Open-access A floresta mercantil: exploração madeireira na capitania de Ilhéus no século XVIII

Resumos

Analisam-se os processos de extração, beneficiamento e comércio de madeiras de lei no território da capitania de Ilhéus, sobretudo a partir do momento em que a Coroa portuguesa passou a explorar diretamente esse negócio. A análise recai sobre a dimensão, os mecanismos administrativos, os destinos do comércio e sua importância no conjunto da economia regional. São abordados também aspectos das relações políticas e econômicas que envolviam os agentes daquela economia florestal.

madeiras de lei; capitania de Ilhéus; economia florestal


This article analyzes the processes of extraction, processing and trade of timber in the territory of the captaincy of Ilhéus, especially from the moment the Portuguese Crown started to operate this business directly. The analysis will fall on the scale, the administrative mechanisms, the fate of trade and its importance throughout the regional economy.

timber; captaincy of Ilhéus; forestry


ARTIGOS

A floresta mercantil: exploração madeireira na capitania de Ilhéus no século XVIII1

The mercantile forest: timber exploration in the captaincy of Ilhéus in the 18th century

Marcelo Henrique Dias

Departamento de Filosofia e Ciências Humanas - Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) - Rodovia Ilhéus-Itabuna, km 16. Pesquisador CNPq. 45662-000 Ilhéus - BA - Brasil. marcelo. dias@pq.cnpq.br

RESUMO

Analisam-se os processos de extração, beneficiamento e comércio de madeiras de lei no território da capitania de Ilhéus, sobretudo a partir do momento em que a Coroa portuguesa passou a explorar diretamente esse negócio. A análise recai sobre a dimensão, os mecanismos administrativos, os destinos do comércio e sua importância no conjunto da economia regional. São abordados também aspectos das relações políticas e econômicas que envolviam os agentes daquela economia florestal.

Palavras-chave: madeiras de lei; capitania de Ilhéus; economia florestal.

ABSTRACT

This article analyzes the processes of extraction, processing and trade of timber in the territory of the captaincy of Ilhéus, especially from the moment the Portuguese Crown started to operate this business directly. The analysis will fall on the scale, the administrative mechanisms, the fate of trade and its importance throughout the regional economy.

Keywords: timber; captaincy of Ilhéus; forestry.

O território da capitania de Ilhéus corresponde a um espaço costeiro - hoje pertencente ao estado da Bahia - limitado ao norte pelo rio Jequiriçá e, ao sul, pelo rio Jequitinhonha. A capitania hereditária, que deixou de existir em 1761, quando foi incorporada à capitania real da Bahia, deu lugar à comarca, mantendo, todavia, os mesmos limites territoriais até meados do século XIX.

Na base econômica das populações que viveram naquele território ao longo de todo o período colonial, figuraram a produção de alimentos e as atividades de caráter extrativista e de beneficiamento de recursos florestais, como a extração de pau-brasil e a produção madeireira voltada para a construção naval e civil. Esta última, objeto deste estudo, configura um ramo da economia colonial muito disseminado e, não raro, articulado a outros setores, como a agricultura de exportação e a de abastecimento interno, a mineração e a pecuária.2 No território em foco, a atividade madeireira foi orientada e dirigida diretamente pela Coroa, garantindo um fluxo de receitas da Fazenda Real por um período de mais de cem anos (1715-1822), moldando não apenas métodos produtivos, mas a própria cultura daquela sociedade.

Entretanto, por muito tempo, os poucos historiadores que trataram daquele espaço colonial apontaram as densas matas como mais um empecilho para o pleno desenvolvimento da sua colonização e economia.3 Pretendo demonstrar justamente o contrário: que as vigorosas matas da capitania e depois comarca de Ilhéus possibilitaram que a atividade madeireira se constituísse em um rendoso negócio para os moradores que se envolveram diretamente na administração dos cortes e na fabricação e transporte de pranchas e de peças prontas ou semibeneficiadas para uso nos estaleiros de Lisboa e de Salvador.

A análise recairá sobre a dimensão, os mecanismos e os destinos do comércio de madeiras de lei que se realizava no âmbito da capitania e sua importância no conjunto da economia regional. Como o Estado teve um papel destacado na ingerência da exploração e do comércio madeireiro, sobretudo a partir do início do século XVIII, é importante também conhecer suas políticas e compreender os vários contextos em que se sobressaíram os interesses da Coroa ou os privados.

A coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (DHBN) traz vários documentos produzidos na primeira metade do século XVIII sobre a exploração da madeira de lei nos distritos de Cairu e Jequiriçá. Fundamentado nessa documentação, pretendo discorrer sobre as características das peças exportadas, o ritmo e o sistema de transportes que levava a madeira dos portos de embarque da capitania para seus destinos, assim como sobre os agentes que se envolveram nesse negócio. Para a segunda metade do século XVIII, temos uma gama de documentos produzidos por autoridades ligadas ao corte de madeiras na então comarca de Ilhéus, os quais oferecem detalhes sobre vários aspectos da política oficial, da administração dos cortes e da comercialização das madeiras.

INDÚSTRIA NAVAL E ATIVIDADE MADEIREIRA NA BAHIA

No estudo clássico de José Roberto do Amaral Lapa sobre o porto da Bahia, o autor destaca a intensa atividade de reparos de naus das carreiras atlânticas e de construção naval que já no século XVI começou a despontar. Impressionou o autor a frequência com que navios demandavam o porto de Salvador com a finalidade de querenar, o que impulsionou as requisições de madeiras e peças de carpintaria naval, dando margem, assim, "à próspera atividade extrativista, com todo um complexo de alterativas implicações econômicas naquela nascente sociedade colonial".4

O aproveitamento da Mata Atlântica como fonte de recursos naturais para essa incipiente indústria já foi muito bem demonstrado pelo historiador norte americano Shawn Miller, em trabalho pioneiro sobre a política portuguesa para a exploração econômica e a conservação das matas brasileiras no período colonial (Miller, 2000). O fato de constituir uma floresta tropical fez da Mata Atlântica brasileira um imenso reservatório de madeiras de propriedades as mais variadas. Bem cedo, os colonos se certificaram de que em um único hectare era possível encontrar uma média de cem espécies diferentes de árvores, todas estranhas aos europeus. Diferentemente da América do Norte, cujas madeiras eram similares às europeias, na América portuguesa o conhecimento das propriedades dos diferentes gêneros dependeu da cooperação dos nativos, o que se reflete nas denominações que foram dadas às espécies encontradas. Os colonos souberam fazer proveito dos conhecimentos indígenas sobre as diferentes propriedades das madeiras que os próprios nativos já usavam na confecção das suas rústicas embarcações.

Sucupira, vinhático, angelim vermelho e amarelo, louro, jequitibá, oiti, pindaíba, jenipapo, potumuju, pau-d'arco (ipê) e tapinhoã eram algumas das espécies preferidas pelos estaleiros. De todas elas a oferta era abundante nas matas da Bahia. Não obstante, desde o primeiro Governo Geral a Coroa reservara para si o monopólio sobre os chamados "paus reais", o que não evitou a larga exploração desses recursos por particulares em suas próprias sesmarias ou em áreas devolutas.

O aumento da demanda por madeiras acompanhava o ritmo da expansão econômica do porto de Salvador. Já no século XVI, não somente se reparavam os navios das carreiras atlânticas como também já davam passos firmes uma incipiente indústria naval, voltada para a produção de barcos particulares - como lanchas e bergantins - a serem utilizados na navegação de cabotagem. Quanto à construção, na Bahia, de galeões e naus para a armada real, as primeiras provisões orçamentárias aparecem somente no início do século XVII. No decorrer desse século, Lapa avalia que na ribeira de Salvador deveria ser produzido um galeão por ano (Lapa, 1968, p.52-54).

Para o reino também seguiram grandes quantidades de madeiras baianas, sobretudo para atender as necessidades da própria Coroa. A despeito de ter exportado menos madeiras do que as capitanias do Rio de Janeiro e de Pernambuco, o porto da Bahia foi provavelmente o primeiro supridor das docas reais de Lisboa, a partir da segunda metade do século XVII, como informa Miller (2000, p.79).

A essa época, das matas do Recôncavo saía a maior parte das madeiras utilizadas na ribeira de Salvador e exportadas pelo porto da capital. O incremento das atividades dos estaleiros sob incentivo da própria Coroa, paralelo ao crescimento das requisições reais de madeiras da Bahia, fizeram que os senhores de engenho do Recôncavo se mostrassem contrários ao desenvolvimento dessa indústria.5 Alegavam que as madeiras da região, como a sucupira, deveriam ser usadas para a reposição de carros e embarcações destinadas ao transporte do açúcar, o principal produto da Colônia. Da mesma forma, temiam pelas limitações que poderiam ser impostas quanto ao uso indiscriminado dos recursos vegetais para a finalidade de lenha, além de criarem obstáculos, também, para a expansão das áreas canavieiras, que dependia da queimada de parcelas da floresta para a abertura de clareiras. Assim, essa elite, com todo seu poder de influência nas decisões da administração, acabou por exercer forte oposição ao desenvolvimento das atividades madeireiras e de construção naval em Salvador e no Recôncavo.

Até a segunda década do século XVIII, a Coroa somente comunicava as encomendas aos governadores, os quais faziam as aquisições junto aos fabricantes particulares, sem que houvesse qualquer controle oficial sobre os processos de extração, beneficiamento e transporte das madeiras. A Coroa passou, então, a administrar diretamente essa atividade e, por razão das pressões dos senhores de engenho, deslocou para a capitania de Ilhéus as operações de extração e beneficiamento das madeiras.

Desde o século XVI, no entanto, a extração de madeiras de construção era realizada como atividade econômica em terras dos jesuítas na capitania de Ilhéus, sobretudo no chamado fundo das doze léguas, ou terras do Camamu. Serafim Leite cita documentos que revelam demandas judiciais entre os jesuítas e alguns de seus arrendatários por estes extraírem madeiras, extrapolando, assim, as prerrogativas dos contratos de arrendamento. Em 1643, respondendo à necessidade de se vender ou não as terras, um padre declarava que as terras do Camamu eram indispensáveis por suas mandiocas e madeiras para a construção de casas e igrejas, já que as madeiras que estavam no sertão não serviam pela dificuldade de tirá-las. "As madeiras eram a principal riqueza do Camamu", dizia, em 1643, o padre Francisco Pais, que fora superior por oito anos de Camamu, Boipeba e Rio das Contas. As terras eram fracas para cultivo, dizia, mas cheias de arvoredos, boas madeiras e bons portos. Em 1701, lá se fazia importante extração de madeiras, tanto para a obra fina de entalhe e marcenaria na Bahia e em Portugal, como para construções urbanas e navais. Padres formados no ofício de carpinteiro eram enviados para Camamu, onde uma serra hidráulica já funcionava em 1727, da qual se esperava um rendimento de 15 mil cruzados por ano no corte de madeiras. Para o transporte, os padres possuíam três barcos.6

É importante apontar a natureza da indústria madeireira que se instalou na capitania de Ilhéus. Não se trata simplesmente de uma atividade extrativista ou de beneficiamento apenas primário, limitada a extrair madeiras e transformá-las em pranchas, mas de uma indústria madeireira mais sofisticada, que além das atividades primárias - como a extração e o falquejo - incluía o beneficiamento de peças até sua forma final para o uso na construção naval. As referências que aparecem na documentação nos informam sobre a existência de muitos estaleiros particulares, de onde saíam cavernames, chanfrões, remos, tabuados para cascos, couçoeiras, mastros, suporte de mastros, quilhas, talões de quilha, vãos, coices de popa e proa, mastaréus, curvas, liames, pés de carneiro, barras de cabrestante etc. para embarcações de médio e grande porte a serem montadas nas ribeiras de Salvador e de Lisboa. Eram produzidas, também, embarcações de pequeno porte para movimentarem os circuitos comerciais vicinais e regionais.

A dimensão dessa indústria é de muito difícil avaliação. Como não havia controle e fiscalização - dada a crença geral de que a floresta era inexaurível -, não foram exigidos e produzidos registros das atividades particulares desse setor. Além disso, a contabilidade oficial é por demais confusa e omissa de informações. Uma autoridade do final de século XVIII fez esta constatação:

A Escrituração seguida, tanto na Inspeção dos Cortes, e pelo Escrivão deles, como no Arsenal da Bahia, e ainda mesmo na Contadoria Geral da Junta da Real Fazenda, era a mais irregular, e informe. Por qualquer delas, e ainda tendo todas a vista, era dificultoso o mais hábil Escriturário, tirar um cálculo exato, nem ainda saber ao certo o custo de cada peça de construção, e mesmo quando se quisesse fazer uma conferencia nas relações que acompanhavam as remessas dos paus, se não conseguiria uma sombra de exatidão, sem deixar passar muitas coisas em duvida e outras com a maior indulgência.

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Shawn Miller também notou que na contabilidade das importações das alfândegas do Reino não eram anotadas as remessas de madeira destinadas ao arsenal da Marinha. Isso acabou distorcendo a proporção da participação das madeiras brasileiras na totalidade das importações dessa natureza realizadas pelo reino.8

De qualquer forma, tanto por particulares como pela administração oficial, a atividade dos estaleiros representava o setor econômico que mais renda gerou para uma parcela da população da capitania e posterior comarca de Ilhéus que se envolveu direta ou indiretamente nesse negócio.

Quando a Coroa decidiu por uma administração direta dos cortes de madeira para atender as encomendas oficiais, a forma adotada foi a das feitorias, e as primeiras se localizaram nas matas ao redor da vila de Cairu. Além da proximidade em relação ao porto de Salvador, essa área ficava fora das terras jesuíticas e era recortada por vários rios e barras que permitiam o escoamento das madeiras durante todo o ano, não dependendo de monções favoráveis.

A FEITORIA DE CAIRU

No termo da vila de Cairu a exploração de madeiras também teve início no século XVII. Em 1651, por exemplo, o governador dava conta do recebimento dos chanfrões que havia encomendado ao então capitão-mor Antônio de Couros Carneiro. Essa autoridade também foi encarregada de fornecer mais cem remos de galé para o governador em 1653.9

Até 1715, a atividade madeireira na Bahia e nas capitanias do sul era um negócio exclusivamente privado. Nesse ano foi instituído o regime de feitorias reais para suprir as encomendas da Marinha com a nomeação do primeiro mestre carpinteiro. Em 1716 foi estabelecida a feitoria de Cairu, tendo por administrador Manuel Teixeira de Souza. A feitoria era composta inicialmente por duas unidades de corte - a que chamavam simplesmente de "cortes" -, uma no sítio chamado Maricoabo e outra no Taperoá.

A presença de grandes reservas de matas ricas em madeiras de construção e a facilidade de escoamento das peças pelos rios foram fatores determinantes na escolha dos sítios. Mais tarde, na medida em que se devastavam as matas mais próximas dos melhores portos e também em que se descobriam novas áreas ricas em madeiras como o vinhático, o potumuju, a sucupira e o angelim - de amplo uso nos estaleiros -, outros cortes iriam surgir, como os de Mapendipe, Una e Jequié.10 No limite navegável dos rios estabelecia-se o porto-estaleiro, de onde as madeiras beneficiadas ou semibeneficiadas eram transportadas em embarcações de pequeno porte até o porto da barra. Desse ponto em diante, o transporte se fazia por barcos maiores, a exemplo das charruas.

Enquanto as atividades madeireiras oficiais se concentraram no termo da vila de Cairu, na primeira metade do século XVIII, a administração ficava por conta de quatro funcionários: um administrador da feitoria - este nomeado pelo governador -, um escrivão, um mestre carpinteiro e um tesoureiro. Nos anos seguintes, pelo que informa Domingos Alves Branco Muniz Barreto, a inspeção dos cortes passou a ser feita pelos comandantes do presídio do Morro de São Paulo, isso até a extinção da capitania hereditária, em 1761. Daí em diante, aquela gerência tornou-se atribuição dos ouvidores da então comarca de Ilhéus (Memória sobre os cortes..., f.5).

Uma parcela da elite local participava diretamente nos negócios da madeira, até mesmo pela indicação direta dos oficiais da câmara da vila de Cairu. O cargo de tesoureiro, por exemplo, tinha caráter rotativo e era exercido por um morador indicado pela câmara. Essa indicação era regimental, como indica uma correspondência em que o governador ordenava aos oficiais daquela câmara que enviassem um segundo nome, de acordo com o regimento que limitava a ocupação de tal cargo ao prazo de três anos (DHBN, v.43, p.346).11

Não era pouco o dinheiro que o tesoureiro administrava. Em maio de 1724, recebia 10 mil cruzados para pagamento de quarenta oficiais (carpinteiros) empregados nos cortes e mais 400$000 para se pagar um provimento de carne aos trabalhadores - os quais, pela falta de suprimentos, começavam a ameaçar abandonarem seus postos (DHBN, v.44, p.277 e 328). Em abril de 1725 a despesa era maior, e ao tesoureiro se remeteriam 26 mil cruzados para custear conduções e trabalhadores (DHBN, v.72, p.95). Nas ocasiões de realizar os cortes, eram contratados oficiais de carpintaria em número variado, de acordo com o volume encomendado. A mão de obra utilizada nos cortes e nos arrastos das madeiras até os portos de embarque era variada, incluindo índios aldeados, escravos alugados e soldados do Morro de São Paulo. As atividades relacionadas aos cortes de madeiras eram sazonais e obedeciam não somente a uma lógica sequencial das ações de extrair, beneficiar e transportar, mas às demandas da Marinha Real, como veremos mais adiante. O dinheiro remetido ao tesoureiro, como se vê, circularia pela própria Capitania.

Eram muitos os problemas administrativos na feitoria de Cairu. A correspondência oficial aponta várias situações em que é o próprio governador que passa instruções ao administrador para evitar ou diminuir desperdícios de toda ordem, a começar pela contratação de mão de obra por jornais. Em setembro de 1724, por exemplo, o governador Vasco F. C. de Meneses advertia o administrador de que, estando já prontas as madeiras que deveriam ser embarcadas nas charruas, não era necessário manter tantos oficiais no corte, "em cujo termo deixará só ficar quarenta, e despedirá os mais" (DHBN, v.44, p.328). O desperdício também decorria da má conservação das madeiras já cortadas e beneficiadas, as quais ficavam no porto de embarque aguardando a chegada das charruas. Para evitar o desgaste decorrente da exposição a céu aberto, o governador, marques de Angeja, teve de intervir na administração para que se cumprisse a ordem de construir telheiros para o armazenamento das peças, "porque inda que o Mestre diga que há dificuldade nisso, e em mover a madeira, é menos dano o gastar-se algum dinheiro com ela do que apodrecer ... como tem sucedido a muita que se tem cortado para a Fazenda Real, e ficar perdida" (DHBN, v.42, p.358).

Além do desperdício, outra razão das críticas contra a administração da feitoria de Cairu foi o constante uso da força para viabilizar a condução das peças na mata e na água. O arrasto das madeiras - ou dos paus, como era mais comum dizer -, que poderia ser fonte de renda para o proprietário local de uma pequena boiada, tornara-se motivo para opressão praticada em nome dos interesses do Estado. Em muitos momentos, a necessidade de aproveitar a jornada de determinada frota que se dirigiria de Salvador para Lisboa impunha pressa na condução das peças. Quando não se dispunha do dinheiro necessário para o pronto pagamento dos aluguéis dos bois e juntas utilizadas nos arrastos, era comum obrigar os proprietários a ceder seus animais e utensílios para a condução, com a promessa de pagamento futuro. Além do baixo valor dos aluguéis e do prazo de espera para o recebimento, determinados pelo arbítrio dos administradores, havia ainda o inconveniente de terem os proprietários de se dirigir ao local escolhido pelos tesoureiros para a efetivação dos pagamentos, o que poderia significar dias de trabalho perdido. Alguns tentavam livrar-se de tal prejuízo desfazendo-se dos bois e, nesse caso, a ordem era para que se obrigassem àqueles que os haviam comprado (DHBN, v.44, p.328).

O transporte pelos canais e pelo mar entre os portos da feitoria e a ribeira de Salvador também se assentava em atitudes arbitrárias quando o governador não dispunha de embarcações para esse fim nos momentos da remessa. Às voltas com essa situação, em agosto de 1719 o conde de Vimieiro deu esta instrução ao administrador da feitoria:

no que toca aos barcos que Vossa Mercê pede estes não os há cá e Vossa Mercê os pode tomar lá dos que navegam para esse porto de Jequiriçá, Boipeba e Camamu, que são os que servem porque as barcaças não é possível irem por serem necessárias cá para outra expedição. (DHBN, v.73, p.102)

Em outra ocasião, o governador enfatizava a ordem para o administrador mandar quantas dúzias fosse possível de peças, "não prejudicando de nenhuma maneira a condução dos açucares e tabacos..." (DHBN, v.42, p.273). O mais comum, porém, era o envio pelo próprio governo de embarcações de médio porte - como charruas, barcaças e batelões - para o transporte das peças da feitoria para Salvador.

A partir das vias fluviais vicinais que davam acesso aos estaleiros, a circulação das madeiras extraídas e beneficiadas na feitoria seguia o mesmo caminho que já movimentava o mercado de farinha, com exceção de uma via alternativa para o Recôncavo pelo rio Jaguaripe, já que o único destino das madeiras era a ribeira de Salvador. Na condição de ponto privilegiado de fiscalização das embarcações que demandavam a capital, vindas do sul, o presídio e fortaleza do Morro de São Paulo tornou-se ainda mais estratégico, como apontava o marquês de Angeja ao Conselho Ultramarino, em abril de 1717. Aquele posto, segundo o governador, não era de se desprezar,

porque defende a barra do Cairu, mui importante a sua segurança para os frutos que produz que se conduzem em grande abundância para aquela cidade [Salvador], não sendo só os que saem por aquela barra das mesmas terras, ilhas e rios do dito Cairu, mas todos os de Camamu, Ilhéus e Boipeba, que entram pela barra daquela de Boipeba a buscar o abrigo e segurança do recôncavo do Cairu, que hoje se fazia mais importante pelas muitas madeiras que se tem descoberto naqueles distritos. (DHBN, v.96, p.258)

Quanto à periodicidade das remessas, estas se faziam anualmente, pelo que se pode aferir do exame das correspondências entre os governadores e os administradores da feitoria. Chegadas na ribeira de Salvador, as peças que deveriam seguir para Lisboa eram marcadas com um "R" com coroa em cima e acondicionadas em navios da carreira atlântica que demandariam a capital do Império (DHBN, v.63, p.23-41).

A atividade madeireira oficial, inaugurada com a feitoria de Cairu, colocou definitivamente a capitania de Ilhéus na rota do comércio imperial. O dinheiro da Fazenda Real destinado às despesas dos cortes, além de promover uma maior monetarização da economia da Capitania, alimentou a ascensão econômica e social de um pequeno grupo local de privilegiados no sistema de mercês. Essa situação se prolongaria pela segunda metade do século XVIII, quando a feitoria de Cairu passou a integrar a Inspetoria dos Reais Cortes de Madeiras da Comarca de Ilhéus.

OS INTERESSES REAIS E A INDÚSTRIA PRIVADA DE MADEIRAS NA COMARCA DE ILHÉUS

São raras as notícias sobre a atividade madeireira entre o final da década de 1720 e a década de 1770. Temos a informação de Domingos A. B. Muniz Barreto de que a administração dos cortes ficou por conta dos capitães - também chamados governadores - da fortaleza e presídio do Morro de São Paulo (Memória sobre os cortes..., f.2).

Com o fim da capitania hereditária e a constituição da comarca de Ilhéus, a gestão das encomendas reais passou à atribuição dos ouvidores. De acordo com Baltazar da Silva Lisboa, a Fazenda Real mandava abrir cortes de madeiras conforme as encomendas que de Lisboa se faziam para as precisões do Arsenal Real da Marinha, os quais mandava outra vez fechar, findas que eram as encomendas. Adiantava-se uma quantia em dinheiro ao ouvidor, que as repassava aos administradores de cada corte. Estes, por sua vez, acionavam um número determinado de fabricantes, estradeiros e arrastadores de acordo com a quantidade requerida. Segundo Lisboa, todos os administradores tinham interesse em vender as madeiras que eles mesmos fabricavam, com seus escravos e agregados, já que não recebiam salários, mas somente "elogios e distinções". Os administradores, na sua maioria lavradores locais, também ganhavam com a venda dos suprimentos alimentícios necessários para o sustento dos trabalhadores dos cortes.12

À descentralização das atividades madeireiras correspondeu uma completa privatização do sistema de transportes. No lugar das charruas e barcaças enviadas de Salvador para a condução das peças dos estaleiros para a capital, embarcações particulares de menor porte passaram a fazer os fretes. Depois de examinadas e medidas, as madeiras eram avaliadas e se lavrava termo com os mestres, os quais recebiam 'conhecimentos' para receberem seus pagamentos na Casa da Real Fazenda, em Salvador. Com esse método, complementa Lisboa, foram feitas muitas remessas para Portugal de madeiras de construção e tabuados, além de "terem se construído no estaleiro desta ribeira [de Salvador] alguns vasos de guerra e diversos navios da Marinha Mercantil de que os comerciantes ainda presentemente usam e lhe dão o título de encomendas aos fabricantes" (ibidem).

Na década de 1770, a Junta da Real Fazenda passou a gerir os cortes de madeira. O primeiro inspetor nomeado pela Junta, Lourenço Antonio de Gouvêa, ainda acumulava o cargo de ouvidor da comarca de Ilhéus. Como os cortes se concentravam no norte do território da antiga capitania, a residência do ouvidor foi fixada em Cairu, o que não significou a transferência formal da sede da Comarca, que continuou sendo a vila de São Jorge dos Ilhéus. O segundo inspetor - Luis Caetano Simões - era Sargento-mor de Cavalaria Auxiliar e não se privou de usar a força para conseguir os bois necessários aos arrastos das peças do local do corte ao porto-estaleiro. De acordo com Domingos A. B. Muniz Barreto, o efeito dessa arbitrariedade foi a desorganização das lavouras de mandioca, já que o inspetor somente levava em consideração os prazos para remessas das madeiras, e não o sistema agrário em voga com sua própria periodicidade (Memória sobre os cortes..., f.3-6). Recebia o inspetor uma ajuda de custo de 200$000 réis anuais e se fazia acompanhar de um escrivão e um almoxarife, que recebiam salários de 60$000 réis anuais (Memória sobre as matas..., f.5-6).

No governo do marquês de Valença, no mês de novembro de 1776, o inspetor Simões foi demitido, ficando os cortes encarregados a administradores particulares. Em 1780, a Junta da Real Fazenda ordenou a abertura de novos cortes, recomendando, porém, que as diligências para esse fim se realizassem de modo "suave",

sem vexação e na forma praticada pelos negociantes, comprando-se mercantilmente a avença das partes as madeiras e pagando-se com pontualidade sem as pesadas práticas de se tomar gados por força para as conduções e nem se tirarem dos negociantes que estavam fabricando os seus navios e sem outro algum gênero de violência... (ibidem, f.10)

Foi nomeado inspetor o desembargador e ouvidor da comarca de Ilhéus Francisco Nunes da Costa. Sua provisão, lavrada em 27 de março de 1781, estabelecia vencimentos de 200$000 réis anuais até agosto de 1785, quando seriam acrescentados mais 40$000 ao referido salário. O escrivão também receberia 200$000 réis de salário, em razão das "muitas encomendas para Lisboa e amostras de madeiras pedidas...". De acordo com Baltazar da Silva Lisboa, que teve acesso aos livros da Inspetoria, despendia a Fazenda Real com as despesas dos reais cortes a quantia de 500$000 réis anuais. Queria dizer, o juiz, apenas as despesas com salários, pois somente em uma encomenda do ano de 1782, a Real Fazenda pagou 1.727$000 réis, referente ao envio de 142 peças de madeiras de construção (ibidem).

A essa época, além dos distritos da vila de Cairu, as matas adjacentes ao rio Jequiriçá também apareciam como importantes áreas de extração e beneficiamento de madeiras.13 Em direção ao sul da comarca de Ilhéus, às margens dos rios Jequié, Jordão, Igrapiúna e Pinaré, nas terras que pertenceram aos jesuítas, a exploração se fazia por particulares, sob controle oficial. Por essas áreas também se expandia a lavoura de mandioca, justamente onde incidiam em abundância espécies arbóreas valorizadas pela construção naval e civil, concorrendo para a destruição de um patrimônio natural considerado estratégico para a Coroa. O novo inspetor logo deu conta da necessidade de medidas emergenciais para salvar as matas das áreas já citadas do ferro e do fogo dos lavradores e fabricantes de madeiras que ali atuavam. Em julho de 1784, Francisco Nunes da Costa dirigiu uma representação à rainha, na qual lamentava a falta de uma legislação que visasse à conservação das matas e chamava a atenção para a urgência de procurar, "pela régia autoridade o remédio competente ao estrago com que as admiráveis matas ... se vão arruinando". Pela prodigiosa abundância das madeiras, que pareciam inexauríveis nos primeiros tempos da Colônia, "se não estabeleceu método ou legislação competente para regular a extração e conservação das deste continente...". O inspetor, e também ouvidor da comarca de Ilhéus, fazia referência à legislação portuguesa sobre o assunto, sobretudo aos diversos regimentos sobre o pinhal de Leiria e as amplas providências incorporadas ao regimento do monteiro-mor, dentre as quais as disposições para acautelar até mesmo as matas de particulares, cuja extração se fazia conveniente para a Coroa.14

O alarde se justificava pela rápida destruição que sofriam as matas de Jequiriçá e, um pouco menos, todas as que se situavam entre Cairu e o rio de Contas. De acordo com o autor da representação,

Os estragos que têm causado os intitulados roceiros de Nazaré têm sido tão graves, que estendendo-se a menos de seis anos pelo espaço de mais de doze léguas, se acham atualmente ocupando as cabeceiras do rio Jequiriçá, onde desprezando contínuas advertências, e até as notificações judiciais, têm reduzido a cinzas matas preciosas e tão antigas como o mundo, fazendo uma perda pela qual não há cálculo que possa computar. (ibidem, p.172)

Propunha, então, demarcarem-se as matas virgens que ainda restavam, ficando os roceiros obrigados a fazer suas lavouras "nas imensas matas já aproveitadas ou nas vulgarmente chamadas de capoeiras". As matas situadas em áreas devolutas ou realengas deveriam ser tombadas. Em resposta, o governador mandou passar uma linha imaginária que demarcasse as matas de extração mais conveniente, proibindo nessas áreas a expansão das lavouras, sob pena de prisão etc. Foi nomeado também um mestre e guarda das matas reais, desde Mapendipe até as matas de Santarém (atual município de Ituberá) e Igrapiúna, nas quais ninguém poderia extrair madeiras sem licença da Inspetoria. Tais medidas foram tomadas justamente em um momento no qual se ampliava a demanda de madeiras para a Coroa e para os estaleiros particulares.

O juiz Lisboa, por sua vez, anotou que as encomendas eram feitas através de diversos ofícios expedidos pelo governador, D. Fernando José de Portugal, o qual requeria peças em quantidade e especificações determinadas pelas necessidades do Arsenal Real da Marinha. As encomendas reais priorizavam os pranchões e tabuados em detrimento das peças prontas, certamente em razão de estarem os mestres carpinteiros trabalhando na ribeira de Salvador. Especificavam, porém, as espécies e os usos a que se destinariam:

madeiras de jequitibá, paraíba, oiticica, amargosa, cedro, pinheiro amarelo, jacarandá, flamboyant, mataúba, óleo, louro e outras para tabuados de coberta e obras interiores das naus e fragatas e o jequitibá principalmente para mastros, ordenando-se que se mande tábuas de 6 palmos de largo, contado seu comprimento e proporcionada grossura de quatro polegadas para cima.

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Nas anotações realizadas por Baltazar da Silva Lisboa sobre as remessas realizadas no tempo da inspeção de Francisco Nunes da Costa, há referência à abertura de um novo corte próximo ao rio de Contas, no qual se explorariam pau-brasil e madeiras de construção. Estas últimas se destinariam ao fabrico de uma nova fragata, mas também às novas obras que se realizariam no paço e para a reedificação de outros prédios de propriedade da Coroa. Como se percebe, a construção civil oficial, aquecida pela contingência da reconstrução dos prédios públicos de Lisboa após o terremoto, também concorreu para o aumento da demanda das madeiras da comarca de Ilhéus.

No entanto, a principal demanda advinha da região econômica na qual se inseria a antiga capitania de Ilhéus. Para o Recôncavo, exportava caixas de açúcar. Para a capital, tabuados, pranchões e peças prontas para a produção naval privada e oficial. No interior da própria comarca possivelmente se consumia a maior parte das madeiras extraídas das suas matas. A indústria naval local crescia, impulsionada pela retomada agrícola das últimas décadas do século XVIII.16 Nesse contexto, quando a Coroa começou a tomar para si a responsabilidade por um uso mais racional dos recursos da floresta, os interesses privados locais já haviam se tornado fortes o suficiente para imprimir assaz resistência às medidas conservacionistas oficiais.

Morton demonstrou que se formara uma verdadeira associação entre os sujeitos proprietários que se envolveram diretamente nos cortes. Os fabricantes - geralmente donos ou possuidores de terras, lavouras e bois - associavamse aos donos de barcos, numa prática comum para viabilizar o transporte para Salvador, já que os fretes se constituíam em um dos fatores de maior custo na empresa madeireira. Tal prática concorreu ainda mais para o fechamento de grupos que passaram a dominar esse setor da economia (Morton, 1978).

Paradoxalmente, fora a própria Fazenda Real a patrocinadora da ascensão desses fabricantes. De acordo com Domingos A. B. Muniz Barreto, o inspetor Francisco Nunes da Costa tinha seu zelo dificultado pelas enfermidades de que sofria. Passava, em vista disso, a maior parte do tempo em Salvador, tratandose.17 O dinheiro que lhe adiantava a Fazenda Real para o suprimento das encomendas, repassava o ouvidor para os "seus" administradores,

os quais não desempenhando a boa confiança que aquele Ministro fazia deles, revertiam os pagamentos unicamente a favor daqueles fabricantes de madeiras que eram patrocinados e especializados pelos referidos administradores, pagando-se-lhes somas consideráveis pelo serviço futuro que haviam fazer, do que procedia ficarem muitos fabricantes de madeiras por pagar, e sendo, sem embargo disso obrigados a continuar o trabalho dos mesmos cortes por uma cega e violenta obediência.

Os jornais de novo estabelecidos, tanto tiveram de arbitrários os que tinham estabelecido o Inspetor Luis Caetano Simões contra os fabricantes, em razão de serem muito diminutos como tiveram depois excesso notável pelos administradores do seu sucessor, com grave prejuízo da Real Fazenda.

Prenderam também aqueles administradores (sem ter ordem superior) a liberdade do embarque dos tabuados de vinhático, e potumuju, e pessoa alguma era autorizada a negociar nestas qualidades de madeiras, que como já disse, aqueles administradores fizeram privativas da sua licença, de modo que todas as encomendas deste gênero a eles é que se faziam, e ainda o fabrico das canoas, uma vez que fossem de vinhático, ou potumuju. (Memória sobre os cortes..., f.4)

Pelas mãos da própria administração colonial, um grupo de fabricantes passava a controlar não somente a produção para as demandas oficiais, mas também o comércio privado de madeiras para a construção de embarcações de pequeno porte - como eram as canoas - utilizadas no transporte de passageiros e no comércio local e regional.

Após o falecimento de Francisco Nunes da Costa, em 1794, os mesmos administradores nomeados pelo desembargador continuaram à frente dos cortes, respondendo diretamente à Junta. A Coroa não nomeou novo inspetor nem novos administradores, ficando os cortes encarregados a apenas três homens. Na avaliação de Domingos A. B. Muniz Barreto,

Estes três administradores, como tinham sido criados, e estavam acostumados com os abusos da antecedente administração, seguiram não só os mesmos vícios dela, mas que puseram as coisas em pior estado, como era muito natural que sucedesse em uma administração acéfala. Cada um deles procurou fazer as suas particulares utilidades, e dando todos as mãos conseguiram com vantagem o seu projeto: Compraram muitos escravos pretos oriundos de África, e assim mesmo selvagens, e sem a mais remota ideia do falquejo de um pau, ganhavam o jornal de peritos falquejadores.

Os arrastos dos paus com juntas de bois, se fizeram ainda mais onerosos a Real Fazenda que os feitos pela antiga Inspeção daquele Ministro. A união que de comum acordo fizeram estes três Administradores deu ocasião a mandar-se, que tais pagamentos dos arrastos se fizessem procedendo-se primeiro a uma avaliação. Este arbítrio fez que quando aquelas avaliações deviam ser feitas segundo a distancia, e lugar donde se fizessem os arrastos, e atendendo igualmente ao comprimento dos paus, e a serem estes ou não de volta pelo contrario se faziam pelo numero de juntas de bois que os arrastavam, os quais sendo da propriedade dos mesmos administradores, que entre si coligados, ou dos apaziguados estando todos nisto conformes, e de comum acordo não calcularam as juntas de bois, que eram necessárias a qualquer pau, e de mãos dadas avaliando eles estes arrastos uns aos outros, o que ficava bem servido hoje, com grave prejuízo da Real Fazenda; em outra ocasião recompensava igualmente, e favorecia ao seu companheiro. (ibidem, f.17) 18

Alguns fabricantes beneficiados pelo esquema aparecem com destaque nos testemunhos da época. É o caso de José Roiz de Oliveira, o qual, segundo Barreto, fornecia madeiras tanto para a marinha de guerra, como para a mercantil, "com o que adquiriu fortuna, crédito e riquezas". A marinha mercante foi apontada pelo juiz Lisboa como a maior responsável pela grande demanda de madeiras da época. Os fornecimentos foram encarregados aos administradores dos reais cortes e ao padre Francisco Malta, "de onde lhe proveio a fonte de tantas riquezas, pois meia dúzia de homens podiam contentar a praça mercantil". Quanto às encomendas da Marinha Real, o juiz argumentava que se alguma vez foram feitas aos particulares, não foi em decorrência da impossibilidade de fornecimento pelos reais cortes, mas porque, desde a morte de Francisco Nunes da Costa, "pararam os cortes por muito tempo, porque as encomendas se não teriam pedido com antecipação, além de ser aquela administração então irregular" (ibidem). Os particulares se fortaleciam ocupando os espaços deixados pela má administração oficial.

Estava, assim, bem cristalizada essa fórmula que favorecia um pequeno grupo de fabricantes locais quando a Coroa resolveu impor medidas mais amplas visando à conservação das melhores matas para a sua própria exploração, tal como havia proposto Francisco Nunes da Costa mais de dez anos antes. Para isso, contou com a efetiva participação do recém-nomeado ouvidor da comarca de Ilhéus, Baltazar da Silva Lisboa. Em março de 1797 uma carta régia decretava ser propriedade exclusiva da Coroa todas as matas e arvoredos que se achassem à borda da costa ou dos rios navegáveis que desembocassem diretamente no mar, "e por onde em jangadas possam conduzir as madeiras cortadas até as praias" (ibidem). Os proprietários comprovados por autos de sesmaria ou compra seriam indenizados com terras equivalentes em lugares não especificados. Foi criada a Conservadoria das Madeiras, e o ouvidor Lisboa nomeado o primeiro Juiz Conservador das Matas da Comarca de Ilhéus. O mesmo juiz foi encarregado de proceder a uma nova inspeção nas áreas da Comarca de potencial extrativista.

Todas essas ações, voltadas para a conservação das matas para uso exclusivo do real serviço, foram concebidas e colocadas em execução na forma de um "plano", como ficou conhecido pela sociedade da época. O maior impacto no funcionamento do mercado das madeiras e peças beneficiadas ocorreu por conta do parágrafo que estabelecia que mesmo os particulares possuidores de terras não poderiam tirar e vender suas madeiras sem a licença do juiz conservador. As espécies vinhático, potumuju, tapinhoã e oiti se tornariam reservas reais e somente poderiam ser tiradas para as encomendas da Marinha Real, tendo seus preços determinados pelo juiz.19

Como bem observou Morton, tais medidas criaram um verdadeiro monopsônio real (1978, p.40). De acordo com o testemunho de Domingos A. B. Muniz Barreto, o juiz conservador era o responsável pela provisão de todas as encomendas reais. Para suprir as despesas, recebia mensalmente da Real Fazenda a vultosa quantia de dois contos de réis. Tinha a seu dispor um escrivão, um administrador geral, cinco ajudantes e um almoxarife, "vencendo todos anualmente crescidos ordenados" (Memória sobre os cortes..., f.31).20

O juiz conservador parece ter encontrado uma fórmula interessante para segurar os preços que a Fazenda Real pagava aos fabricantes. Um dos maiores críticos do plano, o capitão Muniz Barreto, acusava o juiz de favorecer quatro fabricantes do rio Jequié, aos quais foi passado o estanque das chamadas madeiras moles - camaçaris e louros, dentre outras - como compensação pelos preços a que estavam obrigados a vender à Fazenda Real as pranchas de vinhático e potumuju, "ficando inabilitados inumeráveis homens, que subsistiam do corte, e serraria das outras madeiras de poder continuar neste trafico, de cujos lucros sustentavam as suas famílias, e por cuja falta se viram na indigência mais penosa" (ibidem, f.23).

Não me alongarei na apresentação e análise pormenorizada do plano para a conservação das madeiras e dos conflitos entre um grupo de interessados local e o poder público - este último representado na figura do juiz Lisboa - porque esse estudo já foi realizado de forma convincente por Morton. Basta dizer que a resistência partiu de um grupo de mais ou menos sessenta indivíduos envolvidos diretamente com a extração, o beneficiamento e o transporte de madeiras e peças para a construção naval, orientados, principalmente, por José de Sá Accioli Bitencourt.21 Esse senhor era um dos novos investidores que se estabeleceram na Comarca e logo passou a adquirir terras dos extintos jesuítas e a investir em maquinário para a extração e o beneficiamento de madeiras.22

Nessa queda de braço prevaleceram os interesses particulares, ficando, a partir de então, a exploração das madeiras livre e a produção sujeita apenas aos impostos determinados ocasionalmente pela Coroa. Os argumentos do juiz Lisboa contra os "males inumeráveis decorrentes da liberdade ilimitada de cada um cortar os paus que quisessem nos territórios de suas possessões" (Ofícios de Baltazar..., f.18) não prevaleceram num contexto mais propício aos princípios da economia política de Adam Smith. A liberdade econômica e o direito ilimitado à propriedade privada eram apontados por lideranças locais - como José de Sá Accioli Bitencourt, Manoel Ferreira da Câmara e Domingos A. B. Muniz Barreto - como panaceia aos principais problemas que envolviam a comarca de Ilhéus na virada do século XVIII para o XIX: em primeiro lugar, a necessidade de expandir as lavouras de farinha para garantir uma oferta capaz de corresponder ao crescente mercado interno e externo; em segundo, a necessidade da ocupação dos sertões, promovendo a integração dos povos indígenas e a abertura de estradas para a descida de gados dos arraiais pecuários da serra da Ressaca; por último, apontava-se a excelência da menor intervenção do Estado na produção de madeiras e da liberdade total dos fabricantes, acreditando que a concorrência seria o maior estímulo para uma exploração mais racional, econômica e menos predatória para as matas da comarca de Ilhéus e de outros pontos da floresta Atlântica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que a atividade madeireira voltada para a construção naval e civil além de dar maior vigor ao circuito comercial regional que orbitava Salvador, envolveu a capitania e comarca de Ilhéus no mercado imperial, possibilitando a captação de recursos diretamente da Fazenda Real. A floresta Atlântica, portanto, proporcionou um fluxo de renda capaz de promover a ocupação econômica de vários espaços da costa e a ascensão econômica e social de um grupo local de fabricantes e condutores de madeiras.

O capital gerado nessas atividades circulou pelo próprio território da antiga Capitania em forma de salários e jornais. Pagou a conta de diversos lavradores que abasteciam de alimentos os cortes de madeira e deu emprego e renda a vários condutores de bois, estradeiros e mestres de embarcações envolvidos nas diferentes etapas do transporte das peças. Estimulou, ainda, a aquisição de escravos pelos proprietários locais, haja vista a constante requisição de plantéis alugados para mão de obra sazonal nas feitorias reais.

Apontar a floresta como obstáculo à ocupação e ao desenvolvimento econômico da capitania e comarca de Ilhéus incorre, portanto, na suposição de que a imensidão de seus recursos naturais teria passado despercebida aos colonos que ali viveram. Considerando que em praticamente toda a sua costa se fez presente algum tipo de atividade madeireira, é mais correto afirmar o contrário. A floresta foi, sim, mais uma porta de entrada para o mercantilismo português.

A exploração econômica da Mata Atlântica imprimiu, também, transformações na própria paisagem e na dinâmica dos ecossistemas florestais, por ter promovido a devastação de diversos pontos das matas ciliares. A ocorrência de espécies de alto valor mercantil - como o vinhático, a sucupira e o potomuju - localizadas em pontos da floresta onde era possível seu escoamento pelas vias fluviais, orientou o estabelecimento de unidades produtivas que se fizeram núcleos de futuras vilas e atuais cidades, mas determinou, também, a diminuição precoce das populações daquelas espécies mais valorizadas.

NOTAS

Artigo recebido em julho de 2009.

Aprovado em abril de 2010.

Referências bibliográficas

  • 2 CABRAL, Diogo de C. Madeireiros do Brasil colonial. Ciência Hoje, v.212, n.36, p.16-19, 2005;
  • MILLER, Shawn. Fruitless tress: Portuguese conservation and Brazil's colonial timber. Stanford University Press, 2000.
  • 3 Ver, por exemplo, FREITAS, Antonio F. G. De; PARAÍSO, Maria H. Caminhos ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a Princesa do Sul. Ilhéus (BA): Editus, 2001, p.21.
  • 4 LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia São Paulo: Cia. Ed. Nacional; Edusp, 1968, p.25.
  • 5 MORTON, F. W. O. The royal timber in late colonial Bahia. Hispanic American Historical Review, v.58, n.1, fev. 1978, p.42.
  • 6 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil Lisboa: Livraria Portugália, 1938. t.5, p.203.
  • 8 "Many timber exports were not systematically recorded for the simple reason that they belonged to the king and were thus of a different category. Likewise, brazilwood, whale oil, and diamonds, all royal monopolies, only occasionally made up part of regular export statistics" (Miller, 2000, p.94).
  • 14Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, v.12, p.170-173.
  • 1
    O presente artigo é uma versão modificada de parte do quarto capítulo de minha tese de doutorado: DIAS, Marcelo Henrique.
    Economia, sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no período colonial. Niterói, PPGH-UFF, 2007. Agradeço mais uma vez à Uesc o apoio para a realização deste trabalho, e ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF, sobretudo à professora Sheila Faria, a orientação e amizade.
  • 2
    CABRAL, Diogo de C. Madeireiros do Brasil colonial.
    Ciência Hoje, v.212, n.36, p.16-19, 2005; MILLER, Shawn.
    Fruitless tress: Portuguese conservation and Brazil's colonial timber. Stanford University Press, 2000.
  • 3
    Ver, por exemplo, FREITAS, Antonio F. G. De; PARAÍSO, Maria H
    . Caminhos ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a Princesa do Sul. Ilhéus (BA): Editus, 2001, p.21.
  • 4
    LAPA, José Roberto do Amaral.
    A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Cia. Ed. Nacional; Edusp, 1968, p.25.
  • 5
    MORTON, F. W. O. The royal timber in late colonial Bahia.
    Hispanic American Historical Review, v.58, n.1, fev. 1978, p.42.
  • 6
    LEITE, Serafim.
    História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Livraria Portugália, 1938. t.5, p.203.
  • 7
    Memória sobre os cortes de madeiras de construção estabelecidos na comarca de São Jorge dos Ilhéus (atribuo a autoria a Domingos Alves Branco Munis Barreto; ano provável, 1800). Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (doravante BN), Ms 512 (47, doc. 2). Doravante, as referências a este documento serão feitas no corpo do texto.
  • 8
    "Many timber exports were not systematically recorded for the simple reason that they belonged to the king and were thus of a different category. Likewise, brazilwood, whale oil, and diamonds, all royal monopolies, only occasionally made up part of regular export statistics" (Miller, 2000, p.94).
  • 9
    Coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v.III da série E 1, p.135. Na sequência, as referências a essa Coleção serão feitas no corpo do texto, com a abreviatura DHBN.
  • 10
    Todos esses cortes deram origem a povoações que chegaram até os dias de hoje. Maricoabo e Mapendipe são atualmente distritos do município de Valença, o qual teve sua origem no corte de Una. Já a antiga povoação de Jequié evoluiu para a atual cidade de Nilo Peçanha.
  • 11
    Em outra carta, esta de 1719, o governador conde de Vimieiro solicita aos oficiais da câmara de Cairu pressa na indicação do primeiro nome escolhido "para se lhe passar Provisão da serventia do dito ofício ou puxar pelo segundo, o que é preciso se faça logo para se tomar contas a Lucas de Afonseca, Tesoureiro atual, que tem acabado os seus três anos" (DHBN, v.73, p.215).
  • 12
    Estradeiros eram os homens encarregados de abrir as estradas por onde se arrastariam as madeiras pela força dos bois. Os arrastadores, ou condutores, eram proprietários de bois e seus utensílios - as juntas -, os quais normalmente contratavam os carroceiros para a condução dos animais. O valor unitário dos aluguéis era estabelecido pelo número de juntas utilizadas nas conduções. Segundo Baltazar da Silva Lisboa, cada junta era alugada pelo valor de 16 a 18 réis diários (Memória sobre as matas da comarca de Ilhéus, cortes de madeiras, regulamento dos cortes e estado atual ... por Baltazar da Silva Lisboa, 1803, f.8. BN, ms. 512 - 56, doc. 24, f.3-4). As referências a esse documento serão feitas, doravante, no corpo do texto.
  • 13
    O vale do rio Jequiriçá, apesar de pertencer ao termo da vila de Jaguaripe, portanto fora dos limites da comarca de Ilhéus, ficava sob a jurisdição do ouvidor desta, já que se inseria no circuito de produção madeireira que se expandira a partir da feitoria de Cairu.
  • 14
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, v.12, p.170-173.
  • 15
    Na sequência das anotações: "... toras de jequitibá, óleo ou louro para mastros. O potumuju em pranchões que se remeteram eram de excelente qualidade e preferido pelos construtores ao vinhático para algumas obras e ainda melhores para mastro que o pinho do norte. Também não faltaram encomendas em que se pedia para remeter madeiras direitas ou peças prontas, como tábuas de quilha, dormentes, cintas, tabuados, vãos, cadouças [?] e alguns gios, capelas, todas de proa, curvas, cavernames e enchimentos... Outra relação, esta de 1792, requisitava curvas e tabuados de vinhático para costados, tabuados de vinhático e potumuju de diferentes bitolas, remos, três mastros e uma viga grande de jequitibá [para o que] vai a importância de 1.200$000 réis". Os maiores pedidos, no entanto, destinavam-se aos pranchões e tabuados de vinhático. Num único pedido, de 1795, foram solicitados 227 pranchões daquela madeira, variando entre 15 e 25 palmos de comprimento. As madeiras que já apresentavam falta na comarca de Ilhéus eram requisitadas para os cortes de Alagoas (
    Ofícios de Baltazar da Silva Lisboa sobre cortes de madeira na Bahia, 1800-1808, f.17. BN, ms. 512. 55 doc. 36, f.59-69).
  • 16
    "The volume o shipbuilding, especially in the private yards, increased so greatly that by 1795 the Bahiam shipyards could be described as having built the greater part of the Portuguese marine. Such private shipbuilding pushed up costs by competing with the crown for the limited supply of skilled labor and raw materials. Competition for timber in particular became more acute as the value of more Brazilian species was recognized; and the huge timbers needed for warships all too often were sawed into easily transportable sizes suitable for merchantmen" (Miller, 2000, p.47). As fontes do autor são: Carta de Luis Pinto de Souza para D. Fernando José de Portugal. Queluz, outubro, 22 de 1795. BN I-1,4,8, f.231, e Carta de José Francisco de Perné, Intendente da Marinha, a D. Fernando J. de Portugal. Bahia, 30 de agosto de 1800. BN II-34, 5, 103, n.4.
  • 17
    Ao contrário da opinião de Domingos Muniz Barreto quanto à administração exercida pelo desembargador Francisco Nunes da Costa, o juiz Lisboa dizia não poder omitir "as respectivas representações feitas a favor daquele Ministro que se encontram nos livros das cartas deste arquivo, o qual com a sua presidência, atividade e zelo soube combinar os interesses do público e do particular como da Real Fazenda" (Memória sobre as matas..., f.14).
  • 18
    Mesmo considerando a veracidade dos testemunhos que dão conta dá má administração do orçamento dos cortes, Morton, que analisou um maior número de documentos produzidos na época sobre o assunto, considerou que para a Coroa o sistema se fazia vantajoso pela flexibilidade de não ter um custo fixo (1978, p.46).
  • 19
    "As canoas daquelas mesmas qualidades de paus [vinhático e potumuju], por serem então as melhores e mais duráveis para o serviço dos lavradores no trânsito dos rios foram igualmente embaraçadas e ninguém ousara fabricá-las sem licença do juiz conservador para o que sempre era necessário proteção" (Memória sobre os cortes..., f.23).
  • 20
    O próprio Baltazar da Silva Lisboa declarou os ordenados anuais do pessoal da Conservadoria em 1800: juiz conservador, 1.000$000; administrador, 500$000; seu ajudante, 200$000; escrivão, 300$000; seu ajudante, 150$000; almoxarife, 200$000. A soma chegava a 2.350$000 réis anuais. (Memória sobre as matas..., f.31).
  • 21
    Sobre José Sá, ver MORTON, 1978, p.55. José de Sá foi o autor de uma representação ao monarca na qual apontava várias razões para a refutação do plano defendido por Baltazar da Silva Lisboa. O juiz, por sua vez, também respondeu na forma de uma representação, na qual questionava a legitimidade da refutação apresentada por seu adversário, cujo apoio na sociedade local seria fruto de "sinistras maquinações" (
    Ofícios de Baltazar..., f.6).
  • 22
    De acordo com o juiz Lisboa, seu desafeto, José de Sá Bitencourt, havia comprado umas terras nas cabeceiras do rio Pinaré e pretendia retirar dali madeiras de sucupira sem recorrer aos meios estabelecidos pelo plano (
    Documentos relativos ao corte de madeiras na Comarca de Ilhéus do Ouvidor Baltazar da Silva Lisboa. Queluz, Valença, 1791-1806. BN ms 512. 47, doc. 8, fs. 05-06).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2010
    • Recebido
      Jul 2009
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