Open-access Uma teoria do abuso da História

Resumos

Este ensaio pretende esboçar uma teoria coerente sobre o abuso e o uso irresponsável da história. Ainda não existe de forma acabada uma teoria como essa, com a qual historiadores possam identificar, provar, explicar e avaliar abusos da história. O texto começa com uma discussão sobre a delimitação do problema, ou seja, como distinguir uma história irresponsável e abusiva, de um lado, de uma história perigosa, não científica, incompetente, nociva e desprovida de sentido, de outro. Em seguida, define-se o abuso da história como a sua utilização com o intuito de ludibriar, e o conceito mais amplo de uso irresponsável da história como o seu uso negligente ou enganador. Finalmente, vários desdobramentos da teoria serão desenvolvidos, desde uma tipologia dos abusos e dos usos irresponsáveis, questões relativas a sua evidência, explicação e avaliação, até medidas para sua prevenção.

história abusiva; problema de demarcação; história irresponsável; história responsável


This essay is an attempt to sketch a coherent theory on the abuse and irresponsible use of history. Such a general theory, which enables historians to identify, prove, explain and evaluate abuses of history, does not yet exist. The essay opens with a discussion of the demarcation problem, that is the problem of how to distinguish irresponsible and abusive history on the one hand from nonscientific, incompetent, meaningless, harmful, and dangerous history on the other. It then proceeds to define the abuse of history as its use with intent to deceive and the broader concept of the irresponsible use of history as either its deceptive or negligent use. Finally, the various ramifications of the theory are developed, from a typology of abuses and irresponsible uses, over questions of evidence, explanation and evaluation to measures of prevention.

abusive history; demarcation problem; irresponsible history; responsible history


DOSSIÊ: HISTÓRIA E DEMANDAS SOCIAIS

Uma teoria do abuso da História

A theory of the abuse of History

Antoon De Baets

PhD em História, Universidade de Ghent, Bélgica (1988). History Department, University of Groningen (Rijksuniversiteit Groningen). P.O. Box 716 – 9700 AS Groningen – The Netherlands. a.h.m.de.baets@rug.nl

RESUMO

Este ensaio pretende esboçar uma teoria coerente sobre o abuso e o uso irresponsável da história. Ainda não existe de forma acabada uma teoria como essa, com a qual historiadores possam identificar, provar, explicar e avaliar abusos da história. O texto começa com uma discussão sobre a delimitação do problema, ou seja, como distinguir uma história irresponsável e abusiva, de um lado, de uma história perigosa, não científica, incompetente, nociva e desprovida de sentido, de outro. Em seguida, define-se o abuso da história como a sua utilização com o intuito de ludibriar, e o conceito mais amplo de uso irresponsável da história como o seu uso negligente ou enganador. Finalmente, vários desdobramentos da teoria serão desenvolvidos, desde uma tipologia dos abusos e dos usos irresponsáveis, questões relativas a sua evidência, explicação e avaliação, até medidas para sua prevenção.

Palavras-chave: história abusiva; problema de demarcação; história irresponsável; história responsável.

ABSTRACT

This essay is an attempt to sketch a coherent theory on the abuse and irresponsible use of history. Such a general theory, which enables historians to identify, prove, explain and evaluate abuses of history, does not yet exist. The essay opens with a discussion of the demarcation problem, that is the problem of how to distinguish irresponsible and abusive history on the one hand from nonscientific, incompetent, meaningless, harmful, and dangerous history on the other. It then proceeds to define the abuse of history as its use with intent to deceive and the broader concept of the irresponsible use of history as either its deceptive or negligent use. Finally, the various ramifications of the theory are developed, from a typology of abuses and irresponsible uses, over questions of evidence, explanation and evaluation to measures of prevention.

Keywords: abusive history; demarcation problem; irresponsible history; responsible history.

Quem não sabe que a primeira lei da história é nada dizer de falso?

Em seguida, nada silenciar quanto ao verdadeiro? Que não haja

suspeita de parcialidade ao escrever, nem de rivalidade?

Cícero 1

It shall defend freedom of thought and expression in the field of

historical research and teaching, and is opposed to the misuse of

history and shall use every means at its disposal to ensure the ethical

professional conduct of its members.

International Committee of Historical Sciences, Constitution 2

O abuso da história costuma ser perigoso. É comum em ditaduras e períodos de grandes violações aos direitos humanos. Teve um papel de destaque no genocídio em Ruanda (1994) e nas guerras da antiga Iugoslávia (1991-1995). Embora o habitat natural dos abusos da história sejam ambientes não democráticos, alguns de seus traços manifestam-se persistentemente em muitas democracias. Não faz muito tempo, tensões religiosas na Índia (1998-2004), por exemplo, foram parcialmente incitadas por visões divergentes e distorcidas do passado. Como se poderia delinear com certa precisão os limites desse problema? Somente com base em uma teoria capaz de fornecer alguma compreensão sobre o que acontece quando a história sofre abuso e como essa conduta deve ser julgada.

Estranhamente, tal teoria ainda não existe. Isso ocorre porque muitos historiadores informados sobre casos de abuso – frequentemente historiadores que vivem sob ditaturas ou têm colegas que recebem permissão para contatá-los – não querem escrever sobre o assunto, temerosos de que isso cause problemas para suas pesquisas, carreiras, provoque retaliações dirigidas a si mesmos ou aos seus círculos de relações. O resultado é a escassez de denúncias, sendo mais comum a menção ao assunto apenas de passagem. Contudo, mesmo quando esses historiadores encontram coragem para denunciar casos de que têm conhecimento, raramente encontram o tempo necessário para reunir provas conclusivas. E os que conseguem, em geral, estão mais fascinados pelos detalhes dolorosos dos casos individuais que descrevem e defendem, do que pelas semelhanças que esses possam vir a ter com outros casos. Ainda mais grave, historiadores que sabem de casos de abuso comumente deparam com muita desconfiança. Se procuram padrões, raramente encontram mais que alguns poucos casos. Se se utilizam de casos que representam uma única dimensão ou tipo de abuso, não conseguem fazer generalizações ou ter uma visão mais global do problema. E é por essa razão que a maioria dos ensaios sobre o abuso da história apenas descreve o contexto político da historiografia em determinados países, frequentemente os que estão sob governos ditatoriais. Esse esforço tem a sua utilidade, mas por razões meramente práticas.

Mesmo trabalhos de caráter teórico que abordam o assunto acabam limitados por um enfoque indutivo. Em geral descrevem a história como um instrumento de legitimação ideológica e do poder (o que frequentemente é), mas não chegam a testar sistematicamente uma teoria confrontando-a com os abusos que analisam. 3 Somente os trabalhos clássicos sobre metodologia da história e seus sucessores conferem alguma atenção de caráter teórico à questão do abuso, especificamente no que diz respeito à chamada 'crítica interna do documento' (pela qual, contudo, tratam das mentiras e erros dos produtores das fontes e não dos historiadores profissionais), ou na menção aos diversos motivos não científicos pelos quais se escreve história. Tais considerações, entretanto, raramente são complementadas por reflexões teóricas sobre conduta e intenção, ou pelas noções de dano e infração.

Um comentário sobre ofício e profissão

Ao expor em seguida a minha teoria, tomo por princípio que, entre os diversos grupos de interesse, as associações profissionais de historiadores que operam em condições democráticas têm precedência em termos de autoridade e dever para decidir se determinado uso da história constitui ou não um abuso. Minha teoria foi desenvolvida para guiá-las nesse aspecto. E, se a teoria concentra-se principalmente nos abusos praticados por historiadores profissionais e acadêmicos, avaliações de outros casos podem, obviamente, se beneficiar da demonstração de como os profissionais consideram ou devem considerar os abusos da história. Evidentemente, esses abusos são apenas um subgrupo dos desvios de conduta praticados por historiadores profissionais. A questão da má-conduta vai além do abuso da história no sentido em que também inclui violação de normas profissionais que não dizem respeito especificamente à história, tais como reações impróprias a diretrizes razoáveis de gestão acadêmica, uso de linguagem ofensiva em sala de aula ou intimidação e tratamento discriminatório de colegas e alunos.

Desde logo, esclareço os conceitos de 'ofício' e de 'profissão' de historiador. São conceitos muito próximos e frequentemente utilizados intercaladamente (inclusive aqui), mas não são sinônimos. Ofício diz respeito a questões de conteúdo, método, verdade e conhecimento especializado e fiável. Nesse sentido, o ofício é condição decisiva para a profissão. A profissão, por sua vez, diz respeito aos aspectos organizacionais do ofício. Embora operem em condições muito distintas nos diversos países, os aspectos organizacionais são em larga medida universais. Fundamentam-se sobre dois princípios essenciais e antagônicos: autonomia e responsabilidade. Autonomia institucional e docente é o poder de autorregular e dirigir o meio acadêmico. Abarca o controle dos quatro pilares sobre os quais este se assenta: o currículo, a atribuição de graus, a admissão de alunos e o recrutamento (seleção e promoção) do corpo docente. Por responsabilidade entende-se que universidades e seus funcionários sejam publicamente responsáveis perante a sociedade em que se inserem. Por enquanto, é suficiente retermos a distinção entre ofício e profissão. 4

A história é um assunto importante, perigoso e delicado. Como fenômeno universal, o abuso da história varia infinitamente em quantidade e grau. Trata-se de uma área de interesse bem conhecida e óbvia mas, ao mesmo tempo, um tópico subestimado e negligenciado pela pesquisa teórica. Em 1985, o eslovaco Miroslav Kusý, um filósofo desempregado transformado em trabalhador não qualificado pela 'normalização', queixou-se que historiadores famosos, como Marc Bloch e Edward Carr, não haviam dado nenhuma atenção às dificuldades e riscos da profissão de historiador ou à vulnerabilidade dos historiadores em suas aclamadas obras de metodologia da história. 5 Ambos, infelizmente, acabaram por experimentar essa vulnerabilidade e foram vítimas de censura e repressão. Os volumes da História da Rússia Soviética de Carr foram banidos da União Soviética por quatro décadas. Bloch teve seu nome omitido da capa dos Annales durante a ocupação alemã da França (embora tenha continuado a contribuir sob pseudônimo). Ele mesmo acabou por morrer nas mãos da Gestapo, perto de Lyon, em 1944. 6

Demarcações

É a história que pode sofrer abuso, não o passado. Fontes, fatos e opiniões sobre o passado podem ser intencionalmente distorcidos, mas o passado em si mesmo não pode ser afetado por atos praticados no presente.

A história abusiva é constantemente confundida com outros tipos de história. 7 No Quadro 1 procuro enumerar algumas distinções. Designados como demarcações, os limites dessas distinções não são claramente definidos.


A demarcação entre a história científica e a não científica é, antes de tudo, epistemológica, ou seja, diz respeito à questão da verdade. Compartilho totalmente das opiniões do sociólogo Edward Shils (1910-1995) sobre a verdade. Professor na Universidade de Chicago e fundador da revista Minerva: A Review of Science, Learning and Policy em 1962, Shils foi um dos maiores especialistas mundiais em educação superior e liberdade acadêmica. Sua memorável defesa de uma ética acadêmica começava com estas palavras:

Universities have a distinctive task. It is the methodical discovery and the teaching of truths about serious and important things ... That truth has a value in itself, apart from any use to which it is put, is a postulate of the activities of the university. It begins with the assumption that truth is better than error. 8

Muitas teorias sobre a distinção entre verdade e erro (incluindo a falsidade) foram defendidas na filosofia da ciência. As concepções sobre o problema de sua demarcação epistemológica têm mudado ao longo do tempo, mas nenhuma teoria jamais alcançou consenso. Utilizarei aqui uma das teorias mais adequadas às necessidades dos historiadores (talvez a mais conhecida) – elaborada por Karl Popper. De acordo com Popper, a questão central é se uma determinada teoria – neste caso, uma teoria sobre eventos passados – pode ou não ser falsificada, ou, em outras palavras, se é possível desenvolver um teste capaz de refutar essa teoria. O teste examinaria a relação entre a teoria, as fontes disponíveis, o método aplicado e a lógica do argumento. O resultado determinaria o estatuto da teoria. Antes de ser testada, a teoria é pré-científica. Se passa no teste é provisoriamente aceita como científica. Se é rejeitada (isto é, se não é testável ou é refutada pelo teste) adquire o estatuto de história não científica. Quando uma teoria já aceita e considerada científica é novamente testada com outros dados ou métodos e rejeitada após esse novo teste, assume o estatuto de história ex-científica. 9 A história que se revela pré-científica, não científica ou ex-científica não é desprovida de significado. Pelo contrário, como parte de ideologias, mitos, lendas ou crenças sobre o mundo, esse tipo de história pode fornecer sentido àqueles que possuem tais crenças. 10 Enquanto conjectura, esse tipo de história pode antecipar ou inspirar futuras teorias científicas. Entretanto, enquanto não passa no teste de refutabilidade, essa 'história' não é científica.

Concomitantemente a essa demarcação epistemológica, porém, deve-se delinear outra demarcação. Esta terá um caráter ético, profissional e, em menor grau, jurídico, e permitirá determinar os limites entre o uso responsável, o uso irresponsável e o abuso da história. Embora a demarcação ético-jurídica possa muitas vezes conduzir a uma distinção epistemológica entre conhecimento falso e conhecimento provisoriamente verdadeiro (e por esta razão denomino um tipo clássico de abuso como 'tipo epistemológico'), ela é, em parte, diferente e mais ampla, conforme veremos. Essa demarcação está menos implicada com as teorias dos historiadores do que com os próprios historiadores, menos com verdade do que com veracidade. Sobre historiadores rigorosos e honestos pode-se dizer que usam a história de forma responsável; daqueles que não são honestos, não é possível dizer de imediato que sejam historiadores irresponsáveis ou desonestos (pois este é um juízo sobre pessoas e não sobre aquilo que afirmam), mas sim que eles usam a história de maneira abusiva ou irresponsável.

O Quadro 1 traça uma distinção entre profissionalismo e competência: a história abusiva pode ser extremamente refinada e hábil, portanto competente, mas nunca será profissional (pois viola o princípio da responsabilidade). Todos os tipos de história podem ser classificados em algum grau entre os extremos da competência e da incompetência. A história incompetente (ou 'má') – produto de erros, concepções equivocadas, parcialidade e falta de formação adequada – pode ser bastante distorcida e preconceituosa, porém não é irresponsável nem abusiva na medida em que não ultrapassa o limite moral da desonestidade ou da grave negligência. O Quadro 1 também distingue dano e risco. Eu sustento que o abuso da história sempre provoca danos (um ponto que desenvolverei adiante) e que, além disso, pode ser perigoso (como foi brevemente ilustrado).

A história científica responsável e a história não científica também podem ser danosas ou perigosas, contudo, por razões mutuamente excludentes e diversas: a história não científica porque pode fornecer mitos que incitam ódio e violência; a história científica porque pode destruir mitos muito acalentados e desmascarar tabus, com o risco de desencadear violentas retaliações no processo. Com isso, historiadores responsáveis arriscam-se a ser acusados de destruir reputações ou de traição, e a sofrer perseguição de governos, indivíduos ou grupos. Nesses casos, o discernimento histórico do público é crucial: na maioria das vezes o público não está apto a distinguir a história científica da não científica, nem propenso a aceitar duras verdades em substituição a enganos e mentiras mais confortáveis.

Definições

Uso irresponsável da história e abuso da história não são a mesma coisa. Enquanto o abuso se caracteriza pela falta de integridade, o primeiro é mais abrangente e caracteriza-se ou pela falta de integridade ou pela falta de cuidado (ou por ambos). Proponho as seguintes definições:

O abuso da história é o seu uso com intenção de provocar engano.

O uso irresponsável da história pode ser tanto o seu uso enganoso quanto o negligente.

Todo abuso da história é uma história irresponsável, mas nem toda história irresponsável é um abuso da história. 'Abuso' é uma expressão reservada para as formas mais graves de história irresponsável, assim como o seu sinônimo, 'uso indevido da história'. A distinção essencial entre o abuso e o uso irresponsável da história reside no grau de intencionalidade. Já que este aspecto será explicado mais adiante, neste momento me concentro somente na definição mais forte e potencialmente problemática de abuso (ou uso indevido) da história.

Alguns críticos poderão rejeitar minha definição de abuso da história porque ela não faz referência às consequências negativas que o abuso traz para outras pessoas. Afinal, o abuso sem dano não é muito interessante. Se esse for o caso, por que não reescrever a definição como 'o abuso da história é o seu uso com intenção de provocar engano e resultando em dano para outras pessoas'? Com o termo 'outras pessoas', esta definição consequencial passa a incluir as vítimas daquele que perpetra o abuso. Normalmente, podem-se distinguir dois tipos de vítimas. Vítimas diretas, ou seja, aquelas que têm sua saúde, reputação, subsistência ou oportunidades prejudicadas. Podemos pensar aqui nas pessoas que são objeto de estudos, pessoas vivas e (na medida em que privacidade e reputação estejam em jogo) pessoas mortas, e seus parentes; autores cujos trabalhos são plagiados ou falsificados, e seus editores; todos que proveram informações, trabalhos, contratos e financiamento àquele que cometeu o abuso; e todos os consumidores que compraram um produto enganoso. Um segundo tipo de vítimas engloba pessoas sem interesses diretos ou imediatos: a comunidade na qual vivem as vítimas diretas e todos aqueles induzidos a erro pela ação enganadora, incluindo acadêmicos e especialistas. Entretanto, embora esta definição alternativa pareça plausível, faço a ela muitas objeções.

Antes de tudo, a definição alternativa diminuiria o caráter moral e profissionalmente condenável do ato de 'enganar', ou seja, a intencionalidade perversa da conduta. 12 Além disso, excluiria as tentativas: como o abuso que foi preparado e o que estava prestes a ser concluído, mas acabou sendo interrompido ou descoberto antes de ser executado. Alguns abusos da história podem ser cometidos no momento, ao passo que outros requerem considerável preparação. Se as objeções apresentadas até agora têm a ver com a conduta, porém, faço outras centradas no próprio conceito de dano. Em primeiro lugar, a alternativa não considera condutas abusivas que poderiam ter causado dano, mas que não o fizeram porque fracassaram. O risco de dano (inferido da magnitude, probabilidade e iminência do dano) é em si mesmo causador de dano. 13 Em segundo lugar, o dano que atinge de fato as outras pessoas não é, na maioria das vezes, percebido imediatamente, ou pelo menos em toda a sua extensão, no exato momento em que o abuso é perpetrado (e se for, nunca com precisão). Mais ainda, alguns danos substanciais podem surgir como efeitos indiretos do abuso. Terceiro, a definição alternativa tenderá a deixar de lado abusos que beneficiam quem comete o abuso, mas que não chegam a prejudicar outras pessoas de forma ostensiva. Contudo, se alguém se beneficia ou obtém vantagens de forma ilegítima, todos que procedem de acordo com as regras legais, profissionais e morais são prejudicados proporcionalmente. A esta terceira objeção, portanto, subjaz a ideia de que o abuso sempre provoca dano a outras pessoas.

A última e talvez mais importante objeção resulta da radicalização dessa ideia. A definição alternativa ignora o argumento – fraco em termos legais, porém consistente em termos profissionais e éticos – de que a intenção de enganar sempre causa dano mesmo que não seja a outros indivíduos. Nesse sentido, o conceito de vítima pode ser ampliado para abarcar um terceiro tipo até agora não mencionado: a própria escrita da história. 14 É possível afirmar que abusos cometidos por historiadores sempre prejudicam a escrita da história, na medida em que ela se constitui em um empreendimento coletivo e de interesse social. Mais ainda, estamos lidando com historiadores profissionais, nos quais a sociedade deposita confiança por suas qualificações acadêmicas e profissionais e de quem espera responsabilidade. Os abusos ameaçam essa confiança e, portanto, a autoridade e a eficiência da historiografia profissional. Engendram custos sociais em termos de depreciação da credibilidade da profissão de historiador e rebaixam a qualidade do discurso histórico como um todo. 15 Alimentam crenças em mitificações da história e seus usos para propaganda ou, ainda, induzem ao esquecimento da história previamente conhecida. O dano que se causa à produção historiográfica é um dano social. Quando sociedades que vivem sob ditaduras ou conflitos se democratizam, os danos sofridos pela historiografia durante o momento anterior ficam evidentes. Frequentemente, como foi o caso das sociedades pós-comunistas após 1989, a história adquire a triste reputação de uma disciplina duvidosa e conivente com abusos. Alguns observadores acreditam até mesmo que essa má reputação terá sido uma importante razão para que as comissões da verdade tenham sido descartadas como um meio de lidar com o passado repressivo em muitas dessas sociedades. De modo geral, a confiança e o respeito público em relação à profissão do historiador ficaram fatalmente debilitados (De Baets, 2002, p.22).

Em suma, minhas últimas duas objeções sustentam a noção de que o dano é composto tanto pelos resultados negativos do abuso, quanto pelo próprio abuso. E, por essas razões, minha definição se mantém.

A importância de uma teoria sobre o abuso da história

Essa discussão permite responder por que o abuso da história é errado. Ele é sempre moralmente errado pois todos os cidadãos (incluindo os historiadores) têm o dever (moral) de serem honestos e, mesmo em circunstâncias nas quais não se é obrigado a dizer a verdade, 16 o propósito para não fazê-lo não deve ser o de enganar deliberadamente. Além disso, quase sempre enganar outra pessoa é um meio para usufruir de vantagem injusta. 17 O abuso da história é sempre errado profissionalmente porque, somado a seus deveres morais de cidadãos, os historiadores acadêmicos e profissionais têm o dever de aplicar padrões acadêmicos e profissionais de rigor, em particular no que diz respeito à busca honesta e metódica da verdade histórica. Somente ao cumprir esses deveres deverão os historiadores obter certos direitos, nomeadamente sua liberdade acadêmica e a autonomia da universidade. Enganar, como foi dito, é furtar-se à responsabilidade, e debilita a confiança da sociedade no ofício e no ensino da disciplina. É por essa razão que os abusos cometidos por historiadores profissionais são piores que os perpetrados por não profissionais. O uso responsável da história – incluindo formas responsáveis de seleção e omissão de fatos – é protegido pela liberdade intelectual e acadêmica, contrariamente ao que acontece com o abuso da história. Algumas formas de abuso (sigilo excessivo ou censura, por exemplo) não podem nem mesmo refugiar-se no direito à liberdade de expressão. 18 Finalmente, o abuso pode ser legalmente errado, sempre que transgride a lei e, em particular, quando há perigo de causar danos a outros indivíduos (por exemplo, violando seu direito de expressão ou infringindo direitos autorais). 19

A demarcação e as definições aqui discutidas fornecem uma base para a identificação dos elementos materiais e mentais da conduta daquele que comete o abuso. Em conjunto, tais elementos constituem a prova do abuso ou do uso irresponsável da história. Em seguida, uma análise dos motivos por trás do abuso poderão esclarecer as justificativas que o sustentam. Por fim, tanto as provas quanto as justificativas constituirão a infraestrutura do complexo processo de avaliação do abuso em contextos históricos semelhantes e diferentes. A importância de uma teoria universalmente aplicável sobre o abuso da história é, portanto, a de se constituir em um instrumento para identificar, provar, explicar e avaliar os abusos da história, visando em última instância confrontá-los e preveni-los.

A prova do abuso e do uso irresponsável: elementos materiais

A fim de provar que determinado uso da história pode ser de fato caracterizado como um abuso, é necessário examinar seus elementos mentais e materiais. Só os primeiros relacionam-se à mente daquele que o comete. Os elementos materiais integram a própria conduta (que consiste em uma ação ou omissão), as consequências de tal conduta e o espectro de circunstâncias (e por extensão o contexto) no qual ocorreu.

Vejamos em primeiro lugar a conduta. O uso irresponsável e o abuso da história operam em três níveis: heurístico, epistemológico e pragmático. Cada nível tem sua própria unidade de análise. No nível heurístico, os dados são percebidos como fontes ou conjuntos de fontes (arquivos). No nível epistemológico, os dados são percebidos como palavras ou grupos de palavras (argumentos que constituem um fato e/ou opinião, agrupados ou não como teorias). No nível pragmático, os dados são percebidos como um todo (o próprio trabalho historiográfico) e o uso feito deste pelo autor e por outros. Quando historiadores reúnem fontes com a intenção de provocar um dano, cometem um abuso heurístico. Quando alteram, desonestamente, o valor probatório de sua teoria não científica com o objetivo de fazê-la passar no teste de refutabilidade – por exemplo, omitindo, distorcendo ou inventando dados, apresentando deliberadamente teorias não científicas como científicas, ou distorcendo teorias científicas –, eles cometem um abuso epistemológico. Essa é a forma clássica de abuso. Geralmente, esse tipo caracteriza-se pela tentativa de apropriar-se do respeito e da confiança associados à produção historiográfica séria. O abuso pragmático da história ocorre quando historiadores mentem sobre a autoria ou sobre o estatuto de seu trabalho, ou quando outros interferem sobre ele de forma irresponsável. Ao produto do abuso atribui-se o nome de 'história pseudocientífica', 'pseudo-história' ou 'falsa história'. 20 O Quadro 2 apresenta uma tipologia dos abusos da história baseados em tipos de conduta: heurística, epistemológica e pragmática, a despeito da importância singular de cada um deles. Em princípio, a tipologia é válida para todos os gêneros de fontes históricas. Muitos acreditam, contudo, que algumas fontes históricas são mais passíveis de sofrerem abuso do que outras. Edições de fontes (inclusive edições de fontes digitais), genealogias, biografias, memórias, obituários, crônicas, cronologias, anais, mapas, fotografias, bibliografias, dicionários históricos, enciclopédias, estatísticas, índices, catálogos de arquivos, livros escolares e história oral foram todos mencionados como fontes particularmente vulneráveis à fraude. 21


No que diz respeito aos diferentes períodos históricos, Donald Cameron Watt destacou em 1985:

The study of contemporary history has scarcely been undertaken at all by serious historians because of the potential for government manipulation for political purposes. Indeed there has been a strong bias against contemporary history in academic circles because of its frequent misuse. 22

As coisas mudaram desde então – a história contemporânea é agora mais estudada do que qualquer outro período –, mas a observação de Watt mantém seu valor histórico.

De imediato, o Quadro 2 revela o simples fato de que muitas partes estão envolvidas na atividade da escrita da história. Na medida em que essa atividade torna-se mais dependente de governos (como empregadores ou como criadores e mantenedores de uma infraestrutura de arquivos, por exemplo) ou dos interesses privados (editoras etc.), os interesses em jogo na produção historiográfica multiplicam-se, assim como o número daqueles que querem participar de seu controle – e, do mesmo modo, aumentam os riscos de abuso.

Na maioria das vezes, a conduta constituinte do abuso tem consequências determinadas – eventos ou situações que, em larga medida, podem ser inferidos da própria conduta. A discussão sobre a definição do abuso deixou claro que as consequências que implicam dano são, particularmente, da maior relevância. O abuso também se integra em circunstâncias específicas, as quais podem ser legais, factuais, ou ambas. Circunstâncias legais caracterizam-se quando a lei coíbe a conduta abusiva. Circunstâncias factuais relacionam-se a modalidades de abuso, por exemplo, quando aquele que cometeu o abuso for um estudante. Algumas circunstâncias factuais são mais propícias ao abuso que outras, como a forte pressão externa de caráter moral ou material, chantagem, peso dos prazos e carga de trabalho. Um bom exemplo de circunstância factual que influencia profundamente a conduta abusiva é a censura. Trata-se de um tipo de abuso no qual o conteúdo ou a divulgação de fatos históricos ou opiniões são sistematicamente controlados (frequentemente pela sua deliberada supressão) por parte de outros (normalmente o governo, mas também colegas, patrocinadores, provedores de fontes ou grupos de pressão).

O contexto da conduta do historiador é uma extensão das circunstâncias. É obviamente relevante saber se o abuso foi cometido durante uma guerra ou sob uma ditadura, por exemplo, ou se ocorreu no século XII ou no XX. Uma das mais importantes variáveis contextuais diz respeito a saber se aquele que cometeu o abuso agiu sozinho ou como parte de um grupo maior, ou ainda, se a atividade desse grupo maior – provavelmente o governo ou algum organismo a ele ligado – era uma exceção ou encaixava-se em algum padrão difundido ou sistemático. Reconheço, entretanto, que minha teoria adapta-se melhor à análise de abusos individuais do que às situações nas quais um grupo mais amplo de historiadores protagoniza abusos da história em nome de uma causa 'maior'.

A prova do abuso e do uso irresponsável: elementos mentais

Na descrição dos elementos materiais, é quase impossível evitar qualificações de intenção (como 'propositadamente', 'enganosamente', 'irresponsavelmente', 'descuidadamente', 'de boa fé', ou 'de má-fé'). A rigor, a intenção é dual: consiste no desejo de que haja uma consequência (aspecto volitivo) e na previsibilidade de tal consequência (aspecto cognitivo). Dependendo da forma pela qual esses dois componentes estão presentes, podemos normalmente distinguir quatro gradações de intenção. 28 Nas mais fortes, a conduta é maliciosa, e o dano infligido está mais sob o controle daquele que comete o abuso, em comparação com as gradações mais fracas. Intenção direta significa que a consequência da conduta abusiva é certa ou provável, previsível e desejada. Chamamos intenção indireta quando a consequência da conduta abusiva é certa ou provável, previsível e aceita, embora não especialmente desejada. Enquanto os dois primeiros graus de intenção são chamados 'intenção específica' porque expressam determinação e propósito, o terceiro e o quarto são por vezes tomados em conjunto como 'intenção geral'. A terceira forma, então, é a imprudência: a consequência não é certa mas possível, previsível mas não desejada, e corre-se um risco considerável. Uma variante dessa forma é chamada 'cegueira intencional'. A quarta forma é a negligência (ou descuido): a consequência é possível, e previsível, ainda que não desejada, mas o risco é ignorado. 29 A imprudência é às vezes chamada 'negligência intencional'.

A intenção situa-se entre o motivo e o objetivo. Por um lado, está associada ao motivo que lhe é anterior, ainda que dele seja claramente distinta (ver adiante). Por outro, está intimamente ligada ao objetivo, contudo apenas nas gradações mais fortes em que as consequências da conduta sejam certas (ou muito prováveis), e desejadas ou aceitas. As quatro gradações mostram que o significado de 'intenção' em 'intenção de enganar' é muito mais amplo do que geralmente se entende por 'intenção'. Nas palavras de Hyman Gross, autor de uma teoria da justiça criminal, "Agir intencionalmente nem sempre corresponde a realizar uma intenção" (Gross, 1979, p.94). A responsabilidade por cometer um abuso e a manifestação da 'intenção de enganar', portanto, dependem do grau de controle daquele que perpetra o abuso.

Essa percepção permite explicar e refinar a distinção, já mencionada, entre história abusiva e história irresponsável: a história abusiva é feita propositadamente ou conscientemente; a história irresponsável é feita imprudentemente ou negligentemente. Usar o mesmo conceito para casos extremos, tais como a propaganda histórica que incite ao genocídio, de um lado, e pequenos abusos cometidos por negligência, de outro, embora seja teoricamente defensável, uma vez que eles se situam no mesmo grupo (intenção), seria consideravelmente desconcertante. Toda conduta irresponsável e muitas condutas negligentes seriam suficientemente censuráveis para se enquadrarem nas duas gradações mais baixas de nossa definição de intenção, mas, para diferenciá-las de abusos mais graves, devemos designá-las como 'uso irresponsável'.

A prova do abuso e do uso irresponsável: elementos materiais e mentais

Os árbitros, em geral, decidirão contra historiadores acusados de abuso com base na prova de premeditação destes últimos ou do seu desvio dos padrões de rigor geralmente aceitos e correspondentes à prudência profissional. A busca de provas, neste caso dos elementos materiais do abuso e do uso irresponsável, é também o cotidiano dos historiadores. Ao longo do tempo, eles desenvolveram regras de crítica histórica para verificar a autenticidade das fontes no que diz respeito a sua forma e conteúdo. 30 Nesse sentido, os historiadores rotineiramente procuram identificar inconsistências e anacronismos internos e externos às fontes.

As provas do elemento mental são menos óbvias. Claro é que alguns atos demonstram automaticamente a sua má-intenção (mala in se), como por exemplo roubar um manuscrito. Contudo, a intenção geralmente tem de ser inferida dos elementos materiais relevantes (conduta, circunstâncias, consequências), e, em menor grau, da confissão daquele que cometeu o abuso. Os árbitros poderão, por exemplo, inferi-la com base na escolha da linguagem, no caráter parcial dos argumentos, ou no momento preciso de sua afirmação. 31 Não é fácil demonstrar que houve intenção de enganar com base em provas convincentes, muito menos sugestivas. Isso significa que as demarcações (1) entre os abusos da história e os seus usos irresponsáveis, e (2) entre os usos irresponsáveis e os usos responsáveis da história, nem sempre são claros, especialmente em duas áreas: a diferença entre omissão deliberada de informações, omissão por imprudência e omissão por negligência, e a diferença entre imprudência e negligência. Na medida em que nos referimos a esta última, mesmo que haja uma clara diferença entre o desprezo irresponsável da verdade e um simples erro, o limite entre a negligência censurável e o simples descuido pode ser tênue. Existem zonas cinzentas e diferentes níveis de consciência entre o erro, o exagero e a mentira. 32

A justificação do abuso e do uso irresponsável

Após definir e descrever o abuso da história, a teoria deverá agora enfocar os problemas relacionados à sua justificação e, particularmente, à sua motivação. Os motivos são por vezes designados como 'intenções ocultas' (Gross, 1979, p.103-113). O Black's Law Dictionary explica que: "Porquanto o motivo é o incentivo para um ato específico, a intenção é a determinação ... mental de realizá-lo". 33

Do conhecimento acumulado sobre motivos, dois pressupostos são importantes para nossa teoria. Primeiro, uma conduta pode ter um motivo, mas pode também não ter nenhum ou ter vários. Segundo, com frequência os atores não têm completa consciência de seus motivos, e, quando solicitados a formulá-los, não dão, necessariamente, respostas claras ou motivos reais. A racionalização dos motivos é uma prática frequente. Quase sempre, o ato de escrever história assenta sobre uma combinação de motivos que surgem de necessidades pessoais ou coletivas, emoções e interesses (ver também Fischer, 1970, p.213-215). No Quadro 3 eu identifico dois grupos principais: motivos científicos (ou intrínsecos) e motivos não científicos (instrumentais ou consequenciais). Esses motivos se sobrepõem parcialmente. Motivos não científicos são muito comuns e algumas vezes são predominantes. Eles são aceitáveis na medida em que sejam compatíveis com motivos intrínsecos.


Vejamos um exemplo: os historiadores podem (e muitos o fazem) escrever história para descobrir a verdade histórica (motivo científico), satisfazer sua curiosidade (motivo recreativo, não científico), contar uma história (motivo literário, não científico) e ganhar dinheiro (motivo econômico, não científico). Historiadores que estudam o passado de seus Estados nacionais e querem demonstrar como determinada dinastia real chegou ao poder têm um motivo legítimo. Se, entretanto, sua intenção for ocultar críticas alheias ao monarquismo dirigidas aos antecessores do presente rei ou garantir um futuro emprego como arquivista do palácio ou historiador da corte, seus motivos políticos, profissionais e ideológicos preparam o terreno para uma intenção ilegítima. Novamente, a questão aqui é que motivos não científicos não conduzem necessariamente à história não científica, embora em certas circunstâncias eles possam estar na origem de condutas negligentes ou mal-intencionadas. As regras de ouro, aqui, são apenas duas. A primeira é que o risco de abuso aumenta quando motivos científicos não são predominantes. A segunda é que entre as possíveis combinações de motivos não científicos, algumas tendem a focar exclusivamente ou principalmente na própria vantagem, no favorecimento ou no prejuízo alheio e, desse modo, são mais propícias à intenções maliciosas. 34

O Quadro 3 demonstra que abuso da história nem sempre significa abuso político da história. Motivos políticos são certamente poderosos; motivos não políticos muitas vezes têm alguma dimensão ou fundamento político; sabe-se também que os governos são com muita frequência causadores de formas mais graves de abuso da história. Porém, o abuso da história não deriva, única e exclusivamente, de razões políticas. 36

Os motivos fornecem uma resposta a esta questão: por que historiadores usam a história com a intenção de enganar? Eles são importantes para explicar e avaliar o abuso, até mesmo para determinar sanções, porém, em contraste com a intenção, os motivos não exercem um papel significativo para determinar se uma conduta constitui ou não um abuso. No passado, muitos perpetradores de abusos agiram por motivos nobres ou pelo menos aceitáveis. Motivos nobres ou aceitáveis, entretanto, não tornam o abuso menos grave; o que mais importa, portanto, é a intenção de enganar. 37 Finalmente, deve-se destacar que seria um erro pensar que explicamos completamente o abuso da história uma vez que identificamos os motivos daquele que o comete. É necessário, mas não suficiente. A análise dos elementos materiais deve representar parte considerável em qualquer tentativa de esclarecer um abuso.

A importância intrínseca dos abusos

O restante da teoria é um comentário sobre questões relacionadas à avaliação dos abusos e de como lidar com eles. Vale lembrar que nem todos os abusos da história têm a mesma gravidade. Julgar a importância de diferentes tipos de abusos e compará-los são os primeiros passos de um procedimento de avaliação mais amplo. Infelizmente, esta é uma tarefa ingrata, pois a aplicação de princípios de avaliação por vezes conduz a resultados contraditórios, conforme se verá adiante.

O primeiro princípio de avaliação relaciona-se com a extensão até a qual é possível verificar o abuso: rastreabilidade. Esse princípio estabelece que, sob as condições de um mesmo elemento mental, os abusos que ocultam os seus dados (fontes, argumentos e trabalhos) impossibilitando o seu rastreamento causam mais danos que outros. A premissa é que quanto mais difícil for a identificação dos rastros, maior será a dificuldade de reconhecer e medir o abuso e a extensão do dano. A lógica desse princípio sugere que abusos heurísticos são mais graves que abusos epistemológicos e pragmáticos, na medida em que a manipulação de fontes costuma ser mais difícil de ser detectada e reparada do que a manipulação de argumentos ou de trabalhos historiográficos. No próprio nível heurístico, significa que abusos envolvendo fontes únicas ou originais (por exemplo, diários) são piores se comparados com os que envolvem fontes não exclusivas, e que abusos cometidos após monopólio de acesso às fontes são mais graves que aqueles cometidos após o acesso livre. 38 Ainda de acordo com esse princípio, a destruição é pior que a falsificação, e a falsificação, pior que a invenção.

Um princípio similar é o da refutabilidade. Nessa perspectiva, sob as condições de um mesmo elemento mental, alguns abusos provocam mais danos que outros por não serem passíveis de refutação. No nível epistemológico, esse princípio indica que abusos na descrição de dados são piores que os relacionados à análise dos dados. Significa que, se dividimos as afirmações e declarações que compõem os argumentos historiográficos em afirmações do fato (descritivas) e declarações da opinião (analíticas), a distorção dos fatos é mais grave que a distorção das opiniões. 39 A lógica aqui subjacente é que se os fatos são distorcidos, é impossível checar a plausibilidade das opiniões que neles se baseiam, ao passo que, se as opiniões são deturpadas, continua sendo possível formular opiniões alternativas baseando-se nos fatos descritos de forma acurada. Alguns críticos desse princípio de refutabilidade 'orientado ao fato' poderão ressalvar que os fatos distorcidos são provavelmente importantes e, se são importantes, serão conhecidos de muitas pessoas que poderão retificar as alegações factuais daquele que comete o abuso. Em sentido estrito, esse argumento parece investir os especialistas de excessiva responsabilidade e sustentar-se sobre uma enorme confiança nos poderes autorregenerativos da historiografia. Contudo, outros críticos dirão que a versão 'orientada ao fato' do princípio não é válida, pois a distorção de uma opinião histórica global (ou representação) em um trabalho historiográfico é mais grave que a distorção de fatos singulares. É precisamente essa representação global e não os fatos singulares, dirão os críticos, que permanece retida na mente das pessoas. Essa é uma objeção relevante e, se estiver correta, o princípio é inútil para a distinção entre fatos e opiniões.

Isso não significa, entretanto, que o princípio da refutabilidade não possa servir como indicador de outros problemas relevantes. No nível da descrição dos dados, por exemplo, ele indica que a omissão irresponsável de dados factuais (por censura prévia, por exemplo) é pior que falsificá-los ou inventá-los, na medida em que a omissão torna a refutação mais difícil (assim como a destruição de fontes sob o princípio da rastreabilidade). Andrus Pork, porém, afirma o contrário. Em suas palavras:

Are there any substantial moral differences between using 'direct lie' [that is, falsification in my terms, adb] and 'blank pages' [that is, omission in my terms, adb] methods? Although it is clearly a choice between two evils, it seems to be that from the point of view of most historians' intuitive ethical understanding, the 'blank pages' method is morally more acceptable. After all, the selection of facts for a narrative is inevitable. (Pork, 1990, p.327)

Obviamente, a seleção dos fatos é inevitável e também obrigatória para historiadores, especialmente para autores de livros escolares de história. Creio, entretanto, que Pork deixa escapar o ponto principal: que a seleção decorrente de uma perspectiva particular que inevitavelmente contém uma tendência cognitiva é diferente de uma seleção irresponsável ou abusiva que pode ser evitada.

Há ainda outro princípio de avaliação que funciona na direção oposta da rastreabilidade e da refutabilidade. Esse princípio indica que abusos que contribuem significativamente para diminuir a confiança da sociedade na produção historiográfica e em seus praticantes causam mais danos que outros. Sobre esse princípio, a falsificação e a fabricação geram mais desconfiança do que a omissão, precisamente porque são em geral mais visíveis e detectáveis. A aplicação do princípio da confiança e dos princípios da rastreabilidade e da refutabilidade, portanto, conduzem a resultados opostos. Dessa discussão, concluo que os princípios para determinação da importância de abusos enquanto tais constituem parte necessária, ainda que insuficiente, do processo de avaliação, porque, embora sejam de fato esclarecedores, eles não se sustentam reciprocamente.

A importância dos abusos em relação ao seu contexto (textual)

A importância dos abusos epistemológicos também pode ser medida por uma avaliação que os considere em seus contextos textuais. A questão pode ser formulada desta maneira: como determinar se, em dado texto (T) consistindo de n argumentos (As), a presença de um único argumento Af (um argumento que se mostra deliberadamente falso ou fabricado) justifica uma sentença global de 'abuso da história' em relação a T? Suponhamos que T consista de 100 As verdadeiros e um único Af; pode T em sua totalidade ser considerado um abuso da história ou não? Seu autor comete um abuso da história ou não? Para complicar ainda mais: deve-se considerar que autores talentosos e discretos que cometem abusos não falsificam descaradamente os registros históricos, mas os deixam intactos o quanto puderem, alterando apenas trechos-chave de modo a não levantar suspeitas sobre seus objetivos? (De Baets, 2002, p.17). A resposta a essa questão dependerá da importância do argumento abusivo, Af, em relação ao argumento como um todo, T.

A importância dos abusos em relação à sua frequência

Há outro problema, intimamente ligado à questão da demarcação: a frequência dos usos irresponsáveis, de um lado, e dos abusos, de outro, pode reverter sua importância relativa. De fato, formas menos graves de uso irresponsável ocorrem muito mais frequentemente que abusos graves. Some-se a isso que algumas dessas formas são muito pouco visíveis ou detectáveis. Contudo, uma alta e contínua frequência de usos irresponsáveis de menor gravidade afeta todo o ambiente profissional; torna-o mais complacente e conivente com um habitus de trabalho mais desleixado. Quando isso ocorre, a tendência é que mais pessoas estejam envolvidas. Uma vez tolerados, portanto, acabam por aumentar a probabilidade da ocorrência de abusos mais graves. Sublinho ainda que esse mecanismo é transistêmico, ou seja, ativa-se tanto em sistemas democráticos como em não democráticos.

Vistas por esse ângulo, as formas mais leves de usos irresponsáveis seriam as mais importantes entre todos os usos questionáveis da história, ao passo que as formas mais sérias de abuso, em razão de sua baixa frequência, teriam menor importância. Essa conclusão implica que a negligência – tipo mental adotado nas formas mais leves de uso irresponsável da história – é muito menos inocente do que o seu baixo grau de intencionalidade sugere. Porém, essa conclusão cria a possibilidade de uma solução efetiva, na medida em que demanda cuidados estruturais para estabelecer estratégias preventivas focadas nas muitas formas mais leves de conduta irresponsável.

Justificativas e infrações

A lição decorrente dessa discussão é que o julgamento dos abusos deve ser feito com base em um horizonte de avaliação mais amplo, que inclua todas as partes envolvidas: vítimas e perpetradores de abuso. As três categorias de vítima foram identificadas na parte inicial de nossa teoria. Quando voltamos nossa atenção aos perpetradores de abusos, o primeiro passo é considerar as causas que possam prover uma justificativa para esses atos – razões que demonstrem que um aparente abuso pode não ter sido de fato um abuso da história. Alterações efetuadas de boa fé incluem-se nessa categoria. Não são abusos, pois não houve intenção maliciosa de enganar, e não são usos irresponsáveis, pois não houve negligência censurável. Exemplos no nível heurístico incluem a restauração de objetos e manuscritos sob condições científicas (tais como fac-similes, transcrições e traduções) e a reprodução idônea de originais perdidos ou danificados. No nível epistemológico, podemos pensar em correções, revisões e interpolações acadêmicas. Exercícios estilísticos de imitação e homenagem, quando de conhecimento público, pertencem a essa categoria. No nível pragmático, a renúncia voluntária dos ganhos provenientes de direitos autorais são um exemplo. 40

Muitas outras alterações idôneas não foram mencionadas aqui, por serem relativamente raras na historiografia profissional, a saber, paródias ou outras formas de ficção histórica com seus limites amplos e flexíveis de compreensão da realidade histórica. Essas distorções são com frequência enganosas, mas não são designadas como abuso se os seus autores não mantêm segredo sobre a possibilidade de provocar engano. Sendo assim, tais enganos não são provocados por má-fé. E certa liberdade no que diz respeito aos fatos históricos é uma característica de gêneros literários que se regem por diferentes critérios e expectativas.

Podem outras justificativas ser invocadas como defesa? Poderão os historiadores argumentar que não sabiam que o que faziam era um abuso (ignorância) ou que cometeram um abuso involuntariamente (falha)? Uma vez que tratamos aqui de historiadores profissionais, treinados para agir conscientemente como especialistas e para estar perfeitamente cientes dos limites de seus conhecimentos, a ignorância na maioria das vezes será uma defesa fraca. Em geral os árbitros reagem com impaciência quando confrontados com falsas afirmações de fatos, decorrentes de ignorância. O outro argumento de defesa, por falha, é mais sério. Nenhum historiador é perfeito; como qualquer pessoa, comete erros, esquece ou subestima fatos relevantes e argumentos a favor ou contra sua teoria. 41 Esses são casos de negligência simples e inadvertida. Mas, e se o número ou a natureza das falhas for 'despropositado'? E se a negligência ocorre em larga escala (provocada por preguiça, pressa, incompetência, credulidade, autoengano, preconceito)? Negligência em larga escala da parte de historiadores acadêmicos que supostamente deveriam ser rigorosos resulta em história de má-qualidade e transgride o limite da negligência censurável (a gradação mais baixa da intenção e da culpabilidade). Em suma, trata-se no mínimo de um uso irresponsável, 42 pois "O rigor é um dever, não uma virtude".43

Se nenhuma justificação puder ser invocada, surgirá a questão da infração. Qualquer acusação de infração deve ser fundamentada; alegações por si sós não são suficientes. Acusações falsas devem ser corrigidas com a reabilitação do acusado e a punição do acusador. Assumindo que a acusação seja acatada, devem ser aplicadas garantias de tratamento e de processo justos. Isso inclui a presunção da inocência do acusado, ônus de prova para os acusadores, registros escritos do caso com direito de resposta, oportunidade de defesa e apelação. Uma vez que as provas do abuso são aceitas, princípios gerais de imputabilidade de responsabilidade e culpa são aplicáveis. Primeiro, quanto mais alto for o grau de intenção, maior será a infração. Além disso, quanto mais o dano for desejado, previsível, iminente, ou, quando infligido, grave, mais séria a infração. Danos resultantes de crimes atribuídos ao abuso da história, em particular – como por exemplo a propaganda histórica que incita pública e diretamente ao ódio, à discriminação e à violência, ou à ação de genocídio 44 –, maximizam a infração. Em segundo lugar, aqueles que cometem abusos, assim como aqueles que os ajudam e deles são cúmplices, são responsáveis, mas o primeiro geralmente é mais responsável que o último. Atenção especial deve ser dada, contudo, ao papel daqueles que planejam e organizam o abuso, aos censores ou provedores de contratos e financiamentos que exercem pressão e, por esta razão, possuem grande influência sobre a conduta abusiva.

Justificativas e falsas justificativas

O problema seguinte é como punir o abuso uma vez identificado. Se houver justificativas válidas as sanções serão eliminadas, total ou parcialmente. Há duas situações em que as justificativas negam a responsabilidade. A primeira, quando houver coerção: em tais circunstâncias o abuso pode ter sido inevitável, pois ocorre sob pressão severa. Por exemplo, historiadores forçados a cometer abusos sob a ordem de terceiros, como censores, e a recusa do ato significar ameaça substancial a suas vidas ou às de seus familiares ou à preservação de suas carreiras e fontes de subsistência (como é bastante comum em regimes ditatoriais). Nesse caso, o grau da (falta de) autonomia determina o quanto a conduta é ou não desculpável. A segunda é quando existe anomalia mental, seja crônica ou episódica: aquele que comete o abuso sofria de doença mental ou de intoxicação (furiosus furore solum punitur). Há também a justificativa da negação do dano: o abuso foi tão pequeno que a punição daquele que o cometeu pode causar mais dano que o abuso em si (de minimis non curat lex). Pode-se pensar aqui em casos nos quais os perpetradores do abuso são estudantes de história em algum estágio de treinamento e ainda não estão completamente cientes da ética profissional ou ainda não dominam completamente as técnicas da pesquisa histórica. Informações precisas em cursos de história podem ter papel preventivo e reduzir substancialmente esse conjunto de casos que é relativamente grande.

Argumentos de perpetradores de abusos sobre seus motivos e intenções, embora tenham valor em muitos aspectos, nem sempre são transparentes, lógicos ou verdadeiros. Falsas justificativas são de dois tipos. Algumas são justificativas desonestas ou formas de autoengano – justificativas que podem ser válidas como tais, mas que são invocadas de maneira imprópria no caso em questão. Muitos daqueles que cometem abuso usam argumentos de defesa como "Eu estava distraído, estressado, brincando, fui descuidado, estava temporariamente descontrolado; cometi abuso inadvertidamente; foi uma brincadeira", quando, na verdade, não era esse o caso. Essas afirmações dúbias, é claro, complicam a tarefa de prover uma base substancial de provas do abuso. Outras desculpas são, na maioria das vezes, manifestamente infundadas. O Quadro 4 oferece uma lista provisória do segundo tipo.


Circunstâncias atenuantes e agravantes

Além de justificativas legítimas, alguns tipos de fatores atenuantes podem surgir após a ocorrência do abuso. O primeiro deles é o arrependimento expresso daqueles que cometeram abuso, seja implicitamente (quando se arrependem e abandonam tentativas de abuso) ou explicitamente (quando, após a ocorrência do abuso, cooperam, confessam, desculpam-se publicamente, e/ou corrigem o dano infligido). O segundo é uma avaliação da situação em que se encontram os que cometeram o abuso, em particular se a sanção imposta acarretou consequências excessivamente graves para eles. Finalmente, há dois fatores relativos ao tempo. Restrições ao trabalho, estabelecidas por lei ou de outros modos, podem ser aplicadas quando a exposição do abuso acontece muitos anos ou décadas após os fatos ou quando as sanções são inúteis, caso de autores já mortos.

Três fatores relacionados à responsabilidade podem ter efeitos agravantes. O primeiro, quando aquele que comete o abuso é um historiador profissional. O segundo, quando há alguém manipulando outras pessoas para que cometam abusos. O último, quando há a repetição de irregularidades que conduz a uma série de abusos ou usos irresponsáveis da história.

Sanções

Sanções por abuso devem ser aplicadas de forma sábia e comedida, e devem almejar quatro objetivos: forçar ou estimular perpetradores de abuso a mudar suas condutas (se suas identidades forem conhecidas); impedir que outros os imitem; reparar danos causados às vítimas; e encorajar todos os historiadores a tomar medidas preventivas e contribuir para preservar a integridade da historiografia. Os princípios para guiar essa operação são bem conhecidos. Sanções não devem causar mais dano que o abuso. Devem considerar os motivos, as justificativas e os fatores atenuantes e agravantes. Devem ser proporcionais ao grau de intencionalidade, ao risco de dano e ao dano efetivamente infligido. O ônus da reparação deve recair equitativamente entre os vários perpetradores, e os benefícios da reparação devem ser igualmente distribuídos entre as diferentes vítimas. Sanções devem ser também aplicadas a tentativas de abuso, mas devem ser menos rigorosas que aquelas aplicadas aos abusos efetivamente cometidos: tentativas podem ser equiparadas aos abusos somente se for possível demonstrar que a intenção de enganar estava claramente presente. Finalmente, as sanções devem ser limitadas a um período e oferecer, se possível, alguma perspectiva após sua aplicação.

Na prática, esses princípios nem sempre são aplicados de forma estrita. Há três tipos de sanções: simbólica, profissional e legal. O primeiro tipo é o mais frequente. Sanções simbólicas são impostas por vítimas ou por terceiros. No primeiro cenário a identidade daqueles que cometeram abuso é apresentada a suas vítimas ou a terceiros, mas não ao público. O efeito disso sobre quem cometeu o abuso é imprevisível: sua perda de reputação pode encorajá-lo tanto a expressar arrependimento quanto a cometer outros abusos de forma mais sutil. As vítimas tanto podem considerar a exposição seletiva frustrante quanto, alternativamente, ver nisso um instrumento para exercer pressão sobre aquele que cometeu o abuso e exigir reparação. O público, ignorando o abuso, poderá ainda sofrer danos por isso. Sanções simbólicas confidenciais, frequentemente impostas sem um justo e completo exame dos fatos, servem a dois propósitos: satisfação da vítima pela confissão privada, desculpas, ou reparação por parte do perpetrador do abuso, consequentemente sem maculá-lo. Elas muitas vezes ocorrem como um acordo amigável fundamentado na ameaça de exposição. Sanções simbólicas públicas podem satisfazer as vítimas e advertir o público sobre o abuso e quem o cometeu. Tipicamente, elas tomam a forma de uma investigação que culmina na exposição e refutação do abuso em um jornal ou na internet, ou de uma discussão pública com o responsável pelo abuso. Esse cenário não raro é acompanhado pela exigência de retificação e por um pedido de desculpas.

Sanções profissionais são impostas por uma associação de historiadores profissionais ou pela instituição acadêmica à qual o autor do abuso pertence. Elas variam desde a retirada de circulação da publicação abusiva e de uma exigência de retificação em futuros escritos, até reprimendas ou suspensão por períodos curtos ou longos. A punição legal é imposta pela lei ou por um juiz. Consiste no confisco de direitos autorais de cópias que tenham infringido direitos de outro trabalho, mandatos de retenção de publicações, e exigências de retificação na imprensa, em edições futuras de um livro, ou em número posterior do periódico em que o texto problemático tenha sido publicado. Outras medidas judiciais incluem penalidades e indenizações por danos, além de processos criminais e a prisão dos autores dos abusos, seus superiores e cúmplices.

Quase todas as sanções listadas provocam controvérsias entre historiadores profissionais. Algumas lembram períodos de obscuridade em que historiadores responsáveis, e não perpetradores de abuso da história, foram obrigados a negar publicamente suas teses ou trabalhos. Mas essas sanções são mais duras que aquelas já listadas. Medidas como a destituição abusiva de graus acadêmicos ou credenciais, recusa de promoção, rebaixamento de cargos, demissões, aposentadorias forçadas e listas negras reverberam formas de represália contra historiadores honestos sob regimes ditatoriais. Tudo isso resulta num dilema; por um lado, ninguém quer que abusos da história ou usos irresponsáveis em larga escala fiquem impunes, especialmente porque a indulgência com "agentes do esquecimento, trituradores de documentos, assassinos da memória, revisores de enciclopédias, conspiradores de silêncio" 45 é um convite à repetição; por outro lado, quase todos os tipos de sanção e quase todo procedimento de julgamento parece reverberar os ecos vergonhosos de injustificadas repressões a historiadores no passado e encontram, desse modo, hesitação ou resistência. Esse dilema é o que eu designo como a cilada dos juízes corretos.

Prevenção

Os abusos podem ser enfrentados preventivamente em pelo menos quatro níveis. Em primeiro lugar a prevenção do abuso é estimulada por meio da formação de um hábito de trabalho cuidadoso e honesto, especialmente no reconhecimento de débitos intelectuais em notas e referências e na distinção clara entre citações e paráfrases.

Um segundo nível é a promoção de um processo de conscientização realizado explicitamente mediante o ensino de questões éticas para historiadores, até mesmo ensinando sobre abusos da história no passado (De Baets, 2009, cap. 6). Ao mesmo tempo, é importante combater a incredulidade em muitos círculos acadêmicos. Há muitos clichês em circulação, como: "Eu não conheço nenhum caso de abuso, portanto sua ocorrência é baixa; se ocorressem, eu saberia; no passado havia mais abuso do que hoje; eles acontecem, mas não aqui; aludir ao abuso mancha a reputação do nosso departamento". Tais clichês obstruem a vigilância e a prevenção.

O terceiro nível é o das salvaguardas institucionais. A propensão ao abuso diminui quando a liberdade acadêmica e a autonomia institucional são respeitadas; a seleção, o acesso e a divulgação de informação são bem regulados; um método crítico e objetivo é ensinado; estão estabelecidos um clima de revisão por pares imparcial e livre e o debate pluralista sobre o passado.

O quarto nível é o estabelecimento de padrões, pelo desenvolvimento de normas constituintes de códigos de ética profissional. Tais códigos devem claramente defender que todos os historiadores têm a responsabilidade de se opor ao abuso da história. Em nível global, o Comitê Internacional de Ciências Históricas (International Committee of Historical Sciences) é a organização tutelar da profissão. Em 1926, quando foi "criado para promover as ciências históricas mediante a cooperação internacional", o Comitê esboçou uma Constituição, cujo Artigo 1º expressava sua razão de ser. 46 Nesse artigo acrescentou-se uma frase sobre direitos e responsabilidades dos historiadores, em 1992. E em 2005 a Assembleia Geral do Comitê decidiu por unanimidade alterar mais uma vez o Artigo 1º, complementando-o com a cláusula de que "se opõe ao uso abusivo da história". A razão imediata para a inserção dessa cláusula foi a situação precária da escrita da história sob o governo do Partido Bharatiya Janata na Índia, entre 1998 e 2004. 47 A mudança foi extremamente importante, na medida em que finalmente um organismo de historiadores universalmente reconhecido compreendeu o abuso da história, a despeito da variedade de situações que ele engloba, como um conceito por si próprio. 48

Oposição aos abusos

Isso nos coloca uma difícil questão: quão errado é não se opor aos abusos de que se tem conhecimento? Há três situações aqui. A primeira se refere aos historiadores que participam, eles mesmos, de atividades abusivas. Não se opor a essas atividades é claramente uma infração. A segunda situação surge quando trabalhos de historiadores sofrem abuso contra a sua vontade. Esses historiadores não podem, claro, ser responsabilizados por abusos cometidos por outros. Se, contudo, eles sabem que seu trabalho publicado sofre abuso por terceiros e se têm liberdade para se expressar, devem expor e denunciar o abuso de seu trabalho. O terceiro caso é o mais difícil: teriam os historiadores em geral o dever de se opor a conhecidos abusos praticados por seus colegas? Será aqui mais razoável restringir a categoria 'historiadores em geral' àqueles que são especialistas no campo em que o abuso ocorre. Sendo assim, a questão inicial pode ser reformulada: os historiadores especializados têm o dever de se opor a abusos praticados em seu campo de pesquisa? Em princípio, não manifestar oposição aos abusos dos quais se tem conhecimento ou à falsa história é falhar no dever profissional da responsabilidade perante a sociedade. Na prática, contudo, as circunstâncias não costumam ser tão simples. Primeiro, pode haver fortes fatores psicológicos em jogo: inércia, subestimação do fenômeno do abuso, coleguismo, ou a descrença de que alguém cometa abuso em seu próprio campo de especialização. Segundo, há o imenso volume de trabalho pesando nos ombros dos historiadores, o que pode atrasar a revelação do abuso de que se toma conhecimento, especialmente porque os padrões de prova são – e devem ser – altos. Terceiro, os especialistas em questão são com frequência rivais ou colegas dos que cometem abuso. E, por vezes, os primeiros se encontram em posição subordinada aos últimos.

Revelar abusos, portanto, exige normalmente muita coragem. Isso é óbvio em regimes ditatoriais, mas também o é em ambientes mais abertos nos quais revelar abusos significa reportá-los confidencialmente a um ouvidor ou a alguma comissão de ética. A experiência de delatores – aqueles que liberam informações bem fundamentadas sobre infrações – em democracias não é muito encorajadora. Com demasiada frequência eles arriscam-se a se tornarem eles mesmos alvos de campanhas difamatórias (podendo algumas delas ser instigadas por poderosos perpetradores de abuso). Medo de sofrer processos por difamação ou outras táticas de intimidação são tradicionalmente fortes motivos para não reagir ao abuso. 49 Os especialistas, então, podem algumas vezes invocar circunstâncias atenuantes. Dessa discussão seguem-se duas conclusões. Primeiro, é importante perceber a distinção sutil, porém importante, entre opor-se ao abuso e revelá-lo. A oposição ao abuso abrange várias ações: revelação, refutação, sanção e prevenção. Segundo, especialistas individualmente necessitam de muita coragem para denunciar o abuso, e esse fato alimenta a necessidade de colaboração entre historiadores em termos de organização e estabelecimento de procedimentos.

Historiadores que se dedicam à ética acadêmica, quando tentam resumir o que realmente está em jogo nos casos de abusos graves da história, devem lembrar as palavras de Voltaire: "Aqueles que o fazem acreditar em absurdos podem levá-lo a cometer atrocidades". 50

NOTAS

11 Cf. WILLIAMS, 2002, p.84-148. Ver também o meu Responsible History (DE BAETS, 2009), p.173-196, no qual procuro operacionalizar o conceito.

23 DE BAETS, Antoon. Archives. In: JONES, Derek (Ed.). Censorship: A World Encyclopedia. London; Chicago: Fitzroy Dearborn, 2001. p.76-82.

24 Este é o domínio da propaganda histórica: a manipulação sistemática de fatos históricos ou de opiniões, normalmente pelo governo ou outro poder, ou com a sua conivência; ver DE BAETS, 2002, p.18.

25 Relacionada à omissão irresponsável está a noção de tabus históricos: fatos históricos ou opiniões que não podem ser mencionados por razões de privacidade, reputação, ou de legitimação do poder e estatuto. Para definições de conceitos relacionados ao abuso da história, ver DE BAETS, Antoon. Taxonomy of concepts related to the censorship of History. In: MARET, Susan (Ed.). Government Secrecy, Series Research in Social Problems and Public Policy, Bingley: Emerald, n.19, p.53-65, 2011; ou DE BAETS, Antoon. Censorship backfires: a taxonomy of concepts related to censorship. In: HUFF, Mickey; ROTH, Andy Lee, with Project Censored (Ed.). Censored 2013: dispatches from the media revolution. New York: Seven Stories Press, 2012. p.223-234.

26 Uma introdução sobre a narrativa na produção historiográfica pode ser conferida em LORENZ, Chris. History: forms of representation, discourse, and functions. In: SMELSER, Neil; BALTES, Paul (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. v.10. Oxford: Elsevier-Pergamon, 2001. p.6836-6842.

27 AMERICAN HISTORICAL ASSOCIATION. Statement on standards of professional conduct. Disponível em: www.historians.org/pubs/free/ProfessionalStandards.cfm; Washington, maio 1987; completamente rev. em jan. 2011); BERNE CONVENTION FOR THE PROTECTION OF LITERARY AND ARTISTIC WORKS. Disponível em: www.wipo.int/treaties/en/ip/berne/trtdocs_wo001.html; Berne; Paris: World Intellectual Property Organization, 1886, 1979. Artigos 3, 6bis-7bis, 10, 15-16; BERNHEIM, Ernst. Lehrbuch der Historischen Methode und der Geschichtsphilosophie. Leipzig: von Duncker & Humblot, 1903. p.300-358; BLOCH, 1967, p.41-52; BROAD, William; WADE, Nicholas. Betrayers of the truth. New York: Simon and Schuster, 1982. p.29; BRUGIONI, Dino. Photo fakery: the History and techniques of photographic deception and manipulation. Dulles (VA): Brassey's, 1999. p.196-202; CHUBIN, Daryl; HACKETT, Edward. Peerless science: peer review and US science policy. Albany: State University of New York Press, 1990. p.136; ECO, Umberto. Fakes and forgeries. In: The limits of interpretation. Bloomington; Indianapolis: Indiana University Press, 1990. p.174-202; FISCHER, David. Historians' fallacies: toward a logic of historical thought. New York: Harper Torchbooks, 1970. p.82-87; GRAFTON, Anthony. Forgers and critics: creativity and duplicity in Western scholarship. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1990. p.36-68; HAYWOOD, Ian. Faking it: arts and the politics of forgery. Brighton: Harvester Press, 1987. p.1-18, 131-143; JAUBERT, Alain. Le Commissariat aux archives: les photos qui falsifient l'histoire. Paris: Barrault, 1986; KURZ, Otto. Fakes: a handbook for collectors and students. London: Faber and Faber, [1948]. p.316-321; LAFOLLETTE, Marcel. Stealing into print: fraud, plagiarism, and misconduct in scientific publishing. Berkeley; Los Angeles: University of California Press, 1992. p.32-67; LANGLOIS, Charles-Victor; SEIGNOBOS, Charles. Introduction aux études historiques. 1.ed. 1898; Paris: Kimé, 1992. p.133-158; OUY, Gilbert. Les faux dans les archives et les bibliothèques. In: SAMARAN, Charles (Ed.). L'Histoire et ses méthodes. Paris: Gallimard, 1961. p.1367-1383; PRADEL, Pierre. Les Musées: l'authenticité des témoignages – faux et demi-faux. In: SAMARAN (Ed.), 1961, p.1784-1789; VANSINA, Jan. Oral tradition as History. London: James Currey, 1985. p.95-114.

35 BERNHEIM, 1903, p.301-302; BLOCH, 1967, p.43; FEDER, 1999, p.9-10; GALLIE, W. B. The uses and abuses of History. In: GALLIE, W. B. Philosophy & the historical understanding. (publicado originalmente em 1964). New York: Schocken Books, 1968. p.126-139; GRAFTON, 1990, p.37-49; HAYWOOD, 1987, p.8-9; KURZ, [1948], p.318-319; KARLSSON, Klas-Göran. Public uses of History in contemporary Europe. In: JONES, Harriet; ÖSTBERG, Kjell; RANDERAAD, Nico (Ed.). Contemporary History on trial: Europe since 1989 and the role of the expert historian. Manchester; New York: Manchester Univ. Press, 2007. p.34; LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1992, p.141-145; VANSINA, 1985, p.91-93.

Artigo recebido em 26 de outubro de 2012.

Aprovado em 29 de novembro de 2012.

Tradução: Patricia S. Hansen

Referências bibliográficas

  • 1 CICERO, Marcus Tullius. De oratore I, II (original em latim, 55 a.C.; trad. Breno Battistin Sebastiani em "Ao conceito ciceroniano de História a partir das definições historiográficas gregas", Phaos, v.6, 2006, p.92), II, 62.
  • Este artigo é uma versão adaptada das páginas 9 a 39 de DE BAETS, Antoon. Responsible History New York; Oxford: Berghahn Books, 2009.
  • 2 INTERNATIONAL COMMITTEE OF HISTORICAL SCIENCES. Constitution Disponível em: www.cish.org/EN/presentation/constitution.htm; 1926, modificado em 1992 e 2005. Artigo 1ş.
  • 3 Por exemplo, FERRO, Marc. The use and abuse of History, or how the past is taught to children London; Boston: Routledge, 2003;
  • FINLEY, Moses. The use and abuse of History London: Chatto & Windus; New York: Viking, 1986;
  • GEYL, Pieter. The use and abuse of History New Haven (CT): Yale University Press, 1955;
  • LEWIS, Bernard, History remembered, recovered, invented Princeton (NJ): Princeton University Press, 1987;
  • TODOROV, Tzvetan. The Abuses of Memory. Common Knowledge, v.5, n.1, p.6-26, Spring 1996.
  • A minha própria análise da censura da história também é centrada na noção básica de legitimação. Ver DE BAETS, Antoon. Censorship of historical thought: a world guide 1945-2000. Westport (CT); London: Greenwood, 2002. p.1-36.
  • 4 Para uma base mais detalhada ver ALTBACH, Philip. The academic profession. In: ALTBACH (Ed.). International higher education: an Encyclopedia. v.1. New York; London: Garland, 1991. p.23-45.
  • 5 KUSÝ, Miroslav. On the purity of the historian's craft. Kosmas, 1984-1985, III, n.2; IV, n.1, p.29-31, 38.
  • Ele referia-se a BLOCH Marc. Apologie pour l'histoire ou métier d'historien (publicado originalmente em 1949; Paris: Colin, 1967);
  • e CARR, Edward. What is History? (1.ed. 1961; Harmondsworth: Penguin, 1973).
  • 6 DAVIS, Natalie Zemon. Censorship, silence and resistance: the Annales during the German Occupation of France. Historical Reflections, v.24, n.2, p.351-374, Summer 1998.
  • 7 Este é, em parte, o caso do (interessante) trabalho de WIRTH, Laurent. Facing Misuses of History. In: The Misuses of History Strasbourg: Council of Europe [Council for Cultural Co-operation], 2000. p.23-56.
  • 8 SHILS, Edward. The calling of education: 'The Academic Ethic' and other essays on higher education. Steven Grosby (Ed.). Chicago: Chicago University Press, 1997. p.160-161.
  • John Dewey expressou a mesma ideia em 1902. Cf. Academic Freedom (1902). In: BOYDSTON, Jo Ann (Ed.). John Dewey: the Middle Works, 1899-1924. v.2, 1902-1903. Carbondale; Edwardsville: Southern Illinois University Press; London; Amsterdam: Feffer & Simons, 1976. p.55.
  • Sobre o valor da verdade, ver WILLIAMS, Bernard. Truth & truthfulness: an essay in genealogy. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 2002. p.6-7.
  • 9 POPPER, Karl. Logic of scientific discovery London: Hutchinson, 1980. p.34-42 e 278-282;
  • e POPPER, Conjectures and refutations: the growth of scientific knowledge. London: Routledge & Kegan Paul, 1963, 1974. p.33-41, 253-258.
  • Para uma visão geral das teorias da demarcação, ver TRUZZI, Marcello. Pseudoscience. In: STEIN, Gordon (Ed.). The Encyclopedia of the Paranormal Amherst (NY): Prometheus, 1996. p.560-574;
  • e DOLBY, Riki. Uncertain knowledge: an image of science for a changing world. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p.159-165, 184-225.
  • Ver também STUMP, David. Pseudoscience. In: HOROWITZ, Maryanne (Ed.). New Dictionary of the History of Ideas v.5. Detroit: Scribner's, 2005. p.1950-1951.
  • 10 O poder de significação dos mitos pode ser conferido na taxonomia de George Schöpflin. Ver: The Functions of Myth and a Taxonomy of Myths. In: HOSKING, Geoffrey; SCHÖPFLIN, George (Ed.). Myths and Nationhood London: Hurst, 1997. p.28-35.
  • Ver também LOWENTHAL, David. Fabricating Heritage. History & Memory, v.10, n.1, p.5-25, Spring 1998.
  • Para mais reflexões sobre mitos, cf. MCNEILL, William. Mythistory, or Truth, Myth, History, and Historians. American Historical Review, v.91, n.1, p.6-9, February 1986;
  • para uma discussão sobre o caráter desculpável dos mitos históricos, ver GORDON, David. Self-determination and History in the Third World Princeton (NJ): Princeton University Press, 1971. p.177-182;
  • para reflexões sobre a coexistência de crenças contraditórias na mente humana, ver VEYNE, Paul. Les Grecs ont-ils cru à leurs mythes? Essai sur l'imagination constituante. Paris: Seuil, 1983.
  • 12 Para o conceito de engano (e sua distinção de autoengano), ver BEVIR, Mark. The logic of the History of Ideas Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p.265-278.
  • 13 FEINBERG, Joel. Harm to others New York; Oxford: Oxford University Press, 1984. p.187-191.
  • 14 Aplicando o argumento de Immanuel Kant em "On a Supposed Right to Lie from Altruistic Motives" (original em alemão, 1785). In: SINGER, Peter (Ed.). Ethics Oxford: Oxford University Press, 1994. p.281: "For a lie always harms another;
  • 15 Ver também BARENDT, Eric. Freedom of speech (2.ed., rev. e atualizada). Oxford: Oxford University Press, 2005. p.226.
  • 16 Ver DE BAETS, 2009, chapter 3. Ver também a importante observação de Henry SIDGWICK em seu The Methods of Ethics (1.ed. 1874; 7.ed. 1907; Indianapolis; Cambridge: Hackett, reprint 1981). p.312-319, 485.
  • 17 GROSS, Hyman. A theory of criminal justice New York: Oxford University Press, 1979. p.13-18.
  • 18 Ver também SHILS, 1997, p.160-161; SCHAUER, Frederick, Free speech: a philosophical inquiry. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. p.92, 102.
  • 20 Para uma pesquisa sobre teorias pseudo-históricas (como negação do holocausto, afrocentrismo, criacionismo, fraudes arqueológicas etc.), ver CARROLL, Robert. The skeptic's Dictionary. Hoboken (NJ): Wiley, 2003;
  • CORINO, Karl (Ed.). Gefälscht! Betrug in Politik, Literatur, Wissenschaft, Kunst und Musik. Reinbek: Rowohlt, 1992;
  • FEDER, Kenneth. Frauds, myths, and mysteries: science and pseudoscience in archaeology. Mountain View (CA); London; Toronto: Mayfield, 1999;
  • FULD, Werner, Das Lexikon der Fälschungen Frankfurt am Main: Eichborn, 1999;
  • WILLIAMS, William (Ed.). Encyclopedia of Pseudoscience Chicago; London: Fitzroy Dearborn, 2000.
  • 21 Ver, entre outros, WOOLF, Daniel. Historiography. In: HOROWITZ (Ed.), 2005, v.1 passim,
  • 22 WATT, Donald Cameron. The political misuse of History. Trends in historical revisionism: History as a political device. London: Centre for Contemporary Studies, 1985, p.11.
  • Ver também SABROW, Martin; JESSEN, Ralph; GROβE KRACHT, Klaus (Ed.). Zeitgeschichte als Streitgeschichte: Grosse Kontroversen seit 1945. Munich: Beck, 2003. p.9-18.
  • 23 DE BAETS, Antoon. Archives. In: JONES, Derek (Ed.). Censorship: A World Encyclopedia London; Chicago: Fitzroy Dearborn, 2001. p.76-82.
  • 25 Relacionada à omissão irresponsável está a noção de tabus históricos: fatos históricos ou opiniões que não podem ser mencionados por razões de privacidade, reputação, ou de legitimação do poder e estatuto. Para definições de conceitos relacionados ao abuso da história, ver DE BAETS, Antoon. Taxonomy of concepts related to the censorship of History. In: MARET, Susan (Ed.). Government Secrecy, Series Research in Social Problems and Public Policy, Bingley: Emerald, n.19, p.53-65, 2011;
  • ou DE BAETS, Antoon. Censorship backfires: a taxonomy of concepts related to censorship. In: HUFF, Mickey; ROTH, Andy Lee, with Project Censored (Ed.). Censored 2013: dispatches from the media revolution. New York: Seven Stories Press, 2012. p.223-234.
  • 26 Uma introdução sobre a narrativa na produção historiográfica pode ser conferida em LORENZ, Chris. History: forms of representation, discourse, and functions. In: SMELSER, Neil; BALTES, Paul (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences v.10. Oxford: Elsevier-Pergamon, 2001. p.6836-6842.
  • 27 AMERICAN HISTORICAL ASSOCIATION. Statement on standards of professional conduct Disponível em: www.historians.org/pubs/free/ProfessionalStandards.cfm; Washington, maio 1987;
  • completamente rev. em jan. 2011); BERNE CONVENTION FOR THE PROTECTION OF LITERARY AND ARTISTIC WORKS. Disponível em: www.wipo.int/treaties/en/ip/berne/trtdocs_wo001.html; Berne; Paris: World Intellectual Property Organization, 1886, 1979.
    » link
  • Artigos 3, 6bis-7bis, 10, 15-16; BERNHEIM, Ernst. Lehrbuch der Historischen Methode und der Geschichtsphilosophie Leipzig: von Duncker & Humblot, 1903. p.300-358;
  • BLOCH, 1967, p.41-52; BROAD, William; WADE, Nicholas. Betrayers of the truth New York: Simon and Schuster, 1982. p.29;
  • BRUGIONI, Dino. Photo fakery: the History and techniques of photographic deception and manipulation. Dulles (VA): Brassey's, 1999. p.196-202;
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  • FISCHER, David. Historians' fallacies: toward a logic of historical thought. New York: Harper Torchbooks, 1970. p.82-87;
  • GRAFTON, Anthony. Forgers and critics: creativity and duplicity in Western scholarship. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1990. p.36-68;
  • HAYWOOD, Ian. Faking it: arts and the politics of forgery. Brighton: Harvester Press, 1987. p.1-18, 131-143;
  • JAUBERT, Alain. Le Commissariat aux archives: les photos qui falsifient l'histoire. Paris: Barrault, 1986;
  • KURZ, Otto. Fakes: a handbook for collectors and students. London: Faber and Faber, [1948]. p.316-321;
  • LAFOLLETTE, Marcel. Stealing into print: fraud, plagiarism, and misconduct in scientific publishing. Berkeley; Los Angeles: University of California Press, 1992. p.32-67;
  • LANGLOIS, Charles-Victor; SEIGNOBOS, Charles. Introduction aux études historiques 1.ed. 1898; Paris: Kimé, 1992. p.133-158;
  • OUY, Gilbert. Les faux dans les archives et les bibliothèques. In: SAMARAN, Charles (Ed.). L'Histoire et ses méthodes Paris: Gallimard, 1961. p.1367-1383;
  • PRADEL, Pierre. Les Musées: l'authenticité des témoignages faux et demi-faux. In: SAMARAN (Ed.), 1961, p.1784-1789; VANSINA, Jan. Oral tradition as History London: James Currey, 1985. p.95-114.
  • 28 Ver, entre outros, WILLIAMS, Glanville. The mental element in crime Jerusalem: Magnes Press, 1965. p.20.
  • 30 Ver também NICKELL, Joe. Pen, ink, & evidence: a study of writing and writing materials for the penman, collector, and document detective (publicado originalmente em 1990). New Castle (DE): Oak Knoll Press, 2000. p.192-194 ("genuine fakes").
  • 32 Ver também LAFOLLETTE, 1992. p.47, 60. Para reflexões sobre os limites da boa prática historiografica, cf. KOCKA, Jürgen. Objektivitätskriterien in der Geschichtswissenschaft. In: KOCKA, Sozialgeschichte Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1977. p.40-47;
  • e BROWN, Donald. Hierarchy, History & human nature: the social origins of historical consciousness. Tucson (AZ): The University of Arizona Press, 1988. p.10-15.
  • 35 BERNHEIM, 1903, p.301-302; BLOCH, 1967, p.43; FEDER, 1999, p.9-10; GALLIE, W. B. The uses and abuses of History. In: GALLIE, W. B. Philosophy & the historical understanding (publicado originalmente em 1964). New York: Schocken Books, 1968. p.126-139;
  • GRAFTON, 1990, p.37-49; HAYWOOD, 1987, p.8-9; KURZ, [1948], p.318-319; KARLSSON, Klas-Göran. Public uses of History in contemporary Europe. In: JONES, Harriet; ÖSTBERG, Kjell; RANDERAAD, Nico (Ed.). Contemporary History on trial: Europe since 1989 and the role of the expert historian. Manchester; New York: Manchester Univ. Press, 2007. p.34;
  • 36 Sobre os usos e abusos políticos da história ver, por exemplo: Historical consciousness and political action. History and Theory, v.17, n.4, December 1978.
  • 37 Os únicos autores que fazem a distinção essencial entre intenção e motivo são BEVIR, 1999, p.286-304; e BROWN, Elizabeth. Falsitas pia sive reprehensibilis: medieval forgers and their intentions. In: Fälschungen im Mittelalter, v.1. Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1988. p.103.
  • 38 Ver também PORK, Andrus. History, lying and moral responsibility. History and Theory, v.29, n.3, p.329, October 1990.
  • 42 Para exemplos de negligência censurável, ver WIENER, Jon. Historians in trouble: plagiarism, fraud, and politics in the ivory tower New York; London: The New Press, 2005. p.71-116.
  • 44 Esse é o caso do historiador Ferdinand Nahimana. Ver INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR RWANDA. Prosecutor v. Ferdinand Nahimana, Jean-Bosco Barayagwiza, Hassan Ngeze; Case no. ICTR-99-52-T: Judgement and Sentence. Disponível em: www.concernedhistorians.org/le/64.pdf; 2003),
  • 45 YERUSHALMI, Yosef. Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. New York: Schocken, 1989.
  • 46 Ver ERDMANN, Karl; KOCKA, Jürgen; MOMMSEN, Wolfgang. Toward a global community of historians: the International Historical Congresses and the International Committee of Historical Sciences, 1898-2000. New York; Oxford: Berghahn, 2005. p.142-143 (sobre o Estatuto de 6 jul.
  • 47 Agradeço a Jean-Claude Robert, secretário-geral do International Committee of Historical Sciences (2000-2010), pelo esclarecimento da história das diferentes versões da cláusula (e-mails de 22, 24 e 25 set., 1 e 3 out., 26 e 28 nov. 2006). Ver para essa história as seguintes minutas disponíveis em www.cish.org/EN/presentation/board.htm: (1) the Bureau meeting (Oslo, 13 Aug. 2000), item 5 ("Other matters," relacionado à situação indiana); (2) the Bureau meeting (Paris, 30-31 Aug. 2003), que concluiu o item 9.3 ("History research in India") nestes termos: "The Sydney Congress [of 2005] should prominently deal with the present problem of the relationship between politics and History, including censorship and political intervention into the discipline"; (3) the "Bureau restreint" meeting (Lausanne; Crans, 21-22 Feb. 2004), o qual sob o item 2 ("ICHS operations / amendments to the statutes") fala sobre o 'abuse of history' e declara: "The advantage of the new wording [i.e., 'abuse'] is that it spells out the ICHS's attitude towards the use of history for political ends"; (4) the Bureau meeting (Berlin, 27-28 Aug. 2004), no qual com base no item 3.1 ("Motion to amend the statutes of the ICHS: Article 1") trocou 'abuse' por 'misuse'; (5) the General Assembly (Sydney, 3 July 2005), na qual sob o item 6 ("Amendments to the statutes of the ICHS") fala de 'abusive use'. No texto final, o termo 'misuse' foi escolhido. Para a situação da história sob o governo do Partido Bharatiya Janata na Índia, ver, por exemplo, THAPAR, Romila. Politics and the rewriting of History in India. Critical Quarterly, v.47, n.1-2, p.195-203, July 2005.
  • 48 Ver também COUNCIL OF EUROPE (Parliamentary Assembly). History and the learning of History in Europe: Report (Doc. 7446). Disponível em: www.assembly.coe.int/ASP/Doc/XrefViewHTML.asp?FileID=7037&Language=EN; 1995.
  • 49 GROSSBERG, Michael. Plagiarism and professional ethics: a journal editor's view. Journal of American History, v.90, n.4, p.1337-1338, March 2004.
  • 1
    CICERO, Marcus Tullius.
    De oratore I,
    II (original em latim, 55 a.C.; trad. Breno Battistin Sebastiani em "Ao conceito ciceroniano de
    História a partir das definições historiográficas gregas",
    Phaos, v.6, 2006, p.92), II, 62. Este artigo é uma versão adaptada das páginas 9 a 39 de DE BAETS, Antoon.
    Responsible History. New York; Oxford: Berghahn Books, 2009. Todos os
    websites referidos foram acessados pela última vez em 15 dez. 2012.
  • 2
    INTERNATIONAL COMMITTEE OF HISTORICAL SCIENCES.
    Constitution. Disponível em:
    www.cish.org/EN/presentation/constitution.htm; 1926, modificado em 1992 e 2005. Artigo 1º.
  • 3
    Por exemplo, FERRO, Marc.
    The use and abuse of History, or how the past is taught to children. London; Boston: Routledge, 2003; FINLEY, Moses.
    The use and abuse of History. London: Chatto & Windus; New York: Viking, 1986; GEYL, Pieter.
    The use and abuse of History. New Haven (CT): Yale University Press, 1955; LEWIS, Bernard,
    History remembered, recovered, invented. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1987; TODOROV, Tzvetan. The Abuses of Memory.
    Common Knowledge, v.5, n.1, p.6-26, Spring 1996. A minha própria análise da censura da história também é centrada na noção básica de legitimação. Ver DE BAETS, Antoon.
    Censorship of historical thought: a world guide 1945-2000. Westport (CT); London: Greenwood, 2002. p.1-36. Ensaios de Friedrich Nietzsche e W. B. Gallie que contêm a expressão 'use and abuse of History' em seus títulos não lidam com o abuso tal como o definimos aqui. Ao longo deste ensaio, eu me abstive deliberadamente de apresentar exemplos concretos de abusos. Para conferir muitos exemplos, ver DE BAETS, 2002, passim.
  • 4
    Para uma base mais detalhada ver ALTBACH, Philip. The academic profession. In: ALTBACH (Ed.).
    International higher education: an Encyclopedia. v.1. New York; London: Garland, 1991. p.23-45.
  • 5
    KUSÝ, Miroslav. On the purity of the historian's craft.
    Kosmas, 1984-1985, III, n.2; IV, n.1, p.29-31, 38. Ele referia-se a BLOCH Marc.
    Apologie pour l'histoire ou métier d'historien (publicado originalmente em 1949; Paris: Colin, 1967); e CARR, Edward.
    What is History? (1.ed. 1961; Harmondsworth: Penguin, 1973).
  • 6
    DAVIS, Natalie Zemon. Censorship, silence and resistance: the
    Annales during the German Occupation of France.
    Historical Reflections, v.24, n.2, p.351-374, Summer 1998.
  • 7
    Este é, em parte, o caso do (interessante) trabalho de WIRTH, Laurent. Facing Misuses of History. In:
    The Misuses of History. Strasbourg: Council of Europe [Council for Cultural Co-operation], 2000. p.23-56. Wirth aborda uma questão nuclear, entretanto, quando discute a omissão intencional (p.46-47).
  • 8
    SHILS, Edward.
    The calling of education: 'The Academic Ethic' and other essays on higher education. Steven Grosby (Ed.). Chicago: Chicago University Press, 1997. p.160-161. John Dewey expressou a mesma ideia em 1902. Cf. Academic Freedom (1902). In: BOYDSTON, Jo Ann (Ed.).
    John Dewey: the Middle Works, 1899-1924. v.2, 1902-1903. Carbondale; Edwardsville: Southern Illinois University Press; London; Amsterdam: Feffer & Simons, 1976. p.55. Sobre o valor da verdade, ver WILLIAMS, Bernard.
    Truth & truthfulness: an essay in genealogy. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 2002. p.6-7.
  • 9
    POPPER, Karl.
    Logic of scientific discovery. London: Hutchinson, 1980. p.34-42 e 278-282; e POPPER,
    Conjectures and refutations: the growth of scientific knowledge. London: Routledge & Kegan Paul, 1963, 1974. p.33-41, 253-258. Para uma visão geral das teorias da demarcação, ver TRUZZI, Marcello. Pseudoscience. In: STEIN, Gordon (Ed.).
    The Encyclopedia of the Paranormal. Amherst (NY): Prometheus, 1996. p.560-574; e DOLBY, Riki.
    Uncertain knowledge: an image of science for a changing world. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p.159-165, 184-225. Ver também STUMP, David. Pseudoscience. In: HOROWITZ, Maryanne (Ed.).
    New Dictionary of the History of Ideas. v.5. Detroit: Scribner's, 2005. p.1950-1951. Dolby enumerou vários princípios de demarcação. Ver DOLBY, 1996, p.163-164.
  • 10
    O poder de significação dos mitos pode ser conferido na taxonomia de George Schöpflin. Ver: The Functions of Myth and a Taxonomy of Myths. In: HOSKING, Geoffrey; SCHÖPFLIN, George (Ed.).
    Myths and Nationhood. London: Hurst, 1997. p.28-35. Ver também LOWENTHAL, David. Fabricating Heritage.
    History & Memory, v.10, n.1, p.5-25, Spring 1998. Para mais reflexões sobre mitos, cf. MCNEILL, William. Mythistory, or Truth, Myth, History, and Historians.
    American Historical Review, v.91, n.1, p.6-9, February 1986; para uma discussão sobre o caráter desculpável dos mitos históricos, ver GORDON, David.
    Self-determination and History in the Third World. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1971. p.177-182; para reflexões sobre a coexistência de crenças contraditórias na mente humana, ver VEYNE, Paul.
    Les Grecs ont-ils cru à leurs mythes? Essai sur l'imagination constituante. Paris: Seuil, 1983.
  • 12
    Para o conceito de engano (e sua distinção de autoengano), ver BEVIR, Mark.
    The logic of the History of Ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. p.265-278. Bevirf define o engano como a tentativa de fazer outros acreditarem em algo que o enganador acredita ser falso (p.267).
  • 13
    FEINBERG, Joel.
    Harm to others. New York; Oxford: Oxford University Press, 1984. p.187-191.
  • 14
    Aplicando o argumento de Immanuel Kant em "On a Supposed Right to Lie from Altruistic Motives" (original em alemão, 1785). In: SINGER, Peter (Ed.).
    Ethics. Oxford: Oxford University Press, 1994. p.281: "For a lie always harms another; if not some other particular man, still it harms mankind generally, for it vitiates the source of law itself". Para uma crítica à tese de Kant, ver WILLIAMS, 2002, p.84-85, 117.
  • 15
    Ver também BARENDT, Eric.
    Freedom of speech (2.ed., rev. e atualizada). Oxford: Oxford University Press, 2005. p.226.
  • 16
    Ver DE BAETS, 2009, chapter 3. Ver também a importante observação de Henry SIDGWICK em seu
    The Methods of Ethics. (1.ed. 1874; 7.ed. 1907; Indianapolis; Cambridge: Hackett, reprint 1981). p.312-319, 485.
  • 17
    GROSS, Hyman.
    A theory of criminal justice. New York: Oxford University Press, 1979. p.13-18.
  • 18
    Ver também SHILS, 1997, p.160-161; SCHAUER, Frederick,
    Free speech: a philosophical inquiry. Cambridge: Cambridge University Press, 1982. p.92, 102.
  • 19
    Abusos ilegais são coibidos por diversos direitos ou leis. Com relação ao autor que sofre o abuso: o direito de livre expressão, leis de direitos autorais; com relação ao conteúdo: o direito de livre acesso à informação, leis de proteção de dados, leis de arquivo; para os sujeitos históricos: direitos de privacidade e reputação, cláusulas sobre discursos de ódio. Por exemplo, muitos abusos que envolvem o uso enganoso de trabalhos alheios contam para um tipo de invasão de privacidade designada 'tergiversação': é quando as opiniões de outros são distorcidas ou quando outras pessoas são falsamente associadas com opiniões das quais não compartilham.
  • 20
    Para uma pesquisa sobre teorias pseudo-históricas (como negação do holocausto, afrocentrismo, criacionismo, fraudes arqueológicas etc.), ver CARROLL, Robert.
    The skeptic's Dictionary. Hoboken (NJ): Wiley, 2003; CORINO, Karl (Ed.).
    Gefälscht! Betrug in Politik, Literatur, Wissenschaft, Kunst und Musik. Reinbek: Rowohlt, 1992; FEDER, Kenneth.
    Frauds, myths, and mysteries: science and pseudoscience in archaeology. Mountain View (CA); London; Toronto: Mayfield, 1999; FULD, Werner,
    Das Lexikon der Fälschungen. Frankfurt am Main: Eichborn, 1999; WILLIAMS, William (Ed.).
    Encyclopedia of Pseudoscience. Chicago; London: Fitzroy Dearborn, 2000.
  • 21
    Ver, entre outros, WOOLF, Daniel. Historiography. In: HOROWITZ (Ed.), 2005, v.1
    passim, para exemplos.
  • 22
    WATT, Donald Cameron. The political misuse of History.
    Trends in historical revisionism: History as a political device. London: Centre for Contemporary Studies, 1985, p.11. Ver também SABROW, Martin; JESSEN, Ralph; GROβE KRACHT, Klaus (Ed.).
    Zeitgeschichte als Streitgeschichte: Grosse Kontroversen seit 1945. Munich: Beck, 2003. p.9-18.
  • 28
    Ver, entre outros, WILLIAMS, Glanville.
    The mental element in crime. Jerusalem: Magnes Press, 1965. p.20.
  • 29
    Falhas também podem ocorrer propositadamente, conscientemente, imprudentemente, ou negligentemente. Ver o diagrama em FEINBERG, 1984, p.257-258n34.
  • 30
    Ver também NICKELL, Joe.
    Pen, ink, & evidence: a study of writing and writing materials for the penman, collector, and document detective (publicado originalmente em 1990). New Castle (DE): Oak Knoll Press, 2000. p.192-194 ("genuine fakes").
  • 31
    MENDEL, Toby.
    Study on international standards relating to incitement to genocide or racial hatred: for the UN special advisor on the prevention of genocide. (n.p., April 2006). p.49.
  • 32
    Ver também LAFOLLETTE, 1992. p.47, 60. Para reflexões sobre os limites da boa prática historiografica, cf. KOCKA, Jürgen. Objektivitätskriterien in der Geschichtswissenschaft. In: KOCKA,
    Sozialgeschichte. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1977. p.40-47; e –BROWN, Donald.
    Hierarchy, History & human nature: the social origins of historical consciousness. Tucson (AZ): The University of Arizona Press, 1988. p.10-15. Do mesmo modo, identifiquei seis tipos de restrições impostas a historiadores que vivem em democracias e que constituem casos limítrofes de censura: ver DE BAETS, 2002, p.6-10.
  • 33
    GARNER, B. A. (Ed.).
    Black's Law Dictionary. (publicado originalmente em 1891); St. Paul (MN): West Group, 2004. A citação original é: "While motive is the inducement to do some act, intent is the mental ... determination to do it" (p.825).
  • 34
    O Quadro 3 fornece uma visão panorâmica e abrangente dos motivos pelos quais os autores
    escrevem história. Uma vez que os motivos dos autores são também indicadores dos motivos dos leitores, o quadro também reflete tipos de motivos para
    ler história. Desse modo, ela também indica de forma global as funções sociais, o significado e a utilidade (ou 'usos') da escrita histórica. O quadro também contém implicitamente muitos motivos para enganar. Espero, portanto, que ao menos em parte ela possa refutar a crença de Marc –BLOCH (1967, p.43) de que enumerar os motivos que as pessoas têm para mentir seria um trabalho vão.
  • 36
    Sobre os usos e abusos políticos da história ver, por exemplo: Historical consciousness and political action.
    History and Theory, v.17, n.4, December 1978. (número sobre o tema).
  • 37
    Os únicos autores que fazem a distinção essencial entre intenção e motivo são BEVIR, 1999, p.286-304; e BROWN, Elizabeth. Falsitas pia sive reprehensibilis: medieval forgers and their intentions. In:
    Fälschungen im Mittelalter, v.1. Hannover: Hahnsche Buchhandlung, 1988. p.103.
  • 38
    Ver também PORK, Andrus. History, lying and moral responsibility.
    History and Theory, v.29, n.3, p.329, October 1990.
  • 39
    Para uma distinção entre fatos e opiniões, ver DE BAETS, 2011, p.55.
  • 40
    Ver, por exemplo, NICKELL, 2000, p.186-194. ("Questioned documents").
  • 41
    Cf. FISCHER, 1970, xvii and 306, para a distinção entre abuso e erro de lógica / falácia.
  • 42
    Para exemplos de negligência censurável, ver WIENER, Jon.
    Historians in trouble: plagiarism, fraud, and politics in the ivory tower. New York; London: The New Press, 2005. p.71-116.
  • 43
    Alfred Housman citado por CARR, 1973. A citação original é: "Accuracy is a duty, not a virtue" (p.10).
  • 44
    Esse é o caso do historiador Ferdinand Nahimana. Ver INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR RWANDA.
    Prosecutor v. Ferdinand Nahimana, Jean-Bosco Barayagwiza, Hassan Ngeze; Case no. ICTR-99-52-T: Judgement and Sentence. Disponível em:
    www.concernedhistorians.org/le/64.pdf; 2003), especialmente os parágrafos 5, 8, 13, 620-696, 978-1033, 1091-1105. O tribunal diz (no parágrafo 1099) que "Ferdinand Nahimana was a renowned academic... [H]e betrayed the trust placed in him as an intellectual and a leader".
  • 45
    YERUSHALMI, Yosef.
    Zakhor: Jewish History and Jewish Memory. New York: Schocken, 1989. A citação original é: "agents of oblivion, the shredders of documents, the assassins of memory, the revisers of encyclopedias, the conspirators of silence" (p.116).
  • 46
    Ver ERDMANN, Karl; KOCKA, Jürgen; MOMMSEN, Wolfgang.
    Toward a global community of historians: the International Historical Congresses and the International Committee of Historical Sciences, 1898-2000. New York; Oxford: Berghahn, 2005. p.142-143 (sobre o Estatuto de 6 jul. 1932), 330, 397, 400 (modificações da
    Constitution de 1992 e 2005).
  • 47
    Agradeço a Jean-Claude Robert, secretário-geral do International Committee of Historical Sciences (2000-2010), pelo esclarecimento da história das diferentes versões da cláusula (
    e-mails de 22, 24 e 25 set., 1 e 3 out., 26 e 28 nov. 2006). Ver para essa história as seguintes minutas disponíveis em
    www.cish.org/EN/presentation/board.htm: (1) the Bureau meeting (Oslo, 13 Aug. 2000), item 5 ("Other matters," relacionado à situação indiana); (2) the Bureau meeting (Paris, 30-31 Aug. 2003), que concluiu o item 9.3 ("History research in India") nestes termos: "The Sydney Congress [of 2005] should prominently deal with the present problem of the relationship between politics and History, including censorship and political intervention into the discipline"; (3) the "Bureau restreint" meeting (Lausanne; Crans, 21-22 Feb. 2004), o qual sob o item 2 ("ICHS operations / amendments to the statutes") fala sobre o 'abuse of history' e declara: "The advantage of the new wording [i.e., 'abuse'] is that it spells out the ICHS's attitude towards the use of history for political ends"; (4) the Bureau meeting (Berlin, 27-28 Aug. 2004), no qual com base no item 3.1 ("Motion to amend the statutes of the ICHS: Article 1") trocou 'abuse' por 'misuse'; (5) the General Assembly (Sydney, 3 July 2005), na qual sob o item 6 ("Amendments to the statutes of the ICHS") fala de 'abusive use'. No texto final, o termo 'misuse' foi escolhido. Para a situação da história sob o governo do Partido Bharatiya Janata na Índia, ver, por exemplo, THAPAR, Romila. Politics and the rewriting of History in India.
    Critical Quarterly, v.47, n.1-2, p.195-203, July 2005.
  • 48
    Ver também COUNCIL OF EUROPE (Parliamentary Assembly).
    History and the learning of History in Europe: Report (Doc. 7446). Disponível em:
    www.assembly.coe.int/ASP/Doc/XrefViewHTML.asp?FileID=7037&Language=EN; 1995. Parágrafo 40: "Any abuse of history should be combated and avoided".
  • 49
    GROSSBERG, Michael. Plagiarism and professional ethics: a journal editor's view.
    Journal of American History, v.90, n.4, p.1337-1338, March 2004.
  • 50
    VOLTAIRE.
    Questions sur les miracles (1765), aqui "Onzième lettre écrite par le proposant à M. Covelle". De acordo com
    http://en.wikiquote.org/wiki/Voltaire, essa famosa citação é uma adaptação de "Certainement qui est en droit de vous rendre absurde est en droit de vous rendre injuste" (a ser traduzida como "Truly, whoever is able to seduce you to absurdity, is able to seduce you to injustice").
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Out 2012
    • Aceito
      29 Nov 2012
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