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(Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi - do trabalho ao festar (1950-2000)

Resumos

Este artigo versa sobre a reinvenção de uma das atividades de trabalho mais comuns ao mundo rural do interior de Minas Gerais. Nesse cenário, o carro de bois era parte integrante de uma economia de subsistência, cujas relações sociais eram mediadas pela interação do homem com a natureza. Na década de 1970, com as transformações econômicas, quando o cerrado torna-se terras produtivas em grãos para exportação, o carro de bois é celebrado em festa popular e as práticas sociais em seu entorno são (re)figuradas, (re)significando sociabilidades e memórias de um tempo que não mais existe.

Cultura e mundo rural; Trabalho e sociabilidade; Tradição e modernidade


This article argues about the reinvention of a common work activity from the agricultural world in Minas Gerais countryside. In this work activity, the ox-cart was integrant part of a subsistence economy, whose social relations were mediated by the interaction of the man with the nature. In the 1970's, with the economic transformations, when the open pasture becomes productive lands in grains for exportation, the ox-cart is celebrated in a popular party and the social practical related to it is transformed, earning a new social meanning and memories of a time that does not exist anymore.

Culture and agricultural world; Work and sociability; Tradition and modernity


ARTIGOS

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi — do trabalho ao festar (1950-2000)1 1 Este texto faz parte da pesquisa que desenvolvemos sobre "Cultura Popular no interior de Minas Gerais", privilegiando temáticas da religiosidade popular, festas, práticas culturais, do cotidiano mineiro, entre tantos. Tais temáticas têm sido orientadas também no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, na linha História e Cultura, abrigadas no Núcleo de Pesquisa em Cultura Popular Imagem e Som — Populis. Muitos destes trabalhos tiveram a aprovação e o aval financeiro institucional da Fapemig e a concessão de bolsas do CNPq (Pibic) e da Capes (Mestrado).

Maria Clara Tomaz Machado

UFU

RESUMO

Este artigo versa sobre a reinvenção de uma das atividades de trabalho mais comuns ao mundo rural do interior de Minas Gerais. Nesse cenário, o carro de bois era parte integrante de uma economia de subsistência, cujas relações sociais eram mediadas pela interação do homem com a natureza. Na década de 1970, com as transformações econômicas, quando o cerrado torna-se terras produtivas em grãos para exportação, o carro de bois é celebrado em festa popular e as práticas sociais em seu entorno são (re)figuradas, (re)significando sociabilidades e memórias de um tempo que não mais existe.

Palavras-chave: Cultura e mundo rural; Trabalho e sociabilidade; Tradição e modernidade.

ABSTRACT

This article argues about the reinvention of a common work activity from the agricultural world in Minas Gerais countryside. In this work activity, the ox-cart was integrant part of a subsistence economy, whose social relations were mediated by the interaction of the man with the nature. In the 1970's, with the economic transformations, when the open pasture becomes productive lands in grains for exportation, the ox-cart is celebrated in a popular party and the social practical related to it is transformed, earning a new social meanning and memories of a time that does not exist anymore.

Keywords: Culture and agricultural world; Work and sociability; Tradition and modernity.

NA ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA: AS MÚLTIPLAS E COMPLEXAS RELAÇÕES SOCIAIS

A palavra homem deriva de húmus, chão fértil, cultivável. 2 2 BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1992.

Ecléa Bosi

Como preâmbulo a este texto fazemos nossas as palavras de Brandão, as quais, mesmo que pareçam por demais sentimentais à academia, traduzem a sensibilidade do homem rural no seu afeto pela terra:

Há um prazer fecundante que torna parceiros de uma relação amorosa o lavrador e a terra. Eu reconheço que neste enlace de afeto está o desejo de tornar "culturalmente" culto o inculto, civilizado o selvagem, socializado e útil aquilo que, dado pela natureza ao homem, somente parece completar o ciclo de seu valor quando transformado de floresta em campo, de campo em terra de lavoura, de terra de lavoura em lavoura plantada e colhida.3 3 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra. Campinas: Ed. Unicamp, 1999.

O interesse na questão da cultura popular4 4 Sobre Cultura Popular vale ressaltar algumas obras que nos serviram de referencia: ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular? São Paulo: Brasiliense, 1990; BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1993; BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua. Campinas: Papirus, 1989; BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; CANDIDO, Antonio. Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1982; CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994; CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995; CHARTIER, Roger. Leituras populares. In: Formas e sentidos: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado das Letras, 2003; CANCLINI, Néstor Garcia. A encenação do popular. In: Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000; EAGLITON, Terry. Rumo a uma cultura comum. In: A idéia de cultura. São Paulo: Ed. Unesp, 2005; GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. In: Da diáspora. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003; THOMPSON, E. P. Folclore, antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001; THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; WILLIAMS, Raymond. Campo e cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. se explica por esse tema se constituir em um campo com novos enfoques na pesquisa histórica, acrescido do fato de, sobre a região estudada, haver poucos trabalhos de cunho acadêmico, abrindo, portanto, muitas perspectivas. Daí o alvo de pesquisa estar voltado para o interior das Minas Gerais, buscando conhecer, por meio de suas formas de expressão popular, a riqueza cultural da região.

De Minas Gerais muito já se disse. Minas são muitas, as Gerais são muito mais. Ventre da terra mãe Brasil, de onde gestos de revolta e sopros de liberdade se espraiaram.

A mineiridade não se esgota com os políticos matreiros, com os poetas de belas falas ou com sua decantada hospitalidade. O rubro sangue de índios exterminados e o suor do trabalho escravo entremeados à terra tingiram o seu solo de ferrugem e nódoa.

Dos espaços guarda confrontos de paisagens: das minas, as montanhas, o ouro encravado em fendas seculares, desvendado pelos colonos portugueses. Das Gerais, o horizonte infinito, vales e rios escorregadios — sertão — por onde pastagens e fazendas se foram fazendo, obra de bandeirantes e pioneiros em busca de riquezas e com raízes por fincar.

O fio capaz de soldar as Minas às Gerais se constitui nas práticas culturais, experimentadas cotidianamente no viver dos mineiros. Cultura, festa e religiosidade são representações impressas e tramadas no tecido social dos que contracenam enquanto atores de seu tempo, construindo a sua história.

Essa cultura, parte constitutiva do social, dinâmica e plural — ora resistência ao imposto ou à modernidade, se reinventa, se recria, desiste, persiste — deixa rastros, traços de memória por indícios e sinais, não nos deixando órfãos de história. Assim é em Minas Gerais.

Goiá expressou em seus versos esses tempos idos:

... Eu tinha um mundo na fonte do açude

na mansa quietude dos velhos quintais

De um mundo de cores eu fui companheiro.5 5 GOIÁ & ZALO. Saudade de Coromandel. Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.1). Goiá, compositor e músico sertanejo reconhecido nacionalmente pela crítica, cuja música mais celebrada na voz de diversos intérpretes é Saudade de minha terra, compôs mais de quatrocentas peças, grande parte delas referência ao interior de Minas Gerais, cantando do exílio o seu torrão natal. Cf. FLORES, Lúcio (Org.) O Poeta Goiá. Patos de Minas: Arcos, 2004.

... Quem é que esquece o campo, a cascata,

o lago, a mata,

a pesca de anzol,

o gado pastando, o capim do atalho,

molhado de orvalho,

brilhando ao sol.6 6 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra. São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.

... Quem é que esquece

as festas de reis de Minas Gerais,

congadas, catira, trucadas e danças

na brisa cheirosa dos buritizais.7 7 GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel. Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.2).

... nos bailes da roça eu sempre cantava

... Depois eu dançava no grande terreiro

sentindo o cheiro da flor de jasmim.8 8 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra. São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.

... A vida de hoje vai se transformando

As coisas tão lindas que estou recordando.9 9 GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel... (Matando Saudade, v.2), op. cit.

As mudanças ocorridas na cultura popular do interior das Gerais podem ser observadas de modo mais efetivo a partir da execução de projetos e planos governamentais das ditaduras militares que, na década de 1970, transformaram o cerrado em terras produtivas e lucrativas. Café, soja e milho devastaram paisagens e pequenas propriedades, concentrando riquezas e fartura nas mãos de alguns, alinhando o mercado regional ao nacional agroexportador.10 10 MACHADO, Maria Clara Tomaz. A ocupação do cerrado: da economia de subsistência ao ouro verde. In: Cultura popular e desenvolvimentismo em Minas Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998. (Tese de Doutorado). Conferir da mesma autora outros artigos e capítulos de livros: "Cultura popular em Minas Gerais: transformações, persistências ou desagregação". Revista Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v.1, n.1, 1999; "Sociabilidades e identidades no cotidiano rural mineiro". In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.) Política, cultura e movimentos sociais: contemporaneidades historiográficas. Uberlândia: Edufu, 2001; "Raízes fundantes da cultura popular no Sertão das Gerais". ArtCultura, Uberlândia, n.4, 2002; "Religiosidade no cotidiano popular mineiro: crenças e festas como linguagens subversivas". História e perspectivas, Uberlândia, n.22, 2000; "Pela fé: a representação de tantas histórias". Estudos da história, Franca, v.7, n.1, 2000; "A urdidura do cotidiano no mundo rural mineiro: relações de trabalho e práticas culturais em transformação". Várias histórias, Belo Horizonte, n.22, 2000; "Folia de reis: recriando o mistério da vida". In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.) Histórias e historiografias. Uberlândia: Edufu, 2003; "Na rota da (des)fortuna: a mineração tardia no sertão das Minas Gerais". In: MACHADO, M. C. T.; CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco (Org.) História: narrativas plurais, múltiplas linguagens. Uberlândia: Edufu, 2005.

O mundo rural, construído com trabalho e incertezas, só foi possível porque se sustentou em uma economia de subsistência, na qual se sobressaía a solidariedade vicinal. A fé e a religiosidade sustentavam a crença em um mundo melhor, regulando e reproduzindo a moral e os costumes. As traições e os mutirões, as promessas ao pé da cruz, os terços cantados, as festas de Reis, os desafios, os pagodes, a encomendação das almas, as parteiras, os tecidos tramados no tear, as brolhas, os pontos cruz, os potes d'água, os monjolos, a feitura dos sabões em tachadas, as farinhas, as quitandas nos fornos de barro dispostos no quintal, as figuras do carreiro de boi e do boiadeiro e tantas outras imagens presentes no cotidiano rural de então, perduram, na maior das vezes, apenas na memória daqueles que as vivenciaram como experiências concretas de vida.11 11 Para definição de alguns termos regionais específicos, esclarecemos que: Traição é uma modalidade de auxílio vicinal, semelhante ao mutirão, cuja diferença reside no elemento surpresa. Caracteriza-se por um dia de trabalho coletivo e não remunerado no qual amigos e vizinhos se reúnem para realizar tarefas imprescindíveis à sobrevivência, garantindo a subsistência da família. Brolhas é um artesanato típico do estado de Minas Gerais, em cujas peças rústicas os fios são tramados a mão, resultando em formas ou desenhos originais. Quitandas são comidas típicas da região, tais como biscoitos, bolos, roscas, pães, bolachas, servidos no café da manhã e da tarde.

Hoje, as mudanças são visualizadas não só no espaço geográfico, redesenhado pelas plantações de café, soja e milho, rodeadas pela braquiária (uma praga criada artificialmente para sustentar a pecuária), como também pela sofisticada tecnologia, que avança substituindo homens e braços. Terras foram concentradas e outras "despossuídas". Estradas foram construídas e asfaltadas para escoar a produção e por elas migraram pequenos proprietários, roceiros, boiadeiros e carreiros em busca de outras formas de trabalho. Instalou-se no campo o conflito pela terra.

Uma questão paira no ar: perderam-se as raízes fundantes da cultura mineira frente à modernização e ao desenvolvimentismo, impulsionados pelos planos econômicos das ditaduras militares? Difícil responder.

Entretanto, mesmo diante desse quadro de transformações profundas é impossível não perceber que o povo mineiro do interior aprendeu a cultivar a sua memória em pequenos sinais da vida cotidiana, que podem estar traduzidos nos objetos materiais e santos de devoção guardados e cultuados, nos ditos, provérbios e "causos" populares, com os quais procura expressar a sabedoria e as experiências de vida, nas suas relações de compadrio ainda assumidas, nas comemorações de alguns festejos religiosos e populares rurais nos quais se renovam a fé e o reencontro, nos sabores, quitutes e comidas típicas da região, na preferência pelas antigas modas sertanejas ainda entoadas, nas crenças, nas benzeções, nos curadores, nos chás e remédios caseiros aos quais, freqüentemente, recorrem.

Persistência e desagregações de práticas e representações culturais, não há como negar. Transformações solapam as raízes fundantes, o progresso se transmuta em realidade, contudo, a força da memória é capaz de iluminar tempos idos. É a esse tempo, guardado na memória, que Adauto Santos se refere:

Mas sempre foi assim, sempre será

O novo vem e o velho tem que parar

O progresso cobriu a poeira da estrada

E esse tudo que é o meu nada

Hoje tenho que acatar e chorar

E mesmo vendo gente e carro passando

Meus olhos estão enxergando

Uma boiada passar.12 12 SANTOS, Adauto. Triste Berrante. In: PENA BRANCA & XAVANTINHO. Violas e canções. São Paulo: Velas, 1993.

Quem era esse caipira que até meados dos anos 60 labutava de sol a sol no interior de Minas Gerais, quando projetos e planos governamentais dos militares modificaram o cenário sócio-econômico da região, especialmente do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba?

São tantas as representações que se fizeram do trabalhador rural, na literatura, na música, no cinema, quase todas convergindo para o preguiçoso, o valentão, o Jeca do Sertão. Exceção à regra configura-se na produção regionalista do século XIX, escorada no romantismo.13 13 Ver: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983; YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1992, p.103-13; HONÓRIO FILHO, Wolney. Algumas tonalidades sobre o homem do sertão: Cornélio Pires e Monteiro Lobato. Boletim Goiano de Geografia, v.13, n.1, p.11-27, jan./dez. 1993. A compreensão pelo viés histórico-social nos é dada pelas obras de Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, quando buscam nas raízes da colonização sua historicidade.14 14 CANDIDO, 1982, p.35-46; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Herança Rural. In: Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975, p.41-60. Em Caminhos e fronteiras, Holanda descreve o caipira:

uma raça, em muitos pontos mais próximo do bugre do que do europeu ... Esses homens denunciam sempre aquela capacidade de observação da natureza agreste, a imaginação inquieta, a visão precisa e segura, que nascem de um convívio forçado e constante com a vida do sertão. A ousadia, aqui, há de ser cautelosa, previdente e acomodada a quaisquer surpresas ... Sua ordem é a da natureza, sem artifícios aparentes e sem plano prévio.15 15 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.122-4.

No texto O caipira e os outros Yatsuda, rejeitando o caipira como símbolo do atraso, conforme a ideologia da modernização, recupera sua imagem:

Enfim, o caipira, encarnando anseios e receios dos outros, teve seu significado mudado de acordo com pontos de vista que nele enxergaram apenas a projeção de valores ideológicos. Ora preguiçoso e violento como o índio, ora símbolo do verdadeiro Brasil formado por destemidos bandeirantes, só na atualidade, com o capitalismo plenamente implantado, é que aparece como personagem típico de uma formação social em gradativa decomposição ... Modernamente, no esforço de conhecer o Brasil, as pesquisas sociológicas e antropológicas conferiram ao caipira o direito de estar entre seres humanos ... Um homem como os outros, apenas pobre ... dotado de consciência, cultura própria e, apesar de explorado, participante do processo social.16 16 YATSUDA, 1992, p.106-13.

É com esse caipira, e por meio de suas relações sociais de produção, suas técnicas rústicas e o seu comércio de trocas locais, quase sempre distante do mercado regional e nacional, que resgatamos um tempo em extinção. Até a década de 1950, diferentemente da rotina do trabalho urbano, a grande e decisiva unidade de tempo na zona rural é o ano agrícola, o tempo do cio dos animais, de cruzar o gado, de parir, de amamentar, de apartar a bezerrada. Os instrumentos de trabalho refletem a rusticidade da época e do lugar. Só as famílias mais abastadas possuíam o arado, pois junto com ele se presume a presença do boi, o que para muitos era custo adicional. Considerando a existência de terras novas e a prática da agricultura de subsistência extensiva, a adoção do arado foi sendo implementada aos poucos, concomitante ao emprego das novas técnicas agrícolas. De resto, o que era comum a todos era a enxada, o enxadão, a picareta, o facão, o machado, a foice, a pá, o cutelo (rabo de galo) e uma carrocinha para os apetrechos, sementes, entre outros.

Dentre esses instrumentos de trabalho o carro de boi merece destaque. À parte a sua utilidade, no que se refere ao translado de mercadorias e gêneros de primeira necessidade, existe à sua volta toda uma construção do imaginário popular que vai desde o seu cantar, até os "causos" dos bois de estimação e da fama que envolve o carreiro "bom de serviço". Os bois recebem codinomes, que por si só explicitam sua função: Desengano, Desafio, Mestiço, Lobisomem, Soberano, Malhado, Chibante, Brioso. A sincronia entre boi e carreiro é cantada em verso e prosa por sua atuação:

Sou filho do interior

Do grande estado mineiro

Fui herói sem medalha

Na profissão de carreiro

Puxando tora do mato

Com doze boi pantaneiro

Eu ajudei a desbravar

Nosso sertão brasileiro

Sem vaidade eu confesso

Do nosso imenso progresso

Eu fui um dos pioneiro.17 17 SULINO. Herói sem medalha. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA. Som da terra. São Paulo: Chantecler, 1995.

É possível, por meio das lembranças de um tempo já distante, reaver o significado do carro de boi e do trabalho de seu condutor como elo de ligação entre o campo e a cidade, entre vizinhos, na realização de tarefas mais pesadas:

O carro de boi, nossa senhora! Era importante dimais da conta pra nóis na roça. Ó, cum ele nóis transportava tudo que era pra vendê na cidade, de lá nóis trazia sal, querozene, pano. Carreava tudo que era pesado, tora de madera, saca de arroz, fejão, milho, mandioca. Vichi! Até quando nóis ia pras festa da romaria da Senhora d'Abadia tinha que sê com ele. Pruque tinha que fazê quasi que uma mudança, nóis passava lá três dia. Nossa! Maisi tinha carro que cantava bunito dimais da conta. Pra ele canta bunito dependia da qualidade da madera do exo, é! Tinha de sê balsamo. Até doente carregava nele tamém. Só os mió de vida é que tinha carro de boi, era sinar de prestijo. Maisi aqueles que tinha imprestava pros que num tinha, depois as pessoa tirava serviço prele. Era uma troca, sabe cumo é? Nóis tinha carro de boi, maisi o nosso era de 2 junta só. Tinha té de 6, é! Doze boi. Os boi era tudo posto na canga de madeira e travado com o canzil. A mesa do carro era de madera e tinha pro volta os fuero, que é uns paus pra sustentá a esteira que ficava em volta dele, suspensa com uma arça em cada um dos fuero. A tampa do fundo dele era de taba de madera. O pau que o carrero conduzia a boiada chamava guiada. A junta da frente era a de guia e a detrás a de coice. Quando era pra desce com carro pesado, cheio, os boi tinha que i pra trás pra segurá o peso, na frente ficava só os de guia. Os bois tem de acustumá com o carrero indesde pequeno, eles era tudo castrado pra ficá manso. Tudo dipendi da dresteza do carrero. Era uma belezura mesmo, que sodade meu deus! Hoje? Carro de boi é só prá enfeitá, senhora já viu? Virô banco de assentá, lugá de botá pranta, até aquelas coisa de acende luz, como? É, lustre ele virô, as roda, né? Se acabô mesmo, né?18 18 FARIA, Maria Augusta. Depoimento. Uberlândia, 07.07.1995. História de vida. natural de Santa Clara, município de Coromandel, onde residiu por 50 anos.

As relações de trabalho eram mais complexas do que à primeira vista se pode perceber: o clientelismo e o paternalismo circulavam, mediando as relações de parentesco, de compadrio. De definido havia apenas o trabalho familiar, de subsistência. A figura do agregado e do parceiro delineava-se pela existência do grande proprietário de terra. Além desses casos referidos podiam-se retribuir outras atividades prestadas em serviço ou com parte da produção, tais como: o empréstimo, ou carregamento de mercadorias em um carro de boi, o beneficiamento de um produto no moinho, o fabrico do açúcar, da rapadura ou da pinga de engenho.19 19 CANDIDO, 1982. p.126-9.

Faz-se interessante assinalar que nas relações de "prestância de serviços" ou mesmo de "jornadas de dias contratados" a paga normalmente se realizava em produtos. Nesse sentido, até 1960, na região do Alto Paranaíba, as pessoas contratadas recebiam pelo seu trabalho o equivalente em gêneros alimentícios. Não havia salário ou diária estipulada e o dinheiro era uma mercadoria rara. Dessa forma, aqueles que possuíam excedente de produção podiam negociar com certa vantagem com aqueles que apenas possuíam a força de trabalho. Além disso, o mercado para colocação da produção excedente era muito limitado e incipiente, e a falta de estradas e de meios de comunicação permitiu essas relações de trocas, muitas vezes desiguais. Não raro trocava-se um litro de banha por um dia de serviço, 5 litros de arroz ou dois de feijão, e assim por diante.

É possível avaliar que sem essas relações de trabalho de "cooperação", a cultura caipira de subsistência teria se extinguido muito antes de as relações sociais de produção capitalista serem consideradas majoritárias e definitivas na zona rural. Antonio Candido aponta as relações de trabalho tais como a parceria (meeiro), a solidariedade vicinal, a migração ou a rotatividade dentro do próprio espaço rural, a concentração de famílias por região e o caráter complementar da produção, das trocas e dos favores como fatores de persistência ou de sobrevivência da cultura caipira.20 20 Ibidem, p.199-211. É o que observamos no relato de dona Maria Monteiro:

A vida na roça é difícil dimais, né sá? Eu, pió ainda. Fiquei viúva cum 34 ano de idade, cum cinco fios pra criá, tudo piquirrucho, o mais veio táva com 11 pra 12 ano. Nossa Senhora! Quando lembro, maisi tá tudo aí criado. Ingraçado, eu fiquei viúva cum 34 ano e esse ano faisi 34 ano tamém que eu tô viúva ... É, eu mantive a terra, eu tenho aqui pra mode uns 30 alquer. Como? Sá, eu dô graça a Deus e aos vizinho, sinão eu tinha perdido tudo e hoje táva na cidade de empregada dos otro, né? Os vizinho era bão dimais da conta, ajudava tudo, fazia mutirão, treição. O cumpade Antônio imprestáva o carro de boi. Eles falava assim, ó: 'gente, nóis tem que ajudá a Maria, da Chica; coitada.' Cá quela meninada, né? Sá, eu trabaiei dimais, maisi eu tenho de agardece a todos, é! Nossa! Fazia aqueles mutirão de cumpanheiro, os home na capina da roça, as muié ajudano na casa, aquele tanto de comida, de noite a janta, o pagode. Maisi valia a pena, né? Um dia eles fazia o serviço que nóis num ia dá conta no meis, pruque juntava muita gente, né? Teve uma veis que as muié me dero uma traição, chamava 'mutirão de roda'. Elas viero tudo com o argodão já cardado, cas rodinha de fiá na mão e fiaro o dia intirinho. Aí eu dei preles o meu argodão em troca e fiquei cum tudo já fiado, né? Vichi, era uma beleza? Hoje, num tem mais isso não! Se ocê quisé ocê tem que pagá, é! Aqui ó! No tutu, no cacau mesmo, né? Assim mesmo é difícil, pruque cê num acha ninguém que qué trabaiá muito. Esses trabiadô aí que cê viu, ninguém conhece, vem de fora, a gente desconfia, é até perigoso e eles tamém gosta de trabaiá é nas lavora de soja, café. Coisa grande, né?21 21 MONTEIRO, Maria. Depoimento. Coromandel, 07.04.1995. Hoje com 78 anos, viúva, natural da região da Boa Vista, município de Coromandel, onde reside até hoje, sendo uma das únicas representantes de uma economia de subsistência que se nega a residir na cidade.

Para além dessas relações sociais merecem destaque toda uma rede de outras tarefas e saberes que permeavam o cotidiano rural, como uma forma de complementar a renda no mercado das trocas e do comércio informal. Nessa perspectiva, quem tinha excedente de algodão já fiado podia trocá-lo com as tecedeiras por panos tecidos; o dono do moinho aceitava o milho em troca da moagem do fubá; a produção do melado, da cachaça ou mesmo da rapadura podia ser repartida numa porcentagem estabelecida com o dono do engenho. A fabricação de balaios, esteiras, chapéus, peneiras, vassouras, selas, arreios, cordas, estribos, telhas, mourão para porteiras, currais e casas dependia da competência de ofícios tais como os de seleiro, ferreiro, carapina e oleiro. Todos esses fazeres podiam render na troca litros de farinha de mandioca, ovos, queijos ou o que faltasse em casa.

Ao analisarmos as alterações ocorridas nas relações sociais de produção não poderíamos deixar de mencionar o peão de boiadeiro, tão presente no imaginário popular:

Seu destino é como o vento

que percorre a colina

quando a noite escura passa

e o sol abre a cortina

boiadeiro se levanta

põe o gado na rotina

com saudade ele canta

a canção de sua sina.22 22 PEDRO BENTO & JOSÉ LEONEL. Canção do boiadeiro. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA. Som da terra. São Paulo: Chantecler, 1995.

A figura do peão de boiadeiro construída em antítese à do camponês — calmo e tranqüilo — evidencia a ousadia do macho, vaqueiro traquejado, que nas suas andanças tem o sertão na palma das mãos. Sem morada fixa tem o itinerário da estrada como o lugar do seu ofício, a boiada como mercadoria a zelar até o seu destino final. Homem de muitos amores e aventuras, não tem amarras ou laços empregatícios duradouros. Geralmente trabalhava por empreitada, cada boiada um valor a receber. Carmo Bernardes faz a descrição:

O peão de boiadeiro nas suas diversas categorias se julga um indivíduo independente nas suas ações. Ele possui, de seu, o animal de andar montado, o arreamento completo, capa de chuva, a rede e os abafos de dormir. Tanto ele se ajusta entrando o animal de sela fornecido pelo patrão, indo o seu destro na comitiva, quanto combina adredemente de ir inteiramente por sua conta própria, com tudo de seu. Usa-se um chapéu de aba larga que ele arrebita de lado, por gauchada, calça botas de cano alto e não dispensa o rebenque de dar taladas na bota, quando não uma açoiteira, que é um chicotão com três seções emendadas em argolas, com um segmento terminado numa talisca de couro cru de dar estalos no ar. Veste calça de bombacha, não de balão tão grande como os dos gaúchos, e gosta demais da conta de rapariga.23 23 BERNARDES, Carmo. O gado e a largueza das Gerais. Estudos avançados, IEA/USP, v.9, n.23, jan./abr. 1995, p.44-5. Ver também: RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas. Goiânia: UFG, 2001.

Estamos reavendo aqui um perfil do trabalhador da zona rural do Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, extinto pelas transformações econômicas sofridas na região. A construção da malha rodoviária, conectada à ferrovia, a produção em larga escala de frotas de caminhões, tornou inviável a profissão, resquício da era colonial.24 24 HOLANDA, 1994, p.125-35. No capítulo "Do peão ao tropeiro", o autor busca as origens da atividade, que pela necessidade do comércio, embrenha pelo sertão, tornando-se peça fundamental para sua ocupação. O boiadeiro é, nesse sentido, uma derivação do tropeiro, resultado da largueza e fecundidade dos campos das Gerais e da sedentarização do sertanejo. Os anos 60 viram desaparecer os últimos peões de boiadeiro que se transmutaram em bóias-frias, garimpeiros ou serventes de pedreiro. O comércio de bois continua sendo um negócio altamente rentável, visto a pecuária ser considerada ainda, nesta região, a mais importante dentre todas as atividades econômicas.

Dos tempos áureos dos boiadeiros é possível reviver reminiscências, momentos de orgulho e emoção de uma profissão antes tão prestigiada e hoje extinta:

Trabalhei de muitos serviço na roça. Fui vaqueiro, leiteiro, roceiro, hoje sou garimpeiro, mas até hoje tenho saudade mesmo é de sê boiadeiro. Fui peão de boiadeiro, capataz do fazendeiro que eu já te contei que trabalhei pra ele uns 15 ano. Eu acompanhava comitiva, viajava com as tropa 2, 3 meis. Entregava o gado no lugar estabelecido. Ah! Era Uberaba, Barretos, Patrocínio, Araguari. É, depois eu dispensava por lá mesmo a comitiva e voltava de trem até Monte Carmelo e de lá vinha de jardineira até aqui em Coró. No começo eu trazia o dinheiro vivo, depois com esses negócios de banco era cheque, né? O capataz, assim de fazendeiro, é muita responsabilidade: controlá a peonada tudo, tirava boiada de até 500, 800 boi, dividi os boi em talhões, que é lote de até 100 bois, controlá o ponteiro que é o peão que vai na ponta da boiada puxando a viage, vê se o culatreiro tá deixando alguma rés pra trás. É poeira, é chuva, é lama. Mas é bom demais, a gente é respeitado, porque pra sê peão tem que sê macho, bom de sela, bom de laço. Que saudade que eu tenho do berrante, senhora D'Abadia! De dia é só trabalho e canseira, mas de noite era causo e mais causo, uma pinguinha, moda de viola. Mas peão num tem controle nenhum de dinheiro: o que ganha gasta. Gasta cum muié, cum farra, cum presente. Melhor que sê boiadeiro é so garimpeiro, pela liberdade e também porque um dia se bamburrá pode sê que chegue a ficá independente, né?25 25 OLIVEIRA, José Araújo. Depoimento. Coromandel, 31.03.1995. Zé Garipeiro tem hoje 72 anos, dos quais, mais de 50 foram dedicados à vida na zona rural a ao garimpo. Hoje, está aposentado.

Os vestígios dessa profissão podem ser hoje encontrados nas festas de rodeio, que animam as feiras agropecuárias realizadas por todo o interior do país e mais especificamente nas festas de carros de bois que reinventam uma tradição.

A FESTA DO CARRO DE BOIS: UMA TRADIÇÃO REINVENTADA

I – ... fui vaqueiro, fui patrão

O laço foi meu diploma

No trabalho do sertão

Uê boiada.

II – ... meu velho carro de bois

O seu tempo se foi

E não volta mais

Ficou gravado a lembrança

Da primeira guia

Até os cabeçais.

III – ... perdi a minha boiada

Deixei estrada lá no sertão

Vendi a tropa fiquei sem nada

a não ser mágoas no coração

IV – ... Lá na baixada as batidas da porteira

Na estrada boiadeira ecoava o chapadão

E aquele moço começava uma viagem

Levando fé e coragem

Em cima de um caminhão.26 26 Pena Branca. Pena Branca canta Xavantinho. Rio de Janeiro: Kuarup Discos, 2001. Seguem por ordem numérica o título das canções: O aboiador, Estrada, Primeira Cantiga: Velho Carro de Bois, Casa de Barro.

O primeiro contato com a Festa do Carro de Bois se deu através de um programa rural na televisão em 2000. A sensação provocada ao ver na tela o cortejo de carros de bois enquadrado no cerrado mineiro, as comidas fumegantes, os caipiras enrolando seus cigarros de palha, as rodas de música sertaneja em torno da fogueira, foi de ter sido sugada pelo túnel do tempo, cujo transporte físico da matéria teria proporcionado voltar no início do século XX. Minutos depois, a cada dificuldade vencida pelos maratonistas, era possível imaginar que o presenciado não era senão um inusitado rally de carros de bois em busca de um disputado troféu.

Um ano mais tarde, em um encontro com amantes da música sertaneja, recebi o convite entusiasmado de amigos envolvidos com essa festa para dela participar. Como pesquisadora de práticas culturais do interior das Gerais não pude deixar de ser contaminada pelos arrebatados relatos dos participantes. Foi dessa forma que em julho de 2002 tive oportunidade de vivenciar a 16ª Festa do Carro de Bois, em Vazante, noroeste de Minas Gerais.

Parodiando Hobsbawm27 27 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. e, ao mesmo tempo, contradizendo-o, a Festa do Carro de Bois de Vazante, pequena cidade encravada na região do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, permite pensar que sujeitos sociais, atropelados, em nome do desenvolvimento e do progresso, pelas práticas desintegradoras de experiências de vida do capitalismo liberal, são capazes de, em um ato de resistência, reinventar uma tradição.28 28 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular: um contínuo refazer de práticas e representações. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (Org.) História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Asppectus, 2002. Nesse sentido, em busca de uma identidade perdida, festeja-se há 26 anos o encontro com as raízes do passado, e a "carreata de bois", que ocorre durante quatro dias do mês de julho, foi a forma possível, mesmo que travestida do simbólico, do lúdico, do religioso, de reescrever a história do passado mineiro. Hoje, essa festa organizada institucionalmente por uma Associação Cultural — a Ascava, com regras e normas convencionadas e subsidiada pelo poder público local — a Emater (Empresa Agrícola de Assistência Técnica e Extensão Rural) — e pelo comércio e empresas da região, é um mix de múltiplas vivências, trabalhos, artes de fazer e práticas culturais já esquecidas.

Inferindo de Certeau a capacidade de resistência das classes populares, por meio de táticas e trampolinagens, à sociedade do espetáculo, da superabundância dos significados, contudo, sem a possibilidade de expressão própria,29 29 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1994. permitimos pensar essa festa no campo da cultura popular, como aquilo que permanece das experiências vividas no cotidiano dos sujeitos sociais. Experiências essas que, sedimentadas em suas raízes culturais, possibilitam desvencilhar-se de um destino traçado pelas forças do capital, resguardando uma identidade social. Reforçando essa idéia, Certeau reitera que:

a cultura comum lança caminhos plurais para fugir de seus amos, sonhar com a felicidade, enfrentar a violência, provar as formas sociais do saber, dar nova forma ao presente e realizar essas viagens do espírito sem as quais não há exercício da liberdade.30 30 CERTEAU, 1994, p.342.

Assim, em torno do inusitado rally envolvendo mais de cem carros de bois, mil bois, duzentos carreiros e candeeiros, em um percurso de quarenta quilômetros, com dificuldades estratégicas a serem vencidas por peões e boiadeiros, diversas outras atividades programadas ocorrem nos quatro pousos. Pelo vulto desse evento, envolvendo a cada ano mais de dez mil pessoas de toda a região na qual se insere, é possível entrever que seu objetivo, ao recriar práticas sociais em desuso, seja o de buscar o elo perdido entre passado e presente. O caminho vislumbrado, entre tantos outros, talvez tenha sido o de reinventar tradições forjadas na cultura popular.

Num esforço por compreender essa festa como uma forma de resistência à modernidade por meio de tradições reinventadas, fazemos nossa a avaliação de Diehl:

a situação de estetização simbólica ou, em outras palavras, a ornamentação de signos e significados de determinados grupos sociais étnicos privilegia a recolonização das experiências do cotidiano, especialmente levando-se em conta a profunda crise atual de valores modernos e seus respectivos projetos de futuro.31 31 DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru (SP): Edusc, 2002, p.342.

Aqui, a (re)memorização se traduz na (re)subjetivação e (re)poetização do passado (re)simbolizado, com a intenção mesma da revalorização dos sentidos das funções culturais, produzindo uma nova estética do passado.

Nesse sentido, a festa do carro de bois é entendida como uma representação produzida por sujeitos sociais que ainda têm o mundo rural como referência de vida, cujas experiências estão fundadas na sociabilidade comunitária de uma economia rural de subsistência. O conceito de experiência referido é benjaminiano,32 32 BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Obras escolhidas: magia técnica / arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985. pois permite pensar a tradição como o momento em que o coletivo e o individual se unem, originando uma prática cultural comum aos sujeitos sociais nela envolvidos, capaz, por isso mesmo, de ser transmissível às futuras gerações.33 33 DIEHL, 2002, p.189. Tradição, desse ponto de vista, não são apenas rastros ou restos que, como lembranças, se diluem e se perdem no tempo. Mais que isso, tendo como suporte uma memória transgressora da ordem de progresso imposta, retoma o passado consciente dos seus sofrimentos e perdas, para projetar um futuro cuja identidade cultural34 34 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular e desenvolvimentismo no interior das Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998 (Doutorado em História Social). seja porta-voz de sua luta contra a alienação.

Ainda uma vez, Certeau nos ampara nesta análise quando confirma que

a memória é o antimuseu: não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Aí dorme um passado, como nos gestos cotidianos de caminhar, comer, deitar-se onde dormitam revoluções antigas ... Os lugares vividos são como presenças de ausências. O que se mostra designa aquilo que não é mais ... Os demonstrativos dizem do visível suas indivisíveis identidades.35 35 CERTEAU, 1994, p.189.

Nessa perspectiva, a festa de carro de bois, ao representar esteticamente um passado por meio de relíquias culturais, compõe um relato tecido de histórias perdidas, de gestos opacos, recriando não mais o real vivido, mas um conjunto simbólico que, articulado às experiências do cotidiano agrário, produz a comemoração como um anti-texto à racionalidade do mercado e das relações sociais do capitalismo moderno. Como ausência da presença o ritual de quatro dias de festa permite na poeira das estradas e trilhos de terra, temperada pelo suor dos corpos em movimento, das toadas e aboio dos vaqueiros, do triste lamento e gemido do carro de bois, recriar e reviver uma tradição, cuja prática concreta no mundo rural atual já se extinguiu.

Vazante, palco da carreata de bois, é uma cidade cujas origens remontam a 1850,36 36 OLIVEIRA FILHO, Antônio de. Da visão da lapa ao minério. Vazante: Prefeitura Municipal, 1977. marcada pela aparição de Nossa Senhora na gruta da Lapa. Para lá acorriam devotos em romarias, que pelos anos se multiplicavam em virtude da fama dos milagres atribuídos à santa. De distrito de Paracatu se transforma em município em 1953, marcando a sua estrutura sócio-econômica as atividades agropecuárias e a exploração industrial do zinco retirado das entranhas de suas serras desde 1955. De uma população de aproximadamente 19 mil habitantes,37 37 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico, MG, 2000. 4 mil estão direta e indiretamente empregados na Companhia Mineira de Metais, do grupo Votoratim, que beneficia em sua usina mais de 15 mil toneladas mensais desse minério, processado industrialmente em Três Marias — daí a sua caracterização como cidade metalúrgica. A Cia. Mineradora Areinse S.A. — Masa, do grupo Ingá, do Rio de Janeiro, foi desativada em 2000, estando sub judice. Apesar de ser a maior fonte geradora de ICMS para Vazante, a extração do zinco tem ocasionado sérios problemas ecológicos ao município, poluindo seus rios e secando seus mananciais de água.38 38 Informações Prefeitura Municipal de Vazante. Folder informativo.

Não poderia deixar de mencionar a inserção da cidade a partir de 1975 no II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND,39 39 Ministério do Planejamento. II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND. Brasília: 1975-1985. como área prioritária do Pólo Centro em Minas Gerais. Como já afirmamos, esse projeto concebido pelas ditaduras militares objetivava a ocupação dos cerrados como área produtiva de grãos para exportação. Tal projeto, mesmo que não tenha mudado a perversa desigualdade social no campo, propiciou o desenvolvimento da pecuária de leite e corte e das culturas de soja e milho, carreando para o lugar benefícios tais como armazéns e silagem, telefonia e eletricidade rural, construção de estradas vicinais e pavimentação de outras, ligando Vazante ao restante da região na qual se insere. E, como conseqüência dos investimentos federais, 40 40 OLIVEIRA, 1977, p.95. por cento do valor dos projetos aprovados foram repassados à Prefeitura para construção de equipamentos sociais na área rural: escolas e postos de saúde, entre outros. Foi nessa maré que a Nestlé se instalou no município em 1977 com um posto de recolhimento e resfriamento de leite, embora suas atividades tenham sofrido uma diminuição em toda a região após 2000, e em 2004 tenham sido interrompidas.40

É nesse cenário de modernização das atividades agropecuárias — cujas relações sociais antes permeadas pela sociabilidade do trabalho coletivo foram, aos poucos, se esgarçando — que a Festa do Carro de Bois encontrou o seu ninho. Os personagens dessa festa, bem como seus organizadores, revelam em seus depoimentos uma recusa em perder sua identidade cultural, cambiando para vivências impessoais relativas à dinâmica das sociedades modernas. Assim, experiências fragmentadas pelo desenvolvimento capitalista no campo, perdidas no tempo, foram reatualizadas na estética da festa. Muito bem descreve essa intenção, um de seus organizadores, ex-prefeito, Hélio Pereira Guimarães:

nós começamos esta festa em 1979 quando eu, o Manoel Rodrigues de Paula e o Jamiro Borges de Melo organizamos um mutirão prá colhê e carria um milho plantado e sentimos de novo a vida, como era bom aquele tempo de nossos pais, avós, da gente menino, dos encontros, da festa depois do trabalho. Ai resolvemos fazer esse encontro de 2 em 2 anos. A coisa pegou, muita gente foi se achegano e aí em 1985 criamos a Associação dos Carreteiros do município de Vazante — Ascava — e virô essa festa, que a cada ano cresce em número de participantes de muitos outros lugares. Hoje, vem gente de Unai, João Pinheiro, Formiga Coromandel, Lagamar, Patrocínio, Bonfinópolis, São Brás, Patos de Minas, Presidente Olegário, Brasília, Paracatu, até de Goiás e São Paulo. Isso estimulou a criação de boiadas nova, o trabalho dos carapina de carro, o aprendizado de candieiro, carreiro. Nossa! É uma bola de neve. Os menino novo, jovens, tão tomando gosto e acho que isso já pegou mesmo, a tradição não vai morrer.41 41 GUIMARÃES, Hélio Pereira. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

A Festa do Carro de Bois se concentra em quatro dias do mês de julho, cujos antecedentes preconizam uma plantação e colheita do milho sob responsabilidade da Associação dos Carreiros e apoio técnico da Emater, em terreno dos participantes. A festa se inicia numa quarta-feira de lua cheia, quando os cem carreiros pela manhã carregam os seus carros, organizam suas tralhas e se preparam para uma jornada de dez quilômetros. No entremeio da arrumação, almoço e jantar são regados com muita cachaça, colocando em dia a prosa acumulada por um ano de trabalho em outras atividades rentáveis. A noite é animada na Fazenda Tamboril por um pagode com sanfona.

Quinta-feira, 8 horas, mais de duzentos carreiros e candeeiros, muitos com filhos e esposas, vão deixando suas redes, barracas ou mesmo o pouso debaixo dos carros, para assistirem à Missa do Carreiro. O almoço ocorre às 10 horas, e às 11 já estão enfrentando a estrada poeirenta, cujas trilhas são marcadas por riachos, córregos e valas que, pelas dificuldades impostas, aumentam a adrenalina, provocam emoções. Chegando às 14 horas na Fazenda Muzambinho, é hora de desatrelar as juntas de bois, levá-los ao pasto e voltar para curtir o mutirão de fiandeiras, as oficinas que ensinam a fabricar cordas, rédeas, chicotes e toda uma série de habilidades com o couro. Às 18 horas o jantar, o pagode e as rodas de música sertaneja.

Sexta-feira, depois do almoço às 8 horas, as comitivas se preparam para o percurso mais extasiante — a subida da serra, que impõe sérias dificuldades e permite aos carreiros demonstrarem toda sua perícia. No topo da serra, em torno de um grande rancho de buritis se instalam os banheiros, as tendas de refrigerantes, cerveja e espetinhos de carne. A Emater vende em uma barraca artesanato local, camisetas e fitas de vídeo. O povo da cidade, dos distritos e da zona rural vai aos poucos lotando o lugar, apagando a deslumbrante vista descortinada da serra. Barracas improvisadas vão se instalando nos mais diversos lugares, colorindo a paisagem dos mais bizarros tipos. Gente trajada a passeio, vaqueiros a caráter, cavaleiros se exibindo em lustrosas montarias, bois caracus que se exibem e se deixam montar por pessoas que querem ser fotografadas; no rancho, o pagode corre solto.

Uma profusão de sons se mistura junto àqueles que torcem e se divertem ao ver os carros de bois sendo retorcidos, virando diante da peleja dos candeeiros que estocam os bois com o canzil, penetrando sua carne para que obedeçam às suas ordens. Às 18 horas na Fazenda da Estiva ocorrem o jantar e o pagode.

Sábado, dia máximo da festa, às 6 horas da manhã toca a alvorada, e violeiros e seresteiros se apresentam até a hora do almoço. Às 10 horas os carros na estrada se preparam para sua exibição no encerramento, na Fazenda Cachoeira. Nesse ponto máximo da festa a organização e a estrutura são muito mais vigorosas, com mais barracas, tendas e a própria cozinha, pois que até a noite dez mil pessoas para lá se dirigem. No palco improvisado, com potente aparelhagem de som, o radialista vai identificando cada carreiro e suas habilidades, e estes se exibem como podem: uns trazem a família, outros a sanfona, outros ainda, a viola. Param em frente ao palanque, recebem um troféu comemorativo da festa, tiram fotografias. Um senhor ao meu lado, simples cidadão, diz assim:

A senhora não acha que essa festa tinha que tê um santo padroeiro? Podia sê São Cristovão, pruquê muito acidente e até morte já conteceu. Maisi em festa que os capeta é rei (referência à família Guimarães) santo num entra, né? 42 42 SILVA, Benedito. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

Quando o sol se põe e começam as apresentações de catira e de música sertaneja, e o pagode corre solto, eu me lembrei de um carreiro de 83 anos, que com seu traje simples, sua vara de condutor, pegou o microfone da mão do locutor e disse:

O boi faiz parte da vida do peão que vive na cultura do cerrado, na roça, lidano com a natureza ... Eu indesde menino mecho com carro de boi, sem butina, com frio atolava no barro, ferrava o carro e viajava pelas estrada carreteras. Outa hora moía cana de madrugada até anoitinha. Depois veio os caminhão e nosso ofício desapareceu. Hoje tó aqui feliz dimais da conta, porque tô vivo, fazeno o que mais gosto. Num sei se no ano que vem tô na companhia do Horácio Martins [falecido em 2002]. Mais de tão sastifeito deixo aqui procês as minhas emoções.43 43 MANOELZÃO. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

Nestes dias de festa, por incrível que pareça, apesar de a cachaça alimentar a euforia, não se verificou nenhuma briga ou ato de violência. Não havia a presença da polícia, apenas dos organizadores do evento trajados com um colete vistoso. Estes eram respeitados como autoridades pelos participantes, indicavam lugares, prestavam esclarecimentos entre tantas outras atividades. Várias faixas e bandeiras enfeitavam o lugar, dentre as quais uma continha os seguintes dizeres: "A festa de carro de bois é a resistência da cultura e da tradição de um povo".

Como considerações finais vale ainda a pena mencionar que, tal como afirma Schwarz, as relações históricas tecidas no Brasil entre tradição e modernidade são paradoxais. O desenvolvimentismo nacional, características das décadas de 1960 e 1970, "não se completou e provou ser ilusório mesmo que os resultados da ilusão sejam fatos sociais efetivos". Daí

que a distância ao velho enquadramento rural não se completou. Assim, afastada de suas condições antigas, posta em situações novas e mais ou menos urbanas, a cultura tradicional não desapareceria ... A sua presença sistemática no ambiente moderno configurava um desajuste extravagante, cheio de dimensões enigmáticas ... Esta mescla do tradicional e do moderno se prestava bem a fazer de emblema pitoresco da identidade nacional.44 44 SCHWARZ, Roberto. Fim de século. Folha de S. Paulo, 04.12.1994. (Caderno Mais!)

Talvez por esse contexto histórico tão peculiar a cultura popular brasileira seja capaz de (re)significar, de forma criativa e única, antigas relações sociais e atividades cotidianas em festas, cujo espaço permite fluir novas sociabilidades e a memória de tempos idos.

NOTAS

Artigo recebido em 04/2006. Aprovado em 05/2006

  • 2 BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura Brasileira São Paulo: Ática, 1992.
  • 3 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra Campinas: Ed. Unicamp, 1999.
  • 4 Sobre Cultura Popular vale ressaltar algumas obras que nos serviram de referencia: ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular? São Paulo: Brasiliense, 1990;
  • BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento São Paulo: Hucitec, 1993;
  • BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua Campinas: Papirus, 1989;
  • BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna São Paulo: Companhia das Letras, 1989;
  • CANDIDO, Antonio. Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1982;
  • CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994;
  • CERTEAU, Michel de. A cultura no plural Campinas: Papirus, 1995;
  • CHARTIER, Roger. Leituras populares. In: Formas e sentidos: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado das Letras, 2003;
  • CANCLINI, Néstor Garcia. A encenação do popular. In: Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000;
  • EAGLITON, Terry. Rumo a uma cultura comum. In: A idéia de cultura São Paulo: Ed. Unesp, 2005;
  • GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes São Paulo: Companhia das Letras, 1987;
  • HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. In: Da diáspora Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003;
  • THOMPSON, E. P. Folclore, antropologia e história social. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos Campinas: Ed. Unicamp, 2001;
  • THOMPSON, E. P. Costumes em comum São Paulo: Companhia das Letras, 1998;
  • WILLIAMS, Raymond. Campo e cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • 5 GOIÁ & ZALO. Saudade de Coromandel. Goiá em duas vozes São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.1).
  • Goiá, compositor e músico sertanejo reconhecido nacionalmente pela crítica, cuja música mais celebrada na voz de diversos intérpretes é Saudade de minha terra, compôs mais de quatrocentas peças, grande parte delas referência ao interior de Minas Gerais, cantando do exílio o seu torrão natal. Cf. FLORES, Lúcio (Org.) O Poeta Goiá Patos de Minas: Arcos, 2004.
  • 6 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.
  • 7 GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel. Goiá em duas vozes São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.2).
  • 8 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.
  • 10 MACHADO, Maria Clara Tomaz. A ocupação do cerrado: da economia de subsistência ao ouro verde. In: Cultura popular e desenvolvimentismo em Minas Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998. (Tese de Doutorado).
  • Conferir da mesma autora outros artigos e capítulos de livros: "Cultura popular em Minas Gerais: transformações, persistências ou desagregação". Revista Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v.1, n.1, 1999;
  • Sociabilidades e identidades no cotidiano rural mineiro. In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.) Política, cultura e movimentos sociais: contemporaneidades historiográficas. Uberlândia: Edufu, 2001;
  • Raízes fundantes da cultura popular no Sertão das Gerais. ArtCultura, Uberlândia, n.4, 2002;
  • Religiosidade no cotidiano popular mineiro: crenças e festas como linguagens subversivas. História e perspectivas, Uberlândia, n.22, 2000;
  • Pela fé: a representação de tantas histórias. Estudos da história, Franca, v.7, n.1, 2000;
  • A urdidura do cotidiano no mundo rural mineiro: relações de trabalho e práticas culturais em transformação. Várias histórias, Belo Horizonte, n.22, 2000;
  • Folia de reis: recriando o mistério da vida. In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.) Histórias e historiografias Uberlândia: Edufu, 2003;
  • Na rota da (des)fortuna: a mineração tardia no sertão das Minas Gerais. In: MACHADO, M. C. T.; CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco (Org.) História: narrativas plurais, múltiplas linguagens. Uberlândia: Edufu, 2005.
  • 12 SANTOS, Adauto. Triste Berrante. In: PENA BRANCA & XAVANTINHO. Violas e canções São Paulo: Velas, 1993.
  • 13 Ver: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo São Paulo: Brasiliense, 1983;
  • YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira São Paulo: Ática, 1992, p.103-13;
  • HONÓRIO FILHO, Wolney. Algumas tonalidades sobre o homem do sertão: Cornélio Pires e Monteiro Lobato. Boletim Goiano de Geografia, v.13, n.1, p.11-27, jan./dez. 1993.
  • 14 CANDIDO, 1982, p.35-46; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Herança Rural. In: Raízes do Brasil Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975, p.41-60.
  • 15 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.122-4.
  • 17 SULINO. Herói sem medalha. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA. Som da terra São Paulo: Chantecler, 1995.
  • 22 PEDRO BENTO & JOSÉ LEONEL. Canção do boiadeiro. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA. Som da terra São Paulo: Chantecler, 1995.
  • 23 BERNARDES, Carmo. O gado e a largueza das Gerais. Estudos avançados, IEA/USP, v.9, n.23, jan./abr. 1995, p.44-5.
  • Ver também: RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas Goiânia: UFG, 2001.
  • 26 Pena Branca. Pena Branca canta Xavantinho Rio de Janeiro: Kuarup Discos, 2001.
  • 27 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
  • 28 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular: um contínuo refazer de práticas e representações. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (Org.) História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Asppectus, 2002.
  • 29 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1994.
  • 31 DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru (SP): Edusc, 2002, p.342.
  • 32 BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Obras escolhidas: magia técnica / arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • 34 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular e desenvolvimentismo no interior das Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998 (Doutorado em História Social).
  • 36 OLIVEIRA FILHO, Antônio de. Da visão da lapa ao minério. Vazante: Prefeitura Municipal, 1977.
  • 37 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico, MG, 2000.
  • 39 Ministério do Planejamento. II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND Brasília: 1975-1985.
  • 44 SCHWARZ, Roberto. Fim de século. Folha de S. Paulo, 04.12.1994. (Caderno Mais!)
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    Este texto faz parte da pesquisa que desenvolvemos sobre "Cultura Popular no interior de Minas Gerais", privilegiando temáticas da religiosidade popular, festas, práticas culturais, do cotidiano mineiro, entre tantos. Tais temáticas têm sido orientadas também no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, na linha História e Cultura, abrigadas no Núcleo de Pesquisa em Cultura Popular Imagem e Som — Populis. Muitos destes trabalhos tiveram a aprovação e o aval financeiro institucional da Fapemig e a concessão de bolsas do CNPq (Pibic) e da Capes (Mestrado).
  • 2
    BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.)
    Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1992.
  • 3
    BRANDÃO, Carlos Rodrigues.
    O afeto da terra. Campinas: Ed. Unicamp, 1999.
  • 4
    Sobre Cultura Popular vale ressaltar algumas obras que nos serviram de referencia: ARANTES, Antônio Augusto.
    O que é cultura popular? São Paulo: Brasiliense, 1990; BAKHTIN, Mikhail.
    A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1993; BRANDÃO, Carlos Rodrigues.
    A cultura na rua. Campinas: Papirus, 1989; BURKE, Peter.
    Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; CANDIDO, Antonio.
    Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1982; CERTEAU, Michel de.
    A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994; CERTEAU, Michel de.
    A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995; CHARTIER, Roger. Leituras populares. In:
    Formas e sentidos: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado das Letras, 2003; CANCLINI, Néstor Garcia. A encenação do popular. In:
    Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000; EAGLITON, Terry. Rumo a uma cultura comum. In:
    A idéia de cultura. São Paulo: Ed. Unesp, 2005; GINSBURG, Carlo.
    O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. In:
    Da diáspora. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003; THOMPSON, E. P. Folclore, antropologia e história social. In:
    As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001; THOMPSON, E. P.
    Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; WILLIAMS, Raymond.
    Campo e cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • 5
    GOIÁ & ZALO. Saudade de Coromandel.
    Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.1). Goiá, compositor e músico sertanejo reconhecido nacionalmente pela crítica, cuja música mais celebrada na voz de diversos intérpretes é
    Saudade de minha terra, compôs mais de quatrocentas peças, grande parte delas referência ao interior de Minas Gerais, cantando do exílio o seu torrão natal. Cf. FLORES, Lúcio (Org.)
    O Poeta Goiá. Patos de Minas: Arcos, 2004.
  • 6
    GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI.
    Gente de minha terra. São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.
  • 7
    GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel.
    Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.2).
  • 8
    GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI.
    Gente de minha terra. São Paulo: Phonodisc Mid, 1990.
  • 9
    GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel... (Matando Saudade, v.2), op. cit.
  • 10
    MACHADO, Maria Clara Tomaz. A ocupação do cerrado: da economia de subsistência ao ouro verde. In:
    Cultura popular e desenvolvimentismo em Minas Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998. (Tese de Doutorado). Conferir da mesma autora outros artigos e capítulos de livros: "Cultura popular em Minas Gerais: transformações, persistências ou desagregação".
    Revista Tempos Históricos, Marechal Cândido Rondon, v.1, n.1, 1999; "Sociabilidades e identidades no cotidiano rural mineiro". In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.)
    Política, cultura e movimentos sociais: contemporaneidades historiográficas. Uberlândia: Edufu, 2001; "Raízes fundantes da cultura popular no Sertão das Gerais".
    ArtCultura, Uberlândia, n.4, 2002; "Religiosidade no cotidiano popular mineiro: crenças e festas como linguagens subversivas".
    História e perspectivas, Uberlândia, n.22, 2000; "Pela fé: a representação de tantas histórias".
    Estudos da história, Franca, v.7, n.1, 2000; "A urdidura do cotidiano no mundo rural mineiro: relações de trabalho e práticas culturais em transformação".
    Várias histórias, Belo Horizonte, n.22, 2000; "Folia de reis: recriando o mistério da vida". In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.)
    Histórias e historiografias. Uberlândia: Edufu, 2003; "Na rota da (des)fortuna: a mineração tardia no sertão das Minas Gerais". In: MACHADO, M. C. T.; CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco (Org.)
    História: narrativas plurais, múltiplas linguagens. Uberlândia: Edufu, 2005.
  • 11
    Para definição de alguns termos regionais específicos, esclarecemos que:
    Traição é uma modalidade de auxílio vicinal, semelhante ao mutirão, cuja diferença reside no elemento surpresa. Caracteriza-se por um dia de trabalho coletivo e não remunerado no qual amigos e vizinhos se reúnem para realizar tarefas imprescindíveis à sobrevivência, garantindo a subsistência da família.
    Brolhas é um artesanato típico do estado de Minas Gerais, em cujas peças rústicas os fios são tramados a mão, resultando em formas ou desenhos originais.
    Quitandas são comidas típicas da região, tais como biscoitos, bolos, roscas, pães, bolachas, servidos no café da manhã e da tarde.
  • 12
    SANTOS, Adauto. Triste Berrante. In: PENA BRANCA & XAVANTINHO.
    Violas e canções. São Paulo: Velas, 1993.
  • 13
    Ver: BRANDÃO, Carlos Rodrigues.
    Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983; YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In: BOSI, Alfredo (Org.)
    Cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1992, p.103-13; HONÓRIO FILHO, Wolney. Algumas tonalidades sobre o homem do sertão: Cornélio Pires e Monteiro Lobato.
    Boletim Goiano de Geografia, v.13, n.1, p.11-27, jan./dez. 1993.
  • 14
    CANDIDO, 1982, p.35-46; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Herança Rural. In:
    Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975, p.41-60.
  • 15
    HOLANDA, Sérgio Buarque de.
    Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.122-4.
  • 16
    YATSUDA, 1992, p.106-13.
  • 17
    SULINO. Herói sem medalha. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA.
    Som da terra. São Paulo: Chantecler, 1995.
  • 18
    FARIA, Maria Augusta.
    Depoimento. Uberlândia, 07.07.1995. História de vida. natural de Santa Clara, município de Coromandel, onde residiu por 50 anos.
  • 19
    CANDIDO, 1982. p.126-9.
  • 20
    Ibidem, p.199-211.
  • 21
    MONTEIRO, Maria.
    Depoimento. Coromandel, 07.04.1995. Hoje com 78 anos, viúva, natural da região da Boa Vista, município de Coromandel, onde reside até hoje, sendo uma das únicas representantes de uma economia de subsistência que se nega a residir na cidade.
  • 22
    PEDRO BENTO & JOSÉ LEONEL. Canção do boiadeiro. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA.
    Som da terra. São Paulo: Chantecler, 1995.
  • 23
    BERNARDES, Carmo. O gado e a largueza das Gerais.
    Estudos avançados, IEA/USP, v.9, n.23, jan./abr. 1995, p.44-5. Ver também: RAMOS, Hugo de Carvalho.
    Tropas e boiadas. Goiânia: UFG, 2001.
  • 24
    HOLANDA, 1994, p.125-35. No capítulo "Do peão ao tropeiro", o autor busca as origens da atividade, que pela necessidade do comércio, embrenha pelo sertão, tornando-se peça fundamental para sua ocupação. O boiadeiro é, nesse sentido, uma derivação do tropeiro, resultado da largueza e fecundidade dos campos das Gerais e da sedentarização do sertanejo.
  • 25
    OLIVEIRA, José Araújo.
    Depoimento. Coromandel, 31.03.1995. Zé Garipeiro tem hoje 72 anos, dos quais, mais de 50 foram dedicados à vida na zona rural a ao garimpo. Hoje, está aposentado.
  • 26
    Pena Branca.
    Pena Branca canta Xavantinho. Rio de Janeiro: Kuarup Discos, 2001. Seguem por ordem numérica o título das canções:
    O aboiador, Estrada, Primeira Cantiga: Velho Carro de Bois, Casa de Barro.
  • 27
    HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence.
    A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
  • 28
    MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular: um contínuo refazer de práticas e representações. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (Org.)
    História e cultura: espaços plurais. Uberlândia: Asppectus, 2002.
  • 29
    CERTEAU, Michel de.
    A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis (RJ): Vozes, 1994.
  • 30
    CERTEAU, 1994, p.342.
  • 31
    DIEHL, Astor Antônio.
    Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru (SP): Edusc, 2002, p.342.
  • 32
    BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In:
    Obras escolhidas: magia técnica / arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • 33
    DIEHL, 2002, p.189.
  • 34
    MACHADO, Maria Clara Tomaz.
    Cultura popular e desenvolvimentismo no interior das Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998 (Doutorado em História Social).
  • 35
    CERTEAU, 1994, p.189.
  • 36
    OLIVEIRA FILHO, Antônio de.
    Da visão da lapa ao minério. Vazante: Prefeitura Municipal, 1977.
  • 37
    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
    Censo demográfico, MG, 2000.
  • 38
    Informações Prefeitura Municipal de Vazante.
    Folder informativo.
  • 39
    Ministério do Planejamento.
    II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND. Brasília: 1975-1985.
  • 40
    OLIVEIRA, 1977, p.95.
  • 41
    GUIMARÃES, Hélio Pereira.
    Depoimento. Vazante, jul. 2002.
  • 42
    SILVA, Benedito.
    Depoimento. Vazante, jul. 2002.
  • 43
    MANOELZÃO.
    Depoimento. Vazante, jul. 2002.
  • 44
    SCHWARZ, Roberto. Fim de século.
    Folha de S. Paulo, 04.12.1994. (Caderno Mais!)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2006
    • Recebido
      Abr 2006
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