Acessibilidade / Reportar erro

“Castigou corporalmente, sendo possível ouvir os gritos”: micro-história de um processo criminal (Colégio São José, 1911)

“Fue castigado corporalmente y se podían escuchar los gritos”: microhistoria de un caso criminal (Escuela São José, 1911)

Resumo

O artigo apresenta um processo criminal envolvendo menores em uma instituição escolar privada da cidade de Lajeado, no estado do Rio Grande do Sul, do ano de 1911. Ao trazermos à tona uma queixa-crime do início do século XX, buscamos compreender as possíveis representações jurídicas sobre o universo infantil vítima de abusos e de violências - simbólicas e físicas. Para tanto, opera-se com os conceitos foucaultianos de acontecimento, violência e punição, bem como com a micro-história da violência, subsidiada por horizontes metodológicos advindos respectivamente dos estudos de Ginzburg e Fausto, com a intenção de identificar, em um caso de agressão infantil, a maneira como a educação foi estruturada e dirigida em uma instituição privada de cunho confessional e os seus desdobramentos na área jurídica.

Palavras-chave:
História da Educação; violência; punição; infância

Resumen

Este artículo presenta un caso penal que involucra a menores en una institución escolar privada de la ciudad de Lajeado, en el estado de Rio Grande do Sul, en el año 1911. Al sacar a la luz una denuncia penal de principios del siglo XX, Buscamos comprender posibles representaciones jurídicas sobre niños que son víctimas de abuso y violencia - simbólica y física. Para ello, se opera con los conceptos foucaultianos de acontecimiento, violencia y castigo, así como con la microhistoria de la violencia, subsidiada por horizontes metodológicos surgidos respectivamente de los estudios de Carlo Ginzburg y Boris Fausto, con la intención de identificar, en un caso de agresión infantil, la forma en que se estructuró y dirigió la educación en una institución privada con carácter confesional y sus consecuencias en el ámbito jurídico.

Palabras clave:
Historia de la Educación; violencia; castigo; infancia

Abstract

This article presents a criminal case involving minors in a private school institution in the city of Lajeado, in the state of Rio Grande do Sul, in the year 1911. By bringing to light a criminal complaint from the beginning of the 20th century, we seek to understand possible legal representations about children who are victims of abuse and violence - symbolic and physical. To this end, it operates with the Foucauldian concepts of event, violence and punishment, as well as with the micro-history of violence, subsidized by methodological horizons arising respectively from the studies of Carlo Ginzburg and Boris Fausto, with the intention of identifying, in a case of child aggression, the way education was structured and directed in a private institution with a confessional nature and its consequences in the legal area.

Keywords:
History of Education; violence; punishment; infancy

Introdução

O contexto da Primeira República Brasileira (1890-1930) foi marcado discursivamente nas esferas social, cultural, política e econômica pelas influências do Positivismo e da Nova Escola Penal, de modo que a infância começou a ser objeto de discussões tanto nos círculos jurídicos, como pedagógicos e médicos. Nesse sentido, o país acompanhava os debates internacionais do Direito, da Educação e da Medicina, relacionando-os às novas formas de se pensar o cuidado, a escolarização e a atenção às crianças. Dito isso, o presente artigo traz à luz um Sumário Criminal1 1 O Sumário de Crime contém informações sobre a ocorrência de um crime, bem como as circunstâncias que podem afetar sua classificação e a determinação da culpa da pessoa acusada. Em certo sentido, podemos dizer que o sumário nessa área é uma preparação para o julgamento. envolvendo menores em uma instituição escolar privada confessional da cidade de Lajeado, no estado do Rio Grande do Sul, do ano de 1911. O documento se encontra disponível no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul [APERS] (1911). Nesse processo, inicialmente, foi revelado que, em 29 de outubro de 1911, o aluno Pedro Ludwig, de 11 anos na ocasião, teria acusado seu professor, chamado no processo de Irmão Carlos, de praticar atos de pederastia com outro aluno, o menor Oswaldo Eifler. Tal acusação causou indignação entre os dirigentes da instituição devido à calúnia dos supostos atos imorais cometidos pelo docente, especialmente, por ser uma instituição administrada por religiosos cristãos. Ao ter ciência do fato, o diretor da escola, João Domingos, aplicou castigos corporais no menino Pedro que anunciara a infâmia, seguindo os preceitos e costumes educativos da época. Tal prática punitiva rendeu ao diretor a acusação criminal de “lesão corporal”, conforme previa o Art. 303 do vigente Código Penal de 1890, o qual regulava à época a lei e a ordem pública2 2 Segundo a redação do Código Penal de 1890, “Art. 303. Offender physicamente alguem, produzindo-lhe dôr ou alguma lesão no corpo, embora sem derramamento de sangue: Pena - de prisão cellular por tres mezes a um anno” (Decreto nº 847, 1890). Um estudo histórico mais atento sobre o Código Penal de 1890 pode ser conferido em Alvarez, Salla e Souza, 2003. Vale ainda destacar que, no Código de 1890, a maioria dos crimes recebia a pena de prisão celular, enquanto havia também três outras formas de encarceramento, porém utilizadas de maneira limitada: reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar. .

Ao trazermos à tona essa queixa-crime do início do século XX, buscamos compreender as possíveis representações jurídicas sobre o universo infantil vítima de abusos e de violências - simbólicas e físicas. Operando analiticamente com os conceitos foucaultianos de acontecimento, violência e punição, bem como com a “micro-história da violência”, subsidiado por horizontes metodológicos advindos respectivamente dos estudos de Carlo Ginzburg e Boris Fausto, intentamos identificar, em um caso de agressão infantil, a maneira como a educação foi estruturada e dirigida em uma instituição privada de cunho religioso e os seus desdobramentos na área jurídica.

À vista disso, encontramos no campo da História da Educação, um terreno fértil para pensarmos como se transformam, do ponto de vista histórico, as percepções sobre o que é aceitável ou inaceitável em relação à disciplina e à violência contra crianças. De tal modo, que a História da Educação nos oferece uma valiosa lente para examinar as transformações nas atitudes, políticas e práticas relacionadas à violência infantil na escola. Assim, ao final deste estudo, buscaremos ratificar a hipótese de que, para entender a relação entre práticas punitivas e educacionais, devemos não apenas examinar as técnicas punitivas utilizadas historicamente, mas também identificar como essas práticas, por meio do método microanalítico, podem se adaptar e mudar ao longo do tempo, culminando, sobretudo, em transformações individuais, coletivas, sociais, culturais e legais.

Micro-história da violência: possibilidades investigativas

Iniciamos a discussão acerca da possibilidade de se tomar a “micro-história da violência” como método histórico investigativo a partir da problematização que os autores da obra Variações da micro-história no Brasil: temas, abordagens e desafios, Alexandre Karsburg e Maíra Vendramine, nos propõem: haveria tão somente uma maneira de empregar o método da micro-história? A resposta seria evidente, uma vez que “[...] assim como as pessoas, ideias migram, se espalham, são objetos de debates e se adaptam” (Karsburg & Vendramine, 2019, p. 6). Nesse sentido, os respectivos autores afirmam que, apesar de a micro-história possuir uma matriz comum, subsidiada pelos estudos dos historiadores italianos Giovanni Levi, Carlo Ginzburg e Edoardo Grendi - sendo que no Brasil foi somente na década de 1980 que o método investigativo teve influência nas pesquisas históricas a partir das traduções para o português das obras de Ginzburg -, a existência de uma variedade de temas e a multiplicidade de abordagens fazem com que a micro-história seja uma potencial ferramenta para compor o exercício narrativo do historiador.

De modo geral, o gênero historiográfico reduz a escala de observação de seus objetos na pesquisa, possibilitando de tal modo que o método microanalítico e, por consequência, os fazeres procedentes da micro-história problematize “[...] os sujeitos[,] inserindo-os em distintos contextos e relações sociais, percebendo semelhanças e, principalmente, diferenças” (Vendrame & Ceva, 2016Vendrame, M. I., & Ceva, M. (2016). A micro-história e suas contribuições teóricas e metodológicas para (re)pensar os processos migratórios. História Unisinos, 20(3), 247-248. Recuperado de: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/13476/5734
https://revistas.unisinos.br/index.php/h...
, p. 247). Essa condição pode ser melhor percebida quando, em O queijo e os vermes, Carlo Ginzburg (1989) defendeu a proposta de que analisar elementos, aparentemente, menores permitiria revelar um conjunto de informações significativas sobre a sociedade, a cultura e a mentalidade de uma dada época e sociedade. Não obstante, o uso de fontes diversas, muitas vezes fragmentadas, como registros jurídicos, autos policiais, relatos de testemunhas, entre outros, também admite (re)construir narrativas históricas. Será, então, por meio dos indícios que o pesquisador no método micro-histórico se valerá de determinado caso - cujos objetivos, aparentemente, não se limitam somente ao interior do problema - na intenção de evidenciar e conjecturar como esse específico acontecimento pode esclarecer interrogações de cariz gerais se colocado em um domínio mais global, obviamente, sem perder de vista a originalidade do objeto em análise.

Em vista disso, consideraremos a possibilidade de compreender uma determinada sociedade por meio de um caso específico, por exemplo, a partir do conjunto de fontes produzidas pelo aparato jurídico. Nessa perspectiva, tomamos como referência os estudos do historiador Boris Fausto, que percebeu a história da criminalidade e da violência como elemento-chave não apenas para interpretar os eventos criminais em si, mas também como um reflexo do processo que constrói e transforma as estruturas, as dinâmicas sociais e culturais, as conjunturas políticas e econômicas e os cotidianos por meio de distintas formas em uma determinada época. Ao abordar a história da criminalidade como parte integrante da história social, Fausto (2014) enfatizou a importância de se contextualizar os eventos criminais dentro das estruturas mais amplas da sociedade. Fausto reconheceu que os atos criminosos não são eventos isolados, mas sim fenômenos que refletem as tensões, desigualdades e transformações dentro de uma sociedade. Além disso, o autor examinou como as leis, normas e punições são moldadas por fatores externos ao problema, como, por exemplo, questões de ordens sociais, econômicas e políticas.

Sendo assim, desenvolver um método para a “micro-história da violência”, amparado nos estudos de Carlo Ginzburg e Boris Fausto, envolveria uma abordagem que conjugasse os procedimentos metodológicos desses historiadores a fim de investigar aspectos específicos e detalhados da violência e da criminalidade em um acontecimento,3 3 Importante destacar que estamos entendendo a noção de acontecimento como a capacidade de interrogar um fato, questionando-o como um acontecimento na forma de uma problematização. Em A arqueologia do saber, Michel Foucault (1986) percebe o acontecimento como uma irrupção de uma singularidade única e aguda, no lugar e no momento de sua produção. de modo a conjecturar as práticas punitivas e coercitivas não como fenômenos isolados, mas como uma dinâmica desigual e hierarquizada de poder, capaz de produzir dominação, exploração e opressão, portanto um fenômeno que emerge de uma interseção complexa de diversos fatores e contextos.

Ao adotar a perspectiva da micro-história da violência, essa possibilidade de abordagem permitiria uma compreensão mais profunda e complexa da violência, mostrando como eventos aparentemente pequenos podem ter consequências significativas e revelar insights cruciais em relação aos significados e sentidos atribuídos por diferentes indivíduos ao longo da história.

Na historiografia da Educação brasileira, podemos destacar poucos trabalhos que tiveram como principal objeto de interesse os processos-crimes e autos-civis envolvendo casos de violência, demonstrando-se, assim, que documentações jurídicas são fontes, até o momento, pouco analisadas no campo da História da Educação. Destacamos alguns estudos que podem acenar um tímido interesse nos últimos anos pela consulta a arquivos judiciários. Dentre esses, é pertinente evidenciar a originalidade com que Gabriela Moreira (2022Moreira, G. P. (2022). Joaquim Pedro de Alcantara Dourado: um infame na instrução pública (Rio Grande do Sul/século XIX) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.) abordou tais documentos em sua dissertação de mestrado - intitulada Joaquim Pedro de Alcantara Dourado: um infame na instrução pública (Rio Grande do Sul/século XIX) -, ao localizar dois processos judiciais em que o professor Joaquim Dourado foi réu por ter castigado de forma imoderada dois de seus alunos, bem como por ter se envolvido em uma suposta trama que o acusava de pedir dinheiro aos pais dos seus discípulos, de ter praticado infanticídio e pederastia, sendo condenado em ambos os processos à suspensão do Serviço Público. Somam-se, ainda, a tese de doutoramento Disciplina e castigo: normas e práticas sobre tratamento destinado às crianças e aos escravos na sociedade brasileira (Séculos XVII a XIX), de Nicole Damasceno (2020Damasceno, N. O. A. (2020). Disciplina e castigo: normas e práticas sobre tratamento destinado às crianças e aos escravos na sociedade brasileira (Séculos XVII a XIX) [Tese de Doutorado em História Social]. Universidade de São Paulo.), que se valeu de processos-crimes para entender como crianças livres e escravas foram tratadas em uma sociedade onde o castigo era vinculado à ideia de disciplina; a dissertação de Liliane Carrilho (2017Carrilho, L. (2017). A infância em processos judiciais em Belém do Pará: da criminalidade aos discursos jurídico-assistencialistas para a educação do menor desvalido (1890-1930) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Pará, Belém.), A infância em processos judiciais em Belém do Pará: da criminalidade aos discursos jurídico-assistencialistas para a educação do menor desvalido (1890-1930), que analisou os casos dos menores Joaquim Manoel da Silva de 13 anos e Manoel dos Santos com 16 anos, acusados por diferentes delitos conforme disposto nos processos judiciais; e a tese Nas malhas do judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889-1927), de autoria de Ana Cristina Bastos (2012Bastos, A. C. C. L. (2012). Nas malhas do judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889-1927) [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas. doi: https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2012.855846
https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2012....
), que buscou compreender o contextos dos órfãos pobres, por meio do exame de autos cíveis de tutoria e contrato, problematizando as intervenções das instâncias jurídicas sobre a vida desses menores na cidade de Bragança, São Paulo.

A partir desse levantamento de estudos, podemos inferir que a proposta de uma micro-história da violência pode contribuir para a elaboração de abordagens investigativas que se propõem a explorar acontecimentos envolvendo práticas de violência em períodos específicos, explorando narrativas individuais ou incidentes que, aparentemente pequenas, possibilitam a compreensão de dinâmicas mais amplas sobre o processo de violência e de criminalidade ao longo do tempo. Essa abordagem pode se concentrar tanto em eventos ou narrativas individuais de violência, como em conflitos pessoais, crimes, protestos, revoltas locais ou situações de opressão, em detrimento das análises de grandes movimentos ou de longas durações. Ao explorar não apenas o ato violento, mas também o contexto social, político, econômico e cultural que o envolve, a micro-história da violência também viabiliza o entendimento das estruturas sociais, das desigualdades, das relações de poder, dos saberes jurídicos, dos mecanismos políticos e econômicos que influenciam e são influenciados pela violência. Ademais, examina as repercussões psicológicas, sociais e culturais da prática em nível individual e coletivo, destacando como esses eventos violentos constituem os sujeitos, estabelecem normas e comportamentos sociais, bem como conformam subjetividades.

A fim de estabelecer sentidos e nexos de um caso individual ou de eventos específicos, devemos relacionar as práticas de violência com contextos históricos, culturais e sociais bem definidos. Sendo assim, antes de adentrarmos em um caso de violência que propomos para análise, discutiremos as condições e situações em que o acontecimento se deu.

Colégio São José: contexto da educação privada confessional em Lajeado, RS

No estado do Rio Grande do Sul, o processo de ocupação de parte do território foi composto, em grande medida, por imigrantes subvencionados para a criação de núcleos coloniais de pequenos proprietários, os quais, posteriormente, passaram a ser organizados, loteados e revendidos por iniciativas privadas (Gerhardt, 2015Gerhardt, M. (2015). Colonização e extrativismo. In J. C. Tedesco, & R. M. Neumann (2015). Colonos, colônias e colonizadores: aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil (Vol. IV). Letra &Vida.). No início do século XX, a partir do domínio político de bases positivistas do Partido Republicano Rio-Grandense, implementou-se uma expressiva expansão do ensino público nos maiores centros urbanos do estado. Ainda que o Estado gaúcho tenha se valido de uma proposta eminentemente positivista de construção de uma sociedade racional e urbana, em que a escola pública fosse um instrumento fundamental da política modernizadora, as práticas pedagógicas e o cotidiano escolar ainda “[...] estavam centrados na doutrina cristã, conforme o catecismo [...]” e a ética-católica (Corsetti, 2000Corsetti, B. (2000). A construção do cidadão: os conteúdos escolares nas escolas públicas do Rio Grande do Sul na Primeira República. História da Educação, 8, 175-192., pp. 176-177). Somado a isso, a “[...] hierarquia católica passou a se preocupar efetivamente por uma presença mais atuante da Igreja na sociedade e ao mesmo tempo por oferecer sua colaboração efetiva ao governo” (Azzi, 1977Azzi, R. (1977). O início da restauração católica no Brasil (1920-1930) II. Síntese, 11 (4), 73-101., p. 75), de modo que começou a investir no ensino privado e confessional - anteriormente organizado e ofertado por professores particulares. Nesse período, à medida que as cidades gaúchas experimentavam um crescimento econômico e populacional substancial, viu-se a ascensão de escolas privadas de orientação religiosa. Essas instituições, tanto em regimes de internato como externato, eram administradas e dirigidas por uma variedade de ordens religiosas e missões, compostas por religiosos e docentes leigos, frequentemente provenientes da Europa, sobretudo, da Alemanha, Itália, França e Portugal.

Situada a cerca de 113 km da capital, Porto Alegre, a cidade de Lajeado teve sua colonização iniciada no ano de 1853 a partir do estabelecimento da Colônia Conventos, fundada por Antônio Fialho de Vargas (1818-1895)4 4 Antônio Fialho de Vargas era filho de imigrantes açorianos e teria, a partir da sociedade na empresa Baptista, Fialho & Cia., adquirido um significativo lote na região para “[...] receber colonos de origem germânica vindos da Europa e colonos descendentes destes oriundos das antigas colônias” (Gregory, 2019, p. 100). . No ano de 1875, Lajeado foi elevada à categoria de sede distrital, sendo que em 1881 foi declarada como Freguesia e posteriormente, em 1891, ao se desmembrar do município de Estrela, foi elevada à Vila com a denominação de Lajeado, administrada inicialmente por Frederico Henrique Jaeger. Colonizada, preponderantemente, por imigrantes alemães e italianos, a cidade de Lajeado organizou seu processo de constituição por meio de um conjunto de tradições e hábitos em que se destacam a devoção cristã - fundamentada por católicos e evangélicos -, a base econômica na policultura e na pequena propriedade familiar, bem como o desenvolvimento de redes de sociabilidades por meio de salões, paróquias e sociedades. Fosse por intermédio da conservação da língua pátria, ou pela criação de associações e escolas, a região “[...] não formava um grupo homogêneo [...]”, pois “[...] era constituída de identidades regionais específicas através do processo de organização dos núcleos coloniais” (Weizenmann, 2020Weizenmann, T. (2020). Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado, Rio Grande do Sul (1939-1943). Revista Brasileira de História da Educação, 20, 1-24. doi: http://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e127
http://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e12...
, p. 3).

Nesse processo, a escolarização na Vila Lajeado também ocorreu com a contribuição da Igreja Católica, como se sucedeu em diferentes regiões do Brasil, em que “[...] através de Congregações religiosas masculinas ou femininas, que se ocupavam com a educação, a Igreja penetrou pelas pequenas vilas [...], assumindo importante papel na tarefa de levar a instrução e a formação cristã às crianças e aos jovens” (Silva, 2004Silva, W. A. (2004). A formação de “bons cristãos e virtuosos cidadãos” na Princesa do Sertão: o Colégio Marista Diocesano de Uberaba (1903-1916) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal de Uberlândia., p. 1). Segundo Patrick Ferreira (2016Ferreira, P. V. (2016). Panorama histórico: desenvolvimento da Educação Básica Privada no Brasil. Cadernos de Educação, 31(15), 23-38.), o surgimento do Ensino Privado no país fora concomitante com a história da escola confessional. Essa observação, de certo modo, contribui significativamente para pensarmos o contexto educacional da região, uma vez que há uma lacuna historiográfica no campo da História da Educação gaúcha sobre a região do Alto do Taquary5 5 Até o momento, poucos foram os estudos no campo da História da Educação operacionalizados na Região do Alto do Taquari. Ainda que em temporalidade distinta da presente análise, cabe destacar a publicação de Weizenmann (2020). . As poucas publicações existentes são frutos do trabalho de historiadores diletantes, como, por exemplo, o Prof. José Alfredo Schierholt, que, por meio de livros e blog, tem apresentado as memórias das regiões do Vale Taquari e da antiga Colônia de São Leopoldo. De acordo com Schierholt (2012), o Colégio São José foi uma instituição escolar, inicialmente, de Primeiras Letras, mantida pela Paróquia São Inácio, sob a administração dos Irmãos Maristas que haviam visitado a região em 1907, quando se estabeleceram e iniciaram a construção do Colégio6 6 Sobre o projeto educacional da Congregação Marista, sugere-se Gildo Cotta (1996) e Pedro Reis Coutinho (2000). . No dia 16 de fevereiro de 1908, o semanário O Alto Taquary noticiou em língua alemã a inauguração do Colégio São José dos Irmãos Maristas, como podemos visualizar na imagem 1.

Figura 1
Notícia em alemão da inauguração do Colégio São José

O anúncio apresentava uma bênção, seguida do comunicado de que a escola seria inaugurada, dispondo das seguintes disciplinas: Religião, Alemão, Português, Aritmética, Geometria, Geografia, História Natural, Caligrafia, Desenho e Canto.

Seguido ao anúncio veiculado no semanário da região, a escola foi inaugurada no dia 24 de fevereiro de 1908, após “[...] cerimônia da bênção do estabelecimento pelo reverendo vigário Gasper, o mesmo sacerdote declarou inaugurado o colégio, saudando a data comemorativa da proclamação da Constituição federal, para a qual teve elogiosas referências” (O Alto Taquary, 1 de março apud Schierholt, 2012Schierholt, J. A. (2012). Há 100 anos do início das Aulas no Colégio São José. In J. A. Schierholt. Abrindo o baú. Recuperado de: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
https://abrindobaudoschierholt.blogspot....
). Sob a direção do padre João Domingos, as aulas iniciaram em 1º de março de 1908. De acordo com Schierholt (2012), já no primeiro ano de criação da instituição, 80 alunos haviam sido matriculados, dos quais 20 se encontravam em regime de internato juntamente com quatro irmãos Maristas e outros professores, como, por exemplo, Jean Dominici, Marie Firmat, Leon Corsini e François Nobert, que vieram da Alemanha e iniciaram as atividades educacionais com o curso primário no Colégio São José. À mesma data foi publicado, também em alemão, no periódico O Alto Taquary, as informações necessárias para os pais que desejassem matricular seus filhos na instituição escolar privada:

A pensão é de 25$000 e paga-se adiantadamente. Cada pensionista pagará cada ano 5$000 para uso de cama, lavatório, etc. As despesas de médico, botica, livros, lavagem de roupa e qualquer outra extraordinária ficam por conta do aluno. Entrando no Colégio deve trazer os seguintes objetos: 2 casacos, 2 pares de calças, 1 par de sapatos ou botinas, 1 de chinelos, 2 pares de meias, 1 colchão, 1 colcha, 1 cobertor, 4 lençóis, 6 toalhas de mão, 6 lenços, 6 camisas, 4 ceroulas, 1 pente, escova de roupa, e escova de sapatos.

Os alunos externos pagam no 1º curso 3$000 de mensalidade e no 2º curso 5$000 (O Alto Taquary, 1908, 1 de março apud Schierholt, 2012Schierholt, J. A. (2012). Há 100 anos do início das Aulas no Colégio São José. In J. A. Schierholt. Abrindo o baú. Recuperado de: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
https://abrindobaudoschierholt.blogspot....
).

Na região já funcionava, desde o ano de 1897, uma instituição direcionada para o ensino de meninas, qual seja o Colégio Sant’Ana, de modo que o Colégio São José seria uma escola confessional estritamente para meninos, cuja finalidade seria “[...] formar lideranças fortes e capazes” (Schierholt, 2012Schierholt, J. A. (2012). Há 100 anos do início das Aulas no Colégio São José. In J. A. Schierholt. Abrindo o baú. Recuperado de: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
https://abrindobaudoschierholt.blogspot....
). A instituição somente encerrou suas atividades no ano de 1968.

De acordo com Schierholt (2012Schierholt, J. A. (2012). Há 100 anos do início das Aulas no Colégio São José. In J. A. Schierholt. Abrindo o baú. Recuperado de: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
https://abrindobaudoschierholt.blogspot....
)7 7 Ao visitarmos o blog Abrindo o baú, encontramos uma homenagem que José Alfredo Schierholt teceu acerca do irmão marista João Domingos. Nele há série de informações relevantes que não somente possibilitaram a ampliação da pesquisa, como foi possível compor algumas trajetórias do padre marista na construção e administração de escolas privadas confessionais no estado do Rio Grande do Sul. Veja o site: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/2011/11/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_28.html. , os dados biográficos de João Domingos nunca foram antes divulgados no Vale do Taquari (região em que se localiza a cidade de Lajeado). Sabe-se, no entanto, que o primeiro diretor do colégio marista São José em Lajeado possuía como nome de batismo Johann Fattler e como registro civil Irmão Jean-Dominici. O fato é que a chegada dele e de outros dois missionários, Weibert e Marie Berthaire, ao Rio Grande do Sul, no ano de 1900, atendia ao pedido do bispo Dom Cláudio José Gonçalves Ponce de Leon, o qual tinha como objetivo expandir e qualificar a educação no estado por meio da instalação de escolas católicas. Abaixo segue a imagem 2 dos três irmãos maristas fundadores de importantes instituições escolares no sul do Brasil, acompanhados de crianças escolares.

Figura 2
Registro do início do século XX, os sacerdotes são, da esquerda para direita, os irmãos Marie Berthaire, Wibert e Jean Dominici (João Domingos)

Após serem recebidos em Porto Alegre pelo bispo Ponce de Leão, os padres foram encaminhados a Bom Princípio, onde iniciaram as obras Maristas no Brasil. A primeira instituição escolar fundada foi a Escola Paroquial de Bom Princípio, ainda no ano de 1900. Na sequência, o irmão Domingos dirige a fundação do Colégio São Luís na Vila de Santa Cruz, em 1903. E, em Lajeado, no ano de 1907, o irmão marista, sob a organização e liderança de padres jesuítas, iniciou o mutirão para a construção do Colégio São José, cuja fundação, como já vimos, se deu em 1908.

Avançado em nosso estudo, apresentaremos um caso, a princípio, particular que ocorreu no Colégio São José no ano de 1911 envolvendo, além da prática de violência, outros possíveis mecanismos punitivos do diretor João Domingos contra o aluno Pedro Ludwig, à época com 11 anos. Como veremos, o acontecimento foi reverberado por falsas denúncias, exames médicos, intimações, acareações e julgamento popular, constituindo-se como um peculiar e original objeto de investigação no campo da História da Educação.

“Em uma sala reservada interrogar a 17 alumnos e os irmãos Mario e Carlos”: desdobramentos de um processo criminal envolvendo agressão a um menor

As escolas de caráter confessional, portanto, associadas a uma religião específica, historicamente apresentaram uma variedade de abordagens educacionais. Sendo conhecidas por serem bastante rígidas conforme sua época, cultura e crenças predominantes. Ao enfatizarem uma disciplina rigorosa como parte fundamental na formação das crianças, algumas dessas instituições incluíam regras exigentes e austeras, inserindo punições severas por infrações e uma abordagem mais autoritária por parte dos professores, diretores e administradores. Obviamente, essas instituições tinham ênfase na transmissão de valores e ensinamentos religiosos aos alunos como parte integrante do seu processo educativo, de modo que isso poderia significar a existência de exageros na manutenção da moralidade, ética e do comportamento considerado adequado pela religião em questão. Igualmente, podemos considerar a busca por altos padrões de aprendizagens e a edificação dos valores religiosos, também como passiveis de serem controlados por meio da incitação constante ao medo do castigo e da punição.

O que queremos demonstrar neste estudo não é um posicionamento ou julgamento diante das práticas educacionais e disciplinadoras desenvolvidas em uma específica instituição escolar analisada, mas se trata, sobretudo, de compreender historicamente as possíveis representações jurídicas em relação ao universo infantil vítima de abusos e de violências ocorridas em um espaço escolarizado. Dessa forma, identificamos em um Sumário Crime um conjunto de depoimentos, de acusações, de defesas, de laudo médico entre outros documentos juntados que descrevem com muita precisão como uma difamação pueril - que foi severamente punida pelo diretor da instituição em que o denunciante estudava - foi à júri popular, causando a organização de todo um aparato do Ministério Público em defesa da criança agredida, exigindo do agressor o cumprimento das penas cabíveis ao crime.

O processo analisado possui ao todo 146 páginas (88 folhas) organizadas em fólio único, indicando no canto superior direito o número da folha, porém nem sempre sistematizados na ordem cronológica dos acontecimentos, todas as páginas manuscritas à caneta tinteira, amareladas e parcialmente corroídas pelo tempo e manuseio. O Summario crime foi promovido pelo Ministério Público contra o irmão marista João Domingos a partir da queixa dada por Nicloau Ludwig à Delegacia de Polícia do 1º Distrito de Porto Alegre no dia 1º de novembro de 1911. Como consta nos autos assinado pelo Delegado a posto:

Tendo-me apresentado Nicolau Ludwig, residente na rua Marechal Floriano, nº 35, queixando-se de que no Collegio S. José, da villa do Lageado, soffrera de um dos diretores desse estabelecimento brutal espancamento por motivo frívolo o menor seu filho Pedro, de onze amnos de edade, alumno interno do mesmo estabelecimento, mandei submetter esse menor a corpo de delito e fiz tomar por termo as suas declarações (APERS, 1911).

O exame de corpo de delito, também realizado no dia 1º de novembro de 1911 no Gabinete Médico Legal da Chefatura de Polícia tinha, à época, a obrigação de responder a uma série de questionamentos. O laudo realizado pelos médicos aponta

Que apresenta em toda a extensão da região glutea, de um e outro largo, suffusões sanguineas de côr amarelo-siblacea, acompoanhadas de eschymoses da mesma coloração, assetadas na face posterior e externa das côxas, em seus dois terços superiores, de forma dongadas e dirigidas de cima para baixo e da esquerda para a direita, havendo côr á pressão e ligeira tumefacção nos pontos suffusados da região glutea (APERS, 1911).

A perícia médica registrou ofensa física, portanto, uma lesão corporal capaz de produzir dores no paciente, embora sem derramamento de sangue. No que se refere ao instrumento utilizado para a agressão, os médicos laudaram se tratar de “[...] instrumento contundente de fórma alongada”. Por fim, o registro de corpo de delito indicou que o paciente estava inabilitado “[...] por dois a quatro dias [...]”, embora “[...] pela edade que apresenta não tenha profissão activa, ficam suas funções escolares impedidas durante aquelle prazo, por ter ficado impossibilitado de sentar-se devido a intensidade e extensão das suffusões sanguineas da região glútea [...]”, sendo que o dano material causado foi avaliado em trinta mil réis (APERS, 1911).

Dois dias após a realização do exame, o menor Pedro Ludwig retornou à Delegacia de Polícia para prestar a declaração sobre o ocorrido. Menino de pele branca, com onze anos, residente na capital, declarou que há, aproximadamente, um ano e meio residia como aluno interno do Colégio São José na Vila Lageado, uma instituição dirigida por irmãos maristas, para onde foi enviado por seu pai seguindo os conselhos do médico que o tratava, pois seria “[...] necessário os ares de fora da capital”. Pedro dissera na declaração que suas notas de comportamento foram sempre boas, como poderia ser demonstrado na sua caderneta. E que, nos exames do ano anterior, havia ficado em primeiro lugar; inclusive, ganhou “[...] como premio a medalha de honra”. Porém, “[...] no dia vinte e nove do mês próximo passado [29 de outubro de 1911] [...]”, um domingo, enquanto tomava banho no rio, dois outros meninos teriam afirmado que o “Bruder [irmão em língua alemã] Carlos, professor do declarante, praticava com estes actos de pederastia”. Acrescentando em sua narrativa que, após o “[...] banho [no rio], quando já de regresso no collegio, aquelles dois alumnos foram dizer áquelle professor que fora o delatante que se gabára de que praticava em aquelle, actos de pederastia”. Todavia, quando o diretor do colégio soube da calúnia, o chamou à sua presença, e, sem que este pudesse explicar a acusação, sem ao menos “[...] dirigir-lhe uma só pergunta que fosse, atirou-o de bruços sobre sua cama e ahi [...] um outro irmão cozinheiro [...] o jungia [dominava] á cama seguro pelos braços [...]” para que o “[...] director Domingos, com uma vara de marmello ou semelhante, rusgastava-lhe cruelmente o dorso”. Após as agressões, o religioso Domingos ter-lhe-ia “[...] imposto o supplicio da fome [...]”9 9 Interessante a perspectiva assinalada pelo Doutor Moncorvo filho (1926) em relação à falta de assistência aos infantis e aos descuidos dos institutos de proteção aos menores. De acordo com o autor: “[...] O asylo, tal qual o concebiam os antigos, era uma casa na qual encafurnavam dezenas de creanças de 7 a 8 annos em diante nem sempre livres de uma promiscuidade prejudicial, educadas no carrancismo de uma instrucção quase exclusivamente religiosa, vivendo sem o menor preceito de hygiene, muitas vezes atrofiadas pela falta de ar e de luz sufficientes, via de regra pessimamente alimentadas, sujeitas, não raro, à qualquer leve falta, a ‘castigos bárbaros dos quaes o mais suave era o supplicio da fome e da sede’, pois, tudo isso dos princípios scientificos e sociaes que devem presidir a manutenção das casas de caridade, recolhimentos, patronatos, orfanatos, etc., sendo, conseguintemente os asylos nessas condições instituições condemnaveis” (Moncorvo Filho, 1926, p. 134, grifo nosso). , bem como o de “[...] sujeital-o á pena de escrever mil linhas”. O castigo continuou com a interdição de sua fala durante o “[...] resto do domingo e todo o dia seguinte (de segunda-feira) até ás seis horas da manhã [...]” quando o menino embarcou no “[...] vapor Boavista para a capital [...]”, sem “[...] qualquer alimentação”. Em tempo, ainda afirmou ter sido obrigado pelo Bruder Prefeito a “[...] pedir perdão ao diretor [...]” pelas calúnias que teria inventado (APERS, 1911).

Após ter sido remetido pela chefatura de Polícia de Porto Alegre o auto de corpo de delito e as declarações para o Delegado de Lajeado, a polícia local iniciou as investigações. De imediato se lançou ao colégio e “[...] ali em uma sala reservada interroguei a 17 alumnos e os irmãos Mario e Carlos”. A averiguação realizada pelo Delegado identificou discursos muito similares, com poucas variações da narrativa empreendida anteriormente por Pedro Ludwig. Em fala comum, os meninos indicaram que “[...] achando-se todos os alumnos a jogarem Foot-Ball na praça publica [...]”, momento em que “Pedro Ludwig debicou [referente a zombar] a Oswaldo Eifler referindo-se ao caso que contara aos alumnos sobre o Irmão Carlos, Oswaldo então foi queixar-se [...]” ao Bruder Prefeito. Após os irmãos realizarem conferência, chamaram Pedro ao Colégio. O menino, ao chegar na escola, foi recebido pelo Irmão João Domingos, que o “[...] castigou corporalmente sendo possível ouvir os gritos de Pedro”. Quanto ao “[...] supplicio da fome [...]”, enquanto alguns alunos atestavam que “[...] foi fornecido comida a Pedro [...]”, outros afirmavam que “Ludwig não tinha licença de ir as refeições junto com os alumnos, porém, depois que estes se retiravam do refeitório, era Pedro chamado e lhe fornecido alimentação [...]” ou que diziam ter visto “Ludwig comer pão com schimier [geleia] no dia trinta passado”. Já os declarantes Oswaldo Eifler e Alfredo Petersen, com 12 e 11 anos respectivamente, indicaram estarem presentes no colégio naquele momento e sustentaram que “[...] depois de ter o Director verificado que Pedro de facto tinha espalhado essa conversa imoral pegou em uma palmatoria e deu oito bollos em cada uma das mãos de Pedro [...]”, na sequência, à pedido de João Domingos, após solicitar que “[...] o declarante [Oswaldo Eifler] e [Alfredo] Petersen se retirarem, o Director deu uma surra em Pedro e fez ele escrever mil linhas” (APPERS, 1911). Já as declarações dos irmãos Paulo Mario e Carlos Leising nada contribuíram em relação ao castigo, somente acordavam que Pedro havia sido alimentado.

Com base nessa acareação e nos laudos que apontaram “castigos physicos”, o Ministério Público, no dia 20 de novembro de 1911, ofereceu denúncia a João Domingos na sanção do Art. 303 do Código Penal (APERS, 1911).

Após terem sido cumpridos os autos, as testemunhas e o denunciado foram notificados e convocados a comparecem à Delegacia, e, no dia 24 de novembro daquele ano, foi realizado o Termo de Audiência dos Autos Secretos, que se deu à revelia do réu João Domingos (sem a presença do denunciado por ter ignorado a notificação de comparecimento). Nessa ocasião todas as testemunhas foram interpeladas sobre os ocorridos nos dias 29 e 30 de outubro de 1911 nas dependências e no entorno do Colégio São José. Após concluída a fase de depoimentos, foi designada, para o dia 27 de novembro de 1911, a audiência dos atos públicos com a presença das partes. Seguido dos certificados de intimação anexos ao Summario crime, ocorreu a transcrição do Termo de Audiência da Fase Pública, em que compareceram João Domingos representado pelo seu procurador Frederico Schardong Filho. O relatório foi concluído, indicando a continuidade do Summario crime em virtude do exame de corpo de delito e pela confissão feita pelo réu. Nesse sentido o Promotor Público ajuizou o denunciado no artigo 303 do Código Penal da República, sendo que tal crime é “[...] sujeito à prisão e livramento na forma ordinária”. Todavia, “[...] sendo o crime afiançável, arbitro em 300$000 (trezentos mil réis) o valor da fiança que poderá o réu prestar, si quiser conservar-se solto” (APERS, 1911).

Foram juntados ao Sumário os termos de sentença, bem como um registro produzido pelo defensor do réu que indicava que o irmão João Domingos não mais residia na Villa Lageado, mas que prestaria fiança designada de 300 mil réis. Após o Termo de fiança definitiva, escrito no dia 1º de dezembro de 1911, foi lavrado em cartório o pagamento da fiança “[...] para-se [João Domingos] livrar solto, pelo crime de ferimentos leves”. Uma guia de Depósitos Judiciais foi anexada ao processo. Já no dia 7 de dezembro de 1911, o promotor assinou um Libelo10 10 De acordo com o Glossário do Conselho Nacional do Ministério Público, libelo significa a “[...] exposição articulada por escrito em que a pessoa, expondo a questão que se objetiva e as razões jurídicas em que se funda, vem perante a justiça pedir o reconhecimento de seu direito, iniciando a demanda contra outrem; petição inicial” (Libelo..., 2023). indicando que João Domingos espancou intencionalmente o menor Pedro Ludwig e que as lesões causadas impossibilitaram o menor de exercer seus estudos por “algum tempo”, com o agravante de que “[...] cometera o crime contra seu próprio discípulo”. Sendo nesses termos, “[...] pediu-se a condenação do réu [...]” por “[...] agressão constando no Art. 39 do Código Penal acrescido do agravante do Art. 39, §5º e 9º do mesmo Código”. Por fim, decretava que fosse a julgamento público e que se convocasse novamente o rol de testemunhas (APERS, 1911). O advogado Frederico Schardong Filho, por meio de procuração, acrescentou ao Libelo Crime Acusatório um auto de contrariedade composto por quatro peças em que transcreve o depoimento do réu Irmão João Domingos:

Que no dia 29 de Outubro do presente ano, chegou ao seu conhecimento que o alumno interno menor Pedro Ludwig, caluniou o seu professor Bruder Carlos e o aluno Oswaldo Eifler, contando para diversos alumnos que estes dois practivam actos um com o outro, o supp.te certificando e desenferindo a realidade desta calumnia, aplicou na victima o castigo pelo qual foi demnunciado.

Que a victima não ficou inhabilitada de seu serviço Primario, embora consta no auto Corpo de Delicto, porque no dia seguinte continuou a frequentar a sua aula e seu professor applicou-lhe mais o castigo de escrever mil linhas, e no dia 31 do mesmo mês de Outubro fez a viagem longa desta Villa a Cidade de Porto Alegre.

Que, pelo crime que cometeu, somente pudia ser processado por ação privada estipulada no Art. 4º letra e) do código do Processo Penal do Estado e não por ação pública.11 11 O Art. 4º do Código Penal do Estado do Rio Grande do Sul prevê em seu texto: “A acção privada pertence em todos os crimes e contravenções: [...] e) ao tutor ou curador” (Rio Grande do Sul, 1898, p. 2).

Nestes termos pede-se a absolvição do Réo, que offerece a presente Contrariedade e que espera seja recebida e afinal julgada approvada (APERS, 1911).

A contrariedade foi recebida e analisada, todavia foi ratificada a decisão, mantendo a seção de se realizar o Juri público no dia e hora anteriormente marcada pelo juiz. O encerramento e os desfechos desse processo serão analisados na sequência, ao propormos a continuidade de uma descritiva-analítica sobre a ritualística e o aparato elaborado para o júri popular instaurado para julgar o irmão João Domingos sobre o crime de violência.

considerações finais

Foi no final do século XIX que a violência ganhou novos contornos na historiografia (Silva & Silva, 2022Silva, K. V., & Silva, M. H. (2022). Dicionário de conceitos históricos (3a ed.). Contexto.). Quando Michel Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes.), em sua obra Vigiar e punir, analisou a transformação da violência, como forma de punição legal à criminalidade na Europa Moderna, observou que nos sistemas punitivos a violência física, que inicialmente prevalecia, foi se modificando ao longo do tempo, passando a se tornar um mecanismo de disciplinamento do comportamento e dos corpos, agora, nem sempre, com a necessidade da agressão física. Distinto da Idade Média em que os crimes eram punidos por meio de suplícios públicos e torturas, que serviam como um aviso para a sociedade, ao final do Período Moderno, tais práticas foram progressivamente sendo substituídas por punições em prisões, onde tanto o comportamento quanto o corpo dos criminosos eram controlados. Dessa forma, Foucault percebeu a violência como um meio de compreender as mudanças estratégicas no controle social em diferentes sociedades, explorando a função política das punições e suas transformações ao longo da história. Portanto, para Foucault (1987), a violência não é um conceito capaz de explicar o funcionamento da vida, mas sim o resultado visível da ação de destruição do outro.

Retornando ao processo, conforme as notificações enviadas, o julgamento teve início às 10h do dia 22 de dezembro de 1911. A seção foi instaurada a partir do termo de abertura que destacou que os quinze jurados possuíam seus nomes inscritos nas células. Na sequência o Sumário Crime descreveu o termo de chamada das partes e das testemunhas, seguido de uma declaração que certificava o Porteiro do Tribunal do Jury ter fixado à porta da Intendência Municipal de Lageado e, em voz alta, declarado:

A Justiça por seu Promotor como Autora, o réo afiansado João Domingos acompanhado de seu defensor e advogado Francisco Schardong Filho e as testemunhas Helmuth Fett, Licinio Rocha, Oscar Wilbbing, deixando de comparecer as demais, dou fé e para constar passei a presente que assino (APERS, 1911).

Prosseguiu-se com a garantia de que as testemunhas se encontravam recolhidas em salas separadas, onde não pudessem ouvir os debates nem as respostas dadas pelas outras. Às portas abertas, a seção foi iniciada, após o toque da campainha realizado pelo oficial de justiça. O Presidente do Tribunal do Jury verificou as cédulas com o nome dos quinze jurados e sorteou os cinco Juízes de facto. Após, levantou-se e deferiu o compromisso aos cinco juízes, mencionados no termo retro, sendo que o primeiro deles teve que, em voz alta, anunciar: “‘Prometto sob minha honra pronunciar-me bem e sinceramente nesta causa e proferir o meu voto, segundo minha convicção e os dictames da Justiça’ [...]” e depois dizendo sucessivamente os outros juízes de facto, em alta voz: “‘Assim o prometo’” (APERS, 1911, grifo do autor). O Presidente do Tribunal iniciou o interrogatório do réu, que afirmava se achar “livre de toda e qualquer coação”, por meio do seguinte protocolo: qual seu nome, idade, estado, naturalidade, residente e tempo no lugar que designar? “João Domingos, com 37 anos de idade, solteiro, natural da Alemanha, residente neste mesmo município há quatro anos”. Quais são os seus meios de vida e profissão? “Ser professor”. Onde estava ao tempo em que se diz aconteceu o crime? “Estava aqui na Villa do Lageado”. Conhece as pessoas que depuseram contra e desde quanto tempo? “Conhece há algum tempo”. Tem algum motivo particular a que atribua a denúncia? “Não tem”. Tem fatos a alegar ou provas que justifiquem a sua inocência? “Tem, que seu advogado apresentará” (APERS, 1911).

Aqui chamamos a atenção para o fato de, apesar da legislação processual republicana ter implementado avanços inquestionáveis - uma vez que ampliou as possibilidades de defesa dos acusados nos crimes comuns, bem como restringiu as formas de prisão -, a oralidade do julgamento ainda vigorava nos debates plenários diante do júri. Todavia, o processo escrito era o que dominava todo o procedimento preliminar do inquérito policial.

Prosseguiu-se, após o termo de acusação, a arguição do advogado do réu, a fim de defendê-lo da incriminação. Assim, foi “[...] desenvolvida a defesa, mostrando a lei e provas e fundamentando-se em razões de facto e de direito, que sustentavam a imnocencia do réo” (APERS, 1911). Na sequência foram formulados os Quesitos,12 12 A fase da “quesitação” pode ser entendida como um instrumento jurídico, cuja principal finalidade era extração adequada da decisão dos jurados, uma vez que o julgamento era caracterizado pelo sigilo. Tratar-se-ia da fase de um julgamento, em que os jurados teriam a necessária convicção e segurança para suas individuais escolhas das respostas. composto por um conjunto de cinco perguntas:

I.

O réu João Domingoss no dia 29 de Outubro neste amno, á tarde, no Collegio S. José, nesta Villa, com uma vara, fez no menor Pedro Ludwig as lesões corporaes descritas no Auto de corpo de delito?

II.

Essas lesões impossibilitaram o ofendido de se ocupar do seu trabalho ordinário por algum tempo?

III.

O réo cometeu o crime com superioridade em força, de modo que o ofendido não poderia se defender, com possibilidade de impedir a ofensa?

IV.

O réo cometeu o crime contra discípulo seu?

V.

Há circunstâncias atenuantes a favor do réo? Quais são? (APERS, 1911).

Terminado o debate, o Presidente do Tribunal do Jury fez o resumo deste e perguntou aos juízes de facto se desejavam aprofundar ou interrogar alguma colocação, tendo os cinco juízes declarado que se “[...] achavam suficientemente esclarecidos na presente causa e que desistiam de examinar algum ponto [...]” dela. Então, os juízes de facto, na presença de todos e em voz alta, responderam aos Quesitos:

“Ao primeiro quesito” responderam sim por unanimidade de votos, o réo João Domingos, no dia 29 de Outubro, deste anno, á tarde no Collegio S. José, nesta Villa, com uma vara fez no menor Pedro Ludwig as lesões corporaes descritas no auto de corpo delito.

“Ao segundo quesito” responderam não por unanimidade de votos, não ter essas lesões não lhe impossibilitaria ao ofendido de se ocupar de seu trabalho ordinário por algum tempo (APERS, 1911, grifo do autor).

Desse modo, o Presidente do Jury declarou prejudicados os outros três quesitos, anunciando que a decisão desclassificava o crime de ação pública, absolvendo o réu da acusação que foi intentada, mandando que se desse baixa na culpa e lhe restituindo metade do valor pago pela fiança (APERS, 1911).

O processo de Sumário Crime finda com a intimação a Nicolau Ludwig, pai do menor agredido por João Domingos, indicando que a queixa poderia ser aberta na esfera privada às custas do denunciante. Podemos concluir, a partir da absolvição do réu, que a violência sobre os infantis era uma prática socialmente rejeitada à época e invalidada pelo regime jurídico republicano. Todavia, a ausência de mecanismos jurídicos mais específicos para combater a violência e os maus-tratos contra os infantis implicou o indulto do réu, ao ser julgado em uma legislação que somente pensava o crime envolvendo adultos que trabalhassem, o que não era o caso do menino Pedro. Tal entendimento jurídico só iria mudar no ano de 1927, a partir do Decreto 17.943-A, conhecido também pelo nome do jurista idealizador, Código Mello Mattos. Disposto de 231 artigos, quase que exclusivamente para tratar o controle da infância abandonada e delinquente, o código foi o primeiro ordenamento jurídico a dar um tratamento mais humanizado e sistemático às crianças e aos adolescentes, inclusive, prevendo a intervenção do Estado nos casos de violência, maus-tratos e crimes contra os infantis.

A partir das análises que foram aqui empreendidas, subsidiadas por uma micro-história da violência contra os infantis, podemos conjecturar a existência de uma relação entre a educação de crianças e as práticas punitivas e corretivas como sendo uma possível constante ao longo da história. Compreender esse encadeamento envolve, sobretudo, examinar como diferentes sociedades e culturas abordaram a disciplina e a educação dos sujeitos infantis ao longo do tempo. Não obstante, as práticas punitivas, como castigos físicos severos, eram comuns no processo de educabilidade das crianças, uma vez que a crença de que a disciplina rigorosa moldaria o comportamento das crianças era prevalente em várias culturas. Tanto que escolas e instituições educativas muitas vezes empregavam métodos de punição física, como palmatoadas, surras ou outras formas de castigo corporal, para corrigir o comportamento infantil inadequado.

Como vimos, o aparato jurídico13 13 Um melhor empreendimento analítico acerca do aparato jurídico assistencial aos menores pode ser consultado em Rizzini (2011), especialmente no terceiro capítulo, “Por uma reforma civilizadora no Brasil: a essência das ideias no âmbito da Justiça”. do acontecimento estava regido pelo Código Penal de 1890 - sucessor do Código Imperial -, no qual, de acordo com Alvarez et al. (2003Alvarez, M. C., Salla, F. A., & Souza, L. A. F. (2003). A sociedade e a lei: o Código Penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira República. Justiça & História, 6(3), 97-130., pp. 12-13), constava que

[...] a violência não poderia ser caracterizada como prática costumeira ou sistemática nem poderia ir além da intenção ordinária. Nesse sentido, as leis penais, embora revelassem a intenção de controlar a esfera do arbítrio pessoal, dentro do quadro de uma racionalidade jurídica imparcial, no processo de julgamento e de punição, permitiam que práticas de vigilância e de prisão, ilegais à primeira vista, se insinuassem e se integrassem ao universo da legalidade, enquanto práticas cotidianas, aceitáveis, porém, emudecidas. No fundo, a questão continuava sendo a leniência com os crimes cometidos por personagens provenientes de determinados estratos da população, que seriam tratados como cidadãos e certo rigor com outros, tratados como tutelados. Apesar do Código Penal de 1890 definir as penas em função de uma equivalência genérica entre o crime e o dano causado, a prática institucional ampliava o universo punível ou aumentava o rigor e o tempo de duração das penas.

A partir de uma perspectiva foucaultiana, podemos entender que o regime jurídico em relação à violência e ao crime atuou como uma espécie de mecanismo de controle e poder exercido pela sociedade e pelo Estado. Para Foucault (1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes.), o sistema penal é uma forma de regulamentação das relações sociais e de garantia de ordem e disciplina, uma vez que o poder é exercido não apenas por meio da repressão e da punição, mas também por intermédio de mecanismos disciplinares e sociais que buscam normalizar e controlar o comportamento das pessoas. Nesse sentido, o sistema jurídico é uma ferramenta de controle social que mantém a ordem baseada em normas estabelecidas pelas instituições de poder. Todavia, o autor ainda confere que o regime jurídico tem uma dimensão política, pois a definição de crimes e a aplicação da lei são determinadas por ordens de poder díspares que muitas vezes servem para reforçar as desigualdades existentes na sociedade. Por exemplo, em nosso caso, pode ser entendida a partir das relações hierárquicas entre mestre e discípulo. E, como vimos neste estudo, a justiça penal não é objetiva e imparcial, mas sim influenciada pelos interesses e valores de uma rede microfísica de poder articulada ao Estado a fim de moldar e formar os indivíduos e a sociedade.

Sendo assim, também podemos inferir que a percepção sobre o que constitui um método educacional aceitável ou punitivo varia consideravelmente de acordo com as culturas e épocas. O que era classificado como normal ou aceitável em termos de disciplinamento infantil em um período histórico pode ser totalmente inaceitável em outro. Por exemplo, quando observamos a partir dos direitos humanos, de perspectivas médicas e psicológicas, bem como das mudanças nas percepções sociais, podemos identificar que muitas sociedades têm se afastado das práticas punitivas na educação. Nessas sociedades as práticas de educabilidade mudaram o seu foco, propondo métodos mais positivos, subsidiados por abordagens que enfatizam a compreensão, o diálogo e a resolução de conflitos para ensinar e corrigir o comportamento das crianças. Assim como, em muitos países, as leis foram implementadas para proibir o uso de castigos físicos não somente no âmbito familiar e social, como nas escolas e instituições educacionais. Dito isso, é possível perceber contemporaneamente o desenvolvimento e o promoção de políticas de educação mais propositivas a fim de orientar a família, a sociedade e os educadores sobre práticas mais saudáveis e eficazes na educação das crianças.

Referências

  • Alvarez, M. C., Salla, F. A., & Souza, L. A. F. (2003). A sociedade e a lei: o Código Penal de 1890 e as novas tendências penais na primeira República. Justiça & História, 6(3), 97-130.
  • Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul [APERS]. (1911). Summario crime. A Justiça contra João Domingos. Juizo Districtal do Civel e Crime da sede da Comarca Alto Taquary, Estado do Rio Grande do Sul, Lageado. Processo 2331, Maço 41, v. 1, 146f.
  • Azzi, R. (1977). O início da restauração católica no Brasil (1920-1930) II. Síntese, 11 (4), 73-101.
  • Bastos, A. C. C. L. (2012). Nas malhas do judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889-1927) [Tese de Doutorado em Educação]. Universidade Estadual de Campinas. doi: https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2012.855846
    » https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2012.855846
  • Carrilho, L. (2017). A infância em processos judiciais em Belém do Pará: da criminalidade aos discursos jurídico-assistencialistas para a educação do menor desvalido (1890-1930) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Pará, Belém.
  • Os 120 anos de presença dos irmãos maristas no Rio Grande do Sul: Trio precursor, formado pelos missionários Weibert, Marie Berthaire e Jean Dominici, chegou ao Rio Grande do Sul em 1900, depois de mais de 30 dias de viagem. (2020). Recuperado de: https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/cultura-e-lazer/memoria/noticia/2020/08/os-120-anos-de-presenca-dos-irmaos-maristas-no-rio-grande-do-sul-12536011
    » https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/cultura-e-lazer/memoria/noticia/2020/08/os-120-anos-de-presenca-dos-irmaos-maristas-no-rio-grande-do-sul-12536011
  • Corsetti, B. (2000). A construção do cidadão: os conteúdos escolares nas escolas públicas do Rio Grande do Sul na Primeira República. História da Educação, 8, 175-192.
  • Cotta, G. (1996). Princípios educativos de Marcelino Champagnat. FTD.
  • Coutinho, P. R. (2000). História dos irmãos Maristas em Uberaba. Arquivo Público de Uberaba e Centro de Estudos Maristas.
  • Damasceno, N. O. A. (2020). Disciplina e castigo: normas e práticas sobre tratamento destinado às crianças e aos escravos na sociedade brasileira (Séculos XVII a XIX) [Tese de Doutorado em História Social]. Universidade de São Paulo.
  • Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. (1890). Promulga o Código Penal. Recuperado de: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-norma-pe.html
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-503086-norma-pe.html
  • Fausto, B. (2014). Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924) (2a ed.). Editora da Universidade de São Paulo.
  • Ferreira, P. V. (2016). Panorama histórico: desenvolvimento da Educação Básica Privada no Brasil. Cadernos de Educação, 31(15), 23-38.
  • Foucault, M. (1986). A arqueologia do saber. Forense.
  • Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. Vozes.
  • Gerhardt, M. (2015). Colonização e extrativismo. In J. C. Tedesco, & R. M. Neumann (2015). Colonos, colônias e colonizadores: aspectos da territorialização agrária no Sul do Brasil (Vol. IV). Letra &Vida.
  • Ginzzburg, C. (1989). O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Companhia das Letras.
  • Gregory, J. L. (2019). A colonização por princípio: a memória de Antonio Fialho de Vargas no Município de Lajeado/RS. Diálogo, 42, 99-107. doi: http://doi.org/10.18316/2238-9024.15.0
    » http://doi.org/10.18316/2238-9024.15.0
  • Karsburg, A. (2015). A micro-história e o método da microanálise na construção de trajetórias. In M. I. Vendramine, A. Karsburg, B. Weber, & L. A. Farinatti (Ed.), Micro-história, trajetórias e imigração (pp. 32-52). Oikos.
  • Karsburg, A., & Vendramine, M. I. (Ed.). (2019), Variações da micro-história no Brasil: temas, abordagens e desafios. Oikos.
  • Libelo: exposição articulada por escrito em que a pessoa, expondo a questão que se objetiva e as razões jurídicas em que se funda, vem perante a justiça pedir o reconhecimento de seu direito, iniciando a demanda contra outrem; petição inicial. (2023). Recuperado de: https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/476-glossario/7951-libelo
    » https://www.cnmp.mp.br/portal/institucional/476-glossario/7951-libelo
  • Moncorvo Filho, A. (1926). Histórico da protecção á infância no Brasil (1500-1922) (2a ed.). Empresa Gráfica.
  • Moreira, G. P. (2022). Joaquim Pedro de Alcantara Dourado: um infame na instrução pública (Rio Grande do Sul/século XIX) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Rio Grande do Sul. (1898). Código do Processo Penal: lei nº 24 de 15 de agosto de 1898.
  • Rizzini, I. (2011). O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil (3a ed.).
  • Schierholt, J. A. (2012). Há 100 anos do início das Aulas no Colégio São José. In J. A. Schierholt. Abrindo o baú. Recuperado de: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
    » https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/search?updated-max=2012-10-06T03:37:00-07:00&max-results=10&start=53&by-date=false
  • Silva, K. V., & Silva, M. H. (2022). Dicionário de conceitos históricos (3a ed.). Contexto.
  • Silva, W. A. (2004). A formação de “bons cristãos e virtuosos cidadãos” na Princesa do Sertão: o Colégio Marista Diocesano de Uberaba (1903-1916) [Dissertação de Mestrado em Educação]. Universidade Federal de Uberlândia.
  • Vendrame, M. I., & Ceva, M. (2016). A micro-história e suas contribuições teóricas e metodológicas para (re)pensar os processos migratórios. História Unisinos, 20(3), 247-248. Recuperado de: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/13476/5734
    » https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/13476/5734
  • Weizenmann, T. (2020). Educação e brasilidade: a política de nacionalização getulista no contexto escolar em Lajeado, Rio Grande do Sul (1939-1943). Revista Brasileira de História da Educação, 20, 1-24. doi: http://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e127
    » http://doi.org/10.4025/rbhe.v20.2020.e127
  • Rodadas de avaliação:

    R1: dois convites; dois pareceres recebidos.
  • Financiamento:

    A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 1
    O Sumário de Crime contém informações sobre a ocorrência de um crime, bem como as circunstâncias que podem afetar sua classificação e a determinação da culpa da pessoa acusada. Em certo sentido, podemos dizer que o sumário nessa área é uma preparação para o julgamento.
  • 2
    Segundo a redação do Código Penal de 1890, “Art. 303. Offender physicamente alguem, produzindo-lhe dôr ou alguma lesão no corpo, embora sem derramamento de sangue: Pena - de prisão cellular por tres mezes a um anno” (Decreto nº 847, 1890). Um estudo histórico mais atento sobre o Código Penal de 1890 pode ser conferido em Alvarez, Salla e Souza, 2003. Vale ainda destacar que, no Código de 1890, a maioria dos crimes recebia a pena de prisão celular, enquanto havia também três outras formas de encarceramento, porém utilizadas de maneira limitada: reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.
  • 3
    Importante destacar que estamos entendendo a noção de acontecimento como a capacidade de interrogar um fato, questionando-o como um acontecimento na forma de uma problematização. Em A arqueologia do saber, Michel Foucault (1986) percebe o acontecimento como uma irrupção de uma singularidade única e aguda, no lugar e no momento de sua produção.
  • 4
    Antônio Fialho de Vargas era filho de imigrantes açorianos e teria, a partir da sociedade na empresa Baptista, Fialho & Cia., adquirido um significativo lote na região para “[...] receber colonos de origem germânica vindos da Europa e colonos descendentes destes oriundos das antigas colônias” (Gregory, 2019, p. 100).
  • 5
    Até o momento, poucos foram os estudos no campo da História da Educação operacionalizados na Região do Alto do Taquari. Ainda que em temporalidade distinta da presente análise, cabe destacar a publicação de Weizenmann (2020).
  • 6
    Sobre o projeto educacional da Congregação Marista, sugere-se Gildo Cotta (1996) e Pedro Reis Coutinho (2000).
  • 7
    Ao visitarmos o blog Abrindo o baú, encontramos uma homenagem que José Alfredo Schierholt teceu acerca do irmão marista João Domingos. Nele há série de informações relevantes que não somente possibilitaram a ampliação da pesquisa, como foi possível compor algumas trajetórias do padre marista na construção e administração de escolas privadas confessionais no estado do Rio Grande do Sul. Veja o site: https://abrindobaudoschierholt.blogspot.com/2011/11/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_28.html.
  • 8
    Os 120 anos de presença dos irmãos maristas no Rio Grande do Sul... (2020).
  • 9
    Interessante a perspectiva assinalada pelo Doutor Moncorvo filho (1926) em relação à falta de assistência aos infantis e aos descuidos dos institutos de proteção aos menores. De acordo com o autor: “[...] O asylo, tal qual o concebiam os antigos, era uma casa na qual encafurnavam dezenas de creanças de 7 a 8 annos em diante nem sempre livres de uma promiscuidade prejudicial, educadas no carrancismo de uma instrucção quase exclusivamente religiosa, vivendo sem o menor preceito de hygiene, muitas vezes atrofiadas pela falta de ar e de luz sufficientes, via de regra pessimamente alimentadas, sujeitas, não raro, à qualquer leve falta, a ‘castigos bárbaros dos quaes o mais suave era o supplicio da fome e da sede’, pois, tudo isso dos princípios scientificos e sociaes que devem presidir a manutenção das casas de caridade, recolhimentos, patronatos, orfanatos, etc., sendo, conseguintemente os asylos nessas condições instituições condemnaveis” (Moncorvo Filho, 1926, p. 134, grifo nosso).
  • 10
    De acordo com o Glossário do Conselho Nacional do Ministério Público, libelo significa a “[...] exposição articulada por escrito em que a pessoa, expondo a questão que se objetiva e as razões jurídicas em que se funda, vem perante a justiça pedir o reconhecimento de seu direito, iniciando a demanda contra outrem; petição inicial” (Libelo..., 2023).
  • 11
    O Art. 4º do Código Penal do Estado do Rio Grande do Sul prevê em seu texto: “A acção privada pertence em todos os crimes e contravenções: [...] e) ao tutor ou curador” (Rio Grande do Sul, 1898, p. 2).
  • 12
    A fase da “quesitação” pode ser entendida como um instrumento jurídico, cuja principal finalidade era extração adequada da decisão dos jurados, uma vez que o julgamento era caracterizado pelo sigilo. Tratar-se-ia da fase de um julgamento, em que os jurados teriam a necessária convicção e segurança para suas individuais escolhas das respostas.
  • 13
    Um melhor empreendimento analítico acerca do aparato jurídico assistencial aos menores pode ser consultado em Rizzini (2011), especialmente no terceiro capítulo, “Por uma reforma civilizadora no Brasil: a essência das ideias no âmbito da Justiça”.

Editado por

Editor-associado responsável:

José Gonçalves Gondra (UERJ)
E-mail: gondra.uerj@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2024
  • Aceito
    02 Abr 2024
  • Publicado
    24 Maio 2024
  • Publicado
    07 Abr 2024
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com