizadas utilizando o comando svy para considerar o efeito de delineamento amostral do estudo.

O estudo não possui conflitos de interesses e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (número de protocolo: 201324538513.1.0000.5317). Os idosos ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Foram identificados 1.844 idosos elegíveis para o estudo. As perdas contabilizaram 9,7% (n = 179) e as recusas 11,6% (n = 214) totalizando 1.451 idosos entrevistados. As perdas e recusas tinham menor média de idade (69,5 anos) do que a amostra final (70,7 anos), p = 0,01. O maior efeito de delineamento entre os desfechos em estudo foi de 1,3 para "orientação de redução do consumo de açúcar".

A prevalência de consultas com profissionais de saúde, no último ano, foi de 88,3% (n = 1.281), amostra utilizada na presente análise. Essa amostra é semelhante à original (n = 1.451) em relação a características demográficas, socioeconômicas, comportamentais e de saúde. No que se refere às orientações recebidas, no contexto dos serviços de saúde, as mais referidas foram para redução do consumo de gordura (61,7%; IC95% 59,0 - 64,3), redução do consumo de sal (61,5%; IC95% 58,8 - 64,2) e para a prática de atividade física (58,2%; IC95% 55,5 - 60,9), seguido pela orientação para redução do consumo de açúcar (49,9%; IC95% 47,2 - 52,7), controle de peso (38,9%; IC95% 36,3 - 41,6), não fumar (19,3%; IC95% 17,1 - 21,4) e não ingerir bebidas alcoólicas (13,4% ; IC95% 11,6 - 15,3) (Figura 1).

Figura 1:
Frequência das orientações sobre hábitos saudáveis dadas por profissionais de saúde aos idosos que consultaram em serviços de saúde no último ano. Pelotas, RS, 2014 (n = 1.281).

Entre os idosos que consultaram com profissionais de saúde no último ano, a maioria era do sexo feminino (64,2%), com idade entre 60 e 69 anos (51,3%), de cor da pele branca (84,4%), casados (53,8%), com o 1º grau incompleto (52,9%) e pertencentes à classificação econômica C (51,7%) (Tabela 1). Majoritariamente, o recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis foi mais frequente entre as mulheres e em idosos com 60 a 69 anos. Em relação à cor da pele, apenas a orientação de redução de sal apresentou diferença estatística, com maior prevalência entre os não brancos. Nenhuma orientação variou de acordo com a situação conjugal. Quanto maior a escolaridade e a classificação econômica, maiores foram as prevalências de orientação para controle de peso e prática de atividade física.

Tabela 1:
Descrição da amostra de idosos que consultaram em serviços de saúde no último ano de acordo com as características demográficas e socioeconômicas. Pelotas, RS, 2014 (n = 1.281).

Cerca de 70% referiram diagnóstico médico de hipertensão arterial e 25% de diabetes mellitus. Em relação às variáveis comportamentais, cerca de 10% da amostra eram fumantes, 20% ingeriram bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias, 57% estavam com excesso de peso, aproximadamente 60% eram insuficientemente ativos e 90% usavam medicamentos de uso contínuo. Os idosos hipertensos, diabéticos, que nunca fumaram, que estavam com excesso de peso e em uso de medicamentos contínuos relataram maior recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis. Entre aqueles que consumiram bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias, as maiores prevalências de recomendação foram para controle de peso e não ingerir bebidas alcoólicas (Tabela 2).

Tabela 2:
Prevalência de orientações recebidas sobre hábitos saudáveis segundo variáveis comportamentais e de saúde. Pelotas, RS, 2014 (n = 1.281).

A maioria dos idosos consultou mais de 3 vezes no ano anterior à entrevista (67,9%), com maior proporção de consultas financiadas por convênios (44,2%) e realizadas em consultórios (48,1%). As maiores prevalências de recebimento de orientações foram evidenciadas entre os idosos que consultaram mais de três vezes e em serviços financiados pelo SUS. Em relação ao local da última consulta, idosos que consultaram nas UBS receberam mais orientação para redução de sal e para não fumar. Observou-se que a orientação para prática de atividade física foi mais prevalente entre idosos atendidos por convênio e em consultórios (Tabela 3).

Tabela 3:
Prevalência de orientações recebidas sobre hábitos saudáveis, de acordo com as características dos serviços de saúde. Pelotas, RS, 2014 (n = 1.281).

No modelo bruto encontrou-se associação estatisticamente significativa entre classificação econômica e orientações para controle de peso, redução de sal, prática de atividade física e para não fumar. Após o ajuste, idosos com classificação econômica A/B tiveram uma probabilidade 27% maior de receber orientação para controle de peso e 34% maior de receber orientação para prática de atividade física em comparação aos com classificação econômica D/E (mais pobres) (Tabela 4).

Tabela 4:
Análise bruta e ajustada entre o recebimento de orientações e classificação econômica. Pelotas, RS, 2014 (n = 1.281).

DISCUSSÃO

As prevalências de recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis, realizadas por profissionais de saúde, foram inferiores a 62%. Ao extrapolar essa proporção para a população-alvo, que consultou no último ano, cerca de 16.282 idosos da zona urbana do município não receberiam ações de promoção da saúde e prevenção de doenças.

Mesmo considerando os grupos mais vulneráveis, as recomendações atingiram menos de 80% dos idosos, com exceção da orientação para redução do consumo de açúcar entre os indivíduos com diabetes. As prevalências de orientações entre os hipertensos e diabéticos foram inferiores à maioria das orientações observadas em estudos realizados nos Estados Unidos e Canadá5,6 e em estudo de abrangência nacional realizado recentemente no Brasil11. Entretanto, a prevalência de orientação para a prática de atividade física foi maior do que a encontrada em um estudo realizado em áreas de abrangência de UBS no Nordeste e Sul do Brasil incluindo adultos e idosos16.

As ações de prevenção de doenças e promoção da saúde, atribuídas aos profissionais, devem subsidiar a adoção de um estilo de vida saudável2,12, sendo uma maneira de integrar o indivíduo no gerenciamento de sua própria saúde15. A oferta dessas orientações pode conferir maior qualidade aos serviços e diminuição de agravos vinculados à falta de promoção da saúde7,12,27.

O processo de um sistema de saúde é embasado em ações de oferta e recebimento, sendo que nesse último o alvo é a população que busca atendimento nos serviços de saúde28. Os idosos consultam com maior frequência profissionais de saúde29, em relação aos demais grupos etários. Neste estudo, a relação entre o recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis e o número de consultas com profissionais de saúde mostrou-se positiva, ratificando que o maior contato com os serviços representa mais oportunidades para o recebimento de recomendações10. Não obstante, considerando as prevalências dos desfechos e que a maioria os idosos consultaram três vezes ou mais no último ano, é provável que os profissionais tenham desperdiçado oportunidades de aconselhamento, visto que aproximadamente 35% dos idosos consultaram profissionais de saúde com essa frequência e não receberam orientação para redução do consumo de sal e gordura. O Ministério da Saúde preconiza que as recomendações sobre hábitos saudáveis devem ser realizadas em todo o contato com o usuário3,12,13.

A partir dos resultados observados, não é possível garantir a qualidade da orientação recebida, a qual é fundamental para um aconselhamento educativo de modo que o indivíduo perceba e possa adotar a recomendação do profissional de saúde16, e não somente uma transmissão de informações. Nesse processo de educação em saúde existem muitos fatores envolvidos e que não foram avaliados neste estudo, como a formação dos profissionais, que pode atuar de forma positiva na inserção de ações que visem à promoção e educação em saúde12,27. Outro aspecto a ser mencionado é o tempo de duração das consultas, que pode ser um dos problemas enfrentados na qualidade do serviço, bem como o número reduzido de profissionais e a alta demanda, que podem diminuir a oferta de informações29.

Em relação às características demográficas observou-se que as mulheres receberam mais orientações, o que pode ser justificado pela maior frequência de consultas em serviços de saúde pelo sexo feminino10. Ainda, foram verificadas menores prevalências de orientações para os idosos com mais de 80 anos, semelhante ao evidenciado por Hinrichs et al.30. Esse achado pode ser justificado pela crença, por parte dos profissionais, de que a adoção de um estilo saudável é tardia nessa faixa etária1.

Os idosos com alguma DCNT são os que mais utilizam os serviços de saúde para o monitoramento de suas condições e redução dos agravos gerados por essas doenças31. Entre os idosos com excesso de peso, hipertensos, diabéticos e que utilizavam medicamentos de uso contínuo observou-se maior recebimento de orientações sobre hábitos saudáveis. Esse achado foi semelhante ao encontrado em estudo realizados com adultos e idosos brasileiros16. No entanto, destacam-se as oportunidades perdidas de prevenção da saúde entre os que não apresentavam problemas crônicos. O aconselhamento deve ser oferecido independente da presença de doenças ou condições crônicas17,32. É importante ressaltar que apesar da necessidade de tratamento medicamentoso para as DCNT, as modificações no estilo de vida devem ser incentivadas e fazer parte da terapêutica13. Embora as prevalências observadas de orientações sobre hábitos saudáveis tenham sido superiores em idosos com problemas crônicos, ainda podem estar abaixo do esperado, visto que essa população usa com maior frequência os serviços de saúde e assim está mais exposta a receber orientações31,32. Sendo semelhante ao evidenciado em outro estudo, com adultos, mostrando que esse impasse não é específico para a população idosa17, e sim, um aspecto a ser aperfeiçoado nos serviços de saúde.

Observou-se menor recebimento de orientação para a prática de atividade física entre os idosos classificados como insuficientemente ativos, semelhante ao verificado por Siqueira et al.16. A falta de recomendações pode reduzir o engajamento dos indivíduos nos hábitos saudáveis, justamente aqueles que mais precisariam do aconselhamento, enfatizando que os profissionais devem incentivar constantemente os indivíduos a adotarem um estilo de vida saudável5,6,18,29.

Neste estudo as prevalências de recebimento de orientações para não fumar e não ingerir bebidas alcoólicas foram inferiores a 20%, podendo ser consideradas baixas, já que esses comportamentos estão, também, relacionados à alta carga das DCNT e seus agravos31. Os questionamentos sobre o recebimento dessas orientações não foram direcionados apenas aos idosos que possuíam esses hábitos, pois acredita-se que ambos os comportamentos estão interligados e não possuem momento certo para o início ou recidivas13. Ainda, a PNPS recomenda que a população deve ser fortemente incentivada contra a adoção e desvinculação desses comportamentos2, sendo que essas medidas buscam evitar o aparecimento de DCNT ou reduzir suas consequências1.

As orientações sobre hábitos saudáveis devem ser igualmente distribuídas na população2,7,27. Não obstante, foram verificadas desigualdades em relação à classificação econômica no recebimento de orientações para o controle de peso e para a prática de atividade física. Os idosos mais ricos apresentaram maior recebimento dessas orientações. A plausibilidade para esse achado é complexa, podendo ser atribuída às características individuais, já que idosos com menor poder aquisitivo consultaram menos os serviços de saúde (dados não apresentados). Entretanto, as características dos profissionais e serviços de saúde podem explicar de forma mais robusta esses achados27. Os profissionais de saúde podem concluir que indivíduos mais pobres enfrentam maiores dificuldades para aderir a esses comportamentos, deixando de realizar as orientações.

Algumas limitações do estudo devem ser mencionadas. Primeiro, a causalidade reversa pode dificultar a interpretação de algumas associações como, por exemplo, orientações sobre controle do peso e estado nutricional. Porém, o estudo não objetiva realizar inferências causais. Segundo, há possibilidade de viés de recordação, já que as orientações sobre hábitos saudáveis podem não ser eventos marcantes. Embora a maior parte da literatura utilize o período de 12 meses, estudos sobre validação dos períodos recordatórios podem ser realizados para melhor entendimento da temática. E, terceiro, as perdas e recusas foram diferentes da amostra em relação à idade, podendo gerar viés nas prevalências em estudo. Porém, não há suspeita de viés nas associações avaliadas, sendo que a idade foi incluída na análise ajustada.

Ainda, cabe salientar que o desfecho orientação para controle de peso pode não ser a melhor maneira a ser utilizada em inquéritos populacionais, pois pode captar somente os indivíduos com excesso de peso. O estado nutricional dos idosos não era conhecido antes das entrevistas, por isso, mediante testes do questionário foi possível constatar que essa seria a melhor forma de verificação do desfecho. Outra possibilidade é o erro de classificação quanto à fonte de informação das orientações. As recomendações investigadas são de cunho geral, podendo ser vinculadas a diversos meios, como a mídia.

Como aspectos positivos destaca-se a representatividade populacional do estudo. Estudos que avaliem essa temática ainda são escassos no país, principalmente em idosos9,14,15,16. Além disso, os achados podem auxiliar os gestores em saúde do município, e locais semelhantes, a enfatizar as ações de promoção e prevenção da saúde entre os idosos, uma vez que o estudo abordou o recebimento de orientações tanto segundo atributos individuais como sobre as características dos serviços de saúde do município.

CONCLUSÃO

A oferta de orientações sobre hábitos saudáveis, realizada por profissionais de saúde, deve ser mais frequente, considerando as características da população idosa. Acredita-se que os serviços possam ainda estar despreparados para atender à crescente demanda de idosos no contexto de incentivo à adoção de um estilo saudável, mesmo com as melhorias evidenciadas principalmente em relação aos serviços financiados pelo SUS, onde observou-se maior dispensação de orientações, que podem ser sinalizadas a partir dos achados deste estudo. Assim, devem ser realizados maiores investimentos em relação às ações educativas de prevenção de doenças e promoção da saúde. A orientação é uma medida de baixo custo e esforços são necessários para que os profissionais estejam mais engajados nessas estratégias, orientando mais a população idosa sobre hábitos saudáveis em todo e qualquer contato que tenham com o serviço, independente de aspectos socioeconômicos ou da presença de problemas crônicos de saúde.

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  • Fonte de financiamento: Programa de Excelência Acadêmica (PROEX) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sob número de processo PROEX - 1107/2013/Processo nº 23038.003968/2013-99.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2015
  • Aceito
    22 Set 2015
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