RESUMO
Os temas eleições e democracia estão na ordem do dia. A proposta deste artigo é contribuir para esse debate, a partir do olhar do historiador, refletindo sobre a seguinte questão: quando as eleições e o voto desafiam a democracia? Ao analisarmos os instrumentos políticos que levam à representação, tendo por objetivo a construção de um entendimento sobre os desafios da democracia brasileira, sustentamos que as eleições e o voto desafiam a democracia quando o grau de adesão do eleitor ao regime democrático sofre flutuações e os valores de uma cultura política democrática não são observáveis, e quando a credibilidade das instituições é baixa e os partidos políticos são frágeis.
Palavras-chave:
Eleições; voto; democracia; Brasil
ABSTRACT
The themes of elections and democracy are on the order of the day. The purpose of this article is to contribute to this debate, from the historian’s point of view, reflecting on the following question: when do elections and voting challenge democracy? By analyzing the political instruments that lead to representation, aiming at building an understanding of the challenges of Brazilian democracy, I argue that elections and voting challenge democracy when the degree of voter adherence to the democratic regime fluctuates and the values of a democratic political culture are not observable, and when the credibility of institutions is low and political parties are fragile.
Keywords:
Elections; Vote; Democracy; Brazil
O fenômeno das fake news, com toda a polêmica gerada nas eleições presidenciais de 2018, e, mais recentemente, os questionamentos levantados por lideranças políticas sobre a lisura do voto eletrônico, colocaram os temas eleições e democracia na ordem do dia1 1 Nas eleições de 2018, as redes sociais tiveram um papel decisivo. Candidatos sem acesso aos recursos tradicionais do Fundo Partidário, criado em parte para compensar a proibição do financiamento de campanhas por empresários, migraram para as redes alimentando um discurso de repúdio à chamada política tradicional. Essas eleições se revestiram de um caráter peculiar e podem ser consideradas um marco duplamente: por representarem a nossa primeira campanha efetivamente digital e por assinalarem o fim da polarização PT-PSDB, que por décadas marcou a política brasileira. .
De uma maneira geral, a discussão de questões relativas aos desafios enfrentados nos últimos anos pela democracia brasileira vem sendo realizada no âmbito da Ciência Política e da Sociologia (Santos, 2017SANTOS, Wanderley Guilherme dos. A democracia impedida. O Brasil do século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2017.; Abranches, 2019ABRANCHES, Sérgio. Polarização radicalizada e ruptura eleitoral. In: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. pp. 11-34.; Nicolau, 2020NICOLAU, Jairo. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Rio de Janeiro: Zahar , 2020.). Embora a História do Tempo Presente tenha se legitimado nas últimas décadas (Bédarida, 1992BÉDARIDA, François. Temps présent et présence de l’histoire. In: Écrire l’histoire du temps présent. Paris: CNRS, 1992.; Ferreira, 2002FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. Topoi. Revista de História, Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ/7Letras, v. 3, n. 5, pp. 314-332, 2002.), os historiadores têm contribuído de forma mais tímida para esse debate (Mattos; Bessone; Mamigonian, 2016MATTOS, Hebe; BESSONE, Tânia; MAMIGONIAN, Beatriz G. Historiadores pela democracia: o golpe de 2016: a força do passado. São Paulo: Alameda, 2016.; Freire, 2019FREIRE, Américo (Org.). Democracia brasileira em foco: historiografia, atores e proposições. Salvador: Saga Editora, 2019.).
Ao que tudo indica, alguns temas ainda permanecem searas dominadas por pesquisadores de determinadas áreas, configurando uma espécie de divisão do trabalho acadêmico. Dialogar com as reflexões de diferentes especialistas acrescentando o olhar do historiador, no entanto, pode se constituir um caminho interessante para enriquecer esse debate. Essa é a proposta aqui apresentada para enfrentar o desafio de refletir sobre a seguinte questão: quando as eleições e o voto desafiam a democracia?
De início, é importante destacar que não se trata de uma pergunta fácil de ser respondida objetivamente, por dois motivos. O primeiro está relacionado aos problemas envolvidos no uso do conceito de democracia. O segundo diz respeito ao número de fatores que poderiam ser arrolados como explicativos. Nesse sentido, vale a pena começar com a questão conceitual a partir da seguinte indagação: de qual modelo de democracia estamos falando?
O conceito de democracia passou por muitas ressignificações e os modelos variaram ao longo do tempo (Bobbio, 1998BOBBIO, Norberto. Democracia. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (Orgs.). Dicionário de política. 11. Ed. Brasília: Editora da UnB, 1998. pp. 319-329.; 2000BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.; Dahl, 2012DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012.; 2016DAHL, Robert. Sobre a democracia. 2ª reimpressão. Brasília: Editora da UnB , 2016.) - basta observar a literatura a respeito, rica e repleta de controvérsias envolvendo diferentes tradições do pensamento político e distintos teóricos. Falar em democracia implica discutir questões politicamente relevantes, teóricas e práticas, já que existem variadas vertentes conceituais sobre democracia, sobretudo no que se refere à democracia representativa e participativa2 2 Desse debate teórico emergem diferentes visões de participação. Para essa discussão, ver as contribuições de Bobbio (2000), Pateman (1992) e Santos (2002). Este último, em particular, vem relacionando a renovação da teoria democrática à formulação de critérios democráticos de participação política que não se limitem ao ato de votar. Ou seja, propõe uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa (Santos, 2002, p. 271). . O mesmo pode ser dito em relação aos temas eleições e voto (Porto, 2002PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.; Nicolau, 2017NICOLAU, Jairo. Representantes de quem?: os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar , 2017.; Figueiredo, 2008FIGUEIREDO, Marcus. A decisão do voto: democracia e racionalidade. 2. Ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.). Assim, para efeitos práticos, neste texto partimos da acepção de democracia proposta pelo cientista político norte-americano Robert Dahl (2012DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2012.; 2016DAHL, Robert. Sobre a democracia. 2ª reimpressão. Brasília: Editora da UnB , 2016.).
Segundo Dahl, a democracia é definida em termos de competição, participação e contestação pacífica do poder. De acordo com essa perspectiva, um regime democrático implica basicamente na observância dos seguintes quesitos: o direito de os cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os membros adultos da comunidade política; eleições regulares, livres, competitivas e abertas; liberdade de expressão, reunião e organização, em especial, de partidos políticos para competirem pelo poder; e acesso a fontes alternativas de informação sobre a ação de governos e política em geral (Dahl, 2016DAHL, Robert. Sobre a democracia. 2ª reimpressão. Brasília: Editora da UnB , 2016., p. 99).
Pensando com base nesses parâmetros, e olhando de forma panorâmica (embora nem sempre todos esses critérios tenham sido observados em sua plenitude), é possível afirmar que a República brasileira, que em 2021 completou 132 anos, conheceu diferentes regimes democráticos. O país experimentou uma democracia entre 1934 e 1937, inaugurada com a promulgação da Carta de 1934; vivenciou a chamada democracia restrita de 1945 a 19643 3 A ideia de democracia restrita está associada, no caso brasileiro, ao déficit relativo à participação do eleitorado e à não inclusão social e política de grupos sociais da área rural. Vale lembrar que aos analfabetos não foi conferido direito de voto na Carta de 1946 e a legislação social só chegou ao campo em 1963, com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural (Macpherson, 1978). O processo de consolidação da democracia brasileira no período foi analisado por Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira (2018, pp. 251-275). ; e vive a democracia atual da Nova República, arquitetada na década de 1980 e desenhada na Constituição de 1988.
Desde os anos 1930, o formato de democracia no país vem sofrendo variações. Essas metamorfoses guardam relação direta com os processos seguidos de institucionalização democrática, o que implica dizer que foram produto do formato adquirido nas transições políticas, do papel desempenhado por determinadas instituições, bem como da definição adotada de povo político, ou seja, os cidadãos ativos - a quem foi conferida a franquia eleitoral.
A segunda dificuldade em responder de forma objetiva à questão proposta (quando as eleições e o voto desafiam a democracia), conforme já indicado, relaciona-se ao fato de que existe um número razoável de fatores que poderiam ser apontados como explicativos.
Pode-se argumentar que as eleições e o voto desafiam a democracia quando não há lisura no processo eleitoral (compreendendo aqui as suas diversas etapas - alistamento de eleitores, propaganda, votação, apuração e divulgação do resultado dos pleitos), ou seja, quando não há um código eleitoral que defina regras claras de competição e uma Justiça eleitoral que garanta eleições limpas e competitivas.
É válido afirmar que as eleições e o voto desafiam a democracia quando o voto não é secreto, já que esta modalidade de voto abre brecha para práticas de controle e manipulações já amplamente discutidas na literatura acadêmica, ou quando o voto é utilizado como moeda de troca, em vez de representar a tradução de afinidades ideológicas (Leal, 1986LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5. Ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.; Pinto, 1998PINTO, Surama Conde Sá. A correspondência de Nilo Peçanha e a dinâmica política na Primeira República. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.; 2011PINTO, Surama Conde Sá. Só para iniciados: o jogo político na antiga capital federal. 1. Ed. Rio de Janeiro: Mauad X/Faperj, 2011.).
Da mesma forma, quando a máquina administrativa é utilizada com fins eleitorais, gerando favorecimentos ilícitos; quando há exclusão de setores sociais no processo eleitoral; quando há o uso sistemático de estratégias de campanha, como a disseminação de notícias falsas (fake news), e/ou a desinformação ou a misinformação se transformam em política de Estado, é possível dizer que o voto e as eleições arrefecem a democracia.
Também pode-se sustentar que as eleições e o voto desafiam a democracia quando o grau de adesão do eleitor ao regime democrático sofre oscilações, quando valores de uma cultura política democrática não são observáveis, quando a credibilidade das instituições é baixa e os partidos são frágeis. A lista não termina aqui. Outros fatores poderiam ser citados.
Correndo o perigo de cair no vazio, por ora, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que as eleições são indispensáveis para o funcionamento de uma democracia, mas sozinhas não garantem um regime democrático, já que per se não são suficientes para garantir os direitos dos cidadãos, o primado da lei, tampouco o controle e a fiscalização dos governos. O caso brasileiro é um claro exemplo nesse sentido. O Brasil tem cinco séculos de experiência de eleições, o que não implica automaticamente que todo esse período tenha se traduzido em experimentos democráticos4 4 Consideramos no cômputo os períodos Colonial e Imperial, já que na América Portuguesa havia eleições para as Câmaras Municipais e durante todo o Império os pleitos foram realizados com regularidade. .
É igualmente importante assinalar: na construção de um entendimento sobre os desafios da democracia brasileira consideramos que analisar os instrumentos políticos que levam à representação, como o voto e a eleição, representa apenas uma parte. A discussão sobre eleitores, conselhos civis, instituições civis, sindicatos, partidos, entre outros, também é fundamental, já que a definição sobre os caminhos da participação e da representação política em diferentes instâncias vem sendo feita e refeita pela sociedade.
Na impossibilidade de tratar de todos os elementos elencados, em virtude da natureza e dos limites deste texto, a seguir serão enfatizados dois deles. Destacamos, particularmente, que as eleições e o voto desafiam a democracia quando o grau de adesão do eleitor ao regime democrático sofre flutuações e valores de uma cultura política democrática não são observáveis, e quando a credibilidade das instituições é baixa e os partidos são frágeis. A escolha não é fortuita. Tais elementos têm animado o debate no âmbito da academia, produzindo análises interessantes que nos ajudam a compreender muitas das mazelas da experiência republicana do país.
Estamos conjugando aqui, ao destacar os elementos mencionados acima, duas variáveis utilizadas na Ciência Política para explicar a adesão à democracia: a variável da cultura política e aquela que confere ênfase à avaliação do desempenho das instituições5 5 Essa orientação vem sendo adotada por Álvaro Moisés em suas análises sobre o tema democracia brasileira e confiança dos cidadãos. Uma das vantagens da utilização dessa abordagem é que ela combina a percepção de valores e as ações pragmáticas propriamente ditas (Moisés, 2008; 2010). . Ainda para efeito de esclarecimentos, optamos por seguir a premissa presente nas análises de Álvaro Moisés de que a adesão à democracia e a confiança política no país dependem tanto da cultura política dominante como do funcionamento das instituições democráticas (Moisés, 2008MOISÉS, José Álvaro. Cultura política, instituições e democracia. Lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, pp. 11-43, fev. 2008., p. 12; 2010).
Da mesma forma, também partilhamos do entendimento de que a estrutura institucional deve ser pensada numa relação de causa e efeito em relação à cultura política de uma dada sociedade. Isso implica sustentar que valores afetam a escolha de instituições (seu perfil e sua função) e o funcionamento destas molda a cultura política, contribuindo para sua continuidade e/ou mudança (Rennó, 1998RENNÓ Jr., Lúcio Remuzat. Teoria da cultura política: vícios e virtudes. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 45, pp. 71-92, 1998.).
Ao falarmos em cultura política, é importante esclarecermos, o sentido do termo empregado não guarda relação com as formulações da Escola Desenvolvimentista, criada pelos autores do clássico The Civic Culture, que elaboraram um modelo comparativo das democracias nos anos 1960 em pleno contexto da Guerra Fria (Almond; Verba, 1963ALMOND, Gabriel Abraham; VERBA, Sidney. The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five Nations. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1963.)6 6 A obra dos pais da cultura cívica foi bastante criticada, sobretudo no que tange à orientação adotada de pensar a cultura política separada da cultura mais geral de uma sociedade, à visão teleológica manifesta na defesa da existência de um caminho (quase) linear entre comportamento e instituições e desenvolvimento da democracia (vista como de um único tipo) e ao etnocentrismo implícito, ao tomar como parâmetro de análise a democracia norte-americana. A principal crítica, no entanto, diz respeito ao pressuposto defendido pelos autores da necessidade de um determinado tipo de cultura política como requisito para a constituição e a consolidação da democracia, no caso, a cultura cívica existente no Estados Unidos e na Grã-Bretanha (Rennó, 1998). .
Seguimos aqui as orientações propostas pelo historiador francês Serge Berstein, que define cultura política como sistemas de representações fundados sobre determinadas visões de mundo, sobre leituras do passado histórico, sobre escolhas de sistemas institucionais e de uma sociedade considerada ideal de acordo com modelos retidos... (Berstein, 1992BERSTEIN, Serge. L’historien et la culture politique. Vintigtième Siècle. Revue d’histoire, n. 35, pp. 67-77, jui.-sep. 1992., p. 71).
Por cultura política entendemos, assim, atitudes, normas, crenças e valores políticos (tais como respeito pela lei, participação e interesse por política, tolerância, confiança institucional, sentido conferido ao voto) que orientam o envolvimento das pessoas com a vida pública. Embora não seja uma chave explicativa capaz de dar conta de tudo, seu uso faculta o entendimento sobre elementos que motivam os comportamentos políticos7 7 Para uma análise das possibilidades do uso do conceito e da abordagem da cultura política pelos historiadores, ver as análises de Ângela de Castro Gomes (2005, pp. 21-44) e de Rodrigo Patto Sá Motta (2009, pp. 13-37). .
Uma das vantagens dessa abordagem, segundo o modelo de trabalho proposto por Berstein, é que ela compreende que atitudes, crenças e valores relacionados ao político estão ligados à cultura global de uma sociedade e apresentam longa duração no tempo, o que, por outro lado, não inviabiliza a possibilidade de mudanças, já que as culturas políticas são pensadas numa perspectiva dinâmica.
Ancorando essa discussão em um exemplo prático do caso brasileiro, conforme a produção acadêmica tem destacado, a nossa atual democracia - a da Nova República - nasceu após um longo e complexo processo de transição política, marcado por avanços e recuos, sobre o qual atuaram diferentes instituições e múltiplas forças - com destaque para setores militares e da sociedade civil (Kinzo, 2001KINZO, Maria Dalva. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo em Perspectiva , v. 15, n. 4, pp. 3-12, 2001.; Reis, 2014REIS, Daniel Aarão. A transição democrática. In: REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar , 2014. pp. 125-148.; Freire, 2019FREIRE, Américo (Org.). Democracia brasileira em foco: historiografia, atores e proposições. Salvador: Saga Editora, 2019.; Araújo, 2007ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. Lutas democráticas contra a ditadura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2007. pp. 321-351., pp. 321-351; D’Araújo, 2004D’ARAÚJO, Maria Celina. Geisel e Figueiredo e o fim do regime militar. In: FICO, Carlos et al. 1964-2004: 40 anos do golpe. Ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. pp. 93-104., pp. 93-104)8 8 A transição à brasileira, diferente da experiência de alguns países latino-americanos, cujo fim da ditadura foi processado de forma abrupta, é pensada na produção acadêmica a partir de diferentes cronologias. Para autores como Maria Celina D’Araújo e Maria Paula Araújo, o processo é iniciado no governo Geisel e finalizado em 1985, com a posse de José Sarney na Presidência da República (Araújo, 2007, pp. 321-351; D’Araújo, 2004, pp. 93-104). Para Daniel Araão Reis, o período de transição corresponde à fase compreendida entre 1979 e 1988, ou seja, abarca o período imediato à supressão do AI-5 e se estende até a promulgação da Constituição de 1988 (Reis, 2014). Já Maria Dalva Kinzo estabelece como marcos em suas análises o processo de abertura política iniciado com Geisel e a primeira eleição direta para a presidência da República, realizada em 1989 (Kinzo, 2001). .
Uma importante parcela da sociedade civil, em particular, se mobilizou e desempenhou papel significativo em uma série de campanhas como a da Anistia e a das Diretas Já (de novembro de 1983 a abril de 1984), que, embora sem sucesso, no caso da última, explicitou o esvaziamento do apoio de setores da sociedade ao regime militar e abriu espaço para a eleição indireta, via Colégio eleitoral, de Tancredo Neves e José Sarney, após duas décadas de generais presidentes ocupando a presidência da República.
É igualmente importante assinalarmos que o retorno à democracia no país ocorreu simultaneamente a um movimento maior, que marcou o fim dos regimes autoritários na América Latina. Essa onda democrática que varreu o continente ganhou amplitude com a queda do muro de Berlim (1989) e as transformações observadas no Leste Europeu, na Ásia e na África nos anos seguintes, ampliando o número de regimes democráticos no mundo9 9 A transição de regimes autoritários para democráticos serviu de estímulo à produção de uma série de análises no âmbito da Ciência política e da Sociologia. Sobre essa produção, ver Huntington (1991). .
No esteio das mudanças em curso, na segunda metade da década de 1980, uma série de medidas visando à consolidação do regime democrático no Brasil foram adotadas, como a concessão de voto aos analfabetos, a liberalização das regras para a criação de novos partidos, as eleições diretas para cargos cujo preenchimento era feito de forma indireta durante o regime militar (presidentes, senadores biônicos e prefeitos de capital e ou áreas de segurança nacional), culminando na promulgação da nova Constituição em 1988 - a chamada Carta Cidadã.
A luta política travada pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte e pelo estabelecimento de uma ordem democrática que não só melhor representasse o povo brasileiro, como permitisse sua participação mais direta na política, foi analisada no livro Correio político: os brasileiros escrevem a democracia (1985-1988), uma cuidadosa e bem conduzida pesquisa desenvolvida por Maria Helena Versiani (2014VERSIANI, Maria Helena. Correio político: os brasileiros escrevem a democracia, 1985-1988. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014.).
Mergulhando no acervo da Coleção Memória da Constituinte, depositada no Museu da República, e trabalhando em particular com um conjunto de cartas escritas por brasileiros e brasileiras de diferentes regiões do país, enviadas a autoridades brasileiras no curso do processo constituinte, Versiani abordou as missivas em suas singularidades, enfatizando as experiências que traduziam, os valores culturais e políticos que expressavam e os entendimentos nelas veiculados sobre direitos considerados básicos. O argumento central defendido pela autora é o de que a participação da sociedade brasileira no processo constituinte influenciou e traduziu a emergência de uma cultura política republicana mais democrática no país, valorizada nos âmbitos da representação e da participação política (Versiani, 2014VERSIANI, Maria Helena. Correio político: os brasileiros escrevem a democracia, 1985-1988. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014., p. 31).
Por outro lado, sem diminuirmos a importância da reflexão ensejada no referido estudo para a compreensão desse momento singular da história recente do país, é importante assinalarmos a existência de análises as quais ressaltam que, mesmo quando a mudança de regimes autoritários para regimes democráticos foi apoiada por movimentos da sociedade civil, isso não se mostra como condição suficiente para que a maioria dos cidadãos descarte antigas orientações autoritárias. De acordo com essa linha, momentos de incertezas e crises não raro podem representar uma porta aberta para atitudes vacilantes em relação à democracia (Baquero, 2003BAQUERO, Marcello. Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Revista de Sociologia e Política, n. 21, pp. 83-108, 2003.).
Olhando sob esse ângulo, nos parece pertinente afirmar que nem a ação da sociedade civil visando a superação de um regime autoritário nem a criação de instituições democráticas através de Cartas Constitucionais são suficientes para o surgimento de uma cultura política democrática. O quadro se torna mais complexo quando o funcionamento das instituições criadas não corresponde às expectativas e demandas dos cidadãos.
Aqui entramos no nosso segundo argumento. As eleições e o voto desafiam a democracia quando a credibilidade das instituições é baixa e o partidos políticos são frágeis.
Já dispomos de um conjunto significativo de análises que destacaram o descrédito e a pouca confiança do cidadão brasileiro em relação a instituições públicas na República, a despeito de toda a euforia que marcou os primeiros anos da Nova República10 10 Em parte, o arrefecimento da euforia está relacionado às dificuldades enfrentadas pelo Estado na solução da crise econômica dos anos 1980, a despeito das tentativas de saná-la, através dos planos econômicos implementados. Para uma análise sobre o desempenho da economia brasileira no período, ver Werner Baer (2009). Ver também as análises de Luís Carlos Bresser Pereira (2016) . A título de exemplo, em “Interesses contra a cidadania”, Carvalho chamou a atenção para valores coletivos que operam limitando a construção da cidadania no Brasil (Carvalho, 1992CARVALHO, José Murilo de. Interesses contra a cidadania. In: MATTA, Roberto da et al. Brasileiro: cidadão? São Paulo: Cultura Editores Associados, 1992. pp. 87-125., pp. 87-125). Maria Dalva Kinzo, buscando explicar o desencanto da população em relação ao quadro político e à democracia da Nova República, enfatizou os diversos condicionantes da transição política à brasileira (Kinzo, 2001KINZO, Maria Dalva. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo em Perspectiva , v. 15, n. 4, pp. 3-12, 2001.). Na mesma linha, Marcello Baquero discutiu fatores históricos-estruturais que vêm influenciado padrões, atitudes e comportamentos de desconfiança e desencanto da sociedade brasileira em relação às instituições políticas e aos políticos (Baquero, 2003BAQUERO, Marcello. Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Revista de Sociologia e Política, n. 21, pp. 83-108, 2003.). Em grande medida, esse descrédito assinalado pelos autores mencionados continua sendo alimentado, sobretudo quando se levam em conta limitações institucionais observadas, como a violação de direitos fundamentais, o não acesso a direitos civis, os casos de violência policial e a falta de ação eficaz e pronta dos tribunais de justiça. Apenas para ilustrar, vale citar alguns exemplos nesse sentido.
Viralizou na internet, no final de 2021, a cena de um policial que algemou um jovem em sua moto e deslocou-o, acusando-o de ser um traficante que tentou fugir da ação policial. O jovem foi puxado pela moto do centro à zona leste de São Paulo, onde localizava-se a Delegacia. Na filmagem da ação do representante do Estado11 11 O episódio ocorreu em 30 de novembro de 2021. Cf. Galvão; Tomaz (2021) e Correio Brasiliense (2021). , o autor da filmagem, uma pessoa que passava pelo local, comparou a cena ao período da escravidão.
Outro exemplo. Em janeiro de 2012, um incêndio em uma boate na cidade de Santa Maria (RS) causou a morte de 242 pessoas, a maioria jovens, reunidos no local para assistirem à apresentação de uma banda. Embora a tragédia tenha causado comoção nacional, e representado um grande trauma para a cidade e para os familiares das vítimas, o julgamento dos acusados como responsáveis pelo ocorrido começou apenas em 1º de dezembro de 2021, ou seja, nove anos depois do incidente, explicitando a extrema morosidade da Justiça no país.
Em se tratando do Congresso e dos partidos, o quadro não destoa da tendência assinalada. A prática do Governo de compra de apoio político de parlamentares para a aprovação de projetos, os orçamentos paralelos alimentados com recursos públicos, as resistências da Câmara de Deputados em punir parlamentares envolvidos em atos ilícitos e/ou no uso de recursos ilegais, noticiados com frequência na imprensa e denunciados por setores políticos, ampliam o descrédito da opinião pública em relação aos partidos e ao Congresso nacional.
Aqui, vale a pena retomar as análises de Álvaro Moisés. De acordo com o cientista político, para que o regime democrático funcione de forma satisfatória, tanto o sistema político quanto as suas instituições fundamentais devem ser validados pela maioria dos cidadãos da comunidade política. Isso porque as percepções dos cidadãos sobre as instituições, bem como suas atitudes a respeito delas, são elementos indispensáveis sem as quais o modelo democrático funciona mal (Moisés, 2008MOISÉS, José Álvaro. Cultura política, instituições e democracia. Lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, pp. 11-43, fev. 2008., p. 16). Em outros termos, o apoio à democracia está ligado tanto à experiência política dos cidadãos quanto à sua percepção das instituições e ao uso feito das mesmas.
Na mesma linha, em pesquisas realizadas com Gabriela Piquet Carneiro, Moisés também mostrou que a desconfiança e a insatisfação dos cidadãos geram comportamentos de distanciamento, cinismo e alienação em relação à democracia. Assim, os insatisfeitos com o funcionamento da democracia, uma vez colocados diante de alternativas anti-institucionais, preferem um regime democrático no qual os partidos políticos e o Congresso têm pouca ou nenhuma importância (Moisés; Carneiro, 2010MOISÉS, José Álvaro; CARNEIRO, Gabriela Piquet. Democracia, desconfiança política e insatisfação com o regime - o caso do Brasil. In: MOISÉS, José Álvaro (Org.). Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo , 2010. pp. 149-184., p. 182).
Trazendo a discussão para a experiência dos partidos políticos no país, é possível afirmar que as legendas brasileiras sofreram durante muito tempo de uma espécie de atávica fragilidade. Diferente da realidade observada em outros países latino-americanos, os partidos políticos no Brasil foram desafiados com frequência, o que fez com que apresentassem grande dificuldade para sobreviver ao teste de longevidade. Em parte, isso pode ser explicado em função da lógica observada em diferentes momentos, qual seja, em contextos de mudanças expressivas no plano político nacional a dinâmica partidária sofreu alterações. Isso aconteceu em 1889, 1945, 1965 e em 1979.
A proclamação da República e a adoção do modelo federalista, na Carta de 1891, abriram espaço, na Primeira República, para a configuração de uma lógica política marcada pelo predomínio de partidos regionais - os Partidos Republicanos estaduais. A volta dos partidos nacionais só ocorreria, de forma mais sistemática, na reta final do Estado Novo, quando foram desenhadas novas regras para o funcionamento da dinâmica partidária através da Lei Agamenon. Mais adiante, em 1965, com a publicação do AI-2, mais inovações foram introduzidas no quadro partidário brasileiro, fazendo com que o pluripartidarismo cedesse lugar ao bipartidarismo consentido da ARENA e do MDB. Já com a reforma partidária de 1979, empreendida pelos militares em um cenário marcado pelo fortalecimento eleitoral do MDB, na fase da transição lenta, segura e gradual, uma dinâmica pluripartidária seria introduzida.
Qual o perigo que isso representa? Ou, colocando em outros termos, que tipo de implicações as constantes mudanças nas regras do jogo político-partidário imprimiram?
Essa tendência reforçou não apenas a fragmentação partidária no país12 12 Em comparação com outras democracias no mundo, o Brasil é um dos países em que os políticos mais trocam de legendas e onde a fragmentação partidária é significativa (Nicolau, 2017, p. 17). , mas também vem alimentando uma tradição observada na política republicana brasileira, de longa data, que é a personalização das relações políticas. É corrente a sobreposição de lideranças individuais às instituições de representação. Em outros termos, convivemos com uma cultura política segundo a qual escolhas eleitorais tendem a privilegiar figuras políticas em detrimento do voto em partidos políticos.
Em grande medida, isso nos ajuda a entender a sobrevivência de concepções autoritárias sobre a política (Baquero, 2001BAQUERO, Marcello. Cultura política participativa e desconsolidação democrática: reflexões sobre o Brasil contemporâneo. São Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 4, pp. 98-104, 2001.). Conforme destaca Álvaro Moisés, a preferência por soluções à margem da lei e das normas democráticas (podendo envolver o retorno de militares ou o apoio a lideranças carismáticas) com o objetivo de resolver problemas da sociedade está associada com o desprezo ou o descrédito de componentes fundamentais da democracia representativa: o parlamento e os partidos políticos (Moisés, 2008MOISÉS, José Álvaro. Cultura política, instituições e democracia. Lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, pp. 11-43, fev. 2008., p. 36).
Em meio a esse cenário, um observador atento pode levantar a questão: qual a saída?
Não existe caminho seguro nem fórmulas mágicas. O quadro político atual inspira cautela. O avanço de determinadas correntes políticas pouco comprometidas com o modelo democrático e o universo da legislação que, nos últimos anos, vem redesenhando o território político e social do país (Santos, 2017SANTOS, Wanderley Guilherme dos. A democracia impedida. O Brasil do século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2017., p. 186), representam sérios desafios à democracia brasileira. Por isso mesmo, mais do que nunca, é preciso cultivá-la.
Cultivar a democracia implica valorizar as eleições e o voto, implica no respeito às regras de competição política, no exercício da tolerância, na responsabilização dos governos, no respeito à diversidade, no fortalecimento dos movimentos sociais e, sobretudo, no combate ao histórico problema das desigualdades sociais.
O comprometimento com as instituições e o jogo político democrático deve ser preocupação de todos, tanto da população quanto das elites políticas. É fundamental superar os comportamentos de indiferença e cinismo, bem como romper o estado de inércia social. Nesse conjunto de tarefas, as mídias, de uma maneira geral, e a imprensa e a academia, em particular, desempenham um papel de grande importância.
Os ataques frequentemente sofridos por veículos de comunicação, profissionais da área, intelectuais e artistas têm animado o debate sobre a relação entre a liberdade de expressão ampla e irrestrita e a democracia. Não faltam questões para alimentar esse debate. Vale a pena mencionar aqui pelo menos três. A liberdade de expressão protege a democracia? A liberdade de expressão pode se tornar um risco à democracia? Qual o limite entre a liberdade de expressão e o uso de ataques cada vez mais observados como estratégia no jogo político?
Na mesma linha, é inquestionável o peso e a importância das universidades na consolidação democrática. Lugar privilegiado de construção do conhecimento, essas instituições também vêm sendo alvo de uma série de ataques, movidos, em grande medida, por disputas, nas quais, de um lado, há os que buscam capitalizar esse conhecimento e, do outro, os que se esforçam para fazer com que o conhecimento produzido seja ampliado e compartilhado.
Obviamente, não cabe, nos limites desse texto, dar uma resposta a todas essas questões de natureza complexa. É importante, no entanto, chamar a atenção para a necessidade de reflexão sobre elas e de tomada de posição. Denunciar e combater notícias falsas, defender a liberdade de expressão e promover a democratização do conhecimento junto à sociedade são papéis importantes desempenhados pela imprensa e pelas universidades.
Acreditamos que, somadas, essas ações sejam o caminho para a criação de condições para que o voto e as eleições passem a desafiar a democracia na acepção positiva da palavra desafio, qual seja, estimulando práticas afinadas com os valores de uma cultura política democrática.
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Nas eleições de 2018, as redes sociais tiveram um papel decisivo. Candidatos sem acesso aos recursos tradicionais do Fundo Partidário, criado em parte para compensar a proibição do financiamento de campanhas por empresários, migraram para as redes alimentando um discurso de repúdio à chamada política tradicional. Essas eleições se revestiram de um caráter peculiar e podem ser consideradas um marco duplamente: por representarem a nossa primeira campanha efetivamente digital e por assinalarem o fim da polarização PT-PSDB, que por décadas marcou a política brasileira.
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2
Desse debate teórico emergem diferentes visões de participação. Para essa discussão, ver as contribuições de Bobbio (2000BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000.), Pateman (1992PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ) e Santos (2002SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.). Este último, em particular, vem relacionando a renovação da teoria democrática à formulação de critérios democráticos de participação política que não se limitem ao ato de votar. Ou seja, propõe uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa (Santos, 2002SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002., p. 271).
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3
A ideia de democracia restrita está associada, no caso brasileiro, ao déficit relativo à participação do eleitorado e à não inclusão social e política de grupos sociais da área rural. Vale lembrar que aos analfabetos não foi conferido direito de voto na Carta de 1946 e a legislação social só chegou ao campo em 1963, com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural (Macpherson, 1978MACPHERSON, Crawford Brough. A democracia liberal: origens e evolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.). O processo de consolidação da democracia brasileira no período foi analisado por Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira (2018GOMES, Angela de Castro; FERREIRA, Jorge. Brasil, 1945-1964: uma democracia representativa em consolidação. LOCUS: Revista de História, Juiz de Fora, v. 24, n. 2, pp. 251-275, 2018., pp. 251-275).
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4
Consideramos no cômputo os períodos Colonial e Imperial, já que na América Portuguesa havia eleições para as Câmaras Municipais e durante todo o Império os pleitos foram realizados com regularidade.
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Essa orientação vem sendo adotada por Álvaro Moisés em suas análises sobre o tema democracia brasileira e confiança dos cidadãos. Uma das vantagens da utilização dessa abordagem é que ela combina a percepção de valores e as ações pragmáticas propriamente ditas (Moisés, 2008MOISÉS, José Álvaro. Cultura política, instituições e democracia. Lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66, pp. 11-43, fev. 2008.; 2010MOISÉS, José Álvaro (Org.). Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. ).
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6
A obra dos pais da cultura cívica foi bastante criticada, sobretudo no que tange à orientação adotada de pensar a cultura política separada da cultura mais geral de uma sociedade, à visão teleológica manifesta na defesa da existência de um caminho (quase) linear entre comportamento e instituições e desenvolvimento da democracia (vista como de um único tipo) e ao etnocentrismo implícito, ao tomar como parâmetro de análise a democracia norte-americana. A principal crítica, no entanto, diz respeito ao pressuposto defendido pelos autores da necessidade de um determinado tipo de cultura política como requisito para a constituição e a consolidação da democracia, no caso, a cultura cívica existente no Estados Unidos e na Grã-Bretanha (Rennó, 1998RENNÓ Jr., Lúcio Remuzat. Teoria da cultura política: vícios e virtudes. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 45, pp. 71-92, 1998.).
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Para uma análise das possibilidades do uso do conceito e da abordagem da cultura política pelos historiadores, ver as análises de Ângela de Castro Gomes (2005GOMES, Angela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda B.; GOUVÊA, Maria de Fátima S. (Orgs.). Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005., pp. 21-44) e de Rodrigo Patto Sá Motta (2009MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela historiografia. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Cultura política na história: Novos estudos. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. pp. 13-37., pp. 13-37).
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8
A transição à brasileira, diferente da experiência de alguns países latino-americanos, cujo fim da ditadura foi processado de forma abrupta, é pensada na produção acadêmica a partir de diferentes cronologias. Para autores como Maria Celina D’Araújo e Maria Paula Araújo, o processo é iniciado no governo Geisel e finalizado em 1985, com a posse de José Sarney na Presidência da República (Araújo, 2007ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. Lutas democráticas contra a ditadura. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2007. pp. 321-351., pp. 321-351; D’Araújo, 2004D’ARAÚJO, Maria Celina. Geisel e Figueiredo e o fim do regime militar. In: FICO, Carlos et al. 1964-2004: 40 anos do golpe. Ditadura militar e resistência no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. pp. 93-104., pp. 93-104). Para Daniel Araão Reis, o período de transição corresponde à fase compreendida entre 1979 e 1988, ou seja, abarca o período imediato à supressão do AI-5 e se estende até a promulgação da Constituição de 1988 (Reis, 2014REIS, Daniel Aarão. A transição democrática. In: REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar , 2014. pp. 125-148.). Já Maria Dalva Kinzo estabelece como marcos em suas análises o processo de abertura política iniciado com Geisel e a primeira eleição direta para a presidência da República, realizada em 1989 (Kinzo, 2001KINZO, Maria Dalva. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo em Perspectiva , v. 15, n. 4, pp. 3-12, 2001.).
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A transição de regimes autoritários para democráticos serviu de estímulo à produção de uma série de análises no âmbito da Ciência política e da Sociologia. Sobre essa produção, ver Huntington (1991HUNTINGTON, Samuel P. The Third Wave: Democratization in the Late Twentieth Century. Norman: University of Oklahoma Press, 1991.).
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10
Em parte, o arrefecimento da euforia está relacionado às dificuldades enfrentadas pelo Estado na solução da crise econômica dos anos 1980, a despeito das tentativas de saná-la, através dos planos econômicos implementados. Para uma análise sobre o desempenho da economia brasileira no período, ver Werner Baer (2009BAER, Werner. A economia brasileira. 3. Ed. São Paulo: Nobel, 2009.). Ver também as análises de Luís Carlos Bresser Pereira (2016PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A construção política do Brasil: sociedade, economia e Estado desde a Independência. 3. Ed. São Paulo: Editora 34, 2016.)
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11
O episódio ocorreu em 30 de novembro de 2021. Cf. Galvão; Tomaz (2021GALVÃO, César; TOMAZ, Kleber. Jovem algemado que aparece em vídeo sendo puxado por moto de PM de SP tem 18 anos e foi preso por suspeita de tráfico. 1 dez. 2021. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/12/01/jovem-algemado-que-aparece-em-video-sendo-puxado-por-moto-de-pm-em-sp-tem-18-anos-e-foi-preso-por-suspeita-de-trafico.ghtml . Acesso em: 23 mar. 2022.
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici... ) e Correio Brasiliense (2021CORREIO BRASILIENSE. 06 dez. 2021. “Cometi um erro, mas não merecia ser humilhado”, diz jovem algemado a moto de PM. Disponível em: Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/12/4968493-cometi-um-erro-mas-nao-merecia-ser-humilhado-diz-jovem-algemado-a-moto-de-pm.html . Acesso em: 23 mar. 2022.
https://www.correiobraziliense.com.br/br... ). -
12
Em comparação com outras democracias no mundo, o Brasil é um dos países em que os políticos mais trocam de legendas e onde a fragmentação partidária é significativa (Nicolau, 2017NICOLAU, Jairo. Representantes de quem?: os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Zahar , 2017., p. 17).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Ago 2022 -
Data do Fascículo
May-Aug 2022
Histórico
-
Recebido
31 Mar 2022 -
Aceito
29 Abr 2022