Acessibilidade / Reportar erro

Valoração do conhecimento nas organizações e sua incorporação nas práticas e rotinas organizacionais

Resumo

Objetivo:

O estudo objetiva analisar como os diferentes modos pelos quais os membros organizacionais percebem e experimentam a valoração do conhecimento no contexto do trabalho impactam em sua consequente incorporação nas rotinas organizacionais.

Metodologia:

Foi utilizado o Método Fenomenográfico, conduzindo-se entrevistas semiestruturadas em profundidade com 22 profissionais de recursos humanos.

Resultados:

O contexto estrutural em que a organização se insere acaba por criar o contexto social e espacial que molda o padrão estruturante, estabelecendo a forma de pensar dos indivíduos acerca dos conhecimentos de valor e como agir para sua incorporação nas práticas e rotinas organizacionais.

Contribuições:

Identifica-se a relevância das configurações contemporâneas - cooperativas, híbridas e de cogestão social, de estrutura holacrática, de natureza empreendedora, colaborativa ou em redes de parcerias e de inovação - em benefício da aplicação e internalização do conhecimento dos indivíduos nas práticas e rotinas organizacionais.

Palavras-chave:
Valoração do conhecimento; conhecimento organizacional; rotinas organizacionais; fenomenografia

Abstract:

Purpose:

This study aims to analyze the impact of the different ways in which organizational members perceive and experience valuing of knowledge within the work context on its subsequent embedding into organizational routines.

Design/methodology/approach:

The phenomenographic method was applied, using in-depth semi-structured interviews for data collection. The intentional sample comprised twenty-two human resource professionals.

Findings:

The structural context, which the organization is part of, creates the social and spatial context that shapes a structuring pattern. This pattern establishes the way people consider knowledge of value and act to embed it into organizational practices and routines.

Originality/value:

The study reveals the relevance of contemporary organizational structures and forms - cooperatives, hybrid and social business; holacratic or entrepreneurial models; collaborative or partnership networks for innovation - that promote the use and embedding of individual knowledge into organizational routines and practices.

Keywords:
Valuing of knowledge; organizational knowledge; organizational routines; phenomenography

1 Introdução

Muito se tem estudado na área de conhecimento organizacional (CO), gerando uma discussão acerca de como o conhecimento individual se incorpora ao conhecimento organizacional (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.; Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.; Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.). Os artigos que exploram o CO apontam os mecanismos utilizados pelos indivíduos que intervêm ou enviesam a atribuição de importância e de valoração de determinados conhecimentos em detrimento de outros, e que influenciam nos comportamentos dos membros na consequente incorporação dos conhecimentos na organização. Por sua vez, os estudos acerca das rotinas organizacionais (RO) dividem-se entre aqueles que analisam as capacidades que estruturam as rotinas e aqueles que estudam as práticas que desempenham as rotinas (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.), sem, no entanto, atentar para como a concepção do indivíduo acerca dos conhecimentos considerados relevantes naquele contexto influencia na incorporação dos conhecimentos individuais nas práticas organizacionais.

O presente trabalho endereça diretamente, portanto, a questão de como o conhecimento valorado, considerado importante pela perspectiva do indivíduo, é incorporado e utilizado nas rotinas e práticas da organização. Dessa forma, investiga os comportamentos consequentes de adoção e internalização na organização dos conhecimentos interpretados e significados pelos indivíduos como aqueles de maior valor para aquele contexto organizacional. Assim, o objetivo do estudo é analisar como os diferentes modos (concepções) pelos quais os membros organizacionais percebem e experimentam a valoração do conhecimento no contexto do trabalho impactam em sua consequente incorporação nas rotinas organizacionais. Para tal, conduziu-se uma pesquisa fenomenográfica (Akerlind, 2005Akerlind, G. S. (2005). Learning about phenomenography: Interviewing, data analysis and the qualitative research paradigm. In J. Bowden., & P. Green (Orgs.), Doing Developmental Phenomenography (Qualitative Research Methods Series), (pp. 63-73). Melbourne: RMIT University Press.; Marton, 1981Marton, F. (1981). Phenomenography-describing conceptions of the world around us. Instructional Science, 10(2), 177-200.; Marton & Booth, 1997Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.; Sandberg, 2000Sandberg, J. (2000). Understanding human competence at work: An interpretative approach. Academy of management journal, 43(1), 9-25.) com profissionais de recursos humanos (RH), aqueles pelos quais, em princípio, passariam rotinas, cultura, estrutura, estratégias, competências organizacionais e treinamento-desenvolvimento-educação, e que promoveriam a visão do conhecimento compartilhado entre os grupos da organização.

O conhecer organizacional, no presente trabalho, é definido pela perspectiva do conhecer na prática e na ação (knowing; knowing-in-practice; sob a ótica practice-based-theorizing), em que o conhecimento emerge da prática na ação de trabalhar, sendo inseparável do contexto histórico-sócio-espaço-temporal vivido pelos indivíduos (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.; Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.; Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.). Como visão teórica análoga, adota-se a corrente das rotinas na prática, incorporadas na ação de sua execução, que possuem ao mesmo tempo caráter ostensivo e performativo, fruto de ordenação fixa e sujeita às adaptações e mudanças contínuas em função do contexto (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.; Feldman & Orlikowski, 2011Feldman, M. S., & Orlikowski, W. J. (2011). Theorizing practice and practicing theory. Organization Science, 22(5), 1240-1253.; Pentland, 1995Pentland, B. T. (1995). Grammatical models of organizational processes. Organization Science, 6(5), 541-556.; Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Com base nessa perspectiva teórica e apoiado na fenomenografia, o estudo busca o conhecimento de valor e as rotinas organizacionais expressas e percebidas pelos indivíduos como relevantes, a partir de suas experiências vividas em determinado contexto. Desse modo, não é foco deste estudo a análise detalhada de rotinas organizacionais estabelecidas a priori, mas o comportamento dos indivíduos e da organização de incorporação dos conhecimentos significados como importantes nas rotinas e práticas organizacionais.

O presente artigo divide-se em seis seções: 1) Introdução; 2) Referencial Teórico, que fundamenta a análise; 3) Método, com detalhamento de seu emprego; 4) Achados Emergentes da pesquisa empírica; 5) Discussão acerca da Valoração do Conhecimento e sua Incorporação nas Práticas e Rotinas Organizacionais; e 6) Conclusão.

2 Referencial teórico

2.1 Conhecimento organizacional e valor: definições no contexto do estudo

As visões acerca do conhecimento organizacional foram discutidas por Gherardi (2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.), Orlikowski (2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.) e Patriotta (2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.); segundo os autores, a literatura se desenvolveu em três vertentes. Na primeira vertente, o conhecimento é tratado como algo dicotômico, como um objeto preexistente, independente do conhecedor, que pode ser retido e transferido de uma a outra mente (por exemplo, Nonaka, 1994Nonaka, I. (1994). A dynamic theory of organizational knowledge creation. Organization Science, 5(1), 14-37.; Nonaka & Takeuchi, 1997Nonaka, I., & Takeuchi, H. (1997) Criação de conhecimento na empresa: Como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. (7a ed.), Rio de Janeiro: Campus.). Na segunda vertente, estrutural ou econômica, o conhecimento surge como um fator de produção, uma commodity, reificado em rotinas, na forma de capacidades estratégicas, que se encontram na visão baseada em recursos (Barney, 1991Barney, J. B. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120.; 1996Barney, J. B. (1996). Gaining and sustaining competitive advantage. Massachusetts: Addison-Wesley Pub. Co.) e visão baseada em conhecimento (Grant, 1996Grant, R. M. (1996). Toward a knowledge‐based theory of the firm. Strategic Management Journal, 17(S2), 109-122.; Prahalad & Hamel, 1990Prahalad, C. K., & Hamel, G. (1990) The core competence of the corporation. Harvard Business Review, 68(3), 79-91.). A terceira vertente compreende o CO de modo contextual, inserido e emergente da prática e da ação organizacional, no qual conhecer e desempenhar o trabalho naquele contexto são indissociáveis. Trata-se da abordagem do conhecer na prática (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.), conhecer na ação (Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.), cognição situada e técnico-científica (Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.), adotadas tanto na fundamentação teórica quanto na análise dos dados do presente artigo.

As vertentes acerca do CO, apresentadas no parágrafo anterior, não são excludentes entre si, mas consistem em diferentes aproximações do mesmo objeto de estudo: o conhecimento nas organizações e as formas de concebê-lo e tratá-lo. A visão do conhecer na prática e na ação, entretanto, contribui com uma abordagem sintética, tornando o contexto histórico-sócio-espaço-temporal vivido pelos indivíduos, inerente e indissociável do conhecimento emergente (Antonacopoulou, 2006Antonacopoulou, E. P. (2006). The relationship between individual and organizational learning: New evidence from managerial learning practices. Management learning, 37(4), 455-473.; Brown & Duguid, 1991Brown, J. S., & Duguid, P. (1991). Organizational learning and communities-of-practice: Toward a unified view of working, learning, and innovation. Organization science, 2(1), 40-57.; Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.; Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.; Lave & Wenger; 1991Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press.; Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.; Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.). A Sociologia da Associação ou a Teoria Ator-Rede, de Latour (2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), inserida nessa visão, fundamenta a dimensão explicativa da discussão neste estudo. Nessa visão, o conhecimento é relacional, composto e mediado por atores humanos e não humanos, que formam um agrupamento social, um arranjo coletivo. Quanto aos atores não humanos, Latour ( 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.) apresenta todos os aspectos mediadores que demandam e fazem os atores humanos agirem, como a cultura organizacional, as estruturas de decisão, de poder, as próprias práticas e rotinas organizacionais, a reificação da “liderança”, “alta gestão”, “estratégia” e “hierarquia”, entre outros.

De acordo com o autor, embora todos os atores, humanos e não humanos, estejam no mesmo plano e tenham o mesmo tamanho, alguns exercerão maior peso no coletivo sobre outros atores, por causa do “panorama” que constrói o modo de pensar dos atores e suas justificações, do “padrão estruturante” circulante, das “escalas” comparativas produzidas pelo próprio coletivo. O padrão estruturante, panoramas e escalas fortemente estabelecem as formas de pensar, atuar e ser, inseridos no arranjo social. Qualquer modificação contextual no arranjo pode levar à modificação desses elementos e tudo que nele é produzido. Consequentemente, o conhecimento emergente é negociado, disputado e sempre provisoriamente permanente, até novo conhecimento se estabelecer quando de qualquer alteração contextual do arranjo (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.).

Considerando essa perspectiva do conhecer (knowing) na prática e na ação, valor é definido como um senso coletivo de apreciação mútua. Por conseguinte, é construído socialmente (Swart, 2011Swart, J. (2011). That’s why it matters: How knowing creates value. Management Learning, 42(3), 319-332.). Assim, em um determinado contexto, um grupo atribui valor a um mesmo resultado emergente de uma atividade (Swart, 2011Swart, J. (2011). That’s why it matters: How knowing creates value. Management Learning, 42(3), 319-332.). Por intermédio da prática de desempenhar o trabalho, da ação situada no contexto, o valor do conhecimento torna-se visível para os membros organizacionais (Nag, Corley & Gioia, 2007Nag, R., Corley, K. G., & Gioia, D. A. (2007). The intersection of organizational identity, knowledge, and practice: Attempting strategic change via knowledge grafting. Academy of Management Journal, 50(4), 821-847.).

2.2 Rotinas organizacionais

As rotinas organizacionais remontam ao trabalho de Dewey (1922Dewey, J. (1922). Human nature and conduct. Massachusetts: Courier Corporation.) sobre hábito e ação reflexiva como os primeiros guias para o comportamento individual e coletivo. Posteriormente, Simon (1947Simon, H. A. (1947). Administrative behavior. New York: Free Press.), March & Simon (1958March, J. G., & Simon, H. A. (1958). Organizations. Oxford, England: Wiley.) e Cyert & March (1963Cyert, R. M., & March, J. G. (1963). A behavioral theory of the firm. New Jersey: Prentice-Hall.) conceberam as RO como regras simples, uma programação fracamente aglutinada visando ao desempenho, que permitiria a reação da organização ao ambiente (March & Simon, 1958March, J. G., & Simon, H. A. (1958). Organizations. Oxford, England: Wiley.), em que os procedimentos-padrão, as regras e os padrões de comportamento seriam desenvolvidos para ganhar tempo e atenção a determinados aspectos durante a análise para a tomada de decisão (Simon, 1947Simon, H. A. (1947). Administrative behavior. New York: Free Press.).

Nelson e Winter (1982Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University.), entretanto, disseminaram definitivamente as rotinas organizacionais, definidas como padrões de comportamento regular e previsível das organizações; genes que dão a herança e a marca seletiva as quais as organizações tomarão por base para sua mudança evolucionária. As rotinas são entendidas, também, como metas de desempenho, promovendo mecanismos de controle e base para replicação; repositórios de memória organizacional, em que a organização se recorda ao fazer rotinas específicas por determinados indivíduos diante de determinados estímulos. Nelson e Winter (1982Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University.) ainda reforçam o caráter contextual das rotinas, no qual habilidades, organização e tecnologia estão intimamente interligadas em uma rotina funcional.

Pentland (1995Pentland, B. T. (1995). Grammatical models of organizational processes. Organization Science, 6(5), 541-556.) introduz a perspectiva da prática sobre as RO, ao reforçar as ações diárias associadas com rotinas específicas. O autor introduz as rotinas performativas: demandam que os indivíduos selecionem de um amplo repertório de ação já existente, ao passo que o desempenho resultante é mais bem concebido como um esforço realizado decorrente da ação. Essa perspectiva considera as rotinas tanto emergentes, ao ocorrerem através do desempenho feito pelos múltiplos atores (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.), quanto generativas, ao possuírem sua própria dinâmica interna para sua continuidade e mudança (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.; Feldman & Orlikowski, 2011Feldman, M. S., & Orlikowski, W. J. (2011). Theorizing practice and practicing theory. Organization Science, 22(5), 1240-1253.).

Assim, embora o conceito inicial associe a ideia de RO a regras e procedimentos fixos, estáticos, repetitivos, que controlam atividades e comportamentos, a noção de RO evoluiu e, com a contribuição de Feldman (2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.), já se sabe que as rotinas incorporam na ação, na prática de sua execução, adaptações e mudanças contínuas, em função do contexto. A partir dessas ideias, emergiram duas correntes de estudo constitutivas do que seria uma visão completa das RO (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.).

Na primeira corrente, das Capacidades, as rotinas são tratadas como uma caixa-preta, analisadas como uma entidade completa, única; está interessada no propósito e na motivação das rotinas e em seu impacto no desempenho organizacional. Os indivíduos são considerados limitadamente racionais, agindo potencialmente em interesse próprio, porém operando conforme esperado e desempenhando as rotinas do modo como foram desenhadas.

Uma definição prototípica na corrente de capacidades é a de que as rotinas são blocos constitutivos das capacidades, com natureza repetitiva e dependente do contexto (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.). Nessa corrente, as RO são consideradas como: microfundações de capacidades (Felin, Foss, Heimeriks & Madsen, 2012Felin, T., Foss, N. J., Heimeriks, K. H., & Madsen, T. L. (2012). Microfoundations of routines and capabilities: Individuals, processes, and structure. Journal of Management Studies, 49(8), 1351-1374.; Teece, 2007Teece, D. J. (2007). Explicating dynamic capabilities: The nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, 28(13), 1319-1350.); repositórios de conhecimento organizacional, que possibilitam aprendizagem e mudança (Argote & Ren, 2012Argote, L., & Ren, Y. (2012). Transactive memory systems: A microfoundation of dynamic capabilities. Journal of Management Studies, 49(8), 1375-1382.; Grant, 1996Grant, R. M. (1996). Toward a knowledge‐based theory of the firm. Strategic Management Journal, 17(S2), 109-122.; Nelson & Winter, 1982Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University.); e genes que promovem estabilidade ou inércia (Szulanski, 1996Szulanski, G. (1996). Exploring internal stickiness: Impediments to the transfer of best practice within the firm. Strategic Management Journal, 17(S2), 27-43.). A fusão das ideias de aprendizagem organizacional e as mudanças nas RO geraram o conceito de capacidades dinâmicas (Eisenhardt & Martin, 2000Eisenhardt, K. M., & Martin, J. A. (2000). Dynamic capabilities: What are they?. Strategic management journal, 21(10-11), 1105-1121.; Teece, Pisano & Shuen 1997Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509-533.; Zollo & Winter, 2002Zollo, M., & Winter, S. G. (2002). Deliberate learning and the evolution of dynamic capabilities. Organization Science, 13(3), 339-351.), ou seja, o padrão sistemático de atividade organizacional visando à geração e adaptação de rotinas operacionais (Zollo & Winter, 2002Zollo, M., & Winter, S. G. (2002). Deliberate learning and the evolution of dynamic capabilities. Organization Science, 13(3), 339-351.). Nessa perspectiva, os fundamentos das mudanças nas rotinas advêm dos mecanismos de aprendizagem da experiência acumulada, articulação do conhecimento e codificação do conhecimento nas organizações.

Na segunda corrente, da Prática, há uma preocupação com a dinâmica interna das RO, em suas partes e em suas interligações (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.); interessa-se pelas práticas das rotinas, como elas operam e como são reproduzidas ou mudadas de acordo como as pessoas as desempenham no dia a dia organizacional (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.; Pentland & Feldman, 2008). Segundo Feldman (2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.), as rotinas devem ser encaradas como um fluxo que abarca uma ampla gama de pensamentos, sentimentos e ações que os indivíduos experimentam quando trabalham. Nesse caso, a ação humana é situada em um conjunto específico de circunstâncias, a qual pode ou não conduzir os indivíduos a desempenharem as rotinas conforme foram desenhadas.

As RO seriam constituídas mutuamente pelos aspectos ostensivo (a rotina internalizada como uma norma, sendo seu aspecto ostensivo a ideia abstrata e generalizada de rotina padronizada) e performativo (a rotina na prática, contextual, na qual o aspecto performativo consiste em ações, desempenhos por pessoas, em lugar e tempo específicos), em que o primeiro invoca os recursos para conduzir à ação ao mesmo tempo que inibe e constrange mudanças às rotinas; ao passo que o segundo gera, recria, mantém e modifica o aspecto ostensivo (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.; Pentland & Feldman, 2008).

Friesl e Larty (2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.) sugerem que a compreensão da RO na corrente da Prática possibilitou entender a replicação da rotina como um processo político nas organizações, uma vez que a noção de agência englobando os indivíduos e suas influências nas práticas (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), e não apenas nas instituições, implica nos múltiplos interesses dos diversos atores envolvidos na rotina. Em seu trabalho mais recente, Pentland e Hærem (2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.) expandem o entendimento das RO como padrões de ações incorporadas no contexto sociomaterial e que podem ser representadas como uma rede de ações desempenhadas por atores e artefatos (na acepção de Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.). Com base nessa perspectiva, Bertels, Howard-Grenville e Pek (2016Bertels, S., Howard-Grenville, J., & Pek, S. (2016). Cultural molding, shielding, and shoring at oilco: The role of culture in the integration of routines. Organization Science, 27(3), 573 - 593. doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
https://doi.org/10.1287/orsc.2016.1052...
) descobriram que a cultura organizacional, entendida como esse repertório/padrão de ações, molda as rotinas e as expectativas acerca delas antes mesmo de terem sido desempenhadas, alterando-as pela supressão ou inclusão de atividades em sua execução. Corroboram, assim, a noção de que o padrão estruturante, de Latour (2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), conforma a forma de pensar e agir em cada contexto.

3 Método

O estudo utilizou o método fenomenográfico para revelar como as concepções dos sujeitos acerca da valoração do conhecimento no contexto do trabalho impactam na sua incorporação nas rotinas e práticas organizacionais. A fenomenografia tem o propósito de descrever e mapear as formas qualitativamente diferentes de experimentar e vivenciar o fenômeno (Marton, 1981Marton, F. (1981). Phenomenography-describing conceptions of the world around us. Instructional Science, 10(2), 177-200.; Marton & Booth, 1997Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.), buscando a compreensão de como o indivíduo apreende (percepção), faz sentido (pensamento) e atua (ação) um aspecto específico do seu mundo. A esse trinômio percepção-pensamento-ação atribui-se o termo concepção (Sandberg, 2000Sandberg, J. (2000). Understanding human competence at work: An interpretative approach. Academy of management journal, 43(1), 9-25.).

A fenomenografia propõe o arranjo das concepções, ou categorias descritivas, em uma estrutura hierárquica, lógica e inclusiva, de complexidade crescente, de modo que as concepções estejam relacionadas entre si. Essa estrutura é denominada mapa do espaço de resultado. Dessa forma, os indivíduos, conforme repetem sua experiência com o fenômeno, vão percebendo novos contornos, ampliando sua consciência focal até transitar de uma concepção mais estreita, limitada e incompleta na forma de conceber o fenômeno, para a categoria seguinte, mais completa, ampla e complexa do que a anterior (Marton & Booth, 1997Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.). No conjunto de todas as formas de perceber-pensar-agir o fenômeno, expresso pelas concepções arranjadas no mapa do espaço de resultado, tem-se a mente coletiva (Marton & Booth, 1997Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.), ou seja, a consciência mais completa possível daquele fenômeno/realidade.

Para obter as concepções dos sujeitos, o método preconiza a realização de 20 a 30 entrevistas semiestruturadas, em profundidade. A amostra intencional é planejada buscando variedade nos sujeitos, visando trazer os diferentes modos de experimentar o fenômeno (Akerlind, 2005Akerlind, G. S. (2005). Learning about phenomenography: Interviewing, data analysis and the qualitative research paradigm. In J. Bowden., & P. Green (Orgs.), Doing Developmental Phenomenography (Qualitative Research Methods Series), (pp. 63-73). Melbourne: RMIT University Press.). Para este estudo, foram conduzidas entrevistas com 22 profissionais de RH, considerando diversidade de cargo em três níveis: analista, média gerência e alta gestão; tempo de experiência profissional em quatro faixas; tipo de empresa por origem nacional e multinacional e porte, pequeno/médio e grande porte; e formação. Assim, obtiveram-se profissionais de analista a vice-presidente, de 3 a 36 anos de experiência profissional, em 22 diferentes empresas, sendo 12 nacionais e 10 multinacionais de médio a grande porte em 18 indústrias, como perfumaria e higiene pessoal; alimentos e bebidas; farmacêutica, energia; óleo e gás; telecomunicação; tecnologia da informação; seguro e previdência; consultoria e auditoria; infraestrutura e engenharia; educação superior; confecção; comércio varejista de diferentes naturezas; comércio digital; franqueador. Na Figura 1 observa-se a amostra planejada e aquela obtida.

A entrevista fenomenográfica é antecedida pelo cenário que esclarece e delimita o tema da conversa, a fim de evitar que outros assuntos não relacionados ao escopo da pesquisa sejam introduzidos no momento da entrevista; a pergunta central que pede ao sujeito narrar a experiência vivida que melhor exemplifica o fenômeno; e questões de apoio tipo “o quê? como? por quê?”, com o objetivo de apreender o que é e como é concebido o fenômeno; e compreender a percepção e o pensamento por trás da ação (Sandberg, 2000Sandberg, J. (2000). Understanding human competence at work: An interpretative approach. Academy of management journal, 43(1), 9-25.). No roteiro da presente pesquisa constaram duas questões centrais: 1) Você poderia me dar um exemplo de alguma situação na qual você considera que teve seus conhecimentos mais (menos) valorados no contexto do trabalho?; que após explorada com as questões de apoio, introduziu a pergunta 2) Como você percebe que os conhecimentos valorados são incorporados nas práticas e rotinas de trabalho?

O método fenomenográfico, qualitativo e interpretativo, não trabalha com definições de natureza de conhecimento nem com tipos de rotinas estabelecidos a priori. As experiências que significavam o conhecimento valorado, do mesmo modo que as percepções de como tal conhecimento de valor se inseria nas rotinas e práticas da organização, emergiram das narrativas dos sujeitos, reforçando a perspectiva dos indivíduos acerca do que era considerado relevante e, portanto, valorado naquele ambiente/contexto de trabalho.

As entrevistas foram realizadas no período de novembro de 2012 a março de 2013. No total, a coleta de dados gerou 21h09m de material líquido gravado (excluídos o consentimento esclarecido e o cenário da pesquisa), transcrito em 352 páginas para análise. De acordo com o preconizado pelo método, as entrevistas foram lidas três vezes na íntegra para separar aquelas mais dissimilares e agrupar as mais similares entre si, em termos de significado do fenômeno. O objetivo foi encontrar os aspectos que fizessem emergir a inter-relação lógica, hierárquica e inclusiva entre o número adequado de concepções. Só então foi analisado o conteúdo de cada entrevista, com apoio do Atlas-Ti, visando codificar os elementos encontrados nas narrativas, rearranjar e confirmar as concepções e descrever a categoria descritiva.

Cabe ressaltar que, dentre as rotinas que emergiram das narrativas dos profissionais de RH, surgiram relatos relativos a rotinas de subsistemas de recursos humanos, como recrutamento e seleção, captação e retenção de talentos, treinamento, concessão de benefícios e processo de avaliação e medição de desempenho; até processos complexos de abertura ou fechamento de unidades fabris e descontinuidade de departamentos e áreas, com consequentes políticas de recolocação de funcionários. Essa diversidade e a variação de complexidade nas práticas e rotinas organizacionais refletem-se nas diferentes gradações de concepções com que os sujeitos concebem o conhecimento de valor nas organizações.

Figura 1:
Variação demográfica da amostra intencional (elaborado pelos autores)

3.1 Análise dos dados emergentes do campo

O estudo objetivou analisar como os diferentes modos (concepções) pelos quais os membros organizacionais percebem e experimentam a valoração do conhecimento no contexto do trabalho impactam em sua consequente incorporação nas rotinas organizacionais. Nas narrativas, os indivíduos trouxeram o conhecimento de valor e como foi incorporado ou não em rotinas de trabalho a partir de suas experiências vividas. Algumas dessas rotinas diziam respeito às rotinas de recursos humanos e seus subsistemas, ao passo que outras diziam respeito às rotinas e práticas relativas à organização, mas sobre as quais o RH tem um papel relacionado, seja por questão de treinamento, contratação, recolocação ou retenção. Dadas as diferentes concepções existentes acerca do fenômeno, distintas conceituações acerca do que são as rotinas organizacionais também foram declaradas.

Desse modo, na análise emergiram cinco concepções acerca da valoração do conhecimento no contexto do trabalho, ou seja, cinco modos pelos quais os indivíduos percebem, significam e se comportam em relação ao conhecimento de valor no trabalho, da mais estreita e limitada à mais ampla e complexa: Aplicação no Trabalho; Consideração do Trabalho-Indivíduo; Realização do Indivíduo no Trabalho; Transformação do Trabalho e do Indivíduo; Criação Emergente para a Vida. Essas concepções originaram-se dos elementos das narrativas, como a natureza do conhecimento; a dimensão de interação social do indivíduo com os grupos frente ao fenômeno; o contexto sócio-espaço-temporal; o arranjo estrutural organizacional; o papel das rotinas; e a incorporação do conhecimento valorado pelo indivíduo no conhecimento organizacional por meio das RO.

Despontaram também quatro conceituações de rotina organizacional, revelando que os sujeitos possuem diferentes conceitos do que são as RO, fruto das experiências vividas. São elas a rotina da conformidade; rotina da certeza; rotina traduzida (“tropicalizada” foi o termo originalmente obtido em code in vivo); e rotina da inovação. Seus elementos constitutivos dizem respeito à estruturação da atividade ou tarefa (o quanto é inédita ou rotinizada, o quanto é formalizada e disseminada); a sua flexibilidade (o quanto a rotina pode ser alterada e em qual grau); e aos contextos que cercam as rotinas (seu objetivo, aplicação e uso). Ressalve-se que as conceituações a respeito das RO não foram configuradas em categorias descritivas, visto que foram exploradas como um aspecto relacionado ao uso do conhecimento valorado no contexto do trabalho. As conceituações acerca das rotinas organizacionais, emergentes das entrevistas, foram muito ricas, trazendo à luz o quanto as percepções variam com relação a um único fenômeno.

3.2 Concepções acerca da valoração do conhecimento no contexto do trabalho

3.2.1 Valoração do conhecimento é aplicação no trabalho

O conhecimento na organização se enquadra na metáfora da máquina, inserida na perspectiva econômica (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.) ou estrutural (Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.), no qual o conhecimento de valor é um objeto para auxiliar na eficiência e na eficácia dos processos organizacionais. O conhecimento valorado é expresso como algo fundamentalmente individual e técnico, originário da educação formal dos indivíduos e dos treinamentos formais recebidos durante o trabalho nas organizações. Ele tem a utilidade de ser aplicado e gerar os resultados desejados para a organização.

A valoração do conhecimento apresenta-se como um fenômeno despersonalizado, sem elemento humano, no qual quem atribui valor ao conhecimento é: “a cultura”, “os valores” e o “planejamento” (Entrevistada 8); “a cadeia, são as estratégias que dizem o que é importante” e o “planejamento” (Entrevistado 3); “as rotinas da organização” (Entrevistada 22). Assim, a perspectiva dimensional do fenômeno centra-se na organização. Os entrevistados respondem com a voz dela, e pôde-se perceber o quanto a organização é reificada. Os sujeitos pouco se colocam na ação, preferindo tratar suas ações na 3ª pessoa do singular (o RH fez, a organização entende, a cultura valoriza) ou na 1ª pessoa do plural [nós (com a organização) fizemos...].

As RO estruturam a tarefa (fator de influência para a valoração do conhecimento) e ordenam a vida organizacional. Para a área de RH, “as rotinas estabelecem os padrões de trabalho” (Entrevistado 3), “dão transparência às regras” (Entrevistada 22), criando um senso de justiça e de justificação das demandas e respostas da organização. De modo amplo, elas possuem um significado ordenatório, delimitador e padronizador, correspondendo, principalmente, à classificação de rotina mais fortemente ostensiva, de Feldman e Pentland (2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.).

Ademais, as rotinas são dadas e encontram-se predefinidas pela matriz da organização, sendo de natureza de conformidade (normas regulatórias e procedimentos operacionais padrão, a fim de cumprir com agências reguladoras e certificações do tipo ISO e Boas Práticas) e de certeza (políticas, regras e processos de trabalho). No máximo, as rotinas da certeza podem ser traduzidas, ou seja, ajustadas e adequadas a fim de fazer cumprir com demandas e exigências legais, operacionais ou negociais locais.

Dado que o conhecimento valorado é individual, técnico e formal, a incorporação desse conhecimento nas rotinas somente reforça o processo existente ou auxilia na tropicalização das mesmas. Na verdade, nessa categoria, a questão é subvertida, isto é, as rotinas estabelecidas definem o trabalho e, por consequência, estabelecem o conhecimento de valor a ser recrutado, treinado e alinhado em cada parte do processo. De acordo com a visão Latour (2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), a própria rotina desempenha o papel de ator que medeia como os sujeitos devem desempenhar suas atividades (Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.), traduzindo como eles devem se comportar, o que eles devem valorizar.

Pode-se inferir que a incorporação do conhecimento individual no conhecimento organizacional, nas práticas e rotinas, é muito limitada e utilitária, com objetivo adaptativo, pouco inovador. Os indivíduos reproduzem continuamente a organização, de forma mimética, sem grandes questionamentos ou riscos pessoais e profissionais, reiterando a dominação política que a rotina pode desempenhar, impedindo desvios, replicando e disseminando os valores e crenças dos grupos dominante (Friel & Larty, 2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.).

3.2.2 Valoração do conhecimento é consideração (reconhecimento) do trabalho-indivíduo

O conhecimento valorado é principalmente individual, fortemente baseado em conhecimento formal e técnico, adicionado à experiência prática, com o principal objetivo de ser aplicado e gerar resultado no trabalho. O que difere da concepção anterior é a necessidade dos entrevistados de receber reconhecimento por parte dos demais membros organizacionais. A consideração/reconhecimento retorna em forma de recompensa, podendo assumir diversas configurações, desde a menção do nome do indivíduo relacionado à atividade bem-sucedida ou indicação/lembrança do sujeito para participar ou conduzir algum trabalho até promoção salarial ou de cargo.

O conhecimento de valor ocorre na medida em que os indivíduos são reconhecidos pelo líder da organização, liderança, pares e equipe, isto é: o conhecimento valorado é significado como consideração do indivíduo e/ou de seu trabalho e/ou de seu conhecimento, elementos quase indissociáveis. Parece ocorrer uma ação circular: o indivíduo precisa ser considerado pelos demais membros, ter seu trabalho-conhecimento reconhecido, para valorar a si mesmo, e reflexivamente age para ter/ser o conhecimento que a organização valora, em um processo de ajuste e encaixe na organização. Nesse círculo, à medida que a organização reconhece os conhecimentos do indivíduo aplicados ao trabalho, eles são entendidos como aqueles que são os de valor para a empresa O sujeito precisa de aprovação para sentir pertencimento à organização.

Os processos e práticas em estruturação por meio das RO (endossadas pelo líder) objetivam medir e controlar as tarefas, as pessoas e o desempenho, a fim de reproduzir o sistema de reconhecimento; e não tanto gerar resultado em termos de qualidade do produto final da atividade. As organizações de estrutura tradicional (hierárquica, rígida) e/ou familiar, com alto grau de centralização das decisões e do poder, com poucos processos formais instaurados parecem favorecer esse tipo de concepção.

As rotinas organizacionais, portanto, são de caráter de estruturação e formalização do trabalho, para controle das tarefas, pessoas e desempenho (Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Configuram-se em rotina da certeza, de natureza mais fortemente ostensiva (Pentland & Feldman, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.). Com o ajuste e o ato reflexivo entre sujeito e organização, o conhecimento do indivíduo está a serviço da criação das RO (ressalva-se, aprovadas pelo líder ou alta gestão), que geram controles para avaliar o desempenho e recompensar os demais funcionários. Ou seja, um novo ciclo/círculo reflexivo, em que o sujeito usa de sua concepção para aplicar nos demais funcionários. Ao mesmo tempo, a RO cria/assegura a posição social, de status e o reconhecimento do sujeito. Pode-se sugerir que a incorporação do conhecimento individual no conhecimento organizacional (nas práticas e rotinas) é mediada pela liderança ou alta gestão.

3.2.3 Valoração do conhecimento é realização do indivíduo no trabalho

Essa concepção baseia-se na visão de que o conhecimento emerge das práticas sociais no contexto do trabalho, isto é, a perspectiva do conhecer na prática (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.) e na ação (Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.), no domínio da cognição situada (Patriotta, 2003Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge. New York: Oxford University Press.). O conhecimento valorado é fruto do compartilhamento, da construção na ação de trabalhar coletivamente e emergente da situação na qual se faz necessário. Ele é uma reunião de conhecimentos individuais, de ordem e natureza diversas, considerados igualmente relevantes: técnico (de diversas áreas, operacional e gerencial), experiência prática, vivência e relacional.

A troca social permite a síntese dos conhecimentos individuais em uma solução maior que as propostas iniciais individuais; portanto, de maior valor. O conhecimento somente adquire significado para o indivíduo quando é compartilhado: “não faz o menor sentido eu conhecer para mim mesma” (Entrevistada 10). Essa concepção remete para a visão de comunidade de prática, na asserção de Brown e Duguid (1991Brown, J. S., & Duguid, P. (1991). Organizational learning and communities-of-practice: Toward a unified view of working, learning, and innovation. Organization science, 2(1), 40-57.) e Lave e Wenger (1991Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press.). No momento do compartilhamento, o conhecimento ganha sentido e torna-se valorado, explicitando a definição de Swart (2011Swart, J. (2011). That’s why it matters: How knowing creates value. Management Learning, 42(3), 319-332.), na qual o valor emerge da ação e encontra respaldo e significado coletivo comum naquele grupo (embora o significado comum advindo da ação ocorra em todas as categorias).

O conhecimento de valor emergente da construção compartilhada deve trazer resultados para o trabalho, somado ao trabalho coletivo, participativo e com autonomia, que gera realização pessoal do indivíduo. As RO são a consequência, o produto do trabalho, constituídas a partir da prática, sendo depois formalizadas e institucionalizadas na organização, sofrendo alterações a partir de nova necessidade identificada no desempenhar da atividade. Desse modo, as rotinas são criadas do modo como as coisas são feitas, considerando as regras implícitas da cultura (Bertels, Howard-Grenville & Pek, 2016Bertels, S., Howard-Grenville, J., & Pek, S. (2016). Cultural molding, shielding, and shoring at oilco: The role of culture in the integration of routines. Organization Science, 27(3), 573 - 593. doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
https://doi.org/10.1287/orsc.2016.1052...
). Encaixam-se nas concepções da rotina da inovação, uma vez que são flexíveis e situacionalmente adaptadas, e são fortemente performativas (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.).

As rotinas objetivam mais o registro para conservação e disseminação de uma prática já comprovada, resultado de algo conhecido e valorado pelos indivíduos coletivamente, do que o mero ordenamento do trabalho. Entretanto, cabe ressalvar que alguns processos assim estabelecidos também servem para avaliação do desempenho individual, constituem-se em metas. Sugere-se que a incorporação do conhecimento individual no conhecimento organizacional por meio das práticas e rotinas é um processo fluido e retroalimentado.

3.2.4 Valoração do conhecimento é transformação do trabalho e do indivíduo

Essa concepção aborda o antagonismo entre o conhecimento valorado, estabelecido pelo indivíduo - que possibilita a transformação da organização, mas que questiona o status quo -, e o exercício de controle, baseado no poder e/ou hierarquia organizacional formal, estrutural, geralmente realizado pelo líder, gestor ou “caixa hierárquica” que comporta tal poder. Do mesmo modo que na categoria anterior, a natureza do conhecimento valorado é uma construção coletiva, compartilhada entre membros e equipes na ação de trabalhar. Entretanto, trata-se de algo que não se processa dessa forma coletiva e compartilhada na organização.

A questão encontra-se no fato de as estruturas de poder e hierarquia apresentarem barreiras aos indivíduos, que passam a questionar a organização em si: a gestão e liderança, os mecanismos de poder, a estrutura hierárquica, a própria cultura (mediadores não humanos de Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.; Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Em decorrência, o modo de fazer emergir o conhecimento é disputado e conflituoso entre grupos ou membros, é questionador do status quo e das estruturas vigentes. O conhecimento valorado precisa da transformação da organização para se estabelecer. Há contestação dos conhecimentos estabelecidos, que encontra resposta em uma dinâmica de reforço das relações de poder.

Ao trabalhar nesse contexto conflituoso, os indivíduos expressam as estratégias políticas articuladas para realizar as atividades e/ou fazer seu conhecimento ser escutado: criar relacionamento com pessoas de outras áreas (Entrevistada 21); articular com a gestão imediata a condução e o discurso acerca de uma atividade (Entrevistada 21); ocupar um espaço no ouvido do líder que detém o poder (Entrevistado 14); e outras. Em decorrência da elaboração dessas estratégias, criação de personagens e atuação de papéis, que os sujeitos julgam necessárias para se fazer presentes no ambiente, eles se transformam.

As RO são fortemente estruturadas, seja pela formalização dos processos, seja pela internalização das práticas na cultura organizacional. De um ou de outro modo, a forma de trabalhar já existe, já é dada (Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). São rotinas da certeza. A flexibilidade nas práticas e rotinas só ocorre por determinação de quem possui poder ou pela posição avalizada pelo cargo, mas não necessariamente para alterar a rotina, mas para atender a alguma necessidade específica de alguém ou porque o líder “disse para fazer”. Ela remete para a disputa discutida em Friel e Larty (2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.).

A contribuição do conhecimento individual no conhecimento organizacional por meio das práticas e rotinas é muito baixa, a menos que seja requisito da função/cargo ou advenha de uma demanda do líder, gerando muita frustração e questionamento por parte dos sujeitos. Projetos inovadores são desvalorizados e novas formas de fazer algo que já existe não são aceitas, muito menos incorporadas nas práticas ou rotinas de trabalho.

3.2.5 Valoração do conhecimento é criação emergente para a vida

Essa concepção apresenta a desvinculação entre o conhecimento valorado e o conhecimento que a organização valora: são esferas separadas e independentes. O conhecimento valorado é aquele que traz um novo paradigma, indaga o trabalho em si e os objetivos, desconstrói a ordem e traz inovação, sendo uma construção de longo prazo, ao passo que o conhecimento valorado pelo líder, chefia ou alta gestão é aquele que traz resultado de curto prazo no cumprimento da meta organizacional e reproduz a organização.

O conhecimento emerge da prática e da ação (Gherardi, 2000Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.; Orlikowski, 2002Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.), sendo generativo, compartilhado e coletivo na ação de trabalhar, compondo o contexto social. Está localizado nas pessoas, das pequenas às grandes atividades diárias no trabalho. Os indivíduos parecem perceber que há novos e diferentes modelos para fazer o convencional. Contudo, para desenvolvê-los, precisam quebrar paradigmas e empenhar um risco pessoal na ação, sendo também independentes nessa decisão de se expor ao risco ou não.

Distinto das concepções anteriores é o fato de os sujeitos conceberem a si mesmos como diferentes da organização, com alteridade organizacional, sem embates. Eles questionam a organização, mas não almejam transformá-la, nem a si mesmos. O trabalho é apenas parte da vida, não é a vida. O conhecimento valorado é algo que o sujeito carrega na/para a vida; maior que o conhecimento utilizado na organização. Todos esses aspectos estão presentes na consciência focal dos indivíduos (Marton & Booth, 1997Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.), tratando-se da mais ampla concepção do fenômeno.

As RO se mostram pouco estruturadas, inadequadas ou inexistentes para aquele determinado processo, questão ou situação. Assim, a pouca experiência com a conjuntura e dinâmica do ambiente pedem um experimento, aceito pela alta gestão, o que possibilita ao indivíduo gerar algo diferente do convencional com alto grau de autonomia. A solução buscada é uma criação generativa emergente do trabalho e questiona intrinsecamente a ordem convencional de como as coisas são feitas. Há, portanto, espaço para experimentação e erro e seu resultado não é mensurado da mesma forma que os processos tradicionais. São rotinas de natureza performativa (Pentland & Feldman, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.), generativas de inovação.

As experiências, porém, mesmo sendo bem-sucedidas, não se repetem nem são adotadas em conjunturas similares, indicando que a incorporação do conhecimento individual no conhecimento organizacional, advindas dessas novas experiências e com base nessas práticas e rotinas inovadoras, é muito pequena. Sugere-se que há baixa capacidade das organizações, por meio dos indivíduos e gestores, de integrá-las nos processos organizacionais estabelecidos. Os entrevistados apontam a visão imediatista da alta gestão: a incompatibilidade em adotar inovações sujeitas a risco, erro-aprendizado e tempo incerto de adoção frente à pressão por resultados de curto prazo e metas objetivas, além de falta de visão de longo prazo empreendedora e medo de assumir riscos. Observou-se que os processos inovadores emergentes lidam com aspectos subjetivos das tarefas, que são subsidiários, intangíveis e difíceis de serem mensurados nas práticas convencionais de RH, como qualidade, imagem, valores, envolvimento. Quando possível, a alta gestão prefere adotar a rotina e o conforto do resultado mensurável, reproduzindo o estabelecido.

3.3 As conceituações emergentes acerca das rotinas organizacionais

3.3.1 A rotina da conformidade

O conceito mais restrito de rotina organizacional centra-se na visão das rotinas como guias descritivos dos processos de conformidade das operações da organização, sobretudo para cumprir com exigências legais e regulatórias. Nesse caso, tratam-se de processos operacionais padrão (POP) relacionados a certificações como ISO, Boas Práticas, políticas de conformidade e compliance, qualidade (TQM) ou segurança. O contexto está inevitavelmente relacionado com ambientes fabris ou organizações em indústrias muito reguladas.

A rotina “vem da matriz” e/ou é originada “pelo departamento responsável por estabelecer estes processos”. Ela é fortemente estruturada, disseminada, não passível de questionamento, sendo ordenadora da realidade da organização - mesmo em suas atividades não fabris. Traduz-se na lógica de pensar as atividades da organização. Desse modo, a rotina encerra as práticas, o quadro mental, os comportamentos e o controle dos resultados da organização para a organização. Sua natureza é puramente ostensiva (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.). No máximo, a rotina da conformidade pode se desdobrar em uma rotina traduzida (ver adiante), para fazer jus ao regramento local.

“Eu acho que quando a gente lida com questões de empresas grandes e multinacionais: você lida com questões legais, e quando você lida com questões de fiscalizações, sejam legais ou sejam as auditorias, quer sejam internas ou de certificação, tipo ISO, Boas Práticas, Qualidade... você acaba seguindo um livrinho, um direcionamento para atender ao objetivo da certificação ou da fiscalização... E muitas coisas que você poderia tocar melhor, você acaba não podendo aplicar. (Entrevistada 11)

Portanto, essa visão sobre a RO encontra-se relacionada com a perspectiva tradicional (Cyert & March, 1963Cyert, R. M., & March, J. G. (1963). A behavioral theory of the firm. New Jersey: Prentice-Hall.; March & Simon, 1958March, J. G., & Simon, H. A. (1958). Organizations. Oxford, England: Wiley.; Nelson & Winter, 1982Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University.; Simon, 1947Simon, H. A. (1947). Administrative behavior. New York: Free Press.), e pode ser reconhecida na corrente das capacidades (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.): ela contém as atividades em uma entidade única, encerradas em uma caixa-preta; com foco no desempenho organizacional; e considerando os sujeitos como a parte operativa conforme projetada na rotina.

De acordo com a visão da sociologia da associação (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), a própria rotina é um ator mediando como os sujeitos devem desempenhar suas atividades, traduzindo como eles devem se comportar, o que eles devem valorizar. A rotina também exerce o papel de controle, uma vez que dada a sua natureza operacional torna-se o meio de replicar atividades e mensurar resultados e desempenho e tem papel de dominação (Friel & Larty, 2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.).

A rotina da conformidade foi encontrada em organizações multinacionais, de gestão centralizada, cultura e valores disseminados. Conhecimentos inovadores e generativos não encontram espaço para se incorporar nessa rotina, e em realidade o pensamento dominante nem cogita esse aspecto. Encontra-se presente nas categorias descritivas da Aplicação no Trabalho e da Consideração do Trabalho-Indivíduo.

3.3.2 A rotina da certeza

A conceituação da rotina da certeza encerra a ideia de que rotinas, práticas ou processos de natureza administrativa necessitam ser formalizados para estabelecer o modo como a organização deve operar suas atividades, especificamente em ambientes de pouca estruturação e formalização de políticas e regras, mas com alta centralização das decisões. Assim, nesse conceito, a rotina, que deveria ser um elemento organizador da vida da organização, se apresenta como elemento ordenador, controlador e estruturante da realidade organizacional, porém é independente de aspectos legais e regulatórios.

Ela trata do dia a dia da empresa, estabelecendo não apenas os processos das atividades, mas especialmente criando e assegurando a posição dos indivíduos (e seu poder e status), o modo de mensurar os resultados e desempenhos, controlando assim o sistema de reconhecimento dos demais membros. A rotina pode ser importada da matriz ou surgir da necessidade de ordenar/controlar uma atividade. Nesse último caso, a área relacionada à rotina a propõe, geralmente com base em benchmarking de outras empresas, como um modo de ser avalizada. Portanto, raramente a rotina emerge do trabalho no modo como ele é desempenhado, de maneira performativa; ela é quase sempre implantada. A rotina até pode ocasionalmente ter sido originada de modo performativo; entretanto, uma vez estabelecida, torna-se ostensiva (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.), já que ela é guardada pela área interessada e assegura determinas posições na organização

“A minha contribuição hoje é de amarrar mais os processos, de fazer realmente rotinas, porque quando você desenha processos, a coisa flui melhor, com mais velocidade e com mais precisão. [A organização] entra num estágio industrial, fabril... então ela vai numa sequência, ela vai naquele fluxo. [...] na minha área, RH, a gente passou um momento de criação de grandes coisas... agora a gente está colocando essas coisas em controles. Eu agora preciso ter controle de treinamento; preciso ter controle entre treinamento e remuneração; porque para eu promover alguém, eu preciso que esses dois sistemas conversem; eu preciso saber a grade de informação que esse indivíduo fez dentro da [organização] para que eu possa fazer a sucessão dele, seja lateral ou vertical... Enfim, foram criados sistemas e agora eu preciso que conversem e para que isso aconteça eu tenho que ter processos.” (Entrevistada 4)

A rotina da certeza precisa sempre da autorização formal da liderança ou alta gestão para ser importada, ser desenvolvida por benchmarking ou ser implantada. Inclusive o tempo dessas atividades é definido pela liderança ou alta gestão, independente da necessidade ou urgência dos indivíduos. Os aspectos relacionados ao processo político da organização, manifestado através da rotina, seu estabelecimento e sua manutenção são visíveis (Friesl & Larty, 2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.): esse seria um dos motivos dela assegurar status e posição para alguns membros organizacionais. A rotina como processo político, chegando mesmo a atuar como artefato, emerge muito fortemente na concepção da Transformação do Trabalho e do Indivíduo.

A presente conceituação encerra uma visão tradicional (Cyert & March, 1963Cyert, R. M., & March, J. G. (1963). A behavioral theory of the firm. New Jersey: Prentice-Hall.; March & Simon, 1958March, J. G., & Simon, H. A. (1958). Organizations. Oxford, England: Wiley.; Nelson & Winter, 1982Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, MA: Harvard University.; Simon, 1947Simon, H. A. (1947). Administrative behavior. New York: Free Press.) e transparece a corrente das capacidades (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.), de modo similar ao conceito da rotina da conformidade. Da mesma forma, é muito difícil um novo conhecimento gerado emergir da ação, uma vez que não é o conhecimento valorado, e muito menos se estabelecer nas rotinas.

A rotina da certeza foi encontrada em organizações nacionais com gestão não profissional; em multinacionais de médio porte, de pouca estruturação ou formalização de atividades; nas empresas muito hierárquicas e de gestão centralizada. Encontra-se presente nas categorias descritivas da Consideração do Trabalho-Indivíduo e da Transformação do Trabalho e do Indivíduo, e em menor escala, da Aplicação no Trabalho.

3.3.3 A rotina traduzida

A conceituação da rotina traduzida introduz justamente o conceito da flexibilidade e adaptação da rotina às circunstâncias contextuais da organização. A flexibilidade pode ocorrer formalmente, em um processo de tradução da rotina à situação local, ou informalmente, em um processo adaptativo na ação, que termina por incorporar o modo de fazer na rotina.

No primeiro caso, a tradução formal da rotina busca compliance com as normas, regulamentos e leis locais, sendo, de certo modo, uma extensão da rotina da conformidade. Nesse caso, a matriz ainda é o centro gerador das práticas, mas há a compreensão de que os contextos locais exigem diferentes processos, ou diferentes modos de realizar os processos. Mas ainda há um forte cunho ordenador, e tão logo a rotina é traduzida torna-se ostensiva (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.), no sentido normativo de constranger diferentes modos de atuar na organização. Ela se encaixa na categoria descritiva da Aplicação no Trabalho, como decorrência da rotina da conformidade.

No segundo caso, pode ser consequência do trabalho nas atividades da rotina, em que determinadas tarefas não se aplicam ou deixam de fazer sentido com o tempo. Após um período performativo, flexível para contornar esses pontos que não se ajustam ao contexto, a rotina é revisitada e revista. Encontra-se presente categoria descritiva da Consideração do Trabalho-Indivíduo.

“Aqui também tive aproveitamento em vários outros processos, procedimentos de recursos humanos. Implementei vários aqui: a gente pega o que empresa tem que é global, mas precisa ser adaptado para o local... porque são regionalidades, são realidades distintas, daí a gente implementa... Eu já consegui bastante, também, implementar procedimentos, revisar processos e implementar melhorias.”(Entrevistada 11)

“Do ponto de vista de RH, a empresa tem as suas políticas que nós chamamos de políticas corporativas e nós temos a legislação [...] que nem sempre são as mesmas que você tem na matriz. Então algumas coisas que existiam como padrão foram adotadas com a necessária tropicalização, isso é sempre necessário.” (Entrevistado 3)

Embora tenha sido introduzida a ideia de flexibilidade nas rotinas, advinda da prática do trabalho, ainda não se pode dizer que o presente conceito caracterize a corrente da rotina como prática (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.). Ambas as correntes da rotina como capacidade e como prática compreendem que as rotinas possuem tanto um aspecto estático quanto evolutivo e a relevância dos contextos para a sua operação; entretanto, a simples tradução da rotina não a caracteriza sob uma perspectiva puramente performativa.

3.3.4 A rotina da inovação

Refere-se à conceituação mais flexível da rotina, na qual ela emerge da ação e tem uma natureza performativa (Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.). A rotina da inovação surge da percepção, pelos membros organizacionais, de que o processo atual não é o mais adequado ao contexto situacional da organização ou área envolvida e, portanto, precisaria ser revisto sob um novo ângulo ou ser recriado. Também pode ser gerada em razão da ausência de um processo, uma lacuna percebida. Há uma compreensão, por parte dos profissionais, de que não há uma solução ou modelo pronto, ou que pode haver melhores respostas para a atividade em questão.

Em todos os casos, a rotina decorre da ação de trabalhar coletivamente e, de certo modo, encerra o conhecimento coletivo para aquela situação. A própria geração da atividade que envolve a rotina da inovação é um processo de aprendizagem, sendo consequência do modo de pensar da organização. Não por acaso, a rotina da inovação encontra-se presente nas categorias descritivas da Realização do Indivíduo no Trabalho e da Criação Emergente para a Vida.

“Foi uma discussão que tivemos ontem... a gente ficou aqui até duas da manhã fazendo a vistoria de metas, quando acaba o ano... Eu falei para a [gerente] “Esse processo é inviável... Uma coisa é você fazer auditoria de metas quando a empresa tinha duzentas pessoas; hoje são duas mil! Não dá para sentar do lado de cada uma e falar ‘me diz o que você fez’ porque o cara põe a meta no sistema e, como é que ele prova que ele tem as evidências do projeto?” Eu falei “Não dá mais...[...] A gente tem que realmente repensar o que estamos fazendo, como estamos fazendo. A empresa está mudando muito de tamanho em pouco tempo.” (Entrevistada 5)

Diferentemente dos conceitos anteriores, a rotina da inovação não tem por objetivo ordenar a vida organizacional de forma rígida ou monitorar os desempenhos dos indivíduos. Sua intenção é estabelecer as práticas e os modos de trabalho em si, que, por consequência, podem vir a mensurar as práticas e os desempenhos (em alguns casos, na concepção da Realização do Indivíduo no Trabalho), mas não necessariamente (na concepção da Criação Emergente para a Vida). Dado que a rotina emerge da ação, como parte da sua natureza situacional, ela é passível de questionamento, de mudança, de recriação.

Paradoxalmente, não necessariamente os conhecimentos criados em novas formas de conduzir atividades serão incorporados em rotinas. Conforme analisado na concepção da Criação Emergente para a Vida, alguns poucos processos inovadores foram incorporados na prática organizacional, fruto da pressão por resultados de curto prazo, a dificuldade das organizações em aprender com o novo e assumir riscos inerentes à mudança da forma de conduzir atividades. Convém retomar o modelo de rotinas performativas de Feldman (2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.), no qual o ciclo de mudança na rotina pressupõe uma série de ações de correções de desvio, expansão de atuação e esforço árduo.

A rotina da inovação insere-se na corrente da rotina como prática (Parmigiani & Howard-Grenville, 2011Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.), em que a ação humana, situada em determinado contexto específico, produz ações dos sujeitos sobre as rotinas, senão a própria rotina. Ela foi encontrada em organizações multinacionais e empresas nacionais de grande porte com gestão profissionalizada, com modelo de gestão descentralizada, com alto grau de autonomia e de baixo grau de hierarquia.

A Figura 2 consolida as concepções acerca da valoração do conhecimento em termos de sua definição, natureza do conhecimento, as conceituações de rotinas nela encontradas e o contexto da organização em que se insere. Quanto a essa última dimensão, o estudo sugere, na discussão que se segue na próxima seção, que ela funcionará como um padrão estruturante dos indivíduos na forma de conceber o conhecimento de valor e consequentes atitudes de incorporação nas rotinas organizacionais.

Figura 2:
Espaço de resultado para as concepções acerca da valoração do conhecimento (VdC) e sua incorporação nas rotina organizacionais (elaborado pelos autores)

4 Discussão acerca da valoração do conhecimento e sua incorporação nas práticas e rotinas organizacionais

Retomando a aplicação do conhecimento valorado nas práticas e nas RO em cada categoria, descobriu-se que a aplicação e a incorporação do conhecimento valorado nas rotinas e práticas de trabalho assumem diferentes gradações a cada concepção − desde quase inexistente ou muito baixa, na Aplicação no Trabalho, até muito fluida e contínua, na Realização do Indivíduo no Trabalho, passando por controle explicitamente mediado pela liderança e alta gestão nas demais concepções.

A Realização do Indivíduo no Trabalho foi a única categoria na qual a contribuição individual e coletiva do conhecimento emergente da prática e da ação gerou os processos e atividades próprios da organização, que foram incorporados consistentemente nas RO, de caráter mais performativo (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.). Já a Criação Emergente para a Vida foi a concepção em que se encontrou a contribuição do conhecimento individual de forma emergente da ação para as atividades organizacionais com conteúdo inovador e instigando a quebra de paradigmas. Entretanto, foram experiências únicas, às quais pouco do que foi experimentado e aprendido pelo indivíduo e o coletivo se incorporou nas rotinas da organização, demonstrando pouca capacidade do modelo e das práticas organizacionais vigentes em absorver, aprender e internalizar a experiência. Ressalte-se que nas categorias da Aplicação no Trabalho, Consideração Trabalho-Indivíduo e Transformação do Trabalho e do Indivíduo há contribuições às práticas organizacionais, mas elas se resumem a traduzir ou introduzir práticas e rotinas, de natureza mais ostensiva (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.), que mantêm a forma como a organização já trabalha, a gerar novos ou mais controles e modos de desempenho, a responder às demandas definidas e autorizadas pela alta gestão. As rotinas respondem às necessidades da organização, e não dos indivíduos e do uso de seus conhecimentos no trabalho.

Sugere-se, porém, que todas as concepções encontradas são intrinsecamente determinadas pelos “padrões estruturantes” daquele arranjo (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.). O estudo propõe que o contexto estrutural em que a organização se insere - centralizado ou não nas decisões, hierarquizado ou não, dependente de origem nacional, multinacional, privatizada ou familiar - acaba por criar o contexto social e espacial que molda o padrão estruturante, estabelecendo a forma de pensar dos indivíduos acerca dos conhecimentos de valor e como agir para sua incorporação nas práticas e rotinas organizacionais (Friesl & Larty, 2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.; Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). A construção social produz o coletivo no qual o indivíduo está imerso, o conhecimento valorado e as regras de viver nesse coletivo (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.; Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.), moldando as relações de troca e de incorporação do conhecimento valorado na interação individual-organizacional, de acordo com determinados padrões estruturantes, inerentes ao arranjo.

Portanto - se é que é possível observar o fenômeno do conhecimento individual e conhecimento organizacional de modo separável e fragmentado -, de uma forma geral, pode-se inferir que a contribuição do conhecimento individual e coletivo (construído na ação compartilhada) ao conhecimento organizacional por meio da incorporação nas RO parece ser muito limitada em seu conteúdo e controlada em escopo, em função do padrão estruturante (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.) ou padrão de ação (Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Em todas as concepções, pouco do conhecimento do indivíduo ou do coletivo contribui para modificar, criar ou compor algo que contribua de modo novo, instigante ou desafiante ao conhecimento incorporado nas RO já existentes, conforme achados análogos de Bertels, Howard-Grenville e Pek (2016Bertels, S., Howard-Grenville, J., & Pek, S. (2016). Cultural molding, shielding, and shoring at oilco: The role of culture in the integration of routines. Organization Science, 27(3), 573 - 593. doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
https://doi.org/10.1287/orsc.2016.1052...
). Isso não quer dizer que contribuições não ocorram ou deixem de ser aceitas, mas sugere-se que contribuições significativas do ponto de vista da percepção de valor por parte dos indivíduos, e que geram impacto na prática organizacional, ajudam a repensar a organização e sua forma de trabalhar, demonstram ser difíceis de ocorrer.

Desse modo, o estudo sugere que mudanças significativas nas práticas e rotinas organizacionais parecem continuamente advir da alta gestão e da liderança, principais atores mediadores da organização (Latour, 2012Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA/EDUSC.), que autorizam, patrocinam, demandam ou permitem alterações e/ou inclusões de práticas e rotinas na vida organizacional. Revela-se que as RO refletem e, ao mesmo tempo, compõem o padrão estruturante da organização, juntamente com o contexto organizacional, hierarquia, modo de tomar decisões, cultura organizacional, liderança e alta gestão, entre outros aspectos que formam aquele coletivo (Pentland & Hærem, 2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Para além do caráter ostensivo ou performativo existente nas rotinas (Feldman, 2000Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.; Feldman & Pentland, 2003Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.), os achados corroboram a visão de Friesl e Larty (2013Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.) acerca das RO como um processo político e de poder, com implicação nos interesses dos diversos atores envolvidos na rotina e em sua aprovação.

5 Conclusão

Este estudo objetivou analisar como os diferentes modos (concepções) pelos quais os membros organizacionais percebem e experimentam a valoração do conhecimento no contexto do trabalho impactam em sua consequente incorporação nas rotinas organizacionais. Sua contribuição para a administração passa pela discussão acerca das limitações do uso do conhecimento individual para o conhecimento coletivo da organização, pela dificuldade da plena utilização das capacidades humanas em benefício da organização, notadamente nos modelos de gestão e estrutura encontrados nas organizações presentes nessa pesquisa. Versa, portanto, acerca de como os modelos organizacionais vigentes, convencionais, são percebidos pelos indivíduos, gerando consequências concretas na dificuldade de incorporação dos conhecimentos considerados de valor nas rotinas organizacionais.

As organizações nas quais os indivíduos estão inseridos, e que compuseram a amostra, são organizações tradicionais, atuantes em mercados convencionais, com estruturas organizacionais ainda baseadas em modelos mais ou menos hierarquizados, matriciais e com certa inserção em redes de parceria. Nesses modelos de organizações tradicionais, a pesquisa apontou uma lógica de padrão estruturante, dominante, construída pelos atores de maior peso e reconstruída por todos naquele arranjo, que molda o modo de pensar, ser e agir naquele contexto. Questiona-se acerca de como tornar real a possibilidade de adoção de modelos de gestão abertos, transparentes, descentralizados, participativos e compartilhados entre os membros organizacionais, de modo a propiciar a inclusão dos indivíduos na construção recursiva da organização e de terem seus conhecimentos inseridos nas práticas organizacionais, duvidando dos conhecimentos já estabelecidos naquele contexto e já definidos a priori da situação vivida. Revelando-se, neste trabalho, que a estrutura conforma o indivíduo e suas práticas na organização, sugere-se que outras formas e configurações contemporâneas - cooperativas, híbridas e de cogestão social (Jay, 2013Jay, J. (2013). Navigating paradox as a mechanism of change and innovation in hybrid organizations. Academy of Management Journal, 56(1), 137-159.; Tracey, Phillips & Jarvis, 2011Tracey, P., Phillips, N., & Jarvis, O. (2011) Bridging institutional entrepreneurship and the creation of new organizational forms: A multilevel model. Organization Science 22(1), 60-80.), de estrutura holacrática (Robertson, 2007Robertson, B. J. (2007). Organization at the leading edge: Introducing holacracy™ Evolving Organization. Integral Leadership Review, 7(3). Recuperado de http://www.integralesleben.org/fileadmin/user_upload/images/DIA/Flyer/Organization_at_the_Leading_Edge_2007-06_01.pdf
http://www.integralesleben.org/fileadmin...
; 2015Robertson, B. J. (2015). Holacracy: The revolutionary management system that Abolishes hierarchy. Londres: Penguin.), de natureza empreendedora, colaborativa ou em redes de parcerias (Camarinha-Matos & Afsarmanesh, 2006Camarinha-Matos, L. M., & Afsarmanesh, H. (2006). Collaborative networks: Value creation in a knowledge society. Knowledge enterprise, IFIP, 207, 26-40.; Kreiner & Schultz, 1993Kreiner, K., & Schultz, M. (1993). Informal collaboration in R & D: The formation of networks across organizations. Organization studies, 14(2), 189-209.; Powell, 2003Powell, W. (2003). Neither market nor hierarchy. The sociology of organizations: Classic, contemporary, and critical readings, 315, 104-117.) e de inovação (Baldwin & Von Hippel, 2011Baldwin, C., & von Hippel, E. (2011). Modeling a paradigm shift: From producer innovation to user and open collaborative innovation. Organization Science, 22(6), 1399-1417.; Kreiner & Schultz, 1993Kreiner, K., & Schultz, M. (1993). Informal collaboration in R & D: The formation of networks across organizations. Organization studies, 14(2), 189-209.) - seriam necessárias e deveriam beneficiar sobremaneira o capital humano no uso de suas potencialidades, propiciando o surgimento do que foi denominado, no presente estudo, rotinas da inovação.

Desse modo, como limitação primeira do presente trabalho, é ressaltada a amostra delimitada à área de RH. As concepções acerca da valoração do conhecimento podem se conformar de modo diverso em outra área organizacional, principalmente se relacionada à atividade fim da organização, uma vez que os sujeitos estariam imersos em outro arranjo coletivo que poderia evocar uma forma diversa de padrão estruturante. Como decorrência, a internalização de tais conhecimentos nas rotinas organizacionais poderia proceder de forma distinta, dada a premência da aplicação dos conhecimentos em produtos-fim da organização.

Outra limitação importante diz respeito às organizações das quais os indivíduos participam encontradas pelo presente estudo. Não foram contempladas na amostra organizações da indústria criativa, de economia colaborativa ou com intenso foco em inovação e tecnologia, como a indústria eletroeletrônica e computação. Nesses tipos de organização, a relevância da inovação e da criatividade parece exigir novas configurações contemporâneas, que sugerem outras formas de conceber as práticas e rotinas organizacionais.

Cabe, portanto, como sugestão de futuros estudos, pesquisa fenomenográfica comparada com profissionais de outras áreas organizacionais, especialmente ligadas à atividade fim, com objetivo de agregar novas concepções aos modos de compreender a valoração conhecimento e sua incorporação nas RO. Propõe-se também novo estudo fenomenográfico com indivíduos em organizações com estruturas e configurações contemporâneas, a fim de analisar se diferentes concepções emergiriam a partir de novo padrão estruturante. Recomenda-se, sobretudo, a continuidade do estudo da incorporação das RO em diferentes contextos e padrões estruturantes, reforçados pelos achados de Bertels, Howard-Grenville e Pek (2016Bertels, S., Howard-Grenville, J., & Pek, S. (2016). Cultural molding, shielding, and shoring at oilco: The role of culture in the integration of routines. Organization Science, 27(3), 573 - 593. doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
https://doi.org/10.1287/orsc.2016.1052...
) e Pentland e Hærem (2015Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.). Cumpre, enfim, ampliar a linha de pesquisa do conhecer nas organizações, englobando uma dimensão maior de sabedoria nos estudos organizacionais, que iluminem e transformem as formas, modelos e paradigmas de pensamento dos atores: indivíduos e organizações.

Referências

  • Akerlind, G. S. (2005). Learning about phenomenography: Interviewing, data analysis and the qualitative research paradigm. In J. Bowden., & P. Green (Orgs.), Doing Developmental Phenomenography (Qualitative Research Methods Series), (pp. 63-73). Melbourne: RMIT University Press.
  • Antonacopoulou, E. P. (2006). The relationship between individual and organizational learning: New evidence from managerial learning practices. Management learning, 37(4), 455-473.
  • Argote, L., & Ren, Y. (2012). Transactive memory systems: A microfoundation of dynamic capabilities. Journal of Management Studies, 49(8), 1375-1382.
  • Baldwin, C., & von Hippel, E. (2011). Modeling a paradigm shift: From producer innovation to user and open collaborative innovation. Organization Science, 22(6), 1399-1417.
  • Barney, J. B. (1991). Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, 17(1), 99-120.
  • Barney, J. B. (1996). Gaining and sustaining competitive advantage Massachusetts: Addison-Wesley Pub. Co.
  • Bertels, S., Howard-Grenville, J., & Pek, S. (2016). Cultural molding, shielding, and shoring at oilco: The role of culture in the integration of routines. Organization Science, 27(3), 573 - 593. doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
    » https://doi.org/10.1287/orsc.2016.1052
  • Brown, J. S., & Duguid, P. (1991). Organizational learning and communities-of-practice: Toward a unified view of working, learning, and innovation. Organization science, 2(1), 40-57.
  • Camarinha-Matos, L. M., & Afsarmanesh, H. (2006). Collaborative networks: Value creation in a knowledge society. Knowledge enterprise, IFIP, 207, 26-40.
  • Cyert, R. M., & March, J. G. (1963). A behavioral theory of the firm New Jersey: Prentice-Hall.
  • Dewey, J. (1922). Human nature and conduct Massachusetts: Courier Corporation.
  • Eisenhardt, K. M., & Martin, J. A. (2000). Dynamic capabilities: What are they?. Strategic management journal, 21(10-11), 1105-1121.
  • Feldman, M. S. (2000). Organizational routines as a source of continuous change. Organization science, 11(6), 611-629.
  • Feldman, M. S., & Orlikowski, W. J. (2011). Theorizing practice and practicing theory. Organization Science, 22(5), 1240-1253.
  • Feldman, M. S., & Pentland, B. T. (2003). Reconceptualizing organizational routines as a source of flexibility and change. Administrative science quarterly, 48(1), 94-118.
  • Felin, T., Foss, N. J., Heimeriks, K. H., & Madsen, T. L. (2012). Microfoundations of routines and capabilities: Individuals, processes, and structure. Journal of Management Studies, 49(8), 1351-1374.
  • Friesl, M., & Larty, J. (2013). Replication of routines in organizations: Existing literature and new perspectives. International Journal of Management Reviews, 15(1), 106-122.
  • Gherardi, S. (2000). Practice-based theorizing on learning and knowing in organizations. Organization, 7(2), 211-224.
  • Grant, R. M. (1996). Toward a knowledge‐based theory of the firm. Strategic Management Journal, 17(S2), 109-122.
  • Jay, J. (2013). Navigating paradox as a mechanism of change and innovation in hybrid organizations. Academy of Management Journal, 56(1), 137-159.
  • Kreiner, K., & Schultz, M. (1993). Informal collaboration in R & D: The formation of networks across organizations. Organization studies, 14(2), 189-209.
  • Latour, B. (2012) Reagregando o social: Uma introdução à teoria do ator-rede Salvador: EDUFBA/EDUSC.
  • Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation Cambridge: Cambridge University Press.
  • March, J. G., & Simon, H. A. (1958). Organizations Oxford, England: Wiley.
  • Marton, F. (1981). Phenomenography-describing conceptions of the world around us. Instructional Science, 10(2), 177-200.
  • Marton, F., & Booth, S. A. (1997). Learning and awareness Mahwah: Lawrence Erlbaum Inc. Publishers.
  • Nag, R., Corley, K. G., & Gioia, D. A. (2007). The intersection of organizational identity, knowledge, and practice: Attempting strategic change via knowledge grafting. Academy of Management Journal, 50(4), 821-847.
  • Nelson, R. R., & Winter, G. (1982). An evolutionary theory of economic change Cambridge, MA: Harvard University.
  • Nonaka, I. (1994). A dynamic theory of organizational knowledge creation. Organization Science, 5(1), 14-37.
  • Nonaka, I., & Takeuchi, H. (1997) Criação de conhecimento na empresa: Como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação (7a ed.), Rio de Janeiro: Campus.
  • Orlikowski, W. J. (2002). Knowing in practice: Enacting a collective capability in distributed organizing. Organization Science, 13(3), 249-273.
  • Parmigiani, A., & Howard-Grenville, J. (2011). Routines revisited: Exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, 5(1), 413-453.
  • Patriotta, G. (2003) Organizational knowledge in the making: How firms create, use and institutionalize knowledge New York: Oxford University Press.
  • Pentland, B. T. (1995). Grammatical models of organizational processes. Organization Science, 6(5), 541-556.
  • Pentland, B. T., & Hærem, T. (2015). Organizational routines as patterns of action: Implications for organizational behavior. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, 2(1), 465-487.
  • Powell, W. (2003). Neither market nor hierarchy. The sociology of organizations: Classic, contemporary, and critical readings, 315, 104-117.
  • Prahalad, C. K., & Hamel, G. (1990) The core competence of the corporation. Harvard Business Review, 68(3), 79-91.
  • Robertson, B. J. (2007). Organization at the leading edge: Introducing holacracy™ Evolving Organization. Integral Leadership Review, 7(3). Recuperado de http://www.integralesleben.org/fileadmin/user_upload/images/DIA/Flyer/Organization_at_the_Leading_Edge_2007-06_01.pdf
    » http://www.integralesleben.org/fileadmin/user_upload/images/DIA/Flyer/Organization_at_the_Leading_Edge_2007-06_01.pdf
  • Robertson, B. J. (2015). Holacracy: The revolutionary management system that Abolishes hierarchy Londres: Penguin.
  • Sandberg, J. (2000). Understanding human competence at work: An interpretative approach. Academy of management journal, 43(1), 9-25.
  • Simon, H. A. (1947). Administrative behavior New York: Free Press.
  • Swart, J. (2011). That’s why it matters: How knowing creates value. Management Learning, 42(3), 319-332.
  • Szulanski, G. (1996). Exploring internal stickiness: Impediments to the transfer of best practice within the firm. Strategic Management Journal, 17(S2), 27-43.
  • Teece, D. J. (2007). Explicating dynamic capabilities: The nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, 28(13), 1319-1350.
  • Teece, D. J., Pisano, G., & Shuen, A. (1997). Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, 18(7), 509-533.
  • Tracey, P., Phillips, N., & Jarvis, O. (2011) Bridging institutional entrepreneurship and the creation of new organizational forms: A multilevel model. Organization Science 22(1), 60-80.
  • Zollo, M., & Winter, S. G. (2002). Deliberate learning and the evolution of dynamic capabilities. Organization Science, 13(3), 339-351.
  • 2
    Processo de Avaliação: Double Blind Review

Contribuição por autor:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2016
  • Aceito
    15 Jun 2016
Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, Av. da Liberdade, 532, 01.502-001 , São Paulo, SP, Brasil , (+55 11) 3272-2340 , (+55 11) 3272-2302, (+55 11) 3272-2302 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbgn@fecap.br