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“Sete anos de atraso na vida!”: sobre as tecnologias sociais de gestão da crise e da crítica no desastre da Samarco1 1 Agradeço à Faperj pela bolsa de pós-doutorado (Processo nº E-26/204.246/202), que permitiu a continuidade da pesquisa iniciada em meu doutorado, que, por sua vez, contou com o apoio da bolsa CAPES e de diversos projetos financiados pelo CNPq e pela Fapemig, no âmbito das atividades desenvolvidas pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG), no caso do desastre da Samarco.

“Seven years of setback in life!”: social technologies for managing crisis and criticism in the Samarco disaster

Resumo

Desde o rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, no município de Mariana, a mediação foi determinada por agências do Estado em aliança com as mineradoras rés como a forma mais célere de resolução dos conflitos. Com base no discurso da ocorrência de um “acidente”, a construção do que seria uma “justiça possível” foi estabelecida por esses agentes como “a melhor” forma de tratamento à “excepcionalidade” da situação. Assim, atuando na linha tênue do Direito Constitucional e dos acordos extrajudiciais, tecnologias de gestão da crise e da crítica foram aplicadas ao caso para a reparação dos danos. Apoiando-se na leitura de documentos técnicos e jurídicos, bem como no trabalho de campo, o objetivo deste artigo é promover uma reflexão sobre as tecnologias sociais de gestão adotadas no desastre da Samarco.

Palavras-chave:
Mineração; Desastre; Mediação; Gestão; Justiça Possível

Abstract

Since the collapse of the Fundão dam in November 2015 in the municipality of Mariana, mediation has been determined by state agencies in alliance with the mining companies as the quickest way to resolve conflicts. Grounded on the discourse of the occurrence of an “accident”, the construction of what would be “rough justice” was established by these agents as the “best” way of dealing with the “exceptionality” of the situation. Thus, in order to repair the damage, acting on the fine line of constitutional law and out-of-court settlements, crisis management and political technologies adopted to control the victims and activist’s criticism were applied to the case. Based on a reading of technical and legal documents, as well as fieldwork, the aim of this article is to provide a reflection on the social management technologies adopted in the Samarco disaster.

Keywords:
Mining; Disaster; Mediation; Management; Rough Justice

1. Introdução

A partir da década de 1990, com a crise dos Estados desenvolvimentistas nos países latino-americanos, marcada pela desindustrialização e pela inserção subordinada das economias nacionais junto ao mercado global, a atração de vultosos financiamentos, destinados inclusive à mineração, foi fomentada por processos orquestrados em reformas político-econômicas, como ajustes fiscais, privatizações e flexibilizações legislativas. Intensificada nos anos 2000, a combinação entre os novos arcabouços legais e as atividades extrativas em larga escala, com baixa transformação e valor agregado, voltadas à exportação e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), é analisada por diversos autores como efeitos do processo do neoextrativismo (Acselrad, 2018ACSELRAD, H. (org.). Políticas territoriais, empresas e comunidades: o neoextrativismo e a gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro: Garamond, 2018.; Aráoz, 2015ARÁOZ, H. M. Ecología política de los regímenes extractivistas. De reconfiguraciones imperiales y re-ex-sistencias decoloniales en nuestra América. Bajo el Volcán, Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, México, v. 15, n. 23, p. 11-51, 2015.; Svampa; Viale, 2014SVAMPA, M.; VIALE, E. Maldesarrollo: La Argentina del extractivismo y el despojo. Buenos Aires: Katz Editores, 2014.; Milanez; Santos, 2013MILANEZ, B.; SANTOS, R. Neoextrativismo no Brasil? Uma análise da proposta do novo marco legal da mineração. Revista Pós Ciências Sociais. v. 10, n. 19, p. 119-148, 2013.; Li, 2011LI, F. Responsabilidad y rendición de cuentas en los estudios de impacto ambiental de un proyecto minero. Debate Agrario, Lima, n. 45, p. 47-69, 2011.; Bebbington, 2007BEBBINGTON, A. Elementos para una ecología política de los movimientos sociales y el desarrollo territorial en zonas mineras. In: BEBBINGTON, A. (org.). Minería, movimientos sociales y respuestas campesinas: una ecología política de transformaciones territoriales. Lima: IEP-Cepes, 2007. p. 23-46.).

Para Svampa (2013SVAMPA, M. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Revista Nueva Sociedad . n. 244, p. 30-46, 2013.), os investimentos minerários proporcionaram uma espécie de outro acordo - o Consenso de Commodities (após o Consenso de Washington, que prezava a valorização financeira) -, no qual países periféricos, ricos em “recursos naturais”, aprofundaram sua base econômica nas “oportunidades” ou “vantagens comparativas” em exportar bens primários em larga escala.

A exploração intensiva, portanto, tornou-se condição do processo de inserção em um mercado global cada vez mais interdependente. Influenciado ainda pela alta dos preços das commodities na primeira década do século XXI, o avanço dos extrativismos desempenhou papel fundamental na política de desenvolvimento dos países latino-americanos2 2 Conforme define Gudynas (2016, p. 26): “Extrativismos são tipos particulares de apropriações de recursos naturais caracterizados por grandes volumes removidos e/ou de alta intensidade, onde a metade ou mais são exportados como matéria-prima, sem processamento industrial ou com processamentos limitados. Importante ressaltar que se trata de uma atividade completamente distinta da desempenhada pelas comunidades tradicionais em reservas extrativistas na Amazônia Legal, por exemplo”. GUDYNAS, E. Extractivismos en América del Sur: conceptos y sus efectos derrame. In: ZHOURI, A.; BOLADOS, P.; CASTRO, E. (org.). Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais. São Paulo: Annablume, 2016. p. 23-43. , mas exigiu um aprofundamento das políticas econômicas e administrativas em defesa da produção das commodities.

Em 2022, as exportações renderam ao Brasil o total de $334,14 bilhões de dólares. Vale destacar que, desse valor, 35,3% tiveram origem em apenas três commodities: (i) soja (13,9%), (ii) óleos brutos de petróleo (12,7%) e (iii) minério de ferro (8,7%). A participação delas na receita adquirida com a exportação brasileira deu um salto significativo: de 11%, em 2001, para 41%, em 2021 (MDIC, 2023MDIC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Balança comercial brasileira. Disponível em: https://balanca.economia.gov.br/balanca/publicacoes_dados_consolidados/pg.html . Acesso em: 24 mar. 2023.
https://balanca.economia.gov.br/balanca/...
).

No Gráfico 1, específico para o minério de ferro, os dados permitem a comparação entre o volume (em milhões de toneladas), o preço da tonelada (US$) no mercado internacional e a receita adquirida (em US$ FOB bilhões) com a exportação brasileira dessa commodity.

Gráfico 1
Volume exportado (barra), preço da tonelada (linha contínua) e receita adquirida (linha pontilhada) com a exportação de “minérios de ferro e seus concentrados” no período entre 2001 e 2022

A leitura do gráfico sugere uma relação direta entre as variáveis preço da tonelada do minério e os valores totais alcançados com a exportação. O mais interessante é verificar que o baixo valor da commodity não desestimula a exploração. Ao contrário, mesmo com a queda do preço da tonelada do minério de ferro a partir de 2012, houve acréscimo no volume em toneladas exportadas. De certa forma, essa relação inversa sugere a tentativa das empresas e do próprio Estado de manter uma arrecadação próxima à de anos precedentes, resultante da exportação de um volume maior (Wanderley, 2017WANDERLEY, L. J. Do boom ao pós-boom das commodities: o comportamento do setor mineral no Brasil. Versos - Textos para Discussão PoEMAS , v. 1, n. 1, p. 1-7, 2017.; Milanez, 2017MILANEZ, B. Boom ou bolha? A influência do mercado financeiro sobre o preço do minério de ferro no período 2000-2016. Versos - Textos para Discussão PoEMAS, v. 1, n. 2, p. 1-18, 2017.). Contudo, o aumento da exportação tem como consequência a expansão de novas frentes de extração do território, assim como o agravamento dos riscos, danos e conflitos socioambientais. Nesse sentido, o aumento da exploração minerária, mesmo com a queda brusca na arrecadação, revela a face mais violenta da acumulação por despossessão (Harvey, 2004HARVEY, D. The new imperialism: accumulation by dispossession. Socialist Register, London, v. 40, p. 63-87, 2004.).

Wanderley et al. (2016WANDERLEY, L. J.; MANSUR, M. S.; MILANEZ, B.; PINTO, R. G. Desastre da Samarco/Vale/BHP no Vale do Rio Doce: aspectos econômicos, políticos e socioambientais. Ciência & Cultura, v. 68, n. 3, p. 30-35, 2016.) chamaram atenção para as consequências drásticas dessa decisão, como o ocorrido no caso do rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco. Para os autores, “os diversos episódios de rompimento das barragens de rejeitos, em particular os de elevada gravidade, não deveriam ser vistos como eventos fortuitos, mas como elementos inerentes à dinâmica econômica do setor mineral” (ibid., p. 31). Davies e Martin (2009DAVIES, M.; MARTIN, T. Mining market cycles and tailings dam incidents. In: SEGO, D.; ALOSTAZ, M.; BEIER, N (ed.). International Conference on Tailings and Mine Waste, 13th., Edmonton, 2009. Proceedings […]. Edmonton, Canada: University of Alberta, Dept. of Civil & Environmental Engineering, 2009.) publicaram um estudo que demonstra a validade da correlação entre ciclos de bonança e de queda do preço internacional do minério de ferro e o colapso de barragens de rejeitos. Se os licenciamentos são acelerados na alta do preço da commodity, prejudicando o tempo em razão da análise técnica, na baixa são os cortes com os custos em segurança e manutenção que elevam os riscos de rompimento, cenário condizente com o desastre da Samarco (Milanez et al., 2016MILANEZ, B. et al. Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. Marabá: iGuana, 2016.). Para Davies, Martin e Lighthall (2002)DAVIES, M.; MARTIN, T.; LIGHTHALL, P. Mine tailings dams: when things go wrong. Proceedings of Tailings Dams 2000. Las Vegas, Nevada: Association of State Dam Safety Officials, U.S. Committee on Large Dams, 2002. p. 261-273., essa combinação, somada às falhas na construção, na operação e no fechamento dos barramentos, contribuiu para as altas taxas de desastres registradas desde 1970. Antes mesmo do colapso da barragem de Fundão, relatórios técnicos apontavam a existência de riscos e a necessidade de medidas urgentes, que acabaram sendo negligenciadas pela mineradora (Instituto Prístino, 2013INSTITUTO PRÍSTINO. Análise técnica referente à revalidação da Licença Operacional da Barragem de Rejeitos do Fundão - Samarco Mineração S/A. Belo Horizonte, 21 out. 2013. Disponível em: https://docplayer.com.br/10776560-Instituto-pristino-ip-082-2013-belo-horizonte-21-de-outubro-de-2013.html . Acesso em: 10 maio 2023.
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). Por esses motivos, não se pode tratar o desastre da Samarco como um acidente (Zhouri et al., 2016ZHOURI, A. et al. O desastre da Samarco e a política das afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Ciência e Cultura, ano 68, n. 3, p. 36-40, 2016.).

Mesmo com justificativas distintas, são as escolhas do arcabouço político-econômico, tanto do projeto neoliberal como do progressista, que viabilizam a continuidade e a intensificação do extrativismo mineral em áreas consideradas “terras vazias” (Bebbington, 2007BEBBINGTON, A. Elementos para una ecología política de los movimientos sociales y el desarrollo territorial en zonas mineras. In: BEBBINGTON, A. (org.). Minería, movimientos sociales y respuestas campesinas: una ecología política de transformaciones territoriales. Lima: IEP-Cepes, 2007. p. 23-46.) ou “zonas de sacrifício” (Svampa; Viale, 2014SVAMPA, M.; VIALE, E. Maldesarrollo: La Argentina del extractivismo y el despojo. Buenos Aires: Katz Editores, 2014.). A consequência é a perpetuação de inúmeros conflitos ambientais, culturais, territoriais e até mesmo dos próprios desastres.

Em contraposição à mobilização e à defesa das comunidades locais, os discursos e práticas do setor minerário constroem estratégias para obliterar as relações assimétricas de poder e os usos diversos dos territórios. Nesse sentido, guiado pelas “vantagens comparativas”, assim como pela ideia de “interesse público” e do desenvolvimento econômico, o Estado cumpre uma função importante, em coparceira com as mineradoras, ao alicerçar novas estruturas de governança para capturar as críticas, pacificar os conflitos e viabilizar os empreendimentos. Conforme salienta Antonelli (2014ANTONELLI, M. Megaminería transnacional e invención del mundo cantera. Revista Nueva Sociedad, n. 252, p. 72-86, 2014.):

A chave significante que permite inferir qual o papel esperado dos Estados é a “governança”, que, a rigor, é pragmática, um funcionamento estratégico de regras políticas de exercício concreto e usos locais que vinculam as estratégias empresariais com decisões e práticas estatais exercidas pelos funcionários do governo, em diferentes níveis, e cuja eficácia reside e é medida na consolidação da megamineração como uma atualização e realização de um único mundo possível no universo cultural e no campo social (2014, p. 81).

Para Mattei e Nader (2013MATTEI, U.; NADER, L. Pilhagem: quando o Estado de Direito é ilegal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.), a reestruturação exigida pela governança dos conflitos em prol do neoextrativismo integra um conjunto de “políticas intervencionistas”, gestadas no âmbito de uma “filosofia da democracia e seus modelos” (Antonelli, 2009ANTONELLI, M. Minería transnacional y dispositivos de intervención en la cultura: la gestión del paradigma hegemónico de la “minería responsable y desarollo sustentable”. In: SVAMPA, M.; ANTONELLI, M. Minería transnacional, narrativas del desarollo y resistências sociales. Buenos Aires: Biblos, 2009. p. 51-101., p. 56), justificado pela noção do Estado de Direito e da Justiça. Essas políticas ganham concretude com as estratégias corporativas e governamentais de intervenção sociocultural enquanto mecanismos de modulação moral e política das condutas (ibid., 2009). No entanto, esse processo tem suscitado uma série de afetações e conflitos na vida social de comunidades diversas, sobretudo daquelas que têm no território sua base de existência.

2. Objetivo e metodologia

Com base no que se afirmou na introdução, pretende-se refletir sobre as tecnologias sociais de gestão da crise e da crítica utilizadas pela aliança Estado-empresas na construção dos arranjos institucionais para a reparação das vítimas do desastre da Samarco. Inicialmente, demonstra-se a concertação de agências e agentes na formulação desse arcabouço gestionário e, adiante, antes das considerações finais, discutem-se os efeitos das tecnologias sociais praticadas no âmbito dessa “maquinaria da unidade” (Souza Lima; Dias, 2021SOUZA LIMA, A. C.; DIAS, C. G. Maquinaria da unidade; bordas da dispersão: estudos de antropologia do Estado. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021. ).

Os dados aqui apresentados fazem parte da minha tese de doutorado (Zucarelli, 2021ZUCARELLI, M. C. A matemática da gestão e a alma lameada: crítica à mediação em licenciamentos e desastres na mineração. Campina Grande: EDUEPB, 2021. [Ebook]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/y6wg2 . Acesso em: 5 jan. 2024.
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) e de pesquisas acadêmicas complementares desenvolvidas desde novembro de 2015, principalmente por intermédio do trabalho de campo e da observação participante em diversas reuniões ocorridas em Mariana, Minas Gerais. Até o final de 2017, período que marcou dois anos de tratativas do desastre, foram realizadas nove audiências de conciliação no Fórum de Justiça da Comarca de Mariana e uma na 12ª Vara da Justiça Federal, em Belo Horizonte. Dessas dez audiências, com autorização do juízo, seis foram etnografadas. Ademais, reuniões diárias ocorriam no contexto da negociação e da mediação entre os representantes das comunidades locais, das mineradoras (Samarco, Vale e BHP Billiton) e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. No que diz respeito às reuniões, acompanhei todas que aconteceram entre as terças e quintas-feiras ao longo dos anos de 2016 e 2017. Uma extensa bibliografia também foi analisada, decorrente da leitura de dados técnicos, jurídicos e acadêmicos produzidos sobre o caso, que somam 2.277 documentos diretamente ligados ao desastre da Samarco, conforme demonstra o Quadro 1, a seguir.

Quadro 1
Pesquisa bibliográfica (dados de novembro de 2015 a outubro de 2022)

3. A concertação corporativo-governamental para a gestão do desastre

O rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco, uma joint venture das mineradoras Vale S.A. e BHP Billiton Brasil, ocasionou, a partir de novembro de 2015, o maior desastre com rejeitos de minério de ferro no mundo. Inúmeras foram as iniciativas para construir formas de tratamento imediato às demandas urgentes, à gestão e à resolução dos conflitos. Ações na Justiça, individuais e coletivas, surgiram como uma avalanche para garantia dos direitos vilipendiados.

Dentre as ações no âmbito federal, destaca-se o Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), celebrado em março de 2016, justamente entre corporações e instituições do Estado, rés na Ação Civil Pública impetrada pelas procuradorias da República de Minas Gerais e do Espírito Santo (MPF, 2016MPF. Ministério Público Federal. Ação Civil Pública com pedido de liminar inaudita altera pars. Belo Horizonte: MPF, 28 abr. 2016.). A atuação interfederativa foi comemorada como “uma solução concertada e inovadora, evitando-se o trâmite de infindáveis e custosas ações judiciais, que, na história brasileira, não lograram chegar a um resultado final útil” (Adams et al., 2019ADAMS, L.; PAVAN, L.; BATISTA JÚNIOR, O.; VIEIRA, R. Saindo da lama: a atuação interfederativa concertada como melhor alternativa para solução dos problemas decorrentes do desastre de Mariana. Belo Horizonte: Fórum, 2019., p. 60). Portanto, o propósito dessa concertação corporativo-governamental era estabelecer, diante da “excepcionalidade” do “acidente”, um arranjo institucional de governança capaz de reparar os danos ambientais, sociais e econômicos em uma ação única e célere. As diretrizes para a reparação dos danos foram organizadas em reuniões privadas, a princípio pelas rés do processo (mineradoras, União, estados de Minas Gerais e do Espírito Santo). Elas fixaram ainda quem seriam os responsáveis e como se dariam as decisões, incluindo aqueles que as executariam e as fiscalizariam.

Nesse ínterim, foi estabelecida a Fundação Renova, uma entidade privada e sem fins lucrativos, para gerir e executar as ações reparatórias e compensatórias, previstas em programas socioeconômicos e ambientais firmados no TTAC. Além da Renova, o desenho da governança criou o Comitê Interfederativo (CIF) e as Câmaras Técnicas, que têm a função de assessorá-lo. O CIF teria como objetivo principal orientar, gerir e fiscalizar as ações da Fundação Renova na execução das medidas de reparação dos danos causados pelo desastre.3 3 Para Melendi e Martins Lopo (2021), há um equívoco em considerar a Fundação Renova como uma criação do TTAC. Os autores destacam que a homologação judicial do Termo foi anulada antes mesmo da institucionalização e da transferência das atividades obrigatórias de reparação da Samarco a essa entidade. Portanto, “quem de fato a instituiu foram as empresas, que através do estatuto social materializaram esse acordo e deram à entidade a forma de Fundação Renova” (Melendi e Martins Lopo (2021, p. 232).

Todavia, a assinatura do TTAC foi objeto de crítica tanto pelos Ministérios Públicos estadual e federal como por movimentos sociais e entidades civis, principalmente por entenderem que não houve o envolvimento das vítimas em sua elaboração. Além da ausência de participação na construção da governança, Melendi e Martins Lopo (2021MELENDI, L. P.; MARTINS LOPO, R. A Fundação Renova como forma corporativa: estratégias empresariais e arranjos institucionais no desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton no rio Doce, Mariana (MG). Ambientes: Revista de Geografia e Ecologia Política, v. 3, n. 2, p. 206-250, 2021.) apontam outras restrições à reparação:

[...] o TTAC não protegia os direitos coletivos afetados pelo desastre, nem contemplava a possibilidade de que no futuro fossem identificadas outras necessidades, para além das que tinham sido negociadas; carecia de um diagnóstico consistente para identificar o que era possível reparar e o que deveria ser compensado; era obscuro em relação aos critérios para alocar recursos em cada programa, que deixava nas mãos de um “terceiro ente” que coordenaria a reparação, e atribuía responsabilidade subsidiária (não solidária) às empresas (2021, p. 225).

Antes do TTAC, ações de reparação estavam em curso no município de Mariana, mas, com a assinatura do Termo, a empresa levantou a hipótese de conflito de competência e as ações foram paralisadas até a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O voto da entidade foi no sentido de que os processos relativos aos danos em Mariana permanecessem na própria comarca. Assim, os demais municípios, ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, estariam juridicamente atrelados à Justiça Federal. Portanto, todos os municípios afetados, com exceção de Mariana, seriam geridos por outra estrutura de governança de âmbito federal, formatada como resultado de “aperfeiçoamentos” feitos ao TTAC.

Apesar do imbróglio jurídico, a Fundação Renova, já constituída, continuava a executar os programas nos territórios danificados, inclusive no município de Mariana.4 4 A Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão, constituída por moradores das comunidades atingidas de Mariana, nunca reconheceu a legitimidade da Fundação Renova. Para eles, a Samarco era a responsável e com ela queriam resolver seus danos. Segundo eles, era nítido o vínculo entre as instituições, ainda mais pelo fato de ex-funcionários da Samarco integrarem a equipe da Renova. Enquanto isso, as ações impetradas pela força-tarefa dos Ministérios Públicos federal e estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo buscavam, junto às empresas rés e ao juízo, alterar e aprimorar os mecanismos de reparação estabelecidos previamente no TTAC.

Ao todo, somando com a assinatura do termo inicial, foram cinco repactuações estabelecidas ao longo do desastre,5 5 Em janeiro de 2017, foi assinado o Termo de Ajustamento Preliminar (TAP). Em novembro do mesmo ano, foi elaborado um aditivo a ele. Em junho de 2018, foi acordado outro Termo de Ajustamento de Conduta, conhecido como TAC-Governança (TAC GOV). Em dezembro de 2019, depois de algumas audiências conciliatórias e do entendimento de que o sistema CIF se mostrava ineficaz para o tratamento de alguns temas importantes, o juízo federal decidiu pelo estabelecimento de Eixos Prioritários para a reparação. com a expectativa de uma sexta agendada (mas não realizada) para dezembro de 2023.6 6 Após dois anos, as negociações foram paralisadas no dia 5 de dezembro de 2023, porque, segundo o poder público, as mineradoras rés “apresentaram valores insuficientes para a devida reparação do Rio Doce”, demonstrando a falta de “responsabilidade social e ambiental e compromisso com o processo de repactuação” (Secretaria de Comunicação Social/PR, 2023, on-line). SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/PR. Nota conjunta do Poder Público sobre a repactuação do Acordo de Mariana. Disponível em: https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/notas-oficiais/nota-conjunta-do-poder-publico-sobre-a-repactuacao-do-acordo-de-mariana. Acesso em: 15 dez. 2023. Intermediada desde 2021, a princípio pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2023 a responsabilidade pelo “novo acordo” ficou a cargo da Casa Civil e de outros ministérios do governo Lula, junto ao também recém-criado Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), com sede em Belo Horizonte e jurisdição em Minas Gerais.

Aqui temos três situações inusitadas em se tratando de termos de acordo assinados entre as “partes”. A primeira consiste na assinatura de um acordo firmado entre os próprios réus do processo. A segunda é a recorrente violação das normativas estipuladas no TTAC e em seus reajustamentos, acordadas e assinadas pelas próprias mineradoras rés. E a terceira diz respeito à intervenção direta do juízo de primeira instância que, em vez de cobrar a execução das cláusulas dos termos, incorpora as contestações das rés e estabelece novos artefatos de resolução dos conflitos no processo, distante das diretrizes pactuadas.

Até dezembro de 2019, mesmo com as alterações fixadas como aprimoramento do TTAC e com a incorporação dos Ministérios e Defensorias Públicos da União e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, o CIF ainda constituía o organismo central que geria as ações de reparação executadas pela Fundação Renova. Contudo, as deliberações emitidas por esse comitê não estavam sendo cumpridas. A Fundação Renova considerava somente as decisões que lhe convinham e judicializava aquelas que não lhe eram favoráveis (no caso, para as mineradoras). O não cumprimento de certas deliberações fez com que o CIF expedisse dezenas de notificações à Renova, impondo prazos e multas por descumprimento (Ibama, 2023 IBAMA. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Comitê Interfederativo (CIF). Disponível em: https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/cif . Acesso em: 20 abr. 2023.
https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-...
). Relatórios técnicos das consultorias contratadas para assessorar a força-tarefa (FGV, 2019FGV. Fundação Getulio Vargas. Projeto Rio Doce - Avaliação dos impactos e valoração dos danos socioeconômicos causados para as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Rio de Janeiro; São Paulo: FGV, 2019.; Ramboll, 2020RAMBOLL. Relatório de monitoramento mensal dos programas socioeconômicos e socioambientais para restauração da bacia do rio Doce com os indicadores propostos. Destinado ao: Ministério Público Federal - MPF - REF PA 1.22.000.000 3072017/44. . Relatório de Monitoramento Mensal - mês 042 2020. ) e agravos de instrumentos interpostos pelas instituições de justiça de defesa dos direitos dos cidadãos confirmam essa estratégia de contestação e de protelação no cumprimento das deliberações do CIF.

Infelizmente, tem sido recorrente a judicialização por parte das empresas e da Fundação Renova de temas que não lhes foram favoráveis e decididos pelo sistema CIF. A interferência e acolhida do Poder Judiciário de 1ª instância potencializou de tal forma tais questionamentos que aspectos fundamentais para a implementação do TAC GOV e dos programas socioeconômicos e socioambientais previstos no TTAC aguardam desfechos judiciais para o seu seguimento, esvaziando a governança e comprometendo a implementação do TAC GOV. Em substituição, a adoção de soluções heterodoxas que tem contribuído para aumentar a judicialização (DPU et al., 2021DPU; DP-MG; DP-ES; MPF; MPMG. Defensoria Pública da União; Defensoria Pública de Minas Gerais; Defensoria Pública do Espírito Santo; Ministério Público Federal; Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Agravo de Instrumento com pedido de tutela provisória de urgência em caráter liminar. N. 1008684-91.2021.4.01.0000. 10 mar. 2021., p. 22).

Como apresentado no excerto anterior, “a interferência e acolhida do Poder Judiciário de 1ª instância potencializou” as contestações e favoreceu os descumprimentos das empresas. Não à toa, essas instituições entraram com uma suspeição de parcialidade do juízo federal, na qual enumeraram uma série de decisões processuais e prazos expedidos, ou não, que favoreceriam às empresas rés (Dias Netto Junior, 2022DIAS NETTO JUNIOR, E. A. Contribuição para uma sociologia das ausências: alguns apontamentos sobre o processo de reparação do desastre na bacia do rio Doce. In: ZUCARELLI, M. C. et al. (org.). Infraestrutura para produção de commodities e povos etnicamente diferenciados: efeitos e danos da implantação de “grandes projetos de desenvolvimento” em território sociais. Rio de Janeiro: Mórula, 2022. p. 388-455.).

As recorrentes reestruturações no desenho da governança do desastre evidenciam as relações de poder e de influência das mineradoras, uma vez que elas condicionam regras e obrigações que deverão ou não assumir. Ao mesmo tempo, expõem a fragilidade da imposição do método autocompositivo na resolução dos conflitos.

Como veremos no próximo item, para além da análise sobre o papel do Estado como viabilizador de políticas públicas que facilitam o ingresso e a manutenção da megamineração (Bronz, 2013BRONZ, D. O Estado não sou eu. Estratégias empresariais no licenciamento ambiental de grandes empreendimentos industriais. Campos, 14(1-2), p. 37-55, 2013.), diversos autores vêm demonstrando como o Judiciário, principalmente de países “emergentes”, segue os receituários de agências financeiras internacionais, como o Banco Mundial, para consolidar um sistema mais “eficiente”. A cartilha prevê a construção de mecanismos de controle cultural com o intuito de atuar como uma política de pacificação social (Souza Lima, 1995SOUZA LIMA, A. C. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes , 1995.; Nader, 1994NADER, L. Harmonia coerciva: a economia política dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 9, n. 26, p. 1-11, 1994.), capaz de prover a garantia, inclusive, da chamada segurança jurídica aos investidores. Esses objetivos ficam evidentes quando se analisam os discursos dos agentes que detêm o poder no campo da “conciliação”, conforme proferido pelo procurador-geral de Justiça do estado de Minas Gerais na primeira audiência pública sobre o desastre da Samarco, realizada pelo CNJ (2021)CNJ. Conselho Nacional de Justiça. 1ª Audiência Pública - Caso Barragem Mariana. Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão. 10 set. 2021.:

Esperamos que a AGU [Advocacia-Geral da União], que a Defensoria Pública, os Ministérios Públicos, a AGE [Advocacia-Geral] do Estado de Minas Gerais e a AGE [Advocacia-Geral] do Estado do Espírito Santo tenham capacidade de construir[,] junto com a empresa, uma solução consensual e que traga o desenvolvimento, a recuperação da nossa economia, do meio ambiente, e a pacificação e a segurança jurídica para as empresas.

Até o momento, pode-se afirmar que esse “empenho conciliador” caminha a passos largos em direção à segurança jurídica para o empreendimento (que conta com a concessão da licença de operação corretiva (LOC), desde outubro de 2019, que permitiu o retorno da operação da Samarco). Por outro lado, ele se arrasta no que se refere à reparação parcial dos direitos das vítimas (até dezembro de 2023 vivendo em casas provisórias, com adiamentos constantes da data de entrega das moradias no reassentamento). A mineradora garantiu a operação de suas atividades, ao passo que as vítimas continuam com suas vidas suspensas. Ao complementar a frase que está no título deste artigo, o morador de Mariana resume o desastre em sua vida: “Quando a gente fala de criminoso [...] criminoso é o atingido que está preso. Eu sou um cara condenado!” (Brasil, 2023BRASIL. Audiência pública: Repactuação do acordo referente ao rompimento da Barragem de Fundão. 7 mar. 2023. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2023.). Com mais de oito anos de desastre, essa vítima enfrenta um processo de empobrecimento e de adoecimento inclusive dos familiares, que não puderam levar adiante seus sonhos, como o de frequentar a universidade, por questões tanto de natureza emocional como de saúde e/ou financeira. Assim, ele se identifica com um “condenado”, preso em reuniões incessantes de mediação, estabelecida pelas tecnologias sociais de gestão do desastre como a “melhor” porta de acesso à Justiça.

4. As tecnologias sociais de gestão da crise e da crítica

Defino tecnologias sociais de gestão da crise e da crítica como arcabouço tecnológico e institucionalizado, que combina mecanismos disciplinares e regulatórios, criado com o objetivo único de gerir tanto a crise iniciada com o colapso da barragem como a crítica relacionada às formas de tratamento dispensadas ao desastre (Zucarelli, 2021ZUCARELLI, M. C. A matemática da gestão e a alma lameada: crítica à mediação em licenciamentos e desastres na mineração. Campina Grande: EDUEPB, 2021. [Ebook]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/y6wg2 . Acesso em: 5 jan. 2024.
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). Apesar de, com relação à expressão tecnologias sociais, alguns autores compreenderem o termo “social” como a adoção de soluções alternativas ao institucionalmente legitimado (Baumgarten, 2008BAUMGARTEN, M. Ciência, tecnologia e desenvolvimento - redes e inovação social. Parcerias Estratégicas, Brasília, DF, n. 26, p. 101-123, 2008.), observei nesse caso a imposição e a institucionalização dessas tecnologias a despeito da opinião e das formas de ação próprias das partes mais vulnerabilizadas da relação. Assim, a “inclusão” das vítimas no chamado processo participativo tem se configurado mais como tática de pacificação e conformação social do que como solução alternativa, dialógica e democrática. Ademais, ela vincula ao processo a legitimação necessária para capturar a crítica e “solucionar” definitivamente, no âmbito institucional, a crise dos danos ocorridos.

Uma série de dispositivos podem ser acionados para legitimar as ações deliberadas com o uso dessas tecnologias sociais. Para efeitos heurísticos, organizo-as em dois eixos. O primeiro deles é de ordem estrutural, com mudanças significativas de organização e gestão burocrática, contando com a readequação e/ou a criação de agências, organismos institucionais executivos e judiciários, além dos remanejamentos de funcionários e de suas funções. Nele incluo as flexibilizações legislativas que, sob o manto da modernização, facilitam a instalação dos projetos econômicos. No segundo eixo, que chamo de processual, temos a construção de instrumentos que contribuem para a elegibilidade, o controle e a pacificação social, como definição de categorias, cadastramento, mediação, conciliação, arbitragem, termos de acordos - enfim, procedimentos que engendram a captura da crítica para o diálogo harmonioso com vistas à gestão e à resolução pacífica de conflitos. Em geral são metodologias propostas como atrativas para os litigantes sob a justificativa de reverter a morosidade da Justiça e a imprevisibilidade em suas decisões. Teoricamente, pressupõe-se que, por meio da cooperação, seria viável a resolução consensual, e os dois lados da disputa teriam ganhos simultâneos (Fisher; Ury, 1991FISHER, R.; URY, W. Getting to Yes: Negotiating an agreement without giving in. New York: Penguin Books. 1991.).

É importante frisar que há forte intercâmbio entre os dois eixos aqui apresentados na análise, com influências mútuas e definidoras para o fortalecimento e a efetivação de suas propostas. Vejamos por meio de alguns exemplos como essas questões se efetivam na prática.

4.1. Eixo estrutural

No mês anterior ao colapso da barragem da Samarco, tramitava em regime de urgência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais um projeto de lei que propunha a reestruturação do Sistema Estadual de Meio Ambiente do estado. A justificativa era “agilizar” o licenciamento ambiental. Nem o desastre da Samarco trouxe alterações ao projeto, que foi aprovado e transformado na Lei nº 21.972/2016 (Minas Gerais, 2016MINAS GERAIS. Lei nº 21.972, de 21/01/2016. Dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - Sisema - e dá outras providências. Diário Oficial de Minas Gerais: Belo Horizonte, 21 jan. 2016.). Ela apresenta limitações quanto ao tempo de análise e de manifestação de órgãos ou entidades estaduais e municipais no processo, sob pena de aquiescência. Há ainda a possibilidade de concessão de licenças concomitantes, acumulando, em períodos curtos, etapas essenciais de análise da viabilidade ambiental do empreendimento. Ademais, a lei em questão promoveu o esvaziamento das funções e competências do órgão responsável pelo licenciamento ambiental, transferindo o poder de análise a uma unidade administrativa ad hoc (Zhouri, 2015ZHOURI, A. From “participation” to “negotiation”: suppressing dissent in environmental conflict resolution in Brazil. In: BRYANT, R. (org.). The International Handbook of Political Ecology. Cheltenham; Massachusetts: Elgar Publishers, 2015. p. 447-459.), que elege e decide os projetos de desenvolvimento que serão considerados “prioritários” e passarão por um licenciamento mais célere.7 7 No âmbito da Lei nº 21.972/2016, foi criada a SUPPRI - Superintendência de Projetos Prioritários, uma estrutura complementar da Secretaria de Estado de Meio Ambiente que seria responsável pela análise dos projetos considerados prioritários. O primeiro critério de “relevância” ou “prioridade” é o valor do investimento. Em 2017, o estado de Minas Gerais concedeu a Deliberação Normativa 217 (Minas Gerais, 2017MINAS GERAIS. Deliberação normativa Copam nº 217, de 06 de dezembro de 2017. Estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, bem como os critérios locacionais a serem utilizados para definição das modalidades de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais no Estado de Minas Gerais e dá outras providências. Diário do Executivo Minas Gerais: Belo Horizonte, 8 dez. 2017.), com a reclassificação do potencial poluidor da lavra a céu aberto da mineração de ferro, resultando em celeridade no licenciamento, dada a redução das exigências legais. Conforme os argumentos de Davies e Martin (2009DAVIES, M.; MARTIN, T. Mining market cycles and tailings dam incidents. In: SEGO, D.; ALOSTAZ, M.; BEIER, N (ed.). International Conference on Tailings and Mine Waste, 13th., Edmonton, 2009. Proceedings […]. Edmonton, Canada: University of Alberta, Dept. of Civil & Environmental Engineering, 2009.) e de Milanez et al. (2016MILANEZ, B. et al. Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. Marabá: iGuana, 2016.), apresentados na introdução deste artigo, há aumento considerável dos riscos de colapsos de barragens em decorrência da aceleração do licenciamento.

Incluem-se nesse primeiro eixo as condicionantes e medidas mitigadoras que, a despeito da análise socioambiental das intervenções, fazem parte do licenciamento e são inseridas como “exigências” para futuros pedidos de licença. No entanto, quando inobservadas pelos agentes do Estado, sua execução é protelada ad infinitum. No caso da Samarco, por exemplo, condicionantes impostas, ainda em fase de licenciamento prévio, não foram cumpridas nem com a concessão da licença de operação nem com pareceres técnicos encomendados pelo Ministério Público na fase de revalidação da licença de operação (Instituto Prístino, 2013INSTITUTO PRÍSTINO. Análise técnica referente à revalidação da Licença Operacional da Barragem de Rejeitos do Fundão - Samarco Mineração S/A. Belo Horizonte, 21 out. 2013. Disponível em: https://docplayer.com.br/10776560-Instituto-pristino-ip-082-2013-belo-horizonte-21-de-outubro-de-2013.html . Acesso em: 10 maio 2023.
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). Portanto, esses são alguns exemplos de mecanismos institucionais pelos quais o Estado facilita e legitima a operação de grandes obras.

4.2. Eixo processual

Pode-se considerar esse eixo como o principal meio de legitimação (material e simbólico) das tecnologias sociais de gestão. É justamente mediante a análise dos procedimentos que deparamos com a linha tênue entre políticas públicas e privadas (Mitchell, 1999MITCHELL, T. Society, Economy, and the State Effect. In: STEINMETZ, G. (ed.). State/Culture: State-formation after the cultural turn. New York: Cornell University Press, 1999. p. 76-97.), e desvelamos toda a força do aparato criado pela concertação de empresas e Estado.

O espaço é curto para pormenorizar os mecanismos que conjecturam o encapsulamento da crítica e o diálogo harmonioso para a resolução de conflitos. Mas, para este artigo, penso especificamente em dois dispositivos: (i) a definição de taxonomias e (ii) o disciplinamento da participação nos espaços de mediação. Ambos são importantíssimos para o funcionamento da gestão porque são eles os garantidores da elegibilidade, do controle e da pacificação social.

Pautados na ideia de campo de Bourdieu (2002BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.), podemos pensar os espaços propostos para execução das práticas de mediação como constituintes de um campo assimétrico de poder onde são exigidos capitais simbólicos específicos. Os detentores dos capitais técnicos e políticos em geral dominam a formulação de medidas supostamente mais adequadas. Aos participantes desprovidos desses capitais, é requerida uma série de procedimentos alheios ao seu universo imediato. Há todo um léxico próprio do campo, com comportamentos ideais e disciplinamentos que, paradoxalmente, caso não sejam cumpridos, acarretam sua inelegibilidade. As vítimas, levadas a viver na prática o jogo da interação, necessitam se adaptar. Ao seu tempo, com todas as dificuldades, incorporam os imperativos da comunicação oficial para produzir o discurso do diálogo e, na medida do possível, também o discurso da resistência.

Contudo, para se enquadrar nesse modelo de participação, além de se familiarizar com os capitais simbólicos exigidos, é preciso exercer o autocontrole, docilizar o comportamento (Foucault, 2003FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2003.) e manter a coerência expressiva exigida nos locais de interação. Nas audiências de conciliação no Fórum de Mariana, pode-se citar como exemplo o dia em que a equipe de assessoria contratada para “traduzir” as perdas das vítimas percebeu, após algumas decepções em reuniões anteriores, que usar os pronomes de tratamento corretos e vestimentas adequadas produzia o efeito simbólico capaz de proporcionar maior credibilidade à argumentação técnica e jurídica desenvolvida (Goffman, 2004GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes. 2004.). Assim, especialmente nessa sessão, foi possível garantir a elegibilidade do direito às vítimas.

É nesse sentido que o engajamento e a aceitação das normas vão regulando, na medida em que há aderência, as performances dos atores nos espaços de discussão. Regras próprias são criadas e repassadas por meio de rituais cerimoniais, como abertura oficial, aprovação de ata, disposição organizada por assentos, prescrição do tempo de fala, denúncias e réplicas, assim como encaminhamentos. Dessa forma, o disciplinamento estrutura certa hierarquia e regula comportamentos, como na formalidade ritual das audiências de conciliação no Fórum de Mariana, cuja participação exigia equipamentos expressivos (Goffman, 2004GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes. 2004.) e controle emocional adequados.

Não podemos nos esquecer, porém, de que todo ordenamento contribui para a normalização do campo de disputas e para a perpetuação dos valores dominantes. Luc Boltanski (2013BOLTANSKI, L. Sociologia da crítica, instituições e o novo modo de dominação gestionária. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, 3 (6), p. 441-463, 2013.), ao tratar dos modos de dominação, chama atenção para o sistema de política gestionária, que apresenta dispositivos capazes de conter a crítica e manter inalteradas as assimetrias sociais, principalmente com base na “realidade possível”.

A fetichização da realidade esconde o que a constitui como tal. Ou seja, a rede de regras, leis, formatos de provas, normas, modos de cálculo e controle, que têm, na maioria das vezes, mas em graus variados, uma origem institucional. Mas um dos principais diferenciais entre dominantes e dominados é justamente a posição assimétrica que ocupam em relação às instituições e, consequentemente, às regras que as instituições fixam (Boltanski, 2013BOLTANSKI, L. Sociologia da crítica, instituições e o novo modo de dominação gestionária. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, 3 (6), p. 441-463, 2013., p. 451).

Essa “realidade possível”, apresentada por esse autor, pode ser visualizada com base no sistema de indenização simplificado, chamado “Novel”, implementado pelo juízo federal em 2021 (Minas Gerais, 2021MINAS GERAIS. Justiça Federal. 12ª Vara Federal Cível e Agrária da Seção Judiciária de Minas Gerais. PJE n° 1000415-46.2020.4.01.3800. Caso Samarco “Desastre de Mariana”. Decisão Eixo Prioritário nº 7, “Cadastro” e “Indenizações”. Juiz federal Mário de Paula Franco Júnior. 30 out. 2021. ), como outro dispositivo extrajudicial, à parte dos acordos assinados no processo. O princípio utilizado como justificativa para a criação desse “novo fluxo indenizatório” é o da rough justice, que propõe uma solução média e de acordo com as “possibilidades”. Conforme a sentença do juízo no caso de Naque, outro município localizado às margens do rio Doce severamente atingido pela lama de rejeitos da Samarco:

A ideia do “rough justice” é se valer de um processo simplificado para lidar, de forma pragmática, com questões indenizatórias de massa, em que se revela praticamente impossível exigir que cada uma das vítimas apresente em juízo a comprovação material (e individual) dos seus danos.

A partir do “rough justice”, implementa[m]-se simplificações necessárias, de acordo com cada categoria atingida, para possibilitar uma indenização comum e definitiva a partir dos critérios estabelecidos, ao invés de uma indenização individual, personalíssima, com base em robusta prova documental exigida pela lei processual (Brasil, 2020BRASIL. Justiça Federal de 1ª instância - 1ª Região. 9 jul. 2020. Sentença referente à matriz de danos de Naque/MG no processo n. 1017298-68.2020.4.01.3800. 2020., p. 36).

Como salienta o princípio da rough justice, a modalidade foi criada tendo em vista as vítimas com dificuldades de comprovação dos danos. Nessa lógica, a simplificação de seus direitos em “unidade de massa”, categorizada para ser mensurada, seria a realidade possível de atuação da Justiça. Acontece que mesmo aqueles que possuem documentação constituinte de provas foram impelidos a aderir ao “Novel” com a promessa de receber a indenização de forma mais célere (MPF et al., 2021MPF. Ministério Público Federal et al. Tramitação conjunta - autos principais: n. 69758-61.2015.4.01.3400 (PJE 1024354-89.2019.4.01.3800) e n. 1023863-07.2016.4.01.3800 (PJE 1016756-84.2019.4.01.3800). Belo Horizonte, 30 mar. 2021.). Diante da promessa de celeridade da “justiça multiportas”, lavradores, pescadores, faiscadores, pecuaristas, diaristas, e, às vezes, tudo isso ao mesmo tempo, são induzidos a se enquadrar em uma taxonomia única, que lhes permita o direito de pleitear o seu direito. Além de fugir de acordos assinados anteriormente entre as partes, padronizando as vítimas por categorias e definindo critérios autocráticos de elegibilidade e de exclusão, vale destacar que os valores aplicados ao “Novel”, criados pelo juízo federal “sem qualquer critério técnico” (MPF, 2022MPF. Ministério Público Federal. Recurso Extraordinário. Processo referência: 1016742-66.2020.4.01.3800. Brasília, DF, 23 set. 2022., p. 7), têm se mostrado aquém da possibilidade de reparação dos danos.8 8 No segundo semestre de 2023, com exceção das ações particulares que tramitam em separado na justiça, todas as iniciativas de reparação e de indenização foram suspensas com a expectativa de a repactuação estabelecer um “acordo definitivo” junto ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Esse fato comprometeu o andamento de uma diversidade de processos judiciais para reparação de direitos de atingidos que estavam em curso em toda a bacia do rio Doce, bem como no município de Mariana.

Para finalizar a breve reflexão sobre esse eixo, enfatizo o papel histórico do Ministério Público no marco dos direitos constitucionais, ao exercer a função de defesa dos direitos coletivos. Essa instituição representa para as partes mais vulnerabilizadas em um processo de litígio a realidade possível de acesso à Justiça. Quando adere ao sistema de política gestionária, demonstrando certa disposição em colaborar na compreensão e na solução dos danos, o Ministério Público exerce o papel fundamental de provocar nas vítimas o sentimento de confiança e o desejo de engajamento no processo de mediação. Talvez esse seja o elemento que engendre a principal força das tecnologias sociais de gestão. Trata-se de um processo de conquista (que pode ser mais bem executado por determinados agentes), que não pressupõe somente o ato de apoderar-se, mas, principalmente, de ser atrativo, sedutor, que encanta e cativa à adesão. Paradoxalmente, a anuência das vítimas do desastre nas tratativas de acordo significa, nesse sentido, a conquista necessária para compor a “realidade” da participação democrática em espaços harmoniosos de decisão. Por isso, vale ressaltar que a legitimidade desses espaços só pode ser acionada pela inclusão das diversas representações sociais.

Considerações finais

Buscou-se, desde a introdução deste artigo, abordar as estratégias da concertação empresarial-estatal para a viabilização de um “ambiente propício à liberdade do capital” (Pereira, 2015PEREIRA, J. M. M. Continuidade, ruptura ou reciclagem? Uma análise do programa político do Banco Mundial após o Consenso de Washington. DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 461-498, 2015., p. 468), sobretudo nos países extrativistas que aderiram às “vantagens comparativas” relativas à exportação de commodities como a principal meta de crescimento econômico. Todavia, o incentivo e a intensificação da exploração em larga escala dos territórios, como se fossem espaços vazios, trazem implicações catastróficas - como foi o caso do colapso da barragem de Fundão, da empresa Samarco, em Mariana, Minas Gerais. Após a adoção de medidas reparatórias emergenciais para contornar a crise aguda, outras formas de tratamento do desastre impuseram um contexto de crise crônica que se perpetua ainda hoje na vida de milhares de pessoas (Zhouri, 2023ZHOURI, A. Crise como criticidade e cronicidade: a recorrência dos desastres da mineração em Minas Gerais. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 29, n. 66, e660601, 2023.).

Ao classificar o colapso da barragem como um “acidente”, a concertação empresarial-governamental lançou mão de tecnologias sociais de resolução de conflitos, muitas vezes praticadas em outros momentos de litígio judicial, para propor ações “resolutivas e céleres”. Em vez de o desastre ter sido tratado no rigor da lei, tendo como base o Direito garantido constitucionalmente, o caráter “excepcional do acidente” serviu como justificativa para a formulação de uma “justiça possível”.

Para trazer uma reparação possível, tendo em vista a “realidade” da morosidade nas decisões judiciais, termos de acordo foram celebrados para mediar os conflitos entre “as partes”. Apesar de os réus terem assinado e as vítimas terem ficado de fora da assinatura dos acordos, coube aos Ministérios Públicos representá-las nas consequentes repactuações. A atuação dessas instituições de Justiça trouxe certos ganhos, mas implicou o cerceamento da atuação direta das vítimas, uma vez que elas não faziam parte da ação judicial mobilizadora dos agentes “aptos” a participar da negociação, quais sejam: o poder público, considerado “compromitente”, e as mineradoras rés, emblematicamente consideradas “empresas” e “acionistas”.

A mediação como forma de obter “eficiência judicial” ganha força nacionalmente, inclusive com mudanças legislativas e jurídicas significativas de incentivo. O desafio de produzir uma análise crítica, que não se esgota neste artigo, resvalou na emergência dessa “cultura da eficiência” que permeia as relações socioeconômicas e se interpõe em suas estruturas decisórias.

Portanto, o principal objetivo deste artigo foi chamar atenção para as fragilidades e os efeitos perversos do uso das tecnologias de gestão para tratar o desastre da Samarco. Na verdade, as tecnologias construídas pela concertação empresarial-governamental, incluindo aqui os operadores do direito, têm se mostrado um dispositivo eficiente para a captura da crítica, para a pacificação social e para a segurança jurídica das corporações (Zucarelli, 2021ZUCARELLI, M. C. A matemática da gestão e a alma lameada: crítica à mediação em licenciamentos e desastres na mineração. Campina Grande: EDUEPB, 2021. [Ebook]. Disponível em: https://books.scielo.org/id/y6wg2 . Acesso em: 5 jan. 2024.
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). De forma complementar, a abordagem deste texto integra na reflexão o sistema judiciário, diferenciando-se, assim, de outros autores que trabalharam as tecnologias de controle social mais pelo viés empresarial, como Boltanski e Chiapello (2009BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, È. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), que se debruçaram sobre o deslocamento de provas e o desmantelamento da crítica como recurso do novo espírito de gestão empresarial; Benson e Kirsch (2010BENSON, P.; KIRSCH, S. Capitalism and Politics of Resignation. Current Anthropology, v. 51(4), p. 459-486, 2010.), que demonstraram a negação da crítica fundamentados nos esforços corporativos de “proliferação da dúvida” ou da “manufatura da incerteza”; Giffoni (2019)GIFFONI, R. Conflitos ambientais, corporações e as políticas do risco. Rio de Janeiro: Garamond , 2019., que discute em sua tese a gestão empresarial e a neutralização da crítica embasada no gerenciamento do Risco Social Corporativo; entre outros.

O intento do artigo foi demonstrar que, no cenário das decisões mediadas, o Judiciário e outras instâncias reguladoras estatais são essenciais para a manutenção desse jogo “democrático” da construção do Estado de Direito. A adoção de tecnologias resolutivas atua estabelecendo um mecanismo de controle cultural capaz de capturar a crítica e provocar o engajamento necessário nos espaços de mediação. Contudo, para “participar” nesses espaços, é imposta à parte mais vulnerável uma espécie de curso de formação para se adequar às exigências do campo de negociações (Zhouri et al., 2017ZHOURI, A.; OLIVEIRA, R.; ZUCARELLI, M. C.; VASCONCELOS, M. The Rio Doce Mining Disaster in Brazil: between policies of reparation and the politics of affectations. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, Brasília, DF, ABA, v. 14, n. 2, p. 81-101, 2017.). Seguindo essa lógica, o “treinamento” passaria por um tutor, a quem caberia estabelecer uma “mediação pedagógica” como forma de compensar sua “posição relativamente inferior”, de maneira que “viesse a torná-los preparados a exercer cidadania plena” (Souza Lima, 2012SOUZA LIMA, A. C. O exercício da tutela sobre os povos indígenas: considerações para o entendimento das políticas indigenistas no Brasil contemporâneo. Revista de Antropologia. São Paulo, USP, 55 (2), p. 781-832, 2012., p. 784).

Assim, no momento de ingresso dos agentes estatais no caso analisado, percebe-se certo comportamento tutelar, com sugestões para que ações individuais sejam resguardadas em prol de uma ação coletiva (campo de atuação do Ministério Público) e para que sejam formadas comissões e/ou organizações com vistas ao disciplinamento dos pleitos. Esses agentes propõem explicar os trâmites possíveis da justiça ou do extrajudicial, e, aos poucos, introduzem a pretendida cultura de “participação cidadã”. Souza LimaSOUZA LIMA, A. C. O exercício da tutela sobre os povos indígenas: considerações para o entendimento das políticas indigenistas no Brasil contemporâneo. Revista de Antropologia. São Paulo, USP, 55 (2), p. 781-832, 2012. entende que a tutela representa “o exercício de poder de Estado sobre espaços (geográficos, sociais, simbólicos), que atua através da identificação, nominação e delimitação de segmentos sociais tomados como destituídos de capacidades plenas necessárias à vida cívica” (2012, p. 784). O juízo federal se referiu às vítimas do desastre da Samarco, de modo generalizado, como “população que é intelectualmente menos favorecida que não pode ficar prejudicada” (Caderno de Campo, 2016CADERNO DE CAMPO. Audiência de Conciliação. Belo Horizonte: 12ª Vara da Justiça Federal, 13 set. 2016.). Ao propor a contratação de uma assessoria técnica para “ajudá-los”, o juízo explica: “Os atingidos se queixam do cadastro. Existe um nível sociointelectual muito baixo e eles têm dificuldade de acompanhar três horas de cadastramento” (ibid.). Portanto, no lugar de questionar o cadastro como instrumento eficaz e justo para acessar as perdas das vítimas, os problemas recaem sobre aqueles considerados inaptos para lidar com a referida metodologia. Há uma inversão clara da necessidade de criar ferramentas capazes de atender a nova realidade e as demandas daqueles que sofreram o dano. Ao contrário, pressupõe-se uma obrigatoriedade de adaptação da vítima aos procedimentos formais e burocráticos completamente alheios à sua vida cotidiana.

Em face disso, não se pode deixar de levar em consideração o lugar de poder ocupado pelas mineradoras nesse campo da mediação. Ao adotar uma postura de abertura para o diálogo, tal como preconizam os manuais de responsabilidade social corporativa (Oliveira; Zucarelli, 2020OLIVEIRA, R.; ZUCARELLI, M. C. A gestão dos conflitos e seus efeitos políticos: Apontamentos de pesquisa sobre mineração no Espinhaço, Minas Gerais. Revista Antropolítica, Niterói, n. 49, p. 42-71, 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/42125 . Acesso em: 5 jan. 2024.
https://periodicos.uff.br/antropolitica/...
; Giffoni, 2019; Acselrad, 2018ACSELRAD, H. (org.). Políticas territoriais, empresas e comunidades: o neoextrativismo e a gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro: Garamond, 2018.), as empresas administram a crise e a crítica com a adoção de atos paliativos (Benson; Kirsch, 2010BENSON, P.; KIRSCH, S. Capitalism and Politics of Resignation. Current Anthropology, v. 51(4), p. 459-486, 2010.). Prorrogam, tangenciam soluções definitivas enquanto viabilizam a redução dos custos da reparação e o exercício de suas atividades de exploração. As audiências judiciais em Mariana e em Belo Horizonte não teriam sentido sem a presença da empresa, mas a sua participação e a forma de atuação escancaram o problema da assimetria estrutural desse campo e a falácia dos espaços de negociação. Mesmo com o aprendizado da luta de resistência e da experiência prática de quem vive o desastre cotidianamente, seja nas lembranças, seja em ações e/ou em reuniões periódicas, que propiciam a garantia de certos direitos, eles ficam muito aquém das perdas sofridas.

Vale lembrar que o rompimento da barragem de Fundão completou oito anos em 5 de novembro de 2023, e o processo judicial ainda se encontra com baixa perspectiva de reparação integral dos atingidos. A alegada celeridade na resolução dos danos não se mostra condizente, tendo em vista o horizonte da assinatura de mais um procedimento de repactuação na Justiça Federal, o sexto em oito anos. Dessa vez, a “nova fórmula” para o tratamento do desastre é incentivada e promovida junto ao TRF-6, revelando, assim, “a cronicidade da justiça possível destinada à gente crítica” (Zhouri, 2023ZHOURI, A. Crise como criticidade e cronicidade: a recorrência dos desastres da mineração em Minas Gerais. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 29, n. 66, e660601, 2023., p. 23). Seguiremos acompanhando e analisando o caso.

Referências

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    » https://books.scielo.org/id/y6wg2
  • 1
    Agradeço à Faperj pela bolsa de pós-doutorado (Processo nº E-26/204.246/202), que permitiu a continuidade da pesquisa iniciada em meu doutorado, que, por sua vez, contou com o apoio da bolsa CAPES e de diversos projetos financiados pelo CNPq e pela Fapemig, no âmbito das atividades desenvolvidas pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA/UFMG), no caso do desastre da Samarco.
  • 2
    Conforme define Gudynas (2016, p. 26): “Extrativismos são tipos particulares de apropriações de recursos naturais caracterizados por grandes volumes removidos e/ou de alta intensidade, onde a metade ou mais são exportados como matéria-prima, sem processamento industrial ou com processamentos limitados. Importante ressaltar que se trata de uma atividade completamente distinta da desempenhada pelas comunidades tradicionais em reservas extrativistas na Amazônia Legal, por exemplo”. GUDYNAS, E. Extractivismos en América del Sur: conceptos y sus efectos derrame. In: ZHOURI, A.; BOLADOS, P.; CASTRO, E. (org.). Mineração na América do Sul: neoextrativismo e lutas territoriais. São Paulo: Annablume, 2016. p. 23-43.
  • 3
    Para Melendi e Martins Lopo (2021)MELENDI, L. P.; MARTINS LOPO, R. A Fundação Renova como forma corporativa: estratégias empresariais e arranjos institucionais no desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton no rio Doce, Mariana (MG). Ambientes: Revista de Geografia e Ecologia Política, v. 3, n. 2, p. 206-250, 2021., há um equívoco em considerar a Fundação Renova como uma criação do TTAC. Os autores destacam que a homologação judicial do Termo foi anulada antes mesmo da institucionalização e da transferência das atividades obrigatórias de reparação da Samarco a essa entidade. Portanto, “quem de fato a instituiu foram as empresas, que através do estatuto social materializaram esse acordo e deram à entidade a forma de Fundação Renova” (Melendi e Martins Lopo (2021MELENDI, L. P.; MARTINS LOPO, R. A Fundação Renova como forma corporativa: estratégias empresariais e arranjos institucionais no desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton no rio Doce, Mariana (MG). Ambientes: Revista de Geografia e Ecologia Política, v. 3, n. 2, p. 206-250, 2021., p. 232).
  • 4
    A Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão, constituída por moradores das comunidades atingidas de Mariana, nunca reconheceu a legitimidade da Fundação Renova. Para eles, a Samarco era a responsável e com ela queriam resolver seus danos. Segundo eles, era nítido o vínculo entre as instituições, ainda mais pelo fato de ex-funcionários da Samarco integrarem a equipe da Renova.
  • 5
    Em janeiro de 2017, foi assinado o Termo de Ajustamento Preliminar (TAP). Em novembro do mesmo ano, foi elaborado um aditivo a ele. Em junho de 2018, foi acordado outro Termo de Ajustamento de Conduta, conhecido como TAC-Governança (TAC GOV). Em dezembro de 2019, depois de algumas audiências conciliatórias e do entendimento de que o sistema CIF se mostrava ineficaz para o tratamento de alguns temas importantes, o juízo federal decidiu pelo estabelecimento de Eixos Prioritários para a reparação.
  • 6
    Após dois anos, as negociações foram paralisadas no dia 5 de dezembro de 2023, porque, segundo o poder público, as mineradoras rés “apresentaram valores insuficientes para a devida reparação do Rio Doce”, demonstrando a falta de “responsabilidade social e ambiental e compromisso com o processo de repactuação” (Secretaria de Comunicação Social/PR, 2023, on-line). SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL/PR. Nota conjunta do Poder Público sobre a repactuação do Acordo de Mariana. Disponível em: https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/notas-oficiais/nota-conjunta-do-poder-publico-sobre-a-repactuacao-do-acordo-de-mariana. Acesso em: 15 dez. 2023.
  • 7
    No âmbito da Lei nº 21.972/2016, foi criada a SUPPRI - Superintendência de Projetos Prioritários, uma estrutura complementar da Secretaria de Estado de Meio Ambiente que seria responsável pela análise dos projetos considerados prioritários. O primeiro critério de “relevância” ou “prioridade” é o valor do investimento.
  • 8
    No segundo semestre de 2023, com exceção das ações particulares que tramitam em separado na justiça, todas as iniciativas de reparação e de indenização foram suspensas com a expectativa de a repactuação estabelecer um “acordo definitivo” junto ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Esse fato comprometeu o andamento de uma diversidade de processos judiciais para reparação de direitos de atingidos que estavam em curso em toda a bacia do rio Doce, bem como no município de Mariana.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2023
  • Aceito
    05 Jan 2024
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