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Consumo alimentar em participantes do Projeto Saúde Brumadinho

RESUMO:

Objetivo:

Analisar o consumo alimentar de residentes de Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, segundo as características sociodemográficas da vizinhança e a área de residência.

Métodos:

Estudo transversal com dados da linha de base do Projeto Saúde Brumadinho, conduzido com 2.805 indivíduos adultos. Os marcadores de alimentação saudável analisados foram frutas e hortaliças (FH), feijão e peixe; os não saudáveis foram doces e refrigerante/suco artificial, leite com teor integral de gordura e carne vermelha com gordura visível/frango com pele. Prevalências e intervalos de confiança de 95% foram calculados para a amostra total, segundo características sociodemográficas; presença de estabelecimentos comerciais de FH na vizinhança e área de residência, segundo rompimento da barragem.

Resultados:

Entre os marcadores de alimentação saudável, o mais prevalente foi o feijão (81,6%) e, entre os não saudáveis, leite com teor integral de gordura (68,8%) e carne vermelha com gordura visível/frango com pele (61,1%). Mulheres apresentaram maior consumo de FH, e homens, de feijão e peixe, sendo maiores as prevalências desses marcadores entre os indivíduos com maior escolaridade e renda. Os marcadores de alimentação não saudável foram mais prevalentes entre os homens, os mais jovens, indivíduos com menor escolaridade e renda e residentes em área diretamente atingida pelo rompimento da barragem ou região de mineração.

Conclusão:

Menos da metade dos participantes apresentou consumo regular ou recomendado de marcadores de alimentação saudável, exceto o feijão. Características individuais e área de residência foram associadas ao consumo alimentar dos indivíduos, devendo ser consideradas nas ações de promoção da alimentação adequada e saudável.

Palavras-chave:
Desastres; Consumo alimentar; Comportamento alimentar; Hábitos alimentares; Epidemiologia descritiva

ABSTRACT:

Objective:

To analyze the food consumption patterns of residents of Brumadinho, Minas Gerais, Brazil, according to sociodemographic characteristics, neighborhood and area of residence.

Methods:

Cross-sectional study with baseline data from the Brumadinho Health Project, conducted with 2,805 adult individuals. The healthy food consumption markers analyzed were: fruits and vegetables (FV), beans and fish; the unhealthy markers were: sweets and soda/artificial juices, whole-fat milk and red meat with visible fat or chicken with skin. Prevalence values and 95% confidence intervals were calculated for the total sample and according to sociodemographic characteristics, presence of commercial establishments with varieties of FV in the neighborhood and area of residence affected by the dam failure.

Results:

Among the healthy food consumption markers, the most common was beans (81.6%), and among the unhealthy ones, whole-fat milk (68.8%) and red meat with visible fat/chicken with skin (61.1%). Women were more prone to higher consumption of FV, while men, of beans and fish; the prevalence of these markers was higher among individuals with higher education degrees and higher incomes. Unhealthy eating markers were more prevalent among men, younger people, individuals with lower educational level and lower incomes, and residents in an area directly affected by the dam failure or in a mining region.

Conclusion:

Less than half of the participants were considered to follow regular or recommended consumption of healthy eating markers, except for beans. Individual characteristics and area of residence were associated with individuals’ food consumption patterns and should be taken into account in actions to promote adequate and healthy eating.

Keywords:
Disasters; Food consumption; Eating behavior; Eating habits; Descriptive epidemiology

INTRODUÇÃO

A alimentação adequada e saudável é essencial para a promoção da saúde e o bem-estar11 World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Report of a joint WHO/FAO expert consulation. Genebra: World Health Organization; 2003 [Internet]. [cited on Jun 12, 2022]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/42665
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e, no Brasil, é um direito assegurado pela Constituição Federal22 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [Internet]. 1988 [cited on Jun 12, 2022]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, uma alimentação adequada e saudável deve ser baseada em alimentos in natura ou minimamente processados ou preparações culinárias à base deles, em detrimento dos alimentos ultraprocessados (AUP)33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira [Internet]. 2014 [cited on Jun 12, 2022]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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Entretanto, estudos sobre a tendência de mudanças no padrão alimentar da população brasileira mostraram aumento do consumo de AUP, como refrigerantes, biscoitos e refeições prontas, e redução do consumo de alimentos in natura e minimamente processados, como feijão, raízes e tubérculos, frutas e hortaliças (FH)44 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde 2019: percepção do estado de saúde, estilos de vida, doenças crônicas e saúde bucal: Brasil e grandes regiões. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [Internet]. 2020 [cited on Jun 12, 2022]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101764.pdf
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. Essas mudanças no padrão alimentar parecem advir dos processos de urbanização e industrialização, das mudanças na organização das famílias e de transformações nos sistemas alimentares, entre outros fatores, afetando de forma diferenciada os grupos populacionais55 Costa DVP, Lopes MS, Mendonça RD, Malta DC, Freitas PP, Lopes ACS. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(suppl 2): 3805-13. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.2.26752019
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Mudanças do padrão alimentar podem, ainda, ser decorrentes de situações de desastres66 Ma E, Ohira T, Nakano H, Maeda M, Yabe H, Sakai A, et al. Dietary pattern changes in Fukushima residents after the Great East Japan Earthquake: the Fukushima Health Management Survey 2011-2013. Public Health Nutr 2021; 24(8): 2195-204. https://doi.org/10.1017/S1368980020000300
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, com impactos na qualidade da alimentação77 Lourdes EB, Santana HC, Macedo LR, Silva Correia F, Cordeiro Pacheco T, Nascimento DP, et al. Changes in dietary and water use habits after the Doce River contamination with mining tailings. Food Sci Technol 2021; 42: e11021. https://doi.org/10.1590/fst.11021
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e de vida da população. Famílias podem perder o acesso à terra — muitas vezes, a principal fonte de alimentação e de renda — e ser afetadas em suas escolhas alimentares88 Rukundo PM, Iversen PO, Andreassen BA, Oshaug A, Kikafunda J, Rukooko B. Perceptions on the right to adequate food after a major landslide disaster: a cross-sectional survey of two districts in Uganda. BMC Int Health Hum Rights 2015; 15: 9. https://doi.org/10.1186/s12914-015-0047-x
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, apesar das medidas de reparação. Nesse sentido, estudos conduzidos com populações atingidas por desastres mostraram elevado nível de insegurança alimentar e baixa diversidade da alimentação88 Rukundo PM, Iversen PO, Andreassen BA, Oshaug A, Kikafunda J, Rukooko B. Perceptions on the right to adequate food after a major landslide disaster: a cross-sectional survey of two districts in Uganda. BMC Int Health Hum Rights 2015; 15: 9. https://doi.org/10.1186/s12914-015-0047-x
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,99 Clay LA, Papas MA, Gill KB, Abramson DM. Factors associated with continued food insecurity among households recovering from Hurricane Katrina. Int J Environ Res Public Health 2018; 15(8): 1647. https://doi.org/10.3390/ijerph15081647
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Em 25 de janeiro de 2019, ocorreu um desastre em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil: o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, sob a responsabilidade da mineradora Vale S.A. Os rejeitos de minério atingiram nove setores censitários, comprometendo a moradia de parte da população, plantações e a criação de animais1010 Barcellos C, Silva DX, Romão A, Froes C, Saldanha R, Gracie R, et al. Avaliação dos impactos sobre a saúde do desastre da mineração da Vale (Beumadinho, MG). Nota Técnica Fiocruz [Internet]. 2019 [cited on Jun 7, 2022]. Available from: https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/relat%C3%B3rio_Brumadinho_impacto_sa%C3%BAde_01_fev_b.pdf
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, e ocasionaram pelo menos 272 mortes1111 Peixoto SV, Asmus CIRF. O desastre de Brumadinho e os possíveis impactos na saúde. Cienc Cult 2020; 72(2), 43-6. http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602020000200012
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,1212 Peixoto SV, Firmo JOA, Fróes-Asmus CIR, Mambrini JVM, Freitas CM, Lima-Costa MF, et al. Projeto Saúde Brumadinho: aspectos metodológicos e perfil epidemiológico dos participantes da linha de base da coorte. Rev Bras Epidemiol 2022; (supl 2): E220002. https://doi.org/10.1590/1980-549720220002.supl.2.1
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. Além disso, a contaminação do Rio Paraopeba1313 Polignano MV, Lemos RS. Rompimento da barragem da Vale em Brumadinho: impactos socioambientais na bacia do rio Paraopeba. Cienc Cult 2020; 72(2): 37-43. http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602020000200011
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pode ter prejudicado ainda mais as atividades agropecuárias. Tudo isso impactou os modos de vida da população e, possivelmente, a alimentação.

Apesar de não se dispor de dados anteriores sobre o consumo alimentar da população de Brumadinho, caracterizá-lo após o desastre é importante, sobretudo ao considerar a necessidade da realização de ações de promoção da alimentação adequada e saudável no município. Nesse sentido, este artigo objetivou analisar o consumo alimentar dos indivíduos residentes de Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, segundo as características sociodemográficas da vizinhança e a área de residência.

MÉTODOS

Delineamento e local de estudo

Pesquisa transversal realizada com dados da linha de base de estudo longitudinal denominado Projeto Saúde Brumadinho, conduzido em Brumadinho, Minas Gerais, Brasil, com o objetivo de produzir informações sobre a saúde da população para garantir a resolutividade do cuidado com a saúde no município1212 Peixoto SV, Firmo JOA, Fróes-Asmus CIR, Mambrini JVM, Freitas CM, Lima-Costa MF, et al. Projeto Saúde Brumadinho: aspectos metodológicos e perfil epidemiológico dos participantes da linha de base da coorte. Rev Bras Epidemiol 2022; (supl 2): E220002. https://doi.org/10.1590/1980-549720220002.supl.2.1
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Brumadinho apresenta índice de desenvolvimento humano de 0,747 e população estimada, em 2021, de 41.208 habitantes distribuídos em área de 639,434 km21414 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. Brumadinho [Internet]. 2022 [cited on Jun 7, 2022]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/brumadinho/panorama
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.

População e amostra de estudo

A amostra do Projeto Saúde Brumadinho foi delineada para ser representativa da população com 12 anos ou mais de idade residente no município no ano de 2019, de acordo com três domínios de estimação distintos:

  1. Amostra das demais regiões (indivíduos não atingidos diretamente pelo rompimento da barragem e não residentes em área com mineração);

  2. Indivíduos diretamente atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos (residentes antes ou no momento da pesquisa nas áreas diretamente atingidas pela lama de rejeitos ou pela água do Rio Paraopeba, contaminado pela lama); e

  3. Indivíduos que residiam em área com atividade de mineração1212 Peixoto SV, Firmo JOA, Fróes-Asmus CIR, Mambrini JVM, Freitas CM, Lima-Costa MF, et al. Projeto Saúde Brumadinho: aspectos metodológicos e perfil epidemiológico dos participantes da linha de base da coorte. Rev Bras Epidemiol 2022; (supl 2): E220002. https://doi.org/10.1590/1980-549720220002.supl.2.1
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O plano amostral considerou a estratificação da população por setor censitário, conforme estabelecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019. Uma amostra aleatória de domicílios foi selecionada nos setores pertencentes ao domínio da amostra das demais regiões (domínio 1), enquanto foram incluídos todos os domicílios das regiões consideradas diretamente atingidas (domínio 2) ou expostas à atividade mineradora (domínio 3) que consentiram em participar.

Em todos os domínios de estimação, em cada domicílio selecionado, foram entrevistados todos os moradores com 12 anos ou mais de idade, totalizando 3.080 participantes e taxa de resposta de 86,4%. Neste artigo, foram incluídos apenas os indivíduos adultos (18 anos ou mais de idade), o que correspondeu a 2.805 entrevistados.

Mais detalhes sobre a pesquisa podem ser obtidos em sua homepage (http://www.minas.fiocruz.br/saudebrumadinho/) e no artigo metodológico do projeto1212 Peixoto SV, Firmo JOA, Fróes-Asmus CIR, Mambrini JVM, Freitas CM, Lima-Costa MF, et al. Projeto Saúde Brumadinho: aspectos metodológicos e perfil epidemiológico dos participantes da linha de base da coorte. Rev Bras Epidemiol 2022; (supl 2): E220002. https://doi.org/10.1590/1980-549720220002.supl.2.1
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Procedimentos de coleta dos dados

Aplicou-se, no domicílio dos participantes, questionário que incluía dados sociodemográficos, percepção do ambiente alimentar da vizinhança e consumo alimentar. Todos os entrevistadores foram treinados e certificados e realizaram as entrevistas entre junho e novembro de 2021.

Variáveis analisadas

As variáveis sociodemográficas investigadas foram: sexo (masculino e feminino), faixa etária (18–24, 25–39, 40–59 e 60 ou mais), cor da pele autorreferida (branca, preta, parda e amarela ou indígena), situação conjugal (solteiro, casado/amasiado/união estável e divorciado-separado/viúvo), escolaridade (fundamental II incompleto ou menos, fundamental II completo ou ensino médio incompleto, ensino médio completo ou superior incompleto e ensino superior ou mais) e renda domiciliar mensal per capita (relação entre os rendimentos mensais dos moradores do domicílio pelo número total de moradores de domicílio — categorizada em tercis).

A percepção do ambiente alimentar dos participantes foi investigada pelo relato da presença de estabelecimentos comerciais de alimentos (mercados, feiras livres ou outros pontos de venda) com variedade de FH frescas na vizinhança. Essa pergunta integra uma escala de vizinhança autorreferida, que foi validada em população brasileira1515 Santos SM, Griep RH, Cardoso LO, Alves MGM, Fonseca MJM, Giatti L, et al. Adaptação transcultural e confiabilidade de medidas de características autorreferidas de vizinhança no ELSA-Brasil. Rev Saúde Pública 2013; 47(2): 122-30. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047003871
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. A área de residência foi analisada com base nos três domínios amostrais: demais regiões, região diretamente atingida pelo rompimento da barragem e região de mineração.

Para a avaliação do consumo alimentar, foram investigados marcadores de alimentação saudável (FH, feijão e peixe) e marcadores de alimentação não saudável (doces, refrigerante/suco artificial, leite com teor integral de gordura e carne vermelha com gordura visível/frango com pele).

A análise do consumo alimentar foi realizada segundo o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico (Vigitel)1616 Brasil. Ministério da Saúde. Informações de Saúde. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Vigitel. Notas técnicas [Internet]. 2022 [cited on Jun 7, 2022]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/vigitel/vigteldescr.htm
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(Tabela suplementar 1).

Análise estatística

Para cada um dos marcadores de alimentação analisados, foram estimadas as prevalências e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), para a população total e segundo as categorias de variáveis de interesse.

Diferenças significativas entre as prevalências foram identificadas pelo teste estatístico χ2 com correção de Rao-Scott. Nos casos de diferenças significativas entre as prevalências das variáveis com três ou mais categorias, foram feitas comparações duas a duas, sendo realizada a correção de Bonferroni.

As análises estatísticas foram feitas no software Stata®, versão 14.0 (StataCorp LLC, CollegeStation, TX), considerando-se a ponderação da amostra e o efeito do delineamento amostral.

Considerações éticas

O Projeto Saúde Brumadinho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (20814719.5.0000.5091), e os entrevistados assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para a participação no estudo.

RESULTADOS

Dos participantes, 57,1% eram mulheres, 36,2% tinham entre 40 e 59 anos, 44,2% referiram ter cor de pele parda, 59,6% eram casados, 29,0% tinham ensino médio completo e 37,8% estavam no primeiro tercil de renda (37,8%). A maioria dos indivíduos possuía, no entorno dos domicílios, estabelecimentos comerciais com variedade de FH frescas (57,9%) e residia nas demais regiões do município (95,5%) (Tabela suplementar 2).

A prevalência do consumo regular de FH foi de 35,0% (IC95% 32,1–38,1), sendo maior entre as mulheres (39,4%; IC95% 35,9–43,0) e aqueles com 60 anos ou mais de idade (49,3%; IC95% 43,1–55,5). Os indivíduos casados também apresentaram maior prevalência (38,7%; IC95% 34,9–42,8), quando comparados aos solteiros (25,9%; IC95% 21,2–31,3); assim como aqueles com maior escolaridade (66,1%; IC95% 58,2–73,2) e renda (48,3%; IC95% 42,6–54,0), quando comparados às demais categorias (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência (%) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) do consumo de marcadores de alimentação saudável segundo características sociodemográficas e presença de estabelecimentos de vendas de frutas e hortaliças frescas, Brumadinho (MG), Brasil, 2021.

O consumo recomendado de FH foi relatado por 21,1% dos participantes (IC95% 18,4–24,0), sendo maior entre: mulheres (23,6%; IC95% 20,1–27,5); indivíduos com 60 anos ou mais quando comparado àqueles com 18–24 anos (27,2%; IC95% 21,5–33,7 vs. 13,1%; IC95% 8,4–19,9); com ensino superior ou mais em comparação àqueles com ensino fundamental completo II ou menos (ensino superior ou mais: 33,5%; IC95% 24,7–43,7 vs. fundamental II completo: 16,1%; IC95% 11,4–22,1 e fundamental I completo ou menos 15,6%; IC95% 12,5–19,3); e indivíduos no maior tercil de renda quando comparados àqueles no menor tercil (27,5%; IC95% 22,4–33,4 vs. 16,9%; IC95% 12,9–21,8) (Tabela 1).

A maioria dos participantes (81,6%; IC95% 79,0–83,9) relatou consumir feijão regularmente, sendo esse consumo superior entre: os homens (87,2%; IC95% 84,1–89,8); indivíduos com 25 anos ou mais (25–39, 83,9%; IC95% 79,3–87,6; 40–59, 83,8%; IC95% 80,0–86,9; 60 ou mais, 82,4; IC95% 77,0–86,8) quando comparados aos mais jovens (18–24, 68,2%; IC95% 59,2–76,0); casados e viúvos (84,5%; IC95% 81,0–87,4 e 89,4%; IC95% 81,2–94,3, respectivamente) quando comparados aos solteiros (75,0%; IC95% 69,8–79,6); com ensino médio ou menos (fundamental I completo ou menos: 87,9%; IC95% 84,7–90,4; fundamental II completo: 83,6%; IC95% 77,1–88,5 e ensino médio: 82,7%; IC95% 78,5–86,3) quando comparados àqueles com ensino superior ou mais (64,8%; IC95% 56,7–72,0); com renda intermediária quando comparados aos com maior renda (86,9%; IC95% 82,4–90,4 vs. 77,7%; IC95% 72,5–82,1); e que não tinham em sua vizinhança estabelecimentos comerciais com variedades de FH frescas (87,8%; IC95% 84,7–90,4) (Tabela 1).

O consumo regular de peixe foi relatado por 38,2% dos entrevistados (IC95% 34,8–41,8), sendo maior entre: os homens (41,5%; IC95% 37,0–46,2); indivíduos com idade entre 40 e 59 anos quando comparados àqueles com 18–24 anos (42,4%; IC95% 37,3–47,7 vs. 27,6%; IC95% 20,2–36,3%); com maior escolaridade (ensino superior ou mais: 52,8%; IC95% 42,1–63,2) quando comparados aos com fundamental I completo ou menos e ensino médio (32,9%; IC95% 28,8–37,4 e 52,8%; IC95% 42,1–63,2, respectivamente); maior renda (50,8%; IC95% 44,0–57,6); e que relataram ter em sua vizinhança estabelecimentos comerciais com variedades de FH frescas (43,1%; IC95% 38,6–47,7) (Tabela 1).

A prevalência do consumo regular de doces foi de 17,7% (IC95% 15,5–20,1), sendo maior entre indivíduos com ensino médio e superior (21,6%; IC95% 17,7–26,1 e 23,4; IC95% 16,5–31,9, respectivamente) quando comparados àqueles com ensino fundamental I completo ou menos. Já a prevalência de consumo regular de refrigerante/suco artificial foi de 10,4% (IC95% 8,6–12,5), sendo superior entre: homens (13,5%; IC95% 10,7–16,8); indivíduos mais jovens (23,8%; IC95% 17,1–32,2) quando comparados àqueles com 40–59 anos (9,1%; IC95% 6,7–12,3) ou 60 anos ou mais (4,7%; IC95% 3,0–7,4); indivíduos com cor da pele autorreferida como preta (18,8%; IC95% 12,9–26,4) quando comparados aos brancos (7,4%; IC95% 5,2–10,4); solteiros quando comparados aos casados (15,8%; IC95% 12,1–20,3 vs. 8,7%; IC95% 6,8–11,2); indivíduos com nível intermediário de escolaridade (fundamental II completo: 17,8%; IC95% 12,2–24,5 e ensino médio: 17,8%; IC95% 12,2–24,5); e com menor renda (15,6%; IC95% 11,8–20,5) (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência (%) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) do consumo de marcadores de alimentação não saudável entre adultos segundo características sociodemográficas e presença de estabelecimentos de vendas de frutas e hortaliças frescos, Brumadinho (MG), Brasil, 2021.

A prevalência do consumo de leite com teor integral de gordura foi de 68,8% (IC95% 65,4–72,0), sendo maior entre indivíduos com ensino médio ou menos (fundamental I completo ou menos: 76,4%; IC95% 71,6–80,7; fundamental II completo: 72,9%; IC95% 66,1–78,7 e ensino médio: 69,0%; IC95% 63,5–74,0) quando comparados àqueles com ensino superior ou mais (4,2%; IC95% 2,0–8,6); pertencentes ao primeiro e segundo tercis de renda (71,4%; IC95% 66,8–75,5 e 73,1%; IC95% 66,8–78,6, respectivamente) quando comparados aos que estavam no maior tercil (61,7%; IC95% 55,4–67,6); e que não relataram ter na vizinhança estabelecimentos comerciais com variedades de FH frescas (72,7%; IC95% 68,2–76,8).

O consumo de carne vermelha com gordura visível/frango com pele foi relatado por 61,1% (IC95% 58,0–64,2) dos participantes, sendo maior entre: homens (69,3%; IC95% 65,1–73,3); indivíduos com 59 anos ou menos (18–24 anos: 65,5%; IC95% 56,8–73,2; 25–39: 67,2%; IC95% 61,0–72,9 e 40–59: 65,1%; IC95% 60,5–69,5) quando comparados aos idosos (50,4%; IC95% 44,4–56,4); com ensino médio ou menos (fundamental I completo ou menos: 69,9%; IC95% 65,1–74,3; fundamental II completo: 76,8%; IC95% 70,3–82,3 e ensino médio: 60,0%; IC95% 54,3–65,5) quando comparados aos com ensino superior ou mais (34,3%; IC95% 27,1–42,4); e pertencentes ao primeiro tercil de renda (72,1%; IC95% 67,4–76,4) quando comparado aos que estavam no segundo e terceiro tercis (61,3%; IC95% 54,9–67,9 e 51,7%; IC95% 45,4–57,9, respectivamente) (Tabela 2).

Quanto aos marcadores de alimentação saudável e não saudável segundo a área de residência, verificaram-se menores prevalências de consumo regular (25,9%; IC95% 22,7–29,3) e recomendado de FH (15,2%; IC95% 12,8–18,0) entre os indivíduos residentes em região diretamente atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos. Esse grupo também relatou maior prevalência de consumo de feijão (86,7; IC95% 83,9–89,1) e de doces (24,2%; IC95% 21,2–27,4) quando comparados com aqueles das demais regiões. Identificou-se também maior consumo regular de refrigerante/suco artificial (29,9%; IC95% 25,4–34,9) e de carne vermelha com excesso de gordura/frango com pele (79,2%; IC95% 74,5–83,1), bem como menor consumo de leite com teor integral de gordura (59,4%; IC95% 54,3–64,2) entre os indivíduos residentes em região de mineração (Tabela 3).

Tabela 3
Prevalência (%) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) do consumo de marcadores de alimentação saudável e não saudável segundo a área de residência, Brumadinho (MG), Brasil, 2021.

DISCUSSÃO

Menos da metade dos participantes do Projeto Saúde Brumadinho apresentou consumo regular ou recomendado dos marcadores de alimentação saudável, exceto o feijão, que foi relatado pela maioria dos entrevistados. ­Entre os marcadores de consumo alimentar não saudável, os mais prevalentes foram aqueles relacionados ao consumo de gordura, como leite com teor integral de gordura e carne vermelha com gordura visível/frango com pele. Quanto à distribuição desses marcadores segundo as variáveis analisadas, verificou-se que mulheres apresentaram maior consumo de FH (regular e recomendado), e homens, de feijão e peixes. Maiores prevalências desses marcadores foram verificadas entre os indivíduos com maior escolaridade e renda. Além disso, indivíduos que tinham em sua vizinhança estabelecimentos comerciais com variedades de FH frescas apresentaram maior consumo de feijão e peixes. Já os marcadores de alimentação não saudável foram mais prevalentes entre os homens, os mais jovens, indivíduos com baixa escolaridade e renda e aqueles residentes em região diretamente atingida pelo rompimento da barragem e de mineração.

As prevalências do consumo regular e recomendado de FH foram similares às observadas na população adulta brasileira — de 34,3 e 22,1%1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [Internet]. 2021 [cited on Aug 12, 2022]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigitel/vigitel-brasil-2021-estimativas-sobre-frequencia-e-distribuicao-sociodemografica-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas/view
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, respectivamente. No entanto, entre os brasileiros, houve consumo menor de feijão (68,3%)1818 Santin F, Gabe KT, Levy RB, Jaime PC. Food consumption markers and associated factors in Brazil: distribution and evolution, Brazilian National Health Survey, 2013 and 2019. Cad Saúde Pública 2022; 38(Suppl 1): e00118821. https://doi.org/10.1590/0102-311X00118821
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e maior de peixes (46,6%)1818 Santin F, Gabe KT, Levy RB, Jaime PC. Food consumption markers and associated factors in Brazil: distribution and evolution, Brazilian National Health Survey, 2013 and 2019. Cad Saúde Pública 2022; 38(Suppl 1): e00118821. https://doi.org/10.1590/0102-311X00118821
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. De forma semelhante, também foram identificadas associações com características sociodemográficas na população brasileira semelhantes a este estudo, como o maior consumo de FH entre as mulheres1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [Internet]. 2021 [cited on Aug 12, 2022]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigitel/vigitel-brasil-2021-estimativas-sobre-frequencia-e-distribuicao-sociodemografica-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas/view
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,1919 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
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,2020 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [Internet]. 2020 [cited on Jun 7, 2022]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101742.pdf
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e indivíduos casados2121 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(9): 3193-212. https://doi.org/10.1590/1413-81232018249.26202017
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e o de feijão entre os homens1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [Internet]. 2021 [cited on Aug 12, 2022]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigitel/vigitel-brasil-2021-estimativas-sobre-frequencia-e-distribuicao-sociodemografica-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas/view
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,1919 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
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,2121 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(9): 3193-212. https://doi.org/10.1590/1413-81232018249.26202017
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.

As prevalências do consumo regular de peixes e de FH foram maiores entre os indivíduos com elevada escolaridade e renda, possivelmente graças ao acesso e aos preços desses alimentos, em geral, mais elevados1919 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
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. Por outro lado, o consumo de feijão foi menor nesses subgrupos. Embora o feijão seja um alimento tradicional da dieta dos brasileiros, seu consumo reduz progressivamente, sobretudo entre aqueles com maior renda2222 Rodrigues RM, Souza AM, Bezerra IN, Pereira RA, Yokoo EM, Sichieri R. Most consumed foods in Brazil: evolution between 2008-2009 and 2017-2018. Rev Saúde Pública 2021; 55(Supl 1): 4s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055003406
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e escolaridade2121 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(9): 3193-212. https://doi.org/10.1590/1413-81232018249.26202017
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,2323 Velásquez-Meléndez G, Mendes LL, Pessoa MC, Sardinha LMV, Yokota RTC, Bernal RTI, et al. Trends in frequency of consumption of beans assessed by means of a telephone survey in Brazilian state capitals between 2006 and 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(12): 3363-70. https://doi.org/10.1590/s1413-81232012001200021
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. Esses subgrupos, possivelmente, vivenciam mais precocemente mudanças em curso nos hábitos alimentares dos brasileiros, como a redução no consumo domiciliar de alimentos que demandam maior tempo para o preparo, como arroz e feijão2222 Rodrigues RM, Souza AM, Bezerra IN, Pereira RA, Yokoo EM, Sichieri R. Most consumed foods in Brazil: evolution between 2008-2009 and 2017-2018. Rev Saúde Pública 2021; 55(Supl 1): 4s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055003406
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, e o aumento da aquisição de alimentos prontos para consumo e da realização de refeições fora do domicílio2424 Bezerra IN, Vasconcelos TM, Cavalcante JB, Yokoo EM, Pereira RA, Sichieri R. Evolution of out-of-home food consumption in Brazil in 2008-2009 and 2017-2018. Rev Saúde Pública 2021; 55(suppl 1): 6s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2021055003221
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.

O relato da presença de estabelecimentos comerciais com variedade de FH frescas na vizinhança foi associado ao maior consumo de feijão e de peixes, assim como à menor ingestão de leite com teor integral de gordura. O ambiente alimentar, definido como o ambiente físico, econômico, político e sociocultural, pode influenciar as escolhas de alimentos e bebidas a serem consumidos e, consequentemente, o estado nutricional dos indivíduos2525 Egger G, Swinburn B. An “ecological” approach to the obesity pandemic. BMJ 1997; 315(7106): 477-80. https://doi.org/10.1136/bmj.315.7106.477
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. Mais especificamente, o ambiente alimentar construído, uma das dimensões do ambiente alimentar, desempenha papel fundamental na qualidade da dieta, afetando a acessibilidade, disponibilidade e adequação dos alimentos em determinada área geográfica2626 Gordon-Larsen P. Food availability/convenience and obesity. Adv Nutr 2014; 5(6): 809-17. https://doi.org/10.3945/an.114.007070
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.

Desastres como o de Brumadinho podem afetar o ambiente e o consumo alimentar dos indivíduos. A natureza dos problemas alimentares após desastres depende do tipo, da duração e do tamanho da área afetada2727 Pan American Health Organization. Food and nutrition in disasters [Internet]. 2010 [cited on Jun 7, 2022]. Available from: https://www.paho.org/en/health-emergencies/food-and-nutrition-disasters
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. Estudos que avaliaram repercussões de desastres de diferentes naturezas têm indicado piora dos hábitos alimentares entre os indivíduos adultos imediatamente após o desastre, contudo ainda não está claro se essa associação permanece em longo prazo2828 Nozue M, Ishikawa-Takata K, Sarukura N, Sako K, Tsuboyama-Kasaoka N. Stockpiles and food availability in feeding facilities after the Great East Japan Earthquake. Asia Pac J Clin Nutr 2014; 23(2): 321-30. https://doi.org/10.6133/apjcn.2014.23.2.14
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. Nesse sentido, na presente investigação, verificou-se menor consumo de FH (regular e recomendado) entre os indivíduos residentes em região diretamente atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos. Pesquisa realizada em Governador Valadares, cidade banhada pelo Rio Doce, que foi poluído com rejeitos de mineração em desastre semelhante ao de Brumadinho, constatou redução ou interrupção do consumo de FH e de peixes de água doce mesmo após 17 meses do desastre. A maioria dos entrevistados relatou que a água de abastecimento público, proveniente do Rio Doce, poderia contaminar o cultivo e o preparo dos alimentos77 Lourdes EB, Santana HC, Macedo LR, Silva Correia F, Cordeiro Pacheco T, Nascimento DP, et al. Changes in dietary and water use habits after the Doce River contamination with mining tailings. Food Sci Technol 2021; 42: e11021. https://doi.org/10.1590/fst.11021
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, o que poderia acarretar possíveis repercussões negativas em longo prazo nos hábitos alimentares e, consequentemente, na saúde da população. Nesse sentido, o Projeto Saúde Brumadinho, por se tratar de um estudo longitudinal que se propõe a monitorar aspectos alimentares dos indivíduos atingidos por desastres, poderá contribuir com mais evidências sobre o tema.

Quanto ao consumo de alimentos marcadores da alimentação não saudável, identificaram-se prevalências do consumo de doces e de leite com teor integral de gordura semelhantes à população brasileira — 21,7 e 60,6%, respectivamente, conforme apresentado pela Pesquisa Nacional de Saúde, 20132929 Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
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. No entanto o consumo regular de refrigerante/suco artificial foi superior (20,4%)1818 Santin F, Gabe KT, Levy RB, Jaime PC. Food consumption markers and associated factors in Brazil: distribution and evolution, Brazilian National Health Survey, 2013 and 2019. Cad Saúde Pública 2022; 38(Suppl 1): e00118821. https://doi.org/10.1590/0102-311X00118821
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, e o de carne vermelha com gordura/frango com pele, menor (37,2%)2929 Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
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. O maior consumo de carnes com gordura entre os residentes de Brumadinho pode estar relacionado às questões culturais, uma vez que Minas Gerais é um dos Estados brasileiros que mais consomem carne com gordura3030 Malta DC, Moura L, Bernal RTI. Diferenciais dos fatores de risco de Doenças Crônicas não Transmissíveis na perspectiva de raça/cor. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20(3): 713-25. http://doi.org/10.1590/1413-81232015203.16182014
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. Foram verificadas, ainda, maiores prevalências desses marcadores de alimentação não saudável entre indivíduos do sexo masculino, nas faixas inferiores de idade, escolaridade e renda, assim como constatado em estudos nacionais1818 Santin F, Gabe KT, Levy RB, Jaime PC. Food consumption markers and associated factors in Brazil: distribution and evolution, Brazilian National Health Survey, 2013 and 2019. Cad Saúde Pública 2022; 38(Suppl 1): e00118821. https://doi.org/10.1590/0102-311X00118821
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,2929 Claro RM, Santos MAS, Oliveira TP, Pereira CA, Szwarcwald CL, Malta DC. Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 257-65. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008
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Maiores prevalências de consumo de refrigerantes/suco artificial, por sua vez, foram verificadas entre os indivíduos que se declararam com cor de pele preta e solteiros quando comparados aos que relataram ter cor de pele branca e ser casados, respectivamente. Os poucos estudos conduzidos até então com esse recorte de investigação de marcadores de alimentação não saudável corroboram esses resultados, mostrando que marcadores de risco estiveram associados à raça/cor da pele parda e/ou preta3030 Malta DC, Moura L, Bernal RTI. Diferenciais dos fatores de risco de Doenças Crônicas não Transmissíveis na perspectiva de raça/cor. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20(3): 713-25. http://doi.org/10.1590/1413-81232015203.16182014
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,3131 Lopes MS, Freitas PP, Silva CO, Mendonça RD, Campos SF, Malta DC, et al. Healthy lifestyle by race/skin color and educational level in Brazil. RSD 2021; 10(12): e577101220911. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i12.20911
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e a ser solteiro2121 Canuto R, Fanton M, Lira PIC. Iniquidades sociais no consumo alimentar no Brasil: uma revisão crítica dos inquéritos nacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2019; 24(9): 3193-212. https://doi.org/10.1590/1413-81232018249.26202017
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.

Foram também identificadas diferenças nos marcadores de consumo da alimentação não saudável em relação à área de residência dos indivíduos. Identificou-se maior consumo regular de refrigerante/suco artificial e de carne vermelha com excesso de gordura/frango com pele entre os residentes em região de mineração. Não foram localizados, na literatura, estudos que avaliassem especificamente marcadores de alimentação na população residente em regiões de mineração no Brasil para comparações. No entanto, há a hipótese de que esses resultados possam derivar do perfil dos moradores residentes nessa região, que são proporcionalmente mais jovens e com baixa escolaridade (dados não apresentados). De toda forma, tais resultados apontam para a necessidade de melhor compreender as diferenças regionais e locais do consumo alimentar, bem como de se implementarem ações diferenciadas de promoção da alimentação adequada e saudável segundo a área residência dos indivíduos55 Costa DVP, Lopes MS, Mendonça RD, Malta DC, Freitas PP, Lopes ACS. Diferenças no consumo alimentar nas áreas urbanas e rurais do Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(suppl 2): 3805-13. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.2.26752019
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.

Apesar dos resultados relevantes, este estudo apresenta limitações que devem ser consideradas. Entre elas, está a mensuração do consumo alimentar conforme marcadores que avaliam a frequência de consumo de alimentos, e não por questionários de frequência alimentar e recordatórios alimentares de 24 horas — instrumentos mais acurados que fornecem dados sobre a quantidade de alimentos ingeridos3232 Pereira RA, Sichieri R. Métodos de avaliação do consumo de alimentos. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, orgs. Epidemiologia nutricional [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ/Atheneu; 2007. p. 181-200.. Os marcadores de consumo são instrumentos simples e de rápida aplicação, que permitem identificar inadequações da alimentação em estudos populacionais de grande porte. Ademais, têm sido utilizados em inquéritos nacionais1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2021. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [Internet]. 2021 [cited on Aug 12, 2022]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-svs/vigitel/vigitel-brasil-2021-estimativas-sobre-frequencia-e-distribuicao-sociodemografica-de-fatores-de-risco-e-protecao-para-doencas-cronicas/view
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,1919 Jaime PC, Stopa SR, Oliveira TP, Vieira ML, Szwarcwald CL, Malta DC. Prevalência e distribuição sociodemográfica de marcadores de alimentação saudável, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil 2013. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24(2): 267-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200009
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e pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan)3333 Brasil. Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional. Sobre o SISVAN [Internet]. 2022 [cited on Aug 16, 2022]. Available from: https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/
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para monitorar o consumo alimentar da população brasileira, visando à formulação de políticas públicas e ao apoio na tomada de decisão sobre o cuidado em saúde3434 Brasil. Ministério da Saúde. Matriz para organização dos cuidados em alimentação e nutrição na atenção primária à saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [Internet]. 2022 [cited on Aug 16, 2022]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/matriz_organizacao_cuidados_nutricao_aps.pdf
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Outra limitação identificada trata da impossibilidade de se avaliarem outros marcadores do consumo alimentar que sejam relevantes para a população local, bem como da inexistência de controle dos desfechos por potenciais variáveis confundidoras. Dado que o Projeto Saúde Brumadinho é um estudo longitudinal de grande porte, que abarca diferentes blocos de variáveis, foi necessário limitar o número de marcadores de alimentação analisados. No entanto, reforça-se que os marcadores investigados são aqueles de maior importância para a população brasileira e mais comumente avaliados em estudos epidemiológicos. Quanto ao controle por variáveis confundidoras, ressalta-se que este estudo teve caráter descritivo e buscou compreender o consumo alimentar da população segundo características sociodemográficas, da vizinhança e área de residência, para que, em momento subsequente, se elaborem hipóteses mais robustas para investigar a multicausalidade dos desfechos de interesse.

Este trabalho apresenta potencialidades que devem ser ressaltadas, como o fato de ser o primeiro estudo brasileiro de base populacional a avaliar o consumo alimentar de população acometida por um desastre de grandes proporções, como o de Brumadinho. Nesse sentido, o estudo fornece informações importantes para subsidiar as ações de promoção da alimentação adequada e saudável conduzidas nos serviços de saúde do município, visando promover a saúde e garantir o direito humano à alimentação adequada. Ressalta-se, no entanto, que essas ações deverão estar em consonância com o contexto econômico e social da população e devem respeitar e valorizar as dimensões culturais da alimentação, visando a sua factibilidade e sustentabilidade, bem como à promoção do bem-estar da população.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: o Projeto Saúde Brumadinho é financiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (DECIT/SCTIE) do Ministério da Saúde (Processo 25000.127551/2019-69). SVP e JOAF são bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

AGRADECIMENTOS:

Agradecemos aos participantes do projeto a cooperação e participação.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CIENTÍFICO: Antonio Fernando Boing http://orcid.org/0000-0001-9331-1550

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2022
  • Revisado
    21 Ago 2022
  • Aceito
    23 Ago 2022
  • Corrigido
    13 Set 2024
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