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Para destruir a memória e demolir o patrimônio: algumas questões sobre a história e seu ensino

To destroy the memory and demolish patrimony: some questions about History and its teaching

Para destruir la memoria y demoler el patrimonio: algunas cuestiones sobre la historia y su enseñanza

Resumo:

O artigo faz uma reflexão acerca de alguns significados atribuídos à memória e ao patrimônio para ampliar as discussões sobre seus usos para a história e seu ensino. Em seguida, as análises são direcionadas para problematizar o cine Marrocos Marabá como ‘lugar de memória’ e patrimônio cultural. A partir das reflexões desenvolvidas e dos documentos mobilizados, foi possível mostrar a importância e a necessidade em desconstruir os significados cristalizados - que são apresentados e representados - pela memória e sedimentados pelo patrimônio para entendê-los como construções históricas e ampliar as possibilidades de seus usos na pesquisa e/ou no ensino da História.

Palavras-chave:
história; memória; patrimônio

Abstract:

The article reflects on some meanings attributed to memory and heritage in order to broaden the discussions about their uses for history and its teaching. Next, the analyses are directed to problematize the Marabá Marrocos Cine as a ‘place of memory’ and cultural heritage. From the reflections developed and the documents mobilized, it was possible to show the importance and the need to deconstruct the crystallized meanings - which are presented and represented - by the memory and sedimented by the heritage to understand them as historical constructions and to extend the possibilities of their uses in research and or teaching history.

Keywords:
history; memory; heritage

Resumen:

El artículo hace una reflexión acerca de algunos significados atribuidos a la memoria yal patrimonio para ampliar las discusiones sobre sus usos para la historia y su enseñanza. En seguida, los análisis son dirigidos para problematizar el cine Marrocos Marabá como ‘lugar de memoria’ y patrimonio cultural. A partir de las reflexiones desarrolladas y de los documentos recopilados, fue posible demostrar la importancia y necesidad en deconstruir los significados cristalizados - que son presentados y representados - por la memoria y sedimentados por el patrimonio para entenderlos como construcciones históricas y ampliar las posibilidades de sus usos en la investigacióny/o en la enseñanza de la Historia.

Palabras clave:
historia; memoria; patrimonio

Introdução

As análises sobre história, memória e patrimônio são diversas, mas não são recentes1 1 Ver: Le Goff (1996); Lemos (1987); Pollack (1992); Nora (1993); Bergson (1999); Oriá (1998); Abreu e Chagas (2003). . As reflexões aqui colocadas são resultantes das discussões promovidas por meio da disciplina ‘Prática curricular continuada III - ensino de história: patrimônio material e imaterial’, ofertada na graduação do curso de história, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Durante o componente curricular, os estudantes são desafiados a analisar determinados sentidos atribuídos à memória e ao patrimônio. Em seguida, as reflexões são direcionadas para se debater os limites e as possibilidades de como esses questionamentos podem ser operacionalizados e apropriados no ensino de história.

Como desdobramentos das vivências experienciadas na disciplina, uma das equipes de estudantes realizou uma pesquisa acerca do cine Marrocos Marabá. A equipe foi composta pelos discentes Amanda Jacqueline Vieira dos Santos, Juliana Alves de Souza, Nayanna Samylle Silva Sousa e Nilqueverson Silva Lima.2 2 O trabalho de conclusão de disciplina teve como objetivo principal analisar alguns aspectos da história do cine Marrocos para se compreender a importância da memória para as reflexões sobre o patrimônio cultural em Marabá e, por conseguinte, explorar as possibilidades de uso daquele espaço como objeto de estudo para a pesquisa e o ensino de História.Quero, aqui, deixar expressos os parabéns pela realização da pesquisa e agradecer pela disponibilidade do material cedido pelos discentes para as reflexões deste artigo. Esses estudantes produziram fotos das instalações e dos materiais de projeção, identificaram e catalogaram os pôsteres dos principais filmes exibidos e entrevistaram dois ex-funcionários do cine Marrocos.

Abundam, no campo da história, os trabalhos que tematizam a memória e o patrimônio. Há situações em que a memória é utilizada como objeto e/ou fonte de pesquisa; fora dos muros acadêmicos, é também usada como mecanismo de luta no processo de construção de política pública voltada para o patrimônio. Há situações em que é o patrimônio que se encontra mobilizado, como instrumento e estratégia para a construção e preservação de dada memória, entendida como espaço de enfrentamento e luta política.

Por diferentes temáticas de estudos e distintas apropriações teórico-metodológicas, a memória e o patrimônio tornaram-se objeto e/ou documento de análise no campo historiográfico. Da mesma forma, é grande e variada a produção acadêmica sobre o ensino de história que faz uso da memória e do patrimônio como fonte de problematização. Por esse ângulo de percepção, é oportuno destacar as ressalvas que Circe Bittencourt já fizera, em 2009, ao analisar a relação entre ensino de História, história local e memória. Para a autora, uma parte dos estudos acerca dessa temática se constitui mais em um trabalho de ‘memória’ do que propriamente de ‘História’. Em suas palavras,

[...] a história local tem, por outro lado, sido elaborada por historiadores de diferentes tipos. Políticos ou intelectuais de diversas proveniências têm-se dedicado a escrever histórias locais com objetivos distintos e tais autores são geralmente criadores de ‘memórias’ mais do que de efetivamente de ‘história’ (Bittencourt, 2009Bittencourt, C. M. F. (2009). Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo, SP: Cortez., p. 168, grifo do autor).

O que implica um trabalho ser considerado ‘mais de memória’ do que ‘de História’? Uma pergunta aparentemente simples, mas que agrega um conjunto de tensões, perspectivas e disputas que se desdobram em diferentes formas de apropriação e representação da memória, da história e do patrimônio. Vamos por partes.

A ressalva feita por Circe Bittencourt (2009Bittencourt, C. M. F. (2009). Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo, SP: Cortez.) sinaliza determinado uso da memória em trabalhos que tematizam o ensino de história, o que, em certa medida, configura uma forma de compreender e usar a memória e o patrimônio, sejam como objeto ou como documento para a história. Mas, que usos - e abusos - são esses?

No que tange ao uso da memória, em trabalhos de pesquisa histórica, não é incomum encontrarmos determinadas formas de apropriação que usam a memória como estratégia para legitimar uma hipótese previamente levantada pelo pesquisador. Ou seja, a memória é acionada para confirmar determinada versão ou análise defendida pelo pesquisador/professor. Nesse sentido, ela não é problematizada como fonte, ou não recebe a crítica necessária para ser usada como objeto de estudo. Nessa perspectiva, não raro a memória é usada como um recurso ou uma ferramenta para confirmar determinada narrativa apresentada e defendida pelo intelectual.

Memória e patrimônio nos combates pela história

A memória é apreendida, aqui, como um conjunto de representações em permanente reelaboração, construída - individual e coletivamente - por diferentes materialidades acerca das experiências sociais, temporais e espaciais. O patrimônio, por sua vez, é entendido como um conjunto material e imaterial de bens culturais construídos por diferentes sociedades, no tempo e no espaço, e concorre como força produtora das representações sociais das experiências humanas no tempo.

É oportuno ressaltar que os significados atribuídos à memória e ao patrimônio - material ou imaterial - são construções que sofrem variações no tempo e no espaço. Recebem, também, concepções distintas, a depender do lugar político e epistemológico do campo de enunciação. Certamente, essas significações não desfrutam de consenso.

Este artigo não objetiva fazer uma reflexão sobre a multiplicidade de sentidos atribuídos ao conceito de memória e de patrimônio, entretanto almeja ampliar o debate acerca dos usos e abusos dessas categorias nos espaços de reflexão e produção acadêmica.

O trabalho com relatos de memória, por meio da metodologia da história oral, cresceu de forma significativa em quantidade, qualidade e densidade analítica, como ressaltou Ângela de Castro Gomes. Essa historiadora destaca que “[...] é possível dizer que, no Brasil do século XXI, a metodologia de história oral alcançou sua maturidade” (Gomes, 2014Gomes, Â. C. (2014). Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: o que somos? O que queremos ser? História Oral, 17(1)., p. 164)3 3 Sobre a produção acadêmica acerca da história oral, ver Pereira Neto, Machado e Montenegro (2007). . Por outro lado, também cresceram os trabalhos que se apropriam da memória - por meio da história oral - sem fazer a crítica que se exige dela, o que é necessário para o tratamento de qualquer fonte na oficina da história. Não precisaríamos fazer muitos esforços para perceber significativa quantidade de trabalhos que são apresentados nos simpósios temáticos de eventos acadêmicos - não apenas daqueles promovidos pela Associação Brasileira de História Oral (ABHO) - ou até mesmo nos artigos publicados em revistas, em que o uso da memória não demonstra ter sido regado pelo rigor dispensado ao uso documental4 4 Refiro-me, aqui,à ausência da crítica aos documentos quando a memória é utilizada como fonte. De maneira mais específica, faço referência a certos modos como os relatos de memória são usados para reforçar as hipóteses previamente criadas pelo pesquisador, como se eles fossem portadores de uma verdade quase inquestionável. . Em outras palavras, percebemos que, não raro, o uso da memória tem sido mobilizado, predominantemente, como estratégia para ratificar o ponto de vista do professor/historiador.

Um dos desafios enfrentados por quem estuda a memória, sobretudo por meio da metodologia da história oral, diz respeito ao caráter ‘intencional’ da produção da fonte. Isso não significa que outros documentos não contenham intencionalidades em seu processo de produção. Porém, na fonte oral, o professor/pesquisador ocupa lugar central, atuando como agente intencional no seu processo de produção.

Em outras palavras, o professor/pesquisador é, também, autor da fonte oral pela qual se produz o relato de memória. Aquele participa do seu processo de fabricação desde o momento em que seleciona a pessoa a ser entrevistada. Por conseguinte, constrói as condições para a realização da entrevista e, ainda, interfere, em alguma medida, no direcionamento dos relatos produzidos quando apresenta os objetivos da pesquisa para a qual o relato oral da entrevista será produzido. Mesmo em uma ‘entrevista aberta’ (ou entrevista de vida), o professor/pesquisador, de certa maneira, influencia no direcionamento dos relatos de memória quando elabora uma pergunta, quando indaga do que a pessoa entrevistada se lembra sobre certo acontecimento, do que ela se recorda sobre determinados fatos em sua trajetória.

É fundamental que essa dimensão intencional seja problematizada para se ampliar a crítica aos relatos de memória. Ter clareza das implicações desse caráter agenciador do professor/pesquisador, no processo de fabricação da fonte, significa dizer que os relatos produzidos não podem ser apropriados como mecanismo de legitimação das hipóteses de pesquisas previamente estabelecidas. Aliás, esse tipo de uso não pode ser dispensado a nenhuma outra fonte. É necessário, digamos à exaustão, que a fonte oral tenha o mesmo tratamento crítico que qualquer outra fonte, como já foi assinalado por muitos pesquisadores. Nas palavras de Guimarães Neto,

[...] é preciso dispensar às fontes orais o mesmo rigor crítico utilizado no tratamento de outras fontes documentais. A crítica aos relatos orais deve constituir-se em instrumento de investigação das suas próprias condições de produção - o lugar em que a pesquisa está circunscrita -, como se procede com as demais fontes (Guimarães Neto, 2006Guimarães Neto, R. B. (2006). Cidades da mineração. Cuiabá, MT, EdUFMT., p. 44).

Não é novidade, mas é oportuno ressaltar, que a memória produzida por meio da história oral precisa ser questionada em diferentes dimensões. Não pode ser apropriada como cópia do acontecimento relatado. O relato de memória não pode ser entendido como um reflexo das experiências rememoradas. Não existe uma relação de correspondência e de sincronia entre os acontecimentos vivenciados em uma experiência pretérita e os relatos produzidos no ato da produção da fonte oral. As conexões existentes entre o objeto de estudo, ou seja, entre as experiências relembradas e os relatos orais produzidos para a pesquisa (ou mobilizados para o ensino) não podem ser entendidas como se existisse uma relação de sincronicidade entre essas duas dimensões. Em outras palavras, o relato oral de memória não é uma cópia da experiência vivida pela testemunha que concede uma entrevista para um professor/pesquisador. Nesse sentido, a memória não pode ser operacionalizada como se fosse capaz de oferecer uma representação fidedigna dos fatos relembrados; como se fosse possível existir uma correspondência, em termos de ‘encaixe’, entre o relato oral de memória e a experiência rememorada.

Essas reflexões não são recentes5 5 Ver Gomes (2012, 2006); Figueiredo e Ferreira (2006); Montenegro (2010) e Guimarães Neto (2012). . Há importantes trabalhos publicados que apontam que a fonte oral não produz um relato fiel e inquestionável do acontecimento rememorado; aliás, nenhuma fonte tem esse poder. O sujeito que narra, que produz um relato de memória no ato da produção da fonte oral não constrói uma cópia da experiência rememorada. Seus relatos precisam ser questionados, antes de tudo, como um conjunto de elementos por meio dos quais o entrevistado deseja ser visto e percebido pelo intelectual que está produzindo a entrevista.

Por esse ângulo de percepção, antes de estabelecermos qualquer conexão entre o relato de memória oral e a experiência rememorada, é importante compreendermos que o entrevistado está construindo uma representação dele próprio, está pintando com palavras uma imagem a partir da qual deseja ser visto. Por essa chave de interpretação, é importante apreender o relato de memória oral como um ‘relato de si’, antes de este ser apropriado como um relato ‘sobre’ o acontecimento relatado. Antes de entendermos o ‘que’ é narrado em um relato de memória, é fundamental compreendermos ‘como’ é narrada a experiência. Um professor da educação básica, por exemplo, ao narrar suas experiências em sala de aula por meio do relato oral de memória, está oferecendo, antes de tudo, uma representação de sua imagem como pessoa, como ator social, como profissional. Portanto, seus relatos não podem ser apreendidos como se fossem as próprias experiências. As lembranças do funcionário do cine Marrocos, ao construir um relato de memória acerca dos tempos em que trabalhava na bilheteria do cinema, não são as experiências vivenciadas.

Christian Laville (2005Laville, C. (2005). Em educação histórica, a memória não vale a razão! Educação em Revista, 41, 13-41.) faz uma importante reflexão ao questionar porque no âmbito das discussões da educação histórica a memória não vale a razão. Defende esse pesquisador que no campo da história - acadêmica ou ensinada - a razão, como ferramenta mobilizada para operar a crítica documental necessária deve ter primazia sobre a memória. Em suas palavras, “[...] mais que uma memória estabelecida, o ensino de história tem agora por dever levar os alunos a adquirir e desenvolver esse conjunto de capacidades intelectuais e atitudes que é de praxe denominar de ‘pensamento histórico’” (Laville, 2005Laville, C. (2005). Em educação histórica, a memória não vale a razão! Educação em Revista, 41, 13-41., p. 35, grifo do autor).

Essas questões podem parecer demasiado óbvias, mas ainda abundam em trabalhos acadêmicos certas reflexões em que os relatos de memória são usados como sinônimo das experiências relatadas, como se fossem cópias dos acontecimentos vividos. Pontuar esses questionamentos não significa reduzir a importância dos relatos orais de memória para os trabalhos do professor/pesquisador. Pelo contrário. Implica pensá-los e apreendê-los como construções humanas no tempo; como ações políticas de homens e mulheres que ficam no presente por meio de suas lembranças, seus olhares e suas interpretações; e como mecanismo de luta no cotidiano. Por conseguinte, ampliam as leituras do passado, forjadas no presente. Como enfatizou Guimarães Neto,

[...] as recordações não são meras exposições da memória, mas um olhar através do tempo múltiplo, um olhar que reconstrói, decifra, revela e permite a passagem de um tempo a outro e, especialmente, trazem a possibilidade de atualização do passado no presente. Mas, sobretudo, revela a possibilidade de compreender o passado, também, como ‘ficção do presente’- para usar a expressão de Michel de Certeau (Guimarães Neto, 2006Guimarães Neto, R. B. (2006). Cidades da mineração. Cuiabá, MT, EdUFMT., p. 46, grifo do autor).

As análises do filósofo francês Henri Bergson (1999Bergson, H. (1999). Matéria e memória(Paulo Neves, trad., 2a ed.). São Paulo, SP: Martins Fontes.) podem, também, ajudar-nos nesse campo de reflexão. Para aquele, a memória é uma reconstrução mnemônica permanente, cuja elaboração parte sempre do presente. Ou seja, a representação construída acerca das experiências narradas é resultante das interpretações vivenciadas pelos sujeitos narradores. Isso significa que o relato de memória não tem o passado longínquo e distante como ponto de partida. É do presente, do momento de construção do relato oral de memória que começamos o processo de reconstrução quando relembramos. Mesmo que seja um relato de um acontecimento cronologicamente distante no tempo, partimos do presente e projetamos até o passado lembrado. Este será reconstruído e relembrado a partir das interpretações construídas pelas experiências vividas pelos narradores. Em outras palavras, ‘memória’ é (re)construção produzida do presente, antes mesmo de ser representação do passado.

A memória, como produto cultural, se constitui na relação com o tempo e, por conseguinte, é um lugar de ‘interseção temporal’. Ela condensa um conjunto de experiências vivenciadas e, como tal, traz as ressonâncias de um passado que não passou, ou, se quisermos, de um passado presente, que é representado e apresentado no momento de construção do relato oral. Nessa dimensão, a memória é de difícil apreensão na medida em que condensa múltiplas temporalidades, múltiplos significados e formas de apresentação. É um lugar permanente de disputas. Disputas que se constituem em ferramentas políticas, pois a memória tem o poder de ‘presentificar’, ou não, certas representações do passado, e torná-lo presente pode significar a constituição de um campo de força para os enfrentamentos políticos.

Apreender a memória como construção cultural significa compreender que ela se constitui como leitura interpretativa da experiência presente do tempo. Antes mesmo de constituir-se como representação do passado, ela é apresentação do presente. Apresentação que está indissociável da forma como homens e mulheres se apropriam e interpretam seu tempo.

Sabemos que todo relato de memória deseja fazer ver práticas, ações, desejos, sonhos, projetos e atitudes, ao mesmo tempo em que silencia outras experiências. Isso implica considerar que, entre aquilo que foi dito, oralizado e relatado, há um universo inteiro sendo silenciado. Quando relata uma experiência, o ângulo de percepção do sujeito narrador seleciona apenas uma dimensão fragmentada da experiência narrada. O foco de luz do relato oral de memória ilumina tão somente aquilo que o sujeito narrador foi capaz de registrar e decidiu apresentar no ato da entrevista. Ou seja, o conteúdo do relato oral de memória é tão somente um fragmento que o sujeito narrador escolheu, selecionou e desejou fazer ver, dentro das condições de possibilidades existentes no momento da produção do relato.

O desafio reside em não se apropriar do relato oral de memória como se fosse a experiência rememorada, ou como se este fosse capaz de oferecer uma representância da totalidade do acontecimento narrado. Também se faz mister o esforço em compreendermos as condições e os interesses que mobilizaram o sujeito narrador a lançar o foco de luz a certas áreas, aspectos e dimensões, e não a outras. Também não é menos desafiador compreendermos as condições de possibilidades gestoras daquelas experiências narradas. ‘Como’ os sujeitos narram e ‘por que’ narram de dada maneira é tão importante quanto entendermos ‘o que’ é narrado. Isso implica levarmos em consideração que, para cada ação narrada, uma infinidade de práticas é silenciada e escondida, ou não é contemplada, e fica fora das experiências não iluminadas naquele momento do ato narrativo.

O cine Marrocos entre histórias, memórias e patrimônio

Figura 1
Cine Marrocos - Marabá - PA.

Fonte: Acervo do autor.

O cine Marrocos está localizado na avenida Antônio Maia, no bairro Velha Marabá, também chamado de Marabá Pioneira (Figura 1). Mesmo ainda não sendo formalmente reconhecido como patrimônio cultural, atualmente pertence à administração municipal e pode ser compreendido como um espaço multicultural onde são oferecidos cursos socioeducativos como dança, canto, teatro e violão. O cine Marrocos também exibe palestras e festivais, como o Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira (FiaCinefront).

Na faixada superior do edifício, encontram-se duas placas em destaque. Uma delas com o nome ‘Cine Marrocos’ e a outra, ‘Cine Clube Hiran Bichara’, com uma foto em preto e branco do primeiro proprietário do prédio. Ao entrarmos em suas dependências, encontramos uma placa de metal afixada em uma de suas paredes. Nela, estão escritos o ano de inauguração, a pessoa responsável pelo feito e o período em que esteve em atividade com a projeção de filmes. Em 2002, o prédio recebeu melhorias em sua infraestrutura e, em abril desse mesmo ano, foi afixada a referida placa. Segundo as informações ali registradas, o cine Marrocos foi inaugurado em 1953 e foi responsável pela projeção dos filmes na cidade durante 33 anos, ou seja, até 1986.

Outra informação registrada na placa faz referência às finalidades para as quais o cine Marrocos se destinava. Nessa perspectiva, é grafado que, entre os anos 1953 e 1986, o cine Marrocos ‘trouxe educação e entretenimento ao povo de Marabá’. Como uma espécie de lápide, essa placa foi cunhada para reforçar e dar a ver o principal objetivo ao qual se direcionava esse empreendimento. Nessa dimensão, grafar no metal e expor na parede parece ser também uma forma de luta contra o esquecimento. Esse registro pode sugerir que seus idealizadores queriam garantir que a ação corrosiva do tempo não apagasse a memória de que o cine Marrocos foi um importante espaço que contribuiu para promover educação e diversão aos cidadãos de Marabá e região.

Hiran Bichara Gantus aparece como mentor e responsável pela construção daquele empreendimento. Aos 25 anos de idade, ele inaugurou o primeiro cinema da cidade de Marabá. Descendente de pais libaneses, nasceu em Marabá, no dia 5 dezembro de 1928. Ele se destacou como “[...] pioneiro no incentivo à cultura regional, ao fundar o Cine Marrocos e trazer a Sétima Arte a Marabá, expandido também a exibição cinematográfica aos municípios de Parauapebas, Conceição do Araguaia e Jacundá”6 6 Portal de notícias Zedudu, 13 de setembro de 2016. Ainda segundo esse noticiário, Hiran Bichara também teve atuação marcante no campo da política, sendo eleito para quatro mandatos de vereador (Nota de pesar pelo falecimento de Hiran Bichara Gantus, 2018). .

O cine Marrocos era, portanto, lugar de reconhecimento para seu proprietário. Era, também, um espaço que lhe conferia distinção e visibilidade. Por meio do cine Marrocos, Hiran Bichara Gantus se projetava como homem representante e defensor de dada concepção de cultura. Por meio de seu empreendimento, estava contribuindo para a difusão do cinema nessa região do Estado do Pará. Quando do seu falecimento, em setembro de 2016, foi lembrado e associado como figura importante da região, sobretudo pelas obras realizadas, entre elas, o cine Marrocos.

Entre as décadas de 1960 e 1970, o cine Marrocos era o principal espaço de diversão e lazer, mas também de trabalho e de vigilância por parte dos órgãos repressores da ditadura militar. Adão Ribeiro dos Reis trabalhou no cine Marrocos por 15 anos. Nasceu em Marabá, no ano de 1945, e, aos 72 anos de idade, relembra em seus relatos de memória alguns momentos que marcaram suas experiências. Para ele, a ditadura militar foi um período em que o país ‘teve moral’. Indagado sobre do que se lembrava do período em que trabalhou no cine Marrocos, ele ressaltou: “Foi no período militar sabe, o período em que o país teve uma moralzinha, que foi na ditadura. Hoje vocês estão vendo aí a bagaceira. [...] Tempo bom que não volta mais. Não tinha violência” (Entrevista..., 2016Entrevista de história oral. (2016). In iTemnpo, Marabá, PA.).

Não há espaço - nem é objetivo deste artigo - fazer uma análise da relação entre o cine Marrocos e a ditadura militar, o que demandaria outro ensaio. No entanto, é oportuno destacar como o senhor Adão Ribeiro dos Reis rememora esse período. Em suas lembranças, aquele foi um momento marcado pela manutenção de dada ordem e de dada moral. Ao mesmo tempo, ele projeta uma comparação entre o momento atual em que está vivendo e aquele do qual ele está falando. Para ele, no presente do seu tempo, vivemos um momento ‘de bagaceira’, ou seja, um momento sem ordem, sem moral, ou ao menos sem a ordem e a moral que ele entende como sendo adequadas. Suas memórias, construídas em 2016, parecem estabelecer uma relação de proximidade com certos discursos que tentam recuperar uma imagem positiva da ditadura, como se fosse uma experiência marcada pelo estabelecimento de dada ordem que garantia certa segurança aos cidadãos. Segurança não apenas em relação à violência, mas também à defesa de um conjunto de valores morais, visto como modelo a ser defendido.

Entretanto, em outro momento da entrevista, paradoxalmente Adão Ribeiro dos Reis também menciona as atividades de controle exercidas pela polícia no que tange aos filmes exibidos no cine Marrocos. Ao ser indagado se ele trabalhava todos os dias, respondeu que ‘não’, que ia até o cine Marrocos para revisar os filmes. E acrescentou: “[...] naquela época tinha censura; agora não. Agora você vê aí. Naquela época tinha a Polícia Federal que ia para o cinema ver. Quando tinha uma cena muito pesada nós tirava; tirava aquela cena e pregava e devolvia” (Entrevista..., 2016Entrevista de história oral. (2016). In iTemnpo, Marabá, PA.).

Seus relatos de memória sugerem a existência de uma atividade cotidiana de trabalho dentro do cine Marrocos, voltada à análise e à revisão dos filmes. Ao que parece, essa atividade era desenvolvida como uma resposta às ações de vigilância promovidas pelos órgãos de segurança encarregados de executar a censura em espaços como o cine Marrocos. Censura que, de formas distintas, tornou-se política oficial de Estado na experiência de tempo ditatorial no Brasil, conforme mostra a bibliografia especializada7 7 Ver: Fico (2004, 2002, 2001); Aquino (1999); Silva (2014); Soares (1989) e Teixeira (2010). . O cine Marrocos, segundo os relatos de memória do nosso entrevistado, também foi espaço das ações de censura praticada na ditadura militar. Como ele ressaltou, a Polícia Federal deslocava seus agentes para que eles fizessem uma vistoria sobre os filmes que eram exibidos no cine Marrocos em Marabá.

Como já relatado, a memória reconstrói, no presente, as experiências passadas e as apresenta de forma naturalizada. Por essa chave de interpretação, percebemos como Adão Ribeiro dos Reis reconstrói suas lembranças quando registra as atividades da polícia. Para ele, o cerceamento da liberdade, por meio da censura vivida no seu ambiente de trabalho, tornou-se atividade corriqueira, naturalizada e, talvez, até necessária para evitar que os filmes considerados inadequados fossem exibidos.

Os fragmentos de memória do ex-funcionário do cine Marrocos podem servir de indícios para refletirmos a complexidade que envolve trabalhar memória e patrimônio na oficina da história. Nessa perspectiva, é oportuno ressaltar que o recurso à memória e ao patrimônio exige desafios em seus usos. Desafios que apontam a necessidade de problematizarmos o patrimônio e a memória como construções históricas, destronando-os de uma leitura que, não raro, apreendem-nos como natural. Entretanto, parece que, em alguns momentos, essa problematização nem sempre se encontra presente ou não ganha a devida importância.

Desconstruir a memória e abolir o patrimônio: uma tarefa da história

Análogo a certos usos dispensados à memória, também não precisaríamos fazer muitos esforços para encontrarmos trabalhos que apreendem o patrimônio - independentemente de suas singularidades - como se fosse uma construção desprovida de intencionalidades, de interesses e de disputas políticas. O professor e historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior fez uma importante reflexão acerca de como o historiador precisa lidar com a memória. Para aquele,

O historiador nos dias de hoje não se dedica a cultuar as memórias. Sabe que deve ter com ela uma relação mediada pela problematização, pela interrogação, pelo questionamento. O historiador desfaz as memórias e as refaz usando o aparato conceitual aprendido em sua formação. As memórias são desfeitas para serem refeitas no discurso do historiador (Albuquerque Júnior, 2012Albuquerque Jr, D. M. (2012). Fazer defeitos nas memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In M. A. Gonçalves et al. (Org.),Qual o valor da História Hoje?(p. inicial e final). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 37).

Não raro, encontramos trabalhos que fazem uso da memória e do patrimônio, sobretudo de culturas historicamente reprimidas ou silenciadas, como as culturas de origens afrodescendentes, cujas análises mais enaltecem que problematizam. São usos que interpretam a memória de forma essencializada.

Compreender a memória e o patrimônio, como expressão de uma cultura entendida de maneira essencializada, não contribui para o debate. Podemos estabelecer, por analogia, uma aproximação com as reflexões promovidas por Júnia Sales Pereira (2008Pereira, J. S. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-identitária? Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-Lei 10.639. Estudos Históricos, 21(41), 2008.) ao analisar a relação entre a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e o ensino de história. Para ela, não há como supor que exista uma identidade essencializada, bem como não podemos operar com uma concepção que compreenda o patrimônio como se nele residisse alguma essência identitária dos povos representados. Como ressalta a pesquisadora em diálogo com Kwame Anthony Appiah (teórico da crítica à apropriação social da ideia de raça), a essencialização da concepção de raça, de cultura e de identidade também é perigosa ou equivocada, mesmo quando mobilizada em defesa de importantes lutas políticas.

Essas reflexões ainda precisam avançar bastante nos espaços de formação inicial do professor de história, conforme ressaltou Cristiani Bereta da Silva (2016Silva, C. B. (2016). Que memória? Que história? Usos do passado e o ensino de história a partir do presente. In J. Gonçalves (Org.),História do tempo presente: oralidade, memória, mídia(p. 117-139 ).Itajaí, SC: Casa Aberta.). O uso das memórias de povos de origens africanas e/ou afro-brasileiras, por exemplo, também precisa ser conduzido com o mesmo rigor crítico dispensado a qualquer outra fonte, seja no ensino ou na pesquisa. Não raro, presenciamos, nos debates vivenciados em sala de aula, na graduação, posições que não privilegiam a compreensão dos processos históricos sobre as populações que foram submetidas às diferentes práticas de perseguição e/ou exploração. Nessa perspectiva, Cristiani Bereta da Silva (2016Silva, C. B. (2016). Que memória? Que história? Usos do passado e o ensino de história a partir do presente. In J. Gonçalves (Org.),História do tempo presente: oralidade, memória, mídia(p. 117-139 ).Itajaí, SC: Casa Aberta., p. 129) ressalta que, “[...] numa fração de segundos, num lapso de tempo, a ênfase recai na mitificação de um ou outro personagem ou acontecimento, que fortalece certo discurso que ora vitimiza, ora heroiciza a população africana ou afrodescendente”.

O ensino de história não deve atuar como atividade compensatória de reparações a práticas discricionárias e discriminatórias de povos outrora subjugados. Não deve, por conseguinte, inverter o ângulo de percepção para interpretar as populações negras, alçando certos personagens ou eventos ao lugar de herói. Ou seja, não é trocando o herói branco pelo herói negro, nem o patrimônio representante da história oficial pelo monumento representante da história africana, que será resolvida a questão. Precisamos, digamos à exaustão, compreender os processos históricos dos fenômenos, das relações, dos personagens e dos monumentos arquitetônicos.

Essencializar o patrimônio nos usos que se presta à história e a seu ensino é negar sua historicidade. Compreender o patrimônio como se nele residisse alguma essência é ceifar seu potencial como construção histórica. Seja material ou imaterial, o patrimônio é fruto de um processo de constituição histórica. Ele é produto de uma complexa relação de poder que garantiu as condições para sua existência. Sua construção é resultante das disputas políticas entre homens, grupos culturais e instituições. Entender o patrimônio como construto político é compreendê-lo como instrumento de interesse de homens e mulheres envolvidos na luta por sua construção e manutenção. Portanto, aquele não pode ser visto como a essência de determinada cultura.

Despir o patrimônio das vestes essencialistas - independentemente de sua materialidade - é compreendê-lo como filho de seu tempo. Seja uma construção tangível ou intangível, o patrimônio é uma espécie de marca, de traços de como homens e mulheres se organizaram, lutaram e deixaram indícios no tempo sobre suas histórias.8 8 Sobre a construção histórica do patrimônio, são importantes as reflexões de Lemos (1987) ;Funari e Pelegrini e Funari (2008); Oriá (1998, 2014) e Lucini (2014). Sobre o uso do patrimônio e o ensino de história, consultar Caimi (2012); Chaves (2013); Mattozzi (2008); Pinto (2012) e Zarbato (2017). Compreendê-lo por essa perspectiva significa entendê-lo como registros temporais. Por conseguinte, implica entender suas marcas temporais grafadas pelas lutas em diferentes momentos. No discurso em defesa de determinado patrimônio, residem os traços das relações de poder, das disputas políticas tecidas em cada momento. O patrimônio constitui-se, portanto, como vestígios que testemunham, de forma fragmentária, as experiências de diferentes grupos culturais. Entender e recuperar, na análise, as disputas políticas que resultaram na construção processual do patrimônio pode permitir a sua compreensão como símbolo de luta e objeto de interesses individuais e coletivos.

Nessa perspectiva, o patrimônio pode ser entendido como vestígio das formas de habitação e das construções arquitetônicas em diferentes espaços. Tomando como exemplo o cine Marrocos, como patrimônio histórico e cultural, faz-se necessário compreendermos as condições históricas pelas quais se institucionaliza um patrimônio e entendermos seu processo de construção social. Para compreendermos seus significados como patrimônio, também é preciso obtermos informações sobre seu projeto arquitetônico, sua relação com a administração do município, a empresa responsável pela obra, a origem dos recursos financeiros e os motivos da escolha do espaço para sua edificação. Essa construção, percebida por essas lentes interpretativas como patrimônio - ou seja, como traços das ações dos homens no tempo -, pode oferecer, também, indícios sobre as formas de organização espacial. Em outras palavras, o cine Marrocos pode ser apreendido como um vestígio das ações de certos grupos políticos que se organizaram em termos de definição e construção do espaço urbano. Também pode se constituir como traços resultantes das práticas de ocupação e ordenamento do espaço.

Da mesma forma, é importante entendermos a qual público se destinava aquele empreendimento arquitetônico, apresentado por alguns relatos de memória como patrimônio cultural da cidade. São relatos que oferecem uma narrativa vestida com um manto de saudosismo e uma representação como se estivessem rememorando um tempo e um lugar onde perfilavam apenas a alegria, a harmonia e a diversão. No entanto, cabe questionar: Quem tinha acesso a desfrutar de suas instalações? A qual segmento social atendia a oferta da programação disponível naquele espaço?

É oportuno ressaltar que, entre as décadas de 1960 e 1980, Marabá era uma das poucas cidades - além da capital, Belém - onde existia sala de projeção de filmes. O cine Marrocos era, portanto, o principal lugar de encontros, trocas e sociabilidades e, por conseguinte, era também lugar de distinção social. De acordo com os relatos de memória de Adão Ribeiro dos Reis, “[...] a diversão da época era cinema. O pessoal ia para o cinema para depois ir para as festas. Era bom demais. É como eu digo, é um tempo bom que não volta mais” (Entrevista..., 2016Entrevista de história oral. (2016). In iTemnpo, Marabá, PA.).

Uma narrativa quase nostálgica emana dos relatos de memória do antigo funcionário do cine Marrocos. No entanto, nem todos podiam desfrutar daquele “[...] tempo bom que não volta mais”. Adão Ribeiro dos Reis, em outro momento da entrevista, também relata situações em que algumas crianças tentavam burlar as barreiras sociais que permitiam que uns desfrutassem do cine Marrocos e outros não.

O cinema não era para todos, portanto. O cine Marrocos também não. A ausência de transportes públicos para promover o deslocamento das pessoas que moravam em bairros mais afastados era um dos fatores que impedia alguns segmentos sociais de terem acesso às atividades desse estabelecimento. Poucas famílias que moravam em bairros distantes tinham veículos particulares para a condução, de acordo com os relatos de memória de Adão Pereira dos Reis e Raimundo Coelho9 9 Raimundo Coelho é pescador e amante do cinema. Ele é amigo de Adão Ribeiro dos Reis desde a época de fundação do cine Marrocos. Em entrevista, ele relembra que, graças à amizade do amigo que trabalhava na bilheteria, tinha acesso facilitado para assistir aos filmes e menciona os desafios de locomoção na época, pela ausência de transportes públicos. Conforme destacou, ele tinha “[...] o passe livre. Vira e mexe eu estava lá” (Entrevista..., 2016). . Por outro lado, nem todos que moravam nas imediações do cine Marrocos podiam pagar para assistir às projeções. Era, portanto, diversão, lazer, distração e entretenimento para determinado grupo social.

Entender o cine Marrocos por esse ângulo de percepção é compreendê-lo como construção histórica. Se hoje ele se encontra em estado de ‘quase’ abandono, significa dizer que os valores a ele dispensados são outros, que os interesses políticos mobilizados em nossa experiência de tempo almejam outros objetivos.

Compreender o cine Marrocos como patrimônio cultural não significa que nele resida a essência da cultura de uma época, atualmente pouco valorizada ou até mesmo ameaçada. Significa que essa construção representou, e representa, interesses políticos e sociais que, como tal, sofreram mudanças de significados no tempo. Nessa dimensão, é fundamental compreendermos que, no discurso que pleiteia reconhecer e legitimar o cine Marrocos como patrimônio cultural da cidade, residem os interesses individuais e coletivos dos atores envolvidos. Por conseguinte, esses atores interpretam que a luta em defesa desse patrimônio pode implicar mudanças nas relações de poder nas quais estão imersos e, por extensão, pode alterar a posição ocupada nas relações sociais. A luta e a defesa pelo reconhecimento dos bens culturais não são desprovidas de interesses e intencionalidades dos atores nelas envolvidos.

Não devemos, pois, compreender o cine Marrocos como representação idílica, exótica e idealizada da cultura paraense. Dessacralizar ou despir o patrimônio das vestimentas essencialistas que tentam cobri-lo é compreendê-lo como construção humana no tempo. Por esse ângulo de interpretação, o cine Marrocos pode indiciar marcas das organizações individuais e coletivas de homens e mulheres representantes de diferentes segmentos sociais. Indica, também, as atividades culturais e comerciais desenvolvidas em termos de oferta da programação oferecida, filmes exibidos e público atingindo. Ou seja, o cine Marrocos também se constitui em um espaço de práticas de socialização de uma parcela da sociedade marabaense.

Apreender o cine Marrocos como construção histórica significa compreendê-lo, também, como lugar que desfruta de uma força política que interfere no ordenamento do espaço público, não apenas durante a realização das atividades lá desenvolvidas. A organização e a manutenção desse espaço intervêm nas relações sociais, políticas e culturais da cidade e da região. De tal modo, mobiliza os poderes públicos locais para agenciar capital de força humana e financeira para garantir as condições de funcionamento desse estabelecimento. Portanto, agencia força material e pessoal, mão de obra profissional diversa e qualificada e, por conseguinte, interfere na construção das relações de trabalho ali desenvolvidas.

O cine Marrocos se fazia presente no cotidiano de parte da população por meio da programação que era oferecida e consumida no dia a dia da cidade. Segundo Adão Ribeiro dos Reis, os filmes de ação, sobretudo aqueles com enredos centrados nas lutas livres de caratê, eram os que faziam mais sucesso de bilheteria. Para ele, “[...] no interior, o povo gostava mais era de caratê, filme de ação” (Entrevista..., 2016Entrevista de história oral. (2016). In iTemnpo, Marabá, PA.). Entre os filmes do gênero, foram destaques Karatê Heroico, Sacrifício malogrado - super karatê espionagem e Verdadeiro Karatê, todos do Estúdio Ocidental Filmes do Brasil10 10 Há uma sala no primeiro andar das instalações do cine Marrocos onde se encontra amplo acervo de documentos sobre as atividades desenvolvidas. Nesse espaço foram localizados diversos cartazes dos filmes que marcaram o período de projeções do cine Marrocos, entre os quais se encontram presentes aqueles mencionados nos relatos de memória de Adão Ribeiro dos Reis. .

Como é possível perceber, o cine Marrocos mantinha uma relação estreita com o mercado cinematográfico da época. Por conseguinte, oferecia um tipo de serviço e de produto para a população da região e concorria como força que interferia na construção de hábitos de práticas culturais. De tal modo, esse estabelecimento mantinha relação estreita com as diferentes formas de viver e apreender o tempo. Nessa perspectiva, entender o Cine Marrocos como patrimônio nas relações com o tempo permite-nos dialogar com algumas reflexões do historiador francês François Hartog. Nesse sentido, podemos afirmar que o patrimônio, em toda sua polissemia de formas, sentidos e materialidades, concorre para a construção da experiência presente de nosso tempo. Seguindo essa chave interpretativa, François Hartog chama a atenção para o fato de que memória e patrimônio se constituem em vestígios e indícios para problematizar as relações com o tempo.

Considerações finais

Memória. Patrimônio. Essas palavras-conceitos denotam e demandam variadas disputas políticas e, também, expressam formas de enfrentamento com o tempo presente. Sugerem maneiras de lutas de distintos grupos nas formas de enfrentarem o poder corrosivo do tempo. Criar, instituir e legitimar um patrimônio cultural pode significar o prolongamento no tempo dos registros indiciários de parte da história dos grupos envolvidos, bem como de fragmentos de memórias das experiências humanas. No grito pela patrimonialização ou pelo direito à memória, reside também a luta contra o esquecimento.

Nesses termos, torna-se fundamental, portanto, uma reflexão que potencialize uma análise para compreendermos o processo histórico de construção, seja da memória, seja do patrimônio. O cine Marrocos Marabá, como ‘lugar de memória’ que luta para ser reconhecido como patrimônio cultural, congrega diferentes narrativas e representa parte das lutas individuais e coletivas de pessoas e/ou grupos sociais da cidade Marabá em diferentes momentos. Apreendê-lo como fonte para o ensino de história exige um esforço para não ‘essencializá-lo’ como lugar sagrado de uma época dourada. Exige um esforço para não o percebermos como um lugar representante de uma cultura idílica ou de um tempo sem lutas e disputas políticas. Cada tijolo, nele sedimentado, representa desejos, lutas, interesses e disputas. Se as memórias a que hoje temos acesso tentam vesti-lo em um manto sagrado que o representa de forma cristalizada, o ensino da história tem a função de despi-lo. Sem roupas, sem panos, sem mantos, o ensino de história precisa mostrá-lo nu, sem maquiagens, enfeites ou adornos.

Essa operação não deseja encontrar uma verdade primeira ou alguma essência que estariam encobertas em suas vestes. Ela serve para apresentá-lo como construção de homens e mulheres que tinham intenções para cada ação desenvolvida. Tal procedimento se presta a registrar e entender que o cine Marrocos - ao mesmo tempo em que promovia entretenimento e diversão - tinha interesses econômicos e políticos. Em outras palavras, faz-se necessário alargar a compreensão para entendermos homens, mulheres, memórias e patrimônios como construções históricas permeadas de sonhos, desejos, lutas, medo, força, disputas e interesses.

Ao questionarmos as intencionalidades do processo de construção do cine Marrocos Marabá, nas discussões realizadas durante a disciplina, foi pautada a importante discussão sobre o patrimônio como lugar de memória. Essas reflexões foram embaladas, sobretudo, pelas questões levantadas pelo historiador francês Pierre Nora, em seu texto ‘Entre memória e história: a problemática dos lugares’, inicialmente publicado na década de 1980, na França. Para Nora, a segunda metade do século XX presenciou um processo de consolidação dos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia. Para ele, trata-se de

[...] momento de articulação onde a consciência de ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação. O sentimento de continuidade torna-se residual aos locais (Nora, 1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. , p. 7).

Nessa perspectiva, os laços de pertencimento entre as gerações presentes e suas experiências passadas estavam estilhaçados e, por conseguinte, sua existência estava comprometida e condicionada aos locais produtores de memória. O tempo estava rachado, pois as relações que conectavam - e conectam - o momento presente e a experiência passada estavam esgarçadas. Portanto, os lugares produtores de memória se tornam o único guardião possível para garantir a sobrevivência dos registros, relatos e vestígios da própria história das mais diversas comunidades. Nesse sentido, Nora é enfático e sentencia que “[...] há locais de memória porque não há mais meios de memória” (Nora, 1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. , p. 7).

Nesse movimento, a memória passa a ‘ocupar’ o lugar da história; ao menos, esse é um dos usos pelo qual ela passa a ser acionada. Mas, como nos adverte Pierre Nora, nada assemelha uma à outra. Em suas palavras,

Longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma a outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos [...] A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivo no eterno presente; a história, uma representação do passado (Nora, 1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. , p. 9).

É nessa perspectiva que o trabalho produzido na oficina da história, como atividade intelectual, constitui-se em uma operação crítica que, ao fazer uso da memória (como fonte ou objeto), almeja destruir a representação harmônica e cristalizada, oferecida pela memória. Parafraseando o historiador Pierre Nora, a história deve sempre desconfiar da memória para destruí-la. Ou seja, a história tem por obrigação destronar a memória como lugar de representação fiel ou cópia do acontecido.

Entretanto, uma questão se levanta: De qual história se farão registros? De qual memória se ‘fará’ patrimônio? Uma questão-problema que desafia as relações de poder na nossa experiência de tempo presente e nos impele a repensar nossos questionamentos e nossas falas, reflexões e escritas. São tensões que nos provocam, sobretudo quando entendemos que nossos registros e reflexões - emitidos do lugar da ciência - podem concorrer como força nas relações de poder para criar, legitimar e consolidar certas memórias, ao passo que podem, igualmente, contribuir para silenciar outras memórias, outras histórias.

Essa reflexão é importante para desnaturalizarmos o discurso que defende a criação e a manutenção do patrimônio, justificando que, por meio dele, seria possível assegurar uma representação legítima e completa da história, outrora silenciada. Da mesma forma, precisamos duvidar da narrativa que institui o patrimônio como meio seguro de estabelecer e garantir uma relação de continuidade entre as experiências temporais. Em outras palavras, o patrimônio seria uma construção confiável para manter os devidos vínculos entre o passado e o presente. Entretanto, como ressaltou Hartog (2006Hartog, F. (2006). Tempo e Patrimônio. Varia História, 22(36), 261-273.), a nossa experiência de tempo presente, marcada pela luta desenfreada em transformar tudo em patrimônio, mostrou o contrário. O patrimônio é marcado por descontinuidade, cortes, rupturas, ausências, silenciamentos e invisibilidades. Para o autor, “[...] o patrimônio é uma maneira de viver as rupturas, de reconhecê-las e reduzi-las” (Hartog, 2006Hartog, F. (2006). Tempo e Patrimônio. Varia História, 22(36), 261-273., p. 272).

É importante ressaltar que demolir o pedestal do discurso, que apreende o patrimônio como representação essencialista da cultura, não significa negar sua importância. Pelo contrário, significa entender que o patrimônio é uma construção de homens e mulheres, ou seja, é uma invenção humana. Dessa forma, compreender os modos de sua invenção pode significar criar caminhos para ampliar seu reconhecimento e sua importância como registros, como traços das experiências de homens e mulheres. Assim, concordamos com Nora (1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. ) quando este sentencia que a história tem como missão destruir a memória, descontruir sua pretensão de ser vista como se fosse a própria experiência. Faz-se necessário cravarmos uma estaca no coração do discurso que cristaliza e essencializa a memória, mostrarmos que ela é construção humana, que resulta das lutas e interesses possíveis nas relações de poder tecidas no tempo. É preciso, pois, destruir a memória e demolir o patrimônio para apreendê-los e ressignificá-los como construção humana. A memória, assim como o patrimônio, é uma invenção humana. Entendê-los como traços, vestígios e indícios implica apreendê-los como fragmentos parciais, como documento-monumento na concepção defendida por Jacques Le Goff (1996Le Goff, J. (1996). História e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.). Nessa dimensão, enfatiza o professor e historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr. que

[...] a história tem hoje a missão de fazer defeitos nas memórias, de fazer as memórias errarem, já que a História tem uma relação diferencial e conflituosa em relação às memórias, notadamente, aquelas memórias que se tornam oficiais, monumentalizadas, cristalizadas, motivos de comemorações e efemérides (Albuquerque Jr., 2012Albuquerque Jr, D. M. (2012). Fazer defeitos nas memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In M. A. Gonçalves et al. (Org.),Qual o valor da História Hoje?(p. inicial e final). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV., p. 37).

Nessa perspectiva, não cabe ao professor/historiador enaltecer ou venerar a memória. Suas atividades necessitam desfazer os sentidos cristalizados das memórias para que estes sejam reconstruídos nas narrativas do professor em sala de aula ou na escrita do historiador. O professor, no exercício da docência, bem como o historiador na atividade da escrita, não deve se alegrar com a beleza da memória ou do patrimônio. Esse profissional, como ressaltou Albuquerque Jr. (2012Albuquerque Jr, D. M. (2012). Fazer defeitos nas memórias: para que servem o ensino e a escrita da história? In M. A. Gonçalves et al. (Org.),Qual o valor da História Hoje?(p. inicial e final). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.), sente prazer quando memória e patrimônio, embebecidos pelos sentidos cristalizados e essencializados, adoecem, passam mal e entram em crise para que, posteriormente, outros sentidos e significados sejam criados.

Referências

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  • Zarbato, J. A. M. (2017). Educação patrimonial e aprendizagem histórica: percursos epistemológicos na história ensinada. História & Ensino, 23(1), 31-55.
  • 1
    Ver: Le Goff (1996Le Goff, J. (1996). História e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.); Lemos (1987Lemos, C. A. C. (1987). O que é patrimônio histórico. São Paulo, SP: Brasiliense.); Pollack (1992Pollack, M. (1992). Memória e identidade social. Estudos Históricos, 5(10), 200-212.); Nora (1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. ); Bergson (1999Bergson, H. (1999). Matéria e memória(Paulo Neves, trad., 2a ed.). São Paulo, SP: Martins Fontes.); Oriá (1998Oriá, R. (1998). Memória e ensino de história. In C. M. F. Bittencourt (Org),O saber histórico na sala de aula(p. 128-148).São Paulo, SP: Contexto.); Abreu e Chagas (2003Abreu, R., & Chagas, M. (2003). Memória e patrimônio: ensaios complementares. Rio de Janeiro, RJ: DP&A.).
  • 2
    O trabalho de conclusão de disciplina teve como objetivo principal analisar alguns aspectos da história do cine Marrocos para se compreender a importância da memória para as reflexões sobre o patrimônio cultural em Marabá e, por conseguinte, explorar as possibilidades de uso daquele espaço como objeto de estudo para a pesquisa e o ensino de História.Quero, aqui, deixar expressos os parabéns pela realização da pesquisa e agradecer pela disponibilidade do material cedido pelos discentes para as reflexões deste artigo.
  • 3
    Sobre a produção acadêmica acerca da história oral, ver Pereira Neto, Machado e Montenegro (2007Pereira Neto, A. F., Machado, B. A., & Montenegro, A. T. (2007). História Oral no Brasil: uma análise da produção recente (1998/2008). História Oral, 10(2), 113-126.).
  • 4
    Refiro-me, aqui,à ausência da crítica aos documentos quando a memória é utilizada como fonte. De maneira mais específica, faço referência a certos modos como os relatos de memória são usados para reforçar as hipóteses previamente criadas pelo pesquisador, como se eles fossem portadores de uma verdade quase inquestionável.
  • 5
    Ver Gomes (2012Gomes, Â. C. (2012). Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente e usos do passado. Revista Brasileira de História, 32, 167-184., 2006Gomes, Â. C. (2006). Retrato falado: a Justiça do Trabalho na visão de seus magistrados. Estudos Históricos, 37, 55-80.); Figueiredo e Ferreira (2006Figueiredo, J. P. A. B., & Ferreira, M. M. (2006). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro, RJ: Editora da FGV.); Montenegro (2010Montenegro, A. T. (2010). História, metodologia, memória. São Paulo, SP: Contexto.) e Guimarães Neto (2012Guimarães Neto, R. B. (2012). Historiografia, diversidade e história oral: questões metodológicas. In L. Robson, M. Frotscher, G. R. Duarte, M. F. F. Montysuma & A. T. Montenegro. (Org.),História oral, desigualdades e diferenças(1a ed., Vol. 1, p. 15-37). Florianópolis, SC: EdUFSC.).
  • 6
    Portal de notícias Zedudu, 13 de setembro de 2016. Ainda segundo esse noticiário, Hiran Bichara também teve atuação marcante no campo da política, sendo eleito para quatro mandatos de vereador (Nota de pesar pelo falecimento de Hiran Bichara Gantus, 2018).
  • 7
    Ver: Fico (2004Fico, C. (2004). A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In A. R. Reis et al. (Org.),O golpe a ditadura militar: 40 anos depois(p. 265-275). Bauru, SP: Edusc., 2002Fico, C. (2001). Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro, RJ: Record., 2001Fico, C. (2002). Prezada censura: cartas ao regime militar. Topoi - Revista de História,(5).); Aquino (1999Aquino, M. A. (1999).Censura, imprensa, Estado autoritário (1962-1978): o exercício cotidiano da dominação e da resistência. O Estado de S. Paulo e o Movimento.); Silva (2014Silva, M. G. (2014). Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife, PE: EdUFPE.); Soares (1989Soares, G. A. D. (1989). A censura durante o regime autoritário. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 4(10).) e Teixeira (2010Teixeira, W. S. (2010). Tempos de calar: a ditadura militar e a repressão aos movimentos de educação e cultura popular. In J. Ferreira (Org.),As repúblicas no Brasil: política, sociedade e cultura(p. 197-217).Niterói, RJ: Editora da UFF.).
  • 8
    Sobre a construção histórica do patrimônio, são importantes as reflexões de Lemos (1987Lemos, C. A. C. (1987). O que é patrimônio histórico. São Paulo, SP: Brasiliense.) ;Funari e Pelegrini e Funari (2008Pelegrini, S. C. A., & Funari, P. P. A. (2008). O que é patrimônio cultural imaterial. São Paulo, SP: Brasiliense.); Oriá (1998Oriá, R. (2014). Construindo o Panteão dos Heróis Nacionais: monumentos à República, rituais cívicos e o ensino de História. Revista História Hoje, 3(6), 43-66., 2014Oriá, R. (1998). Memória e ensino de história. In C. M. F. Bittencourt (Org),O saber histórico na sala de aula(p. 128-148).São Paulo, SP: Contexto.) e Lucini (2014Lucini, M. (2014). A memória como patrimônio ou a História como prática social? Reflexões sobre práticas de memória e ensino de história na Pedagogia do Movimento Sem Terra. Revista História Hoje, 3(6), 19-41.). Sobre o uso do patrimônio e o ensino de história, consultar Caimi (2012Caimi, F. E. (2012). Pesquisando sítios arqueológicos: história e patrimônio na sala de aula. Entre Ver, 2(1).); Chaves (2013Chaves, E. O. (2013). Educação patrimonial e ensino de História. História e Ensino, 19(02).); Mattozzi (2008Mattozzi, I. (2008). Currículo de história e educação para o patrimônio. Educação em Revista, (47), 135-155.); Pinto (2012Pinto, H. (2012). Interpretação de fontes patrimoniais em educação histórica. História & Ensino, 18(1), 187-218.) e Zarbato (2017Zarbato, J. A. M. (2017). Educação patrimonial e aprendizagem histórica: percursos epistemológicos na história ensinada. História & Ensino, 23(1), 31-55.).
  • 9
    Raimundo Coelho é pescador e amante do cinema. Ele é amigo de Adão Ribeiro dos Reis desde a época de fundação do cine Marrocos. Em entrevista, ele relembra que, graças à amizade do amigo que trabalhava na bilheteria, tinha acesso facilitado para assistir aos filmes e menciona os desafios de locomoção na época, pela ausência de transportes públicos. Conforme destacou, ele tinha “[...] o passe livre. Vira e mexe eu estava lá” (Entrevista..., 2016Entrevista de história oral. (2016). In iTemnpo, Marabá, PA.).
  • 10
    Há uma sala no primeiro andar das instalações do cine Marrocos onde se encontra amplo acervo de documentos sobre as atividades desenvolvidas. Nesse espaço foram localizados diversos cartazes dos filmes que marcaram o período de projeções do cine Marrocos, entre os quais se encontram presentes aqueles mencionados nos relatos de memória de Adão Ribeiro dos Reis.
  • 14
    “No coração da história trabalha um criticismo destruidor da memória espontânea. A memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la e a repelir” (Nora, 1993Nora, P. (1993). Entre memória e história: a problemática dos lugares: projeto história. Revista do Programa de Pós-Graduação em História. , p. 9).
  • 12
    Como citar este artigo: Cavalcanti, E.Para destruir a memória e demolir o patrimônio: algumas questões sobre a história e seu ensino. (2019).Revista Brasileira de História da Educação, 19. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e074
  • 13
    Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2018
  • Aceito
    09 Maio 2019
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