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Política Urbana Pós-Constitucional: a experiência do Município do Rio de Janeiro

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre as expectativas malogradas da política urbana brasileira, muito identificada com a regulação do uso do solo urbano. Parte-se da premissa de que a política urbana é a dimensão da política social que dá efetividade ao planejamento urbano. Assim, ela deve ser avaliada num contexto em que passou a interagir com um conjunto de direitos sociais incluídos na Constituição de 1988. Tais reflexões estavam subjacentes à pesquisa realizada por meio de entrevistas com urbanistas que atuaram na política urbana no Município do Rio de Janeiro nas décadas de 1980, 1990 e 2000. As principais transformações na política urbana e os desafios enfrentados na gestão desta política foram utilizados como referência para refletir sobre os rumos da política urbana brasileira.

Palavras-chave:
política urbana; política social; planejamento urbano; gestores públicos; Rio de Janeiro

Abstract

The aim of this article is to reflect on the ill-fated expectations of Brazilian urban policy, much identified with the regulation of urban land use. The present work is based on the premise that urban policy is the dimension of social policy that provides effectiveness to urban planning. Thus, it is fitting that it should be evaluated within a context in which it began to interact with a set of social rights included in the 1988 Constitution. These were the underlying reflections resulting from research, which was conducted through interviews with urban planners who had worked with urban policy in the Municipality of Rio de Janeiro during the 1980s, 1990s and into the 2000s. The main transformations in urban policy and the challenges faced in managing this policy were used as a reference to reflect on the directions taken by Brazilian urban policy.

Keywords:
urban policy; social policy; urban planning; public managers; Rio de Janeiro

Introdução

Passadas quase três décadas após a festejada entrada em vigor da Constituição de 1988, com todas as suas inovações em termos de instrumentos de ordenamento urbanístico, a política urbana não foi eficaz no enfrentamento da crise das cidades brasileiras. Este é o diagnóstico que sintetiza os balanços realizados por diversos pesquisadores a propósito do avanço normativo na política urbana (MARICATO, 2011MARICATO, E. O Impasse da Política Urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011., SANTOS JUNIOR; MONTANDON, 2011SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. (Ed.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Letra Capital: Rio de Janeiro, 2011.; SANTOS, 2016aSANTOS, A. M. S. P. Urbanização e Polarização Espacial: o desafio da regulação urbanística no Brasil. In: PEREIRA, L.V.; FAN, Y.; VELOSO, F. (Ed.). Infraestrutura: Perspectivas do Brasil e da China. Rio de Janeiro: Campus, 2016a. p. 181-208. ).

Neste artigo trabalha-se com a premissa de que a política urbana é a dimensão da política social que dá efetividade ao planejamento urbano. Acredita-se que o planejamento urbano não se confunde com instrumentos urbanísticos num contexto em que a população está fortemente urbanizada e concentrada em grandes aglomerados urbanos. É necessário que dialogue com outras dimensões das políticas sociais para induzir a expansão urbana em direção a cidades socialmente mais justas, uma vez que a dinâmica econômica opera no sentido de estimular usos do espaço urbano que sejam os mais rentáveis e, assim, excludentes em relação aos pobres.

No Brasil, a política urbana evoluiu no sentido de prever a inclusão de várias escalas de atuação governamental, expressando-se por meio de planos diretores municipais; dos planos diretores urbanos integrados, em caso de aglomerados urbanos; e da política nacional de setores que impactam as cidades, conforme definidos pelo Ministério das Cidades, como a Política Nacional de Habitação, a Política Nacional de Saneamento e Resíduos Sólidos e a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Trata-se de uma trajetória que partiu de uma interpretação no sentido de que o Município teria o protagonismo na política urbana, mas avançou, ao longo de quase três décadas, para uma abordagem mais integrada entre os entes federativos, cobrando também responsabilidades dos governos estaduais e federal. A busca por maior cooperação interfederativa parece expressar uma tentativa de superação de dificuldades que a governança do território suscitou em relação às formas jurídicas de organização territorial reconhecidas pela Constituição de 1988.

Este artigo procura refletir sobre as expectativas malogradas da política urbana brasileira, por meio de duas ordens de questionamentos. A primeira aborda a política urbana como uma das dimensões da política social, o que a leva a ser tratada para além das questões relativas ao uso do solo. Nesse sentido, um balanço dos avanços normativos que considere apenas a incorporação dos instrumentos jurídicos e urbanísticos na política urbana não é suficiente para avaliá-la, ainda que seja um importante indicador de seu sucesso ou fracasso. Já a segunda dá voz aos gestores dessa política no período pós-constitucional, com base em entrevistas feitas com funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro, cidade tomada como referência dos desafios enfrentados nas grandes cidades para implementar a agenda urbana no Brasil. Sabe-se que há distinções relevantes na condução da política urbana entre os mais de 5 mil municípios brasileiros; a experiência carioca, no entanto, pode contribuir para a reflexão sobre os impasses enfrentados por gestores municipais que alimentaram muita expectativa de que os novos instrumentos jurídicos e urbanísticos seriam capazes de influenciar significativamente a gestão urbana no país.

Explorando a política urbana como parte das políticas sociais

No Brasil, a década de 1980 marcou o fim do regime autoritário e trouxe grandes expectativas de avanço nos direitos dos cidadãos, que foram, afinal, brindados pela Constituição da República de 1988. A redemocratização transformou a estrutura federativa, incluindo o Município como novo ente, que passou a gozar de autonomia política, legislativa, administrativa e financeira. Além de responsável por políticas sociais descentralizadas, o Município foi confirmado como o ente federativo competente pela política urbana.

O avanço na tradicional política urbana fazia parte das demandas dos movimentos sociais originados na década de 1970 em face da aceleração do índice de urbanização da população, o que incluiu a formação de algumas áreas metropolitanas. Como resultado, a gestão urbana passaria a enfrentar novos desafios sociais suscitados, dentre outros, por tais fenômenos territoriais.

O reconhecimento legal das favelas a partir desse período e a possibilidade de regularização fundiária e urbanística de comunidades autoconstruídas e mesmo de loteamentos irregulares marcaram a nova abordagem da política urbana. No entanto, a principal novidade estava assentada na definição de legitimidade da propriedade, que passou a ser condicionada ao cumprimento de sua função social, o que implica dar um tratamento diferenciado para a terra urbana edificada da não edificada, estimulando o uso da propriedade fundiária urbana de modo a combater a retenção especulativa da terra.

A inédita abordagem levou à regulamentação federal dos novos instrumentos criados para o ordenamento das cidades. Essa regulamentação, entretanto, só foi implementada 13 anos depois da promulgação da Constituição: trata-se da Lei n. 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade. A legitimação de posse urbana mansa foi facilitada pela redução para um prazo de 5 anos de ocupação imediatamente com a Constituição, mas outros instrumentos, como as operações urbanas consorciadas e a progressividade do imposto sobre a propriedade desfuncionalizada1 1 Propriedade que não cumpre sua função social, ou seja, no caso da propriedade fundiária urbana, que esteja edificada e utilizada para moradia e/ou atividade econômica, em linha com a legislação urbanística e o plano diretor municipal. , só puderam ser utilizados depois da entrada em vigor do Estatuto da Cidade. Só seriam utilizados, entretanto, depois de regulamentados em escala municipal, dado que deveriam estar previstos nos Planos Diretores Municipais, considerados obrigatórios para os municípios com população superior a 20 mil habitantes2 2 Além daqueles situados em regiões metropolitanas ou em localidades de especial interesse turístico. .

A obrigatoriedade de aprovar uma lei municipal com o Plano Diretor trouxe, além do trâmite mais complexo, uma nova abordagem sobre o que seja política urbana. Tradicionalmente, ela tratava de ordenar o uso do solo, mas agora passou a incluir todo o território municipal, o que avançou para ações em prol do desenvolvimento municipal. Em tal cenário, a política urbana passou a fazer parte de uma política de desenvolvimento local, uma expressão territorial da abordagem de desenvolvimento em maior escala que a meramente local.

E qual foi - ou tem sido - a abordagem dominante do desenvolvimento desde os anos 1980? Em âmbito internacional, o entendimento de que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deveria ser matizado com indicadores de condições de vida, sendo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) o mais aceito para fins de avaliação comparativa entre os países3 3 Como sugerem os relatórios anuais do desenvolvimento humano elaborados pelo Banco Mundial. . Nesse contexto, destaca-se a criação de agências na Organização das Nações Unidas (ONU) para monitorar as várias dimensões das condições de vida da população. No que tange à política urbana, a Agência Habitat, criada em 1976, produziu um alentado projeto de agenda de desenvolvimento urbano em sua reunião de 1996, a Habitat II, realizada em Istambul.

Segundo a Agenda Habitat, cabe aos Estados promover programas e políticas que contribuam para a superação dos desequilíbrios sociais, econômicos e ambientais que, conjugados, constituem piora nas condições de vida da população. Em Istambul,

[...] foram assumidos compromissos referentes à moradia adequada, o desenvolvimento sustentável de assentamentos humanos em um mundo em processo de urbanização, a igualdade de gêneros, o financiamento de habitações e assentamentos humanos, além dos aspectos operacionais de capacitação e desenvolvimento institucional, coordenação e cooperação internacional (ANTONUCCI et al., 2010ANTONUCCI, D. et al. UN-Habitat: das declarações aos compromissos. São Paulo: Romano Guerra, 2010., p. 54).

A centralidade da moradia como parte de adequada condição de vida fica evidente ao associar a localização da moradia - ultrapassando o limite de suas qualidades intrínsecas - ao acesso à infraestrutura urbana.

Entende-se por moradia adequada o abrigo que permita privacidade do usuário, uso de espaços adequados para realização de atividades, repouso e lazer, acessibilidade para deficientes e idosos; que possua iluminação, aquecimento e ventilação adequados, que tenha estabilidade estrutural, segurança adequada, qualidade ambiental e infraestrutura básica adequada - fornecimento de água, serviços sanitários e serviços de coleta de lixo. Além disso, fácil acesso ao trabalho, escola e serviços de saúde, preço acessível e adequado, e facilidade na propriedade da terra e/ou imóvel são variáveis importantíssimas no provimento da habitação (ANTONUCCI et al., 2010ANTONUCCI, D. et al. UN-Habitat: das declarações aos compromissos. São Paulo: Romano Guerra, 2010., p. 55-56).

Tal definição de moradia adequada remete à necessidade de articulação entre política de uso do solo com outras políticas sociais, mas desde uma perspectiva territorializada.

Dessa articulação entre a política urbana e as diversas políticas sociais avança-se para a compreensão da primeira, a política urbana, como uma das dimensões da política social. Vale dizer, a efetividade da política social para mitigar os efeitos da pobreza inclui o ordenamento das cidades. E estas, como é por demais sabido, têm sido o destino dos deslocamentos da população mundial, como informam os relatórios anuais sobre a população, também elaborados pela ONU, atestando que a população urbana mundial já teria ultrapassado a rural. No Brasil, de acordo com o Censo Demográfico de 2010, a taxa de urbanização de sua população já teria atingido o índice de 84%. As cidades e, em particular, as grandes cidades, tornaram-se muito mais do que o lugar onde vive a população, mas albergam a concentração da produção, a geração da cultura dominante e as inovações que transformam a sociabilidade, a economia e a política.

A tese segundo a qual a política urbana tornou-se uma das dimensões da política social suscita um novo olhar sobre a sua efetividade. Afinal, ela só pode responder adequadamente aos seus propósitos se estiver em conformidade com os compromissos assumidos pelo Estado Nacional em relação às políticas sociais. Cabe, então, analisá-la desde essa perspectiva: quais têm sido os objetivos da política social no Brasil?

Desde a entrada em vigor da atual Constituição, observa-se um avanço nos compromissos do Estado com o bem-estar social. Se na primeira redação da Constituição de 1988 o artigo 6º designava como direitos sociais, entre outros, a educação e a saúde, em 2000, a Emenda Constitucional n. 26 incluiu nesse rol o direito à moradia e, em 2013, também foi incluído o direito à alimentação4 4 “Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. . Observa-se no Brasil uma atualização da concepção de bem-estar social para muito além dos direitos trabalhistas e previdenciários, em linha com a agenda de direitos humanos que a ONU ajudou a disseminar, tomando por referência a melhoria nas condições de vida, o que a Constituição brasileira designou como a “dignidade da pessoa humana”5 5 A dignidade da pessoa humana traz subjacente uma concepção de direito subjetivo que vai além da melhoria nas condições materiais de vida, portanto, não constitui termo intercambiável com a melhoria nas condições de vida. Ainda que ciente de tal distinção, os dois termos reforçam-se mutuamente e vão na mesma direção, o que justificaria o paralelismo que faço entre as agendas dos direitos humanos da ONU e a dos direitos sociais da Constituição brasileira. .

Se há consenso sobre o avanço normativo, a efetividade da implementação dos direitos sociais ainda está por ser demonstrada. Há muitos indicadores mostrando o crescimento na cobertura de direitos como a educação, mas resta lograr a qualidade na prestação desse serviço. A universalização do acesso aos serviços de saúde também foi uma conquista importante, mas que alcançou principalmente os serviços básicos, sendo, ainda, necessário evoluir para o real acesso aos de média e alta complexidade, assim como diminuir fundamentalmente o tempo de espera por tais serviços. No que tange às infraestruturas urbanas, o acesso aos serviços de água e energia tornou-se praticamente universalizado, ficando, entretanto, o saneamento ainda longe disso. Já a infraestrutura de transportes intra e interurbanos tornou-se um desafio mais difícil de ser enfrentado, assim como a insegurança pública. Ou seja, outras dimensões das condições de vida urbana tornaram-se objetivos importantes, mas que enfrentam dificuldades quanto ao seu financiamento, considerando um Estado cujo tamanho já ultrapassou a marca de um terço do PIB nacional, percentual superior aos dos demais países de renda semelhante (REZENDE; CUNHA, 2013REZENDE, F.; CUNHA, A. (Ed.). A reforma esquecida: orçamento, gestão pública e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 2013).

No centro desse debate sobre a efetividade no avanço das políticas sociais, a moradia social assume um papel ímpar, pois sua localização afeta positiva ou negativamente o acesso aos serviços de educação, saúde, saneamento, transporte e segurança pública, dentre os mais relevantes. Políticas habitacional e de mobilidade têm grande impacto sobre o ordenamento das cidades, podendo estimular novos vetores de expansão e/ou intensificação do uso do solo em áreas urbanas com maior oferta de serviços. É preciso considerar, no entanto, que constituem políticas que demandam fontes de financiamento sustentáveis ao longo do tempo, o que suscita o desafio de encontrar formas de incluí-las no orçamento público dos vários anos ao longo dos quais elas são realizadas.

A infraestrutura urbana disputa com os demais setores da política social sua alocação orçamentária, sendo que já há vinculação de gastos com a educação (pré-escolar e ensinos fundamental e médio) e a saúde. O maior gasto social, no entanto, é com a Previdência Social, setor igualmente protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro (REZENDE; CUNHA, 2013REZENDE, F.; CUNHA, A. (Ed.). A reforma esquecida: orçamento, gestão pública e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 2013). Essas vinculações de gastos refletem a eleição democrática de como o país cumpre os compromissos sociais inscritos na Constituição. Estão relacionadas também ao desinvestimento em infraestrutura urbana, afetando negativamente as condições de vida nas cidades (SANTOS, 2012SANTOS, A. M. S. P. Finanças Públicas: uma análise da autonomia financeira dos municípios brasileiros na primeira década do século XXI. SÍNTESE - Revista da Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 26-42, 2012. ).

Essa disputa pelo financiamento público tem orientado o Estado a se associar ao capital privado para implementação de investimentos, o que remete à legislação que regulamentou as parcerias público-privadas. Iniciado o trâmite legal no Governo Cardoso, foi somente no Governo Lula que a Lei n. 11.079/2004 entrou em vigor. Sob esse novo marco legal, o investimento em infraestrutura urbana somente se viabiliza se contar com o interesse do parceiro privado, o que aumentou muito o viés mercadológico na definição das obras a serem realizadas. É nesse contexto que é possível situar o expressivo conjunto de obras públicas incluídas no plano plurianual de investimentos de 2007/2011 (Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)) e o subsequente, de 2011/15. Em âmbito urbano, aquelas efetivamente realizadas, entretanto, responderam mais aos compromissos assumidos com os megaeventos esportivos sediados no país (Copa FIFA de Futebol, 2014, e, no Rio de Janeiro, as Olimpíadas de Verão, 2016) que aos direitos fundamentais decorrentes da Constituição Federal de 1988.

O impacto nas condições de vida da população, então, perde a potencialidade que a política urbana poderia ter, uma vez que os investimentos em habitação e mobilidade se orientam para rentabilidade do negócio, diminuindo o impacto positivo sobre o interesse público, o qual deveria se sobrepor aos interesses privados para estar em conformidade com os princípios constitucionais que orientam a política urbana.

Não é objetivo deste artigo analisar em profundidade a evolução da política urbana no Brasil6 6 Para esse ponto ver: Maricato (2011); Santos Junior e Montandon (2011); Rolnik (2015); Santos (2016b). . O que se deseja é colocar as críticas das análises sobre a efetividade dessa política numa perspectiva em que esta seja parte das políticas sociais. Esse deveria ser o cenário mais adequado para avaliar as transformações na gestão de política urbana. No entanto, nem sempre tem sido essa a perspectiva dominante, conforme se depreende das entrevistas realizadas com os urbanistas da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Transformações na gestão da política urbana: o caso do Rio de Janeiro

Se o regime militar (1964-85) institucionalizou a política de desenvolvimento territorial7 7 Por meio da criação de diversos órgãos, como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e o Banco Nacional de Habitação (BNH), mas também por instituir regiões metropolitanas e incluir um capítulo dedicado à política urbana no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). , seu viés autoritário somente seria vencido após a redemocratização do país. A gestão democrática da cidade tornou-se um princípio da política urbana num contexto institucional de fortalecimento do Município, sendo que, a partir de 2015, novas formas jurídicas de organização do espaço também seriam reconhecidas8 8 Caso das metrópoles e aglomerados urbanos, conforme definidos pelo Estatuto da Metrópole, Lei n. 13.089/2015. , caso dos aglomerados urbanos (SANTOS; VASQUES, 2015SANTOS, A. M. S. P.; VASQUES, P. H. R. P. Política Urbana no Contexto Federativo Brasileiro: um avanço normativo na gestão de aglomerados urbanos. Revista de Direito da Cidade, v. 7, n. 4, p. 1771-1790, 2015. https://doi.org/10.12957/rdc.2015.20914
https://doi.org/https://doi.org/10.12957...
; SANTOS, 2016aSANTOS, A. M. S. P. Urbanização e Polarização Espacial: o desafio da regulação urbanística no Brasil. In: PEREIRA, L.V.; FAN, Y.; VELOSO, F. (Ed.). Infraestrutura: Perspectivas do Brasil e da China. Rio de Janeiro: Campus, 2016a. p. 181-208. ). Tais mudanças não são assimiladas por lei, podendo ser disseminadas ao longo do tempo pelos gestores públicos. Investigar a percepção desses gestores sobre sua atuação foi o objetivo de uma pesquisa com técnicos da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro ouvidos em entrevistas.

As entrevistas foram realizadas com funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro que ali já trabalhavam na década de 1980 ou no início da seguinte, incluindo funcionários das secretarias de urbanismo, planejamento, habitação e fazenda9 9 Urbanistas entrevistados: Alice Reis, Regina Palha, Vera Rezende, Isabel Tostes, Márcia Bezerra, Rose Compans, Claudia Muricy e José Agostinho Leal. . Os limites deste artigo somente permitem pontuar as principais questões que emergiram das entrevistas realizadas, cujas falas estão sempre indicadas entre aspas, tendo sido utilizadas para as reflexões da autora.

Ao planejar este estudo, entendia que a visão dos técnicos da Prefeitura poderia não se confundir com a orientação efetivamente dada pelo executivo municipal, que toma decisões políticas. Estas, por sua vez, deveriam ser consideradas em seu contexto, o que envolveria tomar como referência os principais condicionantes macroeconômicos e movimentos sociais que influenciam as possibilidades de abrangência das políticas urbanas. Por isso foram entrevistados técnicos experientes e com formação em urbanismo, incluindo arquitetos, sociólogos e economistas. Não se desconhece, todavia, que novas gerações de técnicos possam desenvolver outra visão sobre a política urbana, mesmo porque o contexto em que ela se efetiva vai sendo modificado.

Ao longo do período considerado, o Município do Rio de Janeiro foi governado pelos seguintes prefeitos: Saturnino Braga (1986/88); Marcelo Alencar (1989/92); Cesar Maia (1993/96); Luiz Paulo Conde (1996/2000); Cesar Maia (2000/08); Eduardo Paes (2009/16). A partir de 1998, passou a vigorar norma permitindo a reeleição de chefes do poder executivo, o que permitiu as reeleições de César Maia, em 2004, e de Eduardo Paes, em 2012.

No que concerne às entrevistas realizadas, os urbanistas foram questionados sobre como foram suas experiências profissionais na prefeitura, destacando as mudanças institucionais e o processo de elaboração dos dois planos diretores realizados ao longo do período considerado (PDCRJ/1992 e PDCRJ/2011). Foram, ademais, instados a considerar quais teriam sido os marcos temporais que delimitavam a experiência de política urbana carioca. Havia a expectativa de que a Constituição seria considerada um marco fundamental, além do que também esperava que a insolvência do Município, em 1988, pudesse ter impactado as decisões de gasto do governo municipal, o que refletir-se-ia na política urbana. Tais expectativas foram apenas parcialmente cumpridas, como se verá a seguir, quando serão analisados os temas mais comentados nas entrevistas.

“O urbanismo tem pouco interesse para a prefeitura”

Essa é a visão de uma experiente arquiteta urbanista que ingressou nos quadros da Secretaria de Planejamento na década de 1970. Naquela época, o urbanismo envolvia o macroplanejamento da cidade, “o pensar a cidade em sua totalidade”. Era a época em que o poder público era o condutor da política urbana em contexto de regime autoritário. A política urbana era tratada como questão técnica, quase sempre monopólio de arquitetos. Uma nova abordagem, da perspectiva da economia política, somente iria emergir com a luta pela redemocratização do país, no âmbito da qual se destaca a luta pela moradia. Ainda assim, o urbanismo não teve o tratamento que deveria merecer da Prefeitura, segundo a entrevistada.

“Construindo o direito à cidade”

A redemocratização e uma nova agenda de política urbana iriam emergir junto com a “falência” das finanças públicas no Município do Rio de Janeiro, em 198810 10 O primeiro prefeito eleito no Rio de Janeiro, Saturnino Braga, enfrentou grave crise das finanças municipais, tendo o município se mostrado incapaz de arcar com as despesas, inclusive pagamento de salários do funcionalismo. As causas apontadas para tal situação de falência vão desde o aumento linear concedido ao funcionalismo à briga política tanto com o governo estadual como o federal. Como resultado dessa briga, a Prefeitura não conseguiu ajuda federal para mitigar os efeitos das enchentes do verão de 1988 nem atualizar monetariamente a arrecadação própria, o que não foi aprovado pela Câmara de Vereadores. . Os entrevistados mal se lembraram da insolvência enfrentada pelo município porque esse período marcou a entrada em vigor da Constituição envolvendo aumento das transferências intergovernamentais que favoreceram os municípios. Ainda mais importante, marcou o início de um período considerado “o melhor para os urbanistas”, já que a obrigatoriedade de elaborar o Plano Diretor suscitou um enorme estímulo para que o Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro (PDCRJ) estivesse em linha com todas as inovações normativas que a Constituição proporcionara.

O PDCRJ/92 introduziu o índice construtivo máximo vigente para toda a cidade, sendo que a diferença entre este e o índice 1 de Índice de Aproveitamento de Terreno (IAT)11 11 Quando o IAT é igual a 1 significa que um terreno com 100 metros quadrados pode edificar essa mesma área, caso fosse 2, a área edificada poderia ser equivalente a 200 metros. poderia ser vendida como espaço virtual, por outorga onerosa do direito de construir. Tratava-se de medida necessária para dar sentido fático aos novos instrumentos jurídicos, criando a figura do “solo criado” a ser comercializado em benefício de uma política urbana global para a cidade. Até o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo foi previsto, ainda que retirado pela Câmara de Vereadores, sob a alegação de que faltava lei federal regulamentando o instrumento, o que veio a ser feito por meio da Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade.

A elaboração do PDCRJ/92 foi um momento de auge de mobilização entre os urbanistas para dar viabilidade às promessas de uma gestão democrática da cidade em benefício do interesse coletivo. Os urbanistas consideraram que “foi um período muito rico, quando os governantes ouviam os técnicos, àquela altura preocupados com as bases do planejamento urbano”.

Além do solo criado, outras medidas importantes aprovadas no PDCRJ/92 incluem o Corredor Cultural12 12 Projeto elaborado por técnicos da Secretaria de Planejamento e da sociedade civil, liderados por Augusto Ivan Pinheiro e a escritora Rachel Jardim, por meio do qual seria preservada a área central da Cidade, abrangendo setores da Lapa, Cinelândia, Largo da Carioca, Largo de São Francisco e SAARA. e o Projeto SAGAS13 13 Projeto de preservação dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. , que congelou a construção na área central e nos bairros portuários. Tal medida representou a preservação de uma enorme área, desmercantilizando-a em favor do direito à cidade. Essas medidas estavam em conformidade com a concepção do direito à cidade, em que o poder público assume o papel de controlar o preço da terra, como afirmaram os entrevistados.

“Tudo mudou entre o PD/92 e o PD/2011”

Não há nada em comum entre a elaboração dos dois planos diretores. Se, no primeiro, a mobilização dos técnicos e a recepção de uma agenda do direito à cidade prevaleceram, no segundo, sua marca foi o pragmatismo por parte da Prefeitura e o desânimo por parte dos técnicos.

Tal pragmatismo, no entanto, não se restringiu ao governo Eduardo Paes, mas teria começado logo depois de entrar em vigor o PDCRJ/92. Apesar de a Câmara de Vereadores ter regulamentado quase todos os novos instrumentos previstos para fins de política urbana, o Governo Cesar Maia não os utilizou. Ao contrário, elaborou um plano alternativo ao PDCRJ/92, que já tinha virado lei: trata-se do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PERJ). Diferente do PDCRJ/92, que incluía o macroplanejamento da cidade, o PERJ priorizou o “planejamento por projeto”, ou, aquilo que seu Secretário de Urbanismo Luís Paulo Conde (e depois o Prefeito que o sucedeu) denominou de “acupuntura urbana”.

“Foi chocante a mudança de paradigma na gestão urbana”, argumentou uma das urbanistas. Outras afirmaram que os Prefeitos que sucederam Marcelo Alencar (na gestão de quem foi elaborado e aprovado o PDCRJ/92) não queriam “planos que engessassem a cidade”, daí que Conde teria decretado o fim do macroplanejamento urbano. A percepção dos entrevistados era de que, para Conde, o PDCRJ seria entendido como uma obrigação legal que, uma vez cumprida, deveria dar lugar aos Planos de Estruturação Urbana (PEUs), cuja escala era o bairro, e não mais a Cidade.

“O meio ambiente tornou-se o centro da política urbana”

A escolha do Rio de Janeiro para sediar a Cúpula Mundial sobre o Meio Ambiente, a Eco-92, certamente elevou o patamar de relevância do meio ambiente como política pública. Ela teria inclusive se sobreposto à política urbana. De acordo com uma das entrevistadas, a razão seria política: afinal, “a política ambiental trata de árvore, enquanto que a urbana trata de pessoas, pobres, sobretudo, e, por isso, há conflito. No ambiental não há conflito.” No entanto, um ambientalista poderia argumentar que não é que a questão ambiental “trate de árvore”, mas que seu discurso pode ser utilizado por interesses distintos da defesa ambiental.

“A defesa de outras dimensões do direito à cidade: o direito à moradia e ao patrimônio cultural”

Essas duas dimensões do direito à cidade avançaram de forma distinta na política urbana carioca, ainda que ambas façam parte do mesmo ideário político.

A defesa do patrimônio cultural dissemina-se na década de 1970 “a partir da elaboração do [Plano Urbanístico Básico] PUB-Rio, tendo sido influenciado pela visão do arquiteto Carlos Nelson Ferreira dos Santos, cujo marco mais significativo foi o já mencionado Projeto do Corredor Cultural” (Lei n. 506/1984). A partir desse projeto de preservação da área central da Cidade foi introduzida às políticas urbanas uma nova lógica de intervenção na cidade existente, que adota a preservação e a participação de setores da sociedade civil no processo de sua concepção e de sua implementação. Esse avanço deve ser creditado ao PDCRJ/92. Sua lógica teve continuação no “Projeto SAGAS, permitindo a permanência de uma ocupação antiga na área adjacente ao Porto”. Cabe acrescentar a continuidade desta política que, no ano 2012, conseguiu que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) declarasse a cidade como paisagem protegida.

A criação das áreas de preservação cultural foi festejada por ter impedido a descaracterização do centro histórico da Cidade, mas não logrou expandir o uso residencial do centro. Atualmente, a mistura de usos é defendida para manter viva a área. Desde o PDCRJ/92, o Município tem tentado estimular o uso residencial ainda que com pouco êxito, dada a competição do uso da terra para atividades comerciais.

Quanto à política habitacional, deve ser enfatizado o impacto da extinção do BNH, que praticamente obrigou os governos estaduais e municipais a buscarem soluções próprias, mas que eram necessariamente limitadas em seu alcance, por exemplo:

A habitação era considerada parte das políticas de assistência social e, por isso, estava ligada à Secretaria de Desenvolvimento Social. A Prefeitura comprava terras com recursos próprios para os reassentamentos que se faziam urgentes em face dos impactos das enchentes frequentes, fazendo muitas vítimas, ou para reassentar devido às desapropriações para a construção da Linha Vermelha.

Enquanto isso, avançava a ocupação espontânea, seja em favelas ou em loteamentos irregulares, ambos não reconhecidos como partes da Cidade - o que acabou por impedir políticas de moradia social com possível efetividade. Essa foi a dimensão da política urbana mais positivamente afetada pela entrada em vigor da Constituição e da agenda do direito à cidade, pois permitiu dar tratamento especial àquelas áreas que, então, passariam a ser passíveis de regularização.

“Inexiste articulação interfederativa na política urbana no Rio de Janeiro”

Impressiona o consenso dos entrevistados sobre a falta de articulação do Rio de Janeiro com outros municípios. Quatro décadas após a fusão da Guanabara com o antigo estado do Rio, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro forma uma “cidade” resultante da conturbação de 21 municípios cuja população corresponde a 74% do total estadual. A única parceria do Rio de Janeiro com alguma de suas vizinhas foi para que esta recebesse o lixo da capital. Alguns entrevistados mencionaram a diferença de escala e do corpo técnico do Rio em relação aos demais municípios, mas tal assimetria está presente em outras regiões metropolitanas que não deixaram de desenvolver políticas em parcerias intermunicipais, como são os casos das regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte.

Nem mesmo a criação do Ministério das Cidades teria sido relevante para avançar nas articulações interfederativas. Ao contrário, foi considerado responsável pela perda de protagonismo do Município na política urbana. Uma das urbanistas afirmou que

[...] a criação do Ministério das Cidades foi trágica para a política urbana porque o PT [Partido dos Trabalhadores] atropelou a reforma urbana e a gestão democrática das cidades. A gestão por meio da Caixa Econômica Federal (CEF) é péssima, pois dificulta a regularização fundiária, cujo processo é complexo, as pessoas precisam querer, mesmo que seja doação do poder público, as partes devem concordar. Os pobres não conseguem ter todos os papeis que são necessários para a regularização fundiária. Os gestores no governo federal não entendem a complexidade e a diversidade de situações envolvidas em processos de regularização fundiária, como ficou patente no natimorto projeto do Ministério da Justiça de promover regularização fundiária no início do primeiro Governo Lula. [...] A CEF acabou por levar para a Prefeitura a demolição da gestão urbana ao financiar projetos centralizados. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é um desastre completo, a criação do Ministério das Cidades foi um regresso total.

Trata-se de uma crítica que não reconhece o papel coordenador desse ministério em relação à política urbana implementada na grande maioria dos municípios brasileiros, que são de pequeno porte, sem obrigação de elaborar plano diretor (SANTOS, 2016bSANTOS, A. M. S. P. O Município como Agente de Políticas Públicas: o caso dos municípios fluminenses. In: SANTOS, A.; GERSCHMAN, S. (Ed.). Saúde e Políticas Sociais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2016b. p. 159-196. ). Nos municípios grandes, dentre os quais o Rio de Janeiro se destaca como o segundo maior do país, já havia engajamento do poder público com a nova abordagem da política urbana, que pode ter recuado diante das orientações emanadas do Ministério das Cidades. O reconhecimento das particularidades dos grandes municípios e aglomerados urbanos só se deu a partir da entrada em vigor do Estatuto da Metrópole, em 2015. Até então, prevalecia um federalismo simétrico, que trata todos os entes federativos como juridicamente iguais, ainda que econômica e politicamente muito distintos (SANTOS; VASQUES, 2015SANTOS, A. M. S. P.; VASQUES, P. H. R. P. Política Urbana no Contexto Federativo Brasileiro: um avanço normativo na gestão de aglomerados urbanos. Revista de Direito da Cidade, v. 7, n. 4, p. 1771-1790, 2015. https://doi.org/10.12957/rdc.2015.20914
https://doi.org/https://doi.org/10.12957...
).

Qual a importância dos movimentos sociais para a política urbana?

Os movimentos sociais em prol do reconhecimento das favelas tiveram, na década de 1980, grande importância na formulação das políticas urbanas, tendo-se destacado a Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ), cujo líder, Jó Rezende, tornou-se vice-Prefeito do Governo Saturnino Braga. Também foi mencionado o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e a Pastoral das Favelas. Ainda nos anos 1980, teve importância o movimento de defesa do patrimônio cultural.

Uma das urbanistas afirmou que os movimentos sociais “afetaram de modo positivo durante a década de 1980 e até a elaboração do PDCRJ/92, mas depois disso eles foram cooptados pelo governo federal. Movimentos sociais foram importantes quando o planejamento esteve identificado com a política habitacional, mas acabaram sendo atropelados pelo PMCMV”.

Depois dos anos 1990, houve um arrefecimento dos movimentos sociais urbanos, salvo por alguns casos em bairros de elite e em relação à criação de áreas de preservação cultural, as APACs. O único caso adicional que foi mencionado refere-se à não realização de projeto da Prefeitura (Governo Cesar Maia) para criar uma subsidiária carioca do Museu Guggenheim, por pressão contrária da população.

O ano de 2013, entretanto, veria o renascimento de movimentos sociais urbanos, muito associados aos efeitos das obras relacionadas à Copa de Futebol FIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Não foi um movimento carioca, mas nacional, e visava aproveitar a realização da Copa das Confederações para ter grande visibilidade. Ademais, estavam em conformidade com a deflagração de uma nova onda de movimentos sociais que incluíram a chamada “Primavera Árabe”, os movimentos Occupy em várias cidades norte-americanas, bem como os “Indignados de 15/5”, na Espanha (CASTELLS, 2013CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança. São Paulo: Zahar, 2013. ). O que uniu movimentos sociais de origens tão distintas foi o uso do espaço público para manifestações em prol de “um outro mundo” que não reduza os direitos de cidadania a bens comercializáveis, como mercadorias. Vale dizer, parece estar ressurgindo uma agenda social que coloca em xeque a sustentação de políticas urbanas de corte empreendedorista.

Quais foram os principais marcos temporais a delimitar as mudanças na política urbana?

Ainda que tenha havido nuances entre as respostas dos técnicos entrevistados, a maioria apontou a existência de três marcos temporais distintos: i) o período pós-Constituição, que vai até 1992; ii) o período 1993-2008, que inclui os três governos Cesar Maia e o de Luiz Paulo Conde; e iii) o período que se inicia em 2009, com os dois governos Eduardo Paes.

O período pós-constitucional até 1992

Os técnicos entrevistados coincidiram em tratar a Constituição como um marco relevante, menos pela efetividade dos instrumentos urbanísticos e jurídicos que proporcionou à política urbana e mais por fortalecer o Município, dando-lhe autonomia financeira para superar a crise da falência municipal (em 1988).

O ambiente de redemocratização e fortalecimento institucional do Município trouxe esperança de construção de cidades mais inclusivas, o que se refletiu na grande mobilização dos técnicos da prefeitura na elaboração de seu PDCRJ/92. Outro impacto importante foi trazer a política habitacional para a esfera municipal por meio da política de regularização fundiária. Como lembra uma das urbanistas entrevistadas, somente após a criação da Secretaria de Habitação, em 1992, começou o trabalho com moradia, já que, antes dessa data, as favelas e loteamentos irregulares nem eram reconhecidos como parte da Cidade. Antes de 1992, “a habitação era entendida como problema social a ser tratado no âmbito da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social”. Somente a partir de 1994 a Prefeitura reconheceria a favela como parte da Cidade, premissa necessária para aceder aos financiamentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)/Banco Mundial, pois essas agências somente financiavam assentamentos/reassentamentos em áreas com regularização fundiária.

Período 1993-2008

O período representou um novo marco na política urbana no Rio de Janeiro, coincidindo com a prevalência de certo pragmatismo da Prefeitura no tratamento de suas relações com o empresariado. Um dos urbanistas entrevistados, com experiência na Secretaria de Fazenda, foi taxativo ao caracterizar a mudança de prioridade da administração que tomou posse em 1993: aumentar as receitas municipais sem recorrer ao aumento de impostos. “A ideia era buscar outras fontes de recursos, sem mexer no IPTU”.

Por ter sido capital, Distrito Federal, o Rio de Janeiro detém um significativo patrimônio imobiliário, cuja gestão deveria avançar para proporcionar receitas aos cofres da Prefeitura. Para tal objetivo, Cesar Maia buscou no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) técnicos para gerir a Secretaria de Fazenda, inclusive sua Secretaria de Patrimônio Imobiliário. O êxito dessa iniciativa levou à mercantilização do patrimônio imobiliário municipal, ao invés de usá-lo para outros objetivos em linha com a agenda da política urbana. Assim, deixou de dar uma função social ao patrimônio por meio de sua utilização em política de habitação social; usou-o para fins de aumentar as receitas municipais. A Prefeitura fez uma escolha que refletia o contexto da época, apenas 5 anos após a insolvência das finanças municipais, em 1988.

Ainda que pouco lembrada pelos urbanistas, a “falência do Rio” marcou negativamente a gestão de Saturnino Braga. Este tinha sido o primeiro prefeito eleito da Cidade e representava o novo paradigma de política pública, em linha com o ideário do direito à cidade, mas levou a Cidade ao caos financeiro. Ainda que tal imagem não reflita adequadamente as circunstâncias complexas daquele período14 14 Nunca é demais lembrar o contexto hiperinflacionário experimentado no País. , contribuiu para uma ruptura de paradigma na gestão municipal.

A imagem de fracasso municipal teria sido enfrentada pela administração Cesar Maia como um desafio de não apenas reverter o caos financeiro, mas usar o auge da crise de perdas15 15 Essas perdas referem-se à condição de capital federal e ao esvaziamento econômico. que a Cidade sofreu para encontrar uma alternativa de inserção da economia carioca num mundo globalizado. Assim, o Prefeito assumia que não adiantava reclamar a perda da capitalidade ou disputar com São Paulo a primazia econômica, mas identificar estratégias que fortalecessem o Rio de Janeiro.

Esse pragmatismo, no entanto, foi experimentado pelos urbanistas entrevistados como um total esvaziamento dos compromissos com a agenda da política urbana. Cabe destacar que esse afastamento tem sido mais identificado com o Prefeito Conde, que tinha sido Secretário de Urbanismo no Governo Cesar Maia.

Ambos os prefeitos eram vistos como “líderes com os quais valia a pena trabalhar, pois prestigiavam os funcionários”. Esse bom ambiente de trabalho só acabou quando os dois brigaram16 16 Em função da disputa pela prefeitura nas eleições de 2000. . Ainda assim, consideraram que “com Conde na Prefeitura, houve o fim do planejamento da Cidade por vaidade, pois ele achava uma perda de tempo pensar no planejamento urbano uma vez que considerava a cidade muito dinâmica, não devendo ficar presa a regras que remetiam a outra temporalidade. Era a favor de projetos pontuais (“acupuntura urbana”) que fariam o papel de estimuladores da renovação das áreas de entorno. Assim, os projetos urbanísticos de embelezamento avançaram e a prioridade passou a ser uma perspectiva local, sem comprometimento com o macroplanejamento da Cidade.

A partir de 2009

Um terceiro marco temporal das políticas urbanas no Rio de Janeiro inicia-se com a eleição de Eduardo Paes e a escolha da Cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2016.

Cabe lembrar que o ano de 2008 trouxe incertezas nos planos político e econômico que poderiam suscitar outra mudança de rumo nas políticas urbanas. No plano econômico, a eclosão da crise econômica mundial em setembro trouxe incertezas que poderiam ter feito malograr os grandes projetos urbanos. Já no plano político, a eleição para o governo municipal foi ganha por uma diferença de apenas 55 mil votos, o que correspondia a meros 1,6% dos votos (GASPAR, 2016GASPAR, M. O samba do prefeito. O legado e o gingado de Eduardo Paes. Revista Piauí n. 114, 2016. Available at: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-samba-doprefeito/>. Accessed on: 5th December 2016.
http://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-...
). O fator que pesou favoravelmente a Eduardo Paes foi a parceria com os governos estadual (Governador Sérgio Cabral) e federal (Presidente Lula), o que rendeu o mote de sua campanha: “Somando Forças”.

Nesse terceiro marco temporal da política urbana, o destaque tem sido “o fortalecimento do planejamento por projetos, sendo que o importante PEU das Vargens17 17 As Vargens estão localizadas na mais distante franja da Zona Oeste, área que está sendo loteada e urbanizada desde a última década, uma das últimas áreas da Cidade “reservada” para a especulação fundiária. (interesse dos vereadores) foi aprovado junto ao projeto do Porto Maravilha (interesse da Prefeitura), numa negociação entre a Câmara de Vereadores e o Executivo Municipal”. Controlar o PEU das Vargens implica em promover ganhos do pequeno e médio capital imobiliário, enquanto que o grande empresariado associa-se à Prefeitura para transformar a antiga área portuária numa nova urbanidade dominada por um complexo de negócios e turismo.

A relação entre a Câmara de Vereadores e o Executivo foi muito destacada por uma das entrevistadas, para quem “os vereadores aprovam uma lei de iniciativa deles próprios, o Prefeito veta e a Câmara derruba o veto, daí que a Prefeitura sai bem na foto. Enquanto se discute longamente a constitucionalidade da lei, ela está em vigor e permitindo que projetos sigam em frente, mesmo que contrariando o planejamento instituído”.

Há, ainda, que se referir à decisiva parceria entre as esferas de governo nessa terceira fase da política urbana carioca. Nessa fase, o BID teria deixado de ser o parceiro que tinha sido na fase anterior. Isso porque o “seu financiamento custava mais caro em relação aos recursos oriundos do Orçamento da União em função do PAC-Favelas, mas também do Projeto Olímpico”.

É nesse contexto que foi elaborado o Plano Diretor em 2011. Dos muitos instrumentos de política urbana previstos pelo Estatuto da Cidade, e mesmo incluídos no seu Plano Diretor, o Município do Rio só regulou as operações urbanas para viabilizar os projetos em que se associou a consórcios empresariais. Não foram regularizados instrumentos de grande relevância para a política urbana, como é o caso do IPTU progressivo. Nessas condições, a visão do planejamento estratégico que avançou no segundo marco temporal, agora adquire uma abordagem completamente empresarial.

Conclusões

A análise das entrevistas com os urbanistas da Prefeitura do Rio de Janeiro sugere grande frustração do corpo técnico com os resultados dos avanços normativos na política urbana iniciada no período pós-constitucional. Após uma fase inicial, os movimentos sociais teriam recuado, diminuindo a participação social, o que também não foi estimulado pelo poder público. A regulamentação de quase todos os novos instrumentos de controle urbanístico no Plano Diretor de 1992 não foi utilizada pelo governo municipal, que preferiu apoiar sua ação num plano estratégico, abandonando a visão do macroplanejamento em favor da “acupuntura urbana”. Um urbanismo empresarial alcançaria seu auge, contudo, após a conquista da Cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, o que levou a Prefeitura a intensificar sua opção de planejar a cidade por projetos, os chamados “megaeventos esportivos”, afastando-se da agenda do direito à cidade. Tal opção mostra-se de forma explícita quando se considera que o Plano Diretor de 2011, atualmente em vigor, não apenas deixou de regulamentar instrumentos urbanísticos, como o IPTU progressivo, como retirou o IAT único para a cidade.

Tal distanciamento com a agenda pós-constitucional da política urbana ocorreria num contexto marcado pelos maiores compromissos assumidos pelo Estado em relação aos direitos sociais. Esses não se reduzem aos gastos previdenciários, mas vêm-se traduzindo em crescentes despesas com saúde, educação e assistência social. Estudo de Kerstenetzki (2012KERSTENETZKI, C. L. O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão. A Reinvenção do Estado Social no Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.) sobre as transformações do Estado de Bem-Estar Social aponta para a evidência de que este tem evoluído para a defesa da reprodução social das famílias, e não apenas da renda do trabalhador. É nesse contexto que as ações de política urbana devem ser avaliadas, para muito além do ordenamento do uso do solo urbano. Entretanto, essas ações envolvem prestações positivas do Estado, disputando alocação no orçamento público que vem sendo crescentemente comprometido com as despesas relacionadas à ampliação dos direitos sociais, sobretudo Saúde e Educação. Trata-se de um desafio que os governos municipais têm enfrentado com a adoção do empresariamento urbano, mas que tem suscitado questionamentos sobre a legitimidade das escolhas públicas e vem alimentando novos movimentos sociais em favor de ações que promovam maior acesso à terra urbana, à mobilidade, ao saneamento e à segurança nas cidades.

Ainda que os entrevistados tenham destacado as ações urbanísticas, parte deles mencionou a importância da política habitacional e a regularização fundiária como parte relevante da política urbana. A defesa do “macroplanejamento” contra a redução do planejamento à “acupuntura urbana” também traz implícita a noção de que o planejamento urbano é parte das políticas sociais. O reconhecimento, finalmente, de que os movimentos sociais de junho de 2013 estivessem associados à demanda por direitos sociais territorializados (acesso à moradia, à mobilidade e ao saneamento “padrão FIFA”), sugere que a política urbana deva ser tratada como uma das dimensões das políticas sociais.

Cabe, por fim, destacar que a questão da autonomia financeira municipal não foi enfrentada da perspectiva da melhora na gestão da arrecadação dos seus tributos. O acesso aos recursos parece ser oriundo de apenas três fontes: governo federal, iniciativa privada e alienação de patrimônio. O município buscou parceria com o setor privado, mas sem procurar desenvolver sua estrutura administrativa. Ao buscar recursos de “outras fontes, sem mexer no IPTU”, o governo municipal deixa de utilizar um instrumento de arrecadação fiscal que também tem uso extrafiscal, para fins de ordenamento urbano. Com o cenário de crise econômica, talvez seja possível imaginar um avanço na gestão de sua receita por meio de melhora na administração da tributação imobiliária. Conforme já identificado em outros estudos (CARVALHO JÚNIOR, 2011CARVALHO JÚNIOR, P. H. B. O sistema avaliatório municipal de imóveis e a tributação do IPTU no Rio de Janeiro. 2011. Dissertation (Master in Economic Scienes) - Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Available at: <http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1806097/DLFE-237572.pdf/PedroHumbertoMMH.pdf>. Accessed on: 5th December 2016.
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; SANTOS, 2014SANTOS, A. M. S. P. Tributação Imobiliária no Brasil. Um difícil percurso rumo à política urbana. FINISTERRA. Revista Portuguesa de Geografia. v. 49, n. 97, p. 103-118, 2014. https://doi.org/10.18055/finis4199.
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), isso seria possível pela atualização da planta genérica de valores, base do cálculo dos valores venais, ou pela maior seletividade nas isenções do IPTU que não estejam relacionados à política de habitação social. Nesse caso, seria possível imaginar políticas públicas sociais mais inclusivas e associadas à agenda constitucional da política urbana.

Referências

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  • SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. (Ed.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Letra Capital: Rio de Janeiro, 2011.
  • 1
    Propriedade que não cumpre sua função social, ou seja, no caso da propriedade fundiária urbana, que esteja edificada e utilizada para moradia e/ou atividade econômica, em linha com a legislação urbanística e o plano diretor municipal.
  • 2
    Além daqueles situados em regiões metropolitanas ou em localidades de especial interesse turístico.
  • 3
    Como sugerem os relatórios anuais do desenvolvimento humano elaborados pelo Banco Mundial.
  • 4
    “Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
  • 5
    A dignidade da pessoa humana traz subjacente uma concepção de direito subjetivo que vai além da melhoria nas condições materiais de vida, portanto, não constitui termo intercambiável com a melhoria nas condições de vida. Ainda que ciente de tal distinção, os dois termos reforçam-se mutuamente e vão na mesma direção, o que justificaria o paralelismo que faço entre as agendas dos direitos humanos da ONU e a dos direitos sociais da Constituição brasileira.
  • 6
    Para esse ponto ver: Maricato (2011)MARICATO, E. O Impasse da Política Urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.; Santos Junior e Montandon (2011)SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. (Ed.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Letra Capital: Rio de Janeiro, 2011.; Rolnik (2015)ROLNIK, R. Guerra dos Lugares. A colonização da terra na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015; Santos (2016b)SANTOS, A. M. S. P. O Município como Agente de Políticas Públicas: o caso dos municípios fluminenses. In: SANTOS, A.; GERSCHMAN, S. (Ed.). Saúde e Políticas Sociais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2016b. p. 159-196. .
  • 7
    Por meio da criação de diversos órgãos, como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e o Banco Nacional de Habitação (BNH), mas também por instituir regiões metropolitanas e incluir um capítulo dedicado à política urbana no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
  • 8
    Caso das metrópoles e aglomerados urbanos, conforme definidos pelo Estatuto da Metrópole, Lei n. 13.089/2015.
  • 9
    Urbanistas entrevistados: Alice Reis, Regina Palha, Vera Rezende, Isabel Tostes, Márcia Bezerra, Rose Compans, Claudia Muricy e José Agostinho Leal.
  • 10
    O primeiro prefeito eleito no Rio de Janeiro, Saturnino Braga, enfrentou grave crise das finanças municipais, tendo o município se mostrado incapaz de arcar com as despesas, inclusive pagamento de salários do funcionalismo. As causas apontadas para tal situação de falência vão desde o aumento linear concedido ao funcionalismo à briga política tanto com o governo estadual como o federal. Como resultado dessa briga, a Prefeitura não conseguiu ajuda federal para mitigar os efeitos das enchentes do verão de 1988 nem atualizar monetariamente a arrecadação própria, o que não foi aprovado pela Câmara de Vereadores.
  • 11
    Quando o IAT é igual a 1 significa que um terreno com 100 metros quadrados pode edificar essa mesma área, caso fosse 2, a área edificada poderia ser equivalente a 200 metros.
  • 12
    Projeto elaborado por técnicos da Secretaria de Planejamento e da sociedade civil, liderados por Augusto Ivan Pinheiro e a escritora Rachel Jardim, por meio do qual seria preservada a área central da Cidade, abrangendo setores da Lapa, Cinelândia, Largo da Carioca, Largo de São Francisco e SAARA.
  • 13
    Projeto de preservação dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo.
  • 14
    Nunca é demais lembrar o contexto hiperinflacionário experimentado no País.
  • 15
    Essas perdas referem-se à condição de capital federal e ao esvaziamento econômico.
  • 16
    Em função da disputa pela prefeitura nas eleições de 2000.
  • 17
    As Vargens estão localizadas na mais distante franja da Zona Oeste, área que está sendo loteada e urbanizada desde a última década, uma das últimas áreas da Cidade “reservada” para a especulação fundiária.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2016
  • Aceito
    09 Set 2016
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