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Torto Arado: colonialidadesdecolonialidades problematizadas na educação linguística crítica

Torto Arado and crooked world: colonialitiesdecolonialities problematized in critical linguistic education

Resumo

O objetivo deste estudo é problematizar colonialidadesdecolonialidades narradas em Torto Arado, obra de Itamar Vieira Junior, que dizem respeito ao trabalho que fazemos com educação linguística crítica nas universidades em que atuamos. Colonialidadesdecolonialidades marcam a vida das protagonistas Bibiana e Belonísia, duas irmãs nascidas em uma família de descendentes de negras/os escravizadas/os, família esta que trabalha em uma fazenda na Bahia. Discutimos como elas rompem com colonialidades por meio de dois caminhos: Bibiana se torna professora e Belonísia se torna uma mulher da terra. Com base na experiência das duas irmãs e em princípios que temos adotado para promover uma educação linguística crítica e decolonial, defendemos uma educação linguística que nos aproxime de nossas histórias, nos conecte com a natureza e nos faça refletir sobre o sentido profundo do que estamos fazendo no/com o planeta.

Palavras-chave:
Linguística Aplicada Crítica; educação linguística; decolonialidade; Torto Arado

Abstract

The main aim of this paper is to problematize colonialitiesdecolonialities narrated in Torto Arado, a novel written by Itamar Vieira Junior, which are related to the work we develop in critical language education at the universities where we work. Colonialitiesdecolonialities constitute the lives of the main characters Bibiana and Belonísia, two sisters born into a family of Black enslaved descendants who work on a farm in Bahia. We discuss how they confront colonialities by means of two paths: Bibiana becomes a teacher and Belonísia becomes a “woman of the land”. Based on the experiences of the two sisters, as well as on the principles we have adopted to promote a decolonial and critical linguistic education, we advocate for a language education that brings us closer to our stories, connects us with nature and makes us reflect on the deep meaning of what we are doing on/with the planet.

Keywords:
Critical Applied Linguistics; language education; decoloniality; “Torto Arado”

1 Caminhos tortos e caminhos outros

Bibiana e Belonísia, protagonistas de Torto Arado (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019.), são duas irmãs nascidas em uma família de descendentes de negras/os escravizadas/os, família esta que trabalha em uma fazenda, chamada Água Negra, na Bahia. As duas irmãs vão vivendo a vida em seus caminhos tortos - os ranços da escravidão, a opressão masculina, as intempéries naturais, a submissão, a educação bancária (Freire, 2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.), o assassinato - e seus caminhos outros - a resistência, a força feminina, a relação com a terra e com as materialidades, a coragem, a educação crítica, a vingança.

No livro, as vozes das duas irmãs se misturam, assim como as nossas vozes neste artigo, que tem como objetivo problematizar colonialidadesdecolonialidades, opressõesresistências narradas em Torto Arado, que estão relacionadas ao trabalho que fazemos com educação linguística crítica1 1 Entendemos que o termo educação linguística engloba tanto os processos de ensinoaprendizagem de línguas e os de formação de professoras/es de línguas. nas universidades em que atuamos. Usamos o recurso de junção de palavras (Freire, 2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.; Sussekind, 2020SUSSEKIND, Maria L.; COUBE, André L. da S. Universidadescolas: deslocando linhas abissais. In: MASTRELLA-DE-ANDRADE (Org.). (De)colonialidades na relação escola-universidade para a formação de professoras(es) de línguas. Campinas: Pontes, 2020, p. 55-74.), pois, assim como se misturam as vozes narrativas no romance e nossas vozes neste texto, também são indissociáveis as colonialidadesdecolonialidades e opressõesresistências que queremos discutir.

A trama de Torto Arado é feita de desigualdades, algumas das quais temos buscado desafiar em nossas práxis de educação linguística. Temos compreendido essas desigualdades como colonialidades, conforme discutidas por autoras/es como Quijano (2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, 2005. p. 107-130.) e Walsh (2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42.). Para Quijano (2000), o modelo de poder que é globalmente hegemônico hoje é resultado de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/moderno eurocentrado. O eixo central desse modelo de poder é a ideia de raça que foi construída com base em supostas estruturas biológicas diferenciais entre conquistadores e conquistados e que deu legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista: o trabalho não remunerado era realizado pelas raças dominadas (indígenas, negros e, de forma mais complexa, os mestiços), porque eram considerados inferiores, e o trabalho assalariado, pelas raças dominantes (brancos) (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, 2005. p. 107-130.).

Essa colonialidade que estabelecia tal configuração das relações de trabalho determinou a geografia social do capitalismo, tendo a Europa e o europeu se constituído no centro do mundo capitalista. E “como parte desse novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o domínio de todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento” (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, 2005. p. 107-130., p. 110), configurando, além da colonialidade do poder, as colonialidades do ser e do saber. Com efeito, segundo o autor, os colonizadores não apenas expropriaram os elementos culturais que eram úteis ao desenvolvimento do capitalismo e reprimiram as formas de produção de conhecimento dos colonizados, seus padrões de produção de sentidos, seu universo simbólico, seus padrões de expressão e de objetivação da subjetividade, mas também impuseram sua cultura, tanto no campo da atividade material e tecnológica, quanto da subjetiva, especialmente da religiosa: A esse respeito, Lugones (2014LUGONES, Maria. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201400...
, p. 938) acrescenta:

A transformação civilizatória justificava a colonização da memória e, consequentemente, das noções de si das pessoas, da relação intersubjetiva, da sua relação com o mundo espiritual, com a terra, com o próprio tecido de sua concepção de realidade, identidade e organização social, ecológica e cosmológica.

Walsh (2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 5) chama atenção para essa dimensão da colonialidade que enlaça as colonialidades do poder, do ser e do saber, que é a cosmogônica ou da mãe natureza, que se fixa na diferença binária cartesiana entre homem e natureza, categoriza como “não-moderna, ‘primitiva’ e ‘pagã’ a força-vital-mágico-espiritual da existência das comunidades afrodescendentes e indígenas, cada uma com suas particularidades históricas”. Além disso, “pretende anular as cosmovisões, filosofias, religiosidades, princípios e sistemas de vida, ou seja, a continuidade civilizatória das comunidades indígenas e as da diáspora africana” (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 5).

Essas quatro colonialidades estão presentes em Torto Arado e, neste texto, focalizamos as submissões e os confrontos dessas colonialidades na trajetória das irmãs, Bibiana e Belonísia. A colonialidade do poder está na base da estrutura familiar dessas irmãs quilombolas que têm sua mão de obra explorada na fazenda Água Negra, bem como a colonialidade do ser que relegou seu povo, historicamente, ao trabalho escravo. A colonialidade do saber nos ajuda a problematizar os conhecimentos privilegiados por cada uma das irmãs e podem ser interpretados como a continuidade de suas tradições e a ruptura com o conhecimento hegemônico. Por fim, a colonialidade cosmogônica nos permite pensar a relação que Belonísia estabelece com a terra, como fonte de vida, ao contrário da concepção de terra como posse. Acompanhando os caminhos de Bibiana e Belonísia, refletimos sobre os nossos, como educadoras críticas, inseridas nessa matriz de poder colonial, que permeia a construção da obra Torto Arado e está presente em nossas práxis como professoras de língua inglesa.

Torto Arado começa com Belonísia e Bibiana, ainda crianças, brincando com uma misteriosa faca encontrada na mala da avó, brincadeira que resulta em um acidente em que as duas cortam a língua, mas apenas Belonísia perde a capacidade de falar. Por um tempo, Bibiana passa a ser a voz de Belonísia, mas, quando crescem, tomam caminhos diferentes de insurgência, intimamente ligados à voz e ao silêncio: Bibiana parte em busca de outros conhecimentos e Belonísia permanece e estreita seu conhecimento da terra. A nosso ver, tanto a partida quanto a permanência constituem movimentos de insurgência, pois, se a primeira representa a possibilidade de mudança, a última é o que tem tornado possível a sobrevivência de seu povo. Assim, discutimos como elas rompem com colonialidades por meio de duas formas de educação: Bibiana se concentra nos estudos e se torna professora, ao passo que Belonísia começa a arar e se torna uma mulher da terra. Em última instância, nosso objetivo é, inspiradas nas vivências das duas irmãs de Torto Arado, problematizar colonialidades que estão presentes na vida social e, consequentemente, em nossas práxis de educação linguística.

2 Por outra educação

Meu pai olhava para mim e dizia: “O vento não sopra, ele é a própria viração”, e tudo aquilo fazia sentido. “Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida”, ele tentava me ensinar. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 99)

A experiência de Belonísia, apresentada nessa epígrafe, retrata um momento de compartilhamento dos saberes de seu pai, homem reconhecido por seus conhecimentos sobre a terra, sobre os encantados2 2 “Encantados” são entidades da religião Jarê que estão presentes no cotidiano das personagens. e pela espiritualidade que o fazia curandeiro da região. Apesar disso, ele desejava um futuro diferente para as crianças de Água Negra e sua esperança era depositada na possibilidade de ter uma escola na fazenda: “[m]eu pai não sabia nem mesmo assinar o nome, e fez o que estava ao seu alcance para trazer uma escola para a fazenda, para que aprendêssemos letra e matemática” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 96). Tal importância dada à escola, no entanto, contrastava com o sentimento de Belonísia: para a menina muda, a escola foi a responsável por tornar sua vida um verdadeiro tormento. Ao contrário do que aprendia com o pai, Belonísia não via sentido nos saberes que a professora compartilhava em sala de aula, pois “[...] em suas frases e textos só havia histórias de soldado, professor, médico e juiz” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 99).

Nesta seção, com base nas vivências das irmãs Bibiana e Belonísia e nas relações que estabelecem com os conhecimentos, nos propomos a problematizar duas concepções de educação: a educação como construção de conhecimentos “universais” - colonial, eurocêntrica, tradicional - e a educação como construção de conhecimentos de nós mesmas/os - decolonial, localizada, crítica. Na obra Torto Arado, interpretamos que esses tipos de educação estão, respectivamente, presentes na primeira escola da fazenda, em que Belonísia estuda quando criança; e nas aulas que Bibiana leciona ao se tornar, muito tempo depois, professora nessa mesma escola.

Com base em Paulo Freire (2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.) e em sua pedagogia do oprimido, compreendemos que a falta de sentido que Belonísia alega está vinculada a um modelo de educação que desvincula o conhecimento do mundo dos aprendizes. Uma educação bancária em que o educador vai “‘enchendo’ os educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos [...]” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., p. 100) e que, na experiência de Belonísia, estavam presentes nas “[...] histórias fantasiosas e enfadonhas sobre os heróis bandeirantes, depois os militares, as heranças dos portugueses e outros assuntos que não [lhes] diziam muita coisa” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97).

O sentido que Belonísia constrói do ensinamento de seu pai ao dizer que o vento é a própria viração - “Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 99) - nos remete mais uma vez à afirmação freireana de que as pessoas “se educam em comunhão, mediatizad[a]s pelo mundo” (Freire, 2013FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 54. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013., p. 96). Mediatizadas por “seus” mundos, por suas realidades e não por um mundo como uma realidade desvinculada das pessoas. Já nos ensinava o autor que a educação como prática de liberdade não pode se basear em pessoas abstratas e sem conexão com o mundo. A reivindicação de Belonísia é por uma educação que a conecte com o mundo e que, assim, possa aproximá-la de si mesma.

Voltamos, então, ao nosso intuito de problematizar essa educação como construção de conhecimentos “universais”, de um mundo isolado, abstrato. Essa educação foi vivenciada por Belonísia na escola recém-construída na fazenda Água Negra, onde, até então, só podiam contar com uma professora que vinha de fora, três vezes por semana, para lecionar em um cômodo improvisado. Problematizar esse tipo de educação nos permite “[...] visualizar e compreender como conceitos de conhecimento, erudição e ciência estão intrinsecamente ligados ao poder e à autoridade racial” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 50).

Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 51, grifo no original) afirma que, dentro das salas de aulas, negras/os raramente foram sujeitos: “[t]al posição de objetificação que comumente ocupamos, esse lugar da ‘Outridade’ não indica, como se acredita, uma falta de resistência ou interesse, mas sim a falta de acesso à representação, sofrida pela comunidade negra”. Essa falta de representação é sentida por Belonísia, menina quilombola, não apenas nos saberes que não a interessavam nas aulas em que dona Lourdes “[...] contava a história do Brasil, em que falava da mistura entre índios negros e brancos, de como éramos felizes, de como nosso país era abençoado” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97). Além disso, a própria figura da professora era um exemplo de sua desconexão com aquele mundo: “[...] aquela senhora de mãos finas e sem calos, com um perfume forte que parecia incensar a escola nos dias de calor” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97).

Sentimos também essa falta de representação quando Belonísia afirma: “[n]ão me atraía a matemática, muito menos as letras de dona Lourdes. [...] Olhava para o quadro verde, as letras embaralhadas, bonitas, mas que formavam palavras e frases difíceis que não entravam em minha cabeça [...] (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97-98). A esse respeito, alinhamo-nos à Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 51) em sua reflexão sobre a reprodução da lógica colonial: “[n]esse sentido, a academia [e a escola] não é um espaço neutro nem tampouco simplesmente um espaço de conhecimento e sabedoria, de ciência e erudição, é também um espaço de v-i-o-l-ê-n-c-i-a”.

Trata-se de uma violência que se estabelece por meio da linguagem, por meio do uso de uma língua que, “não sendo conhecida”, silencia, impede que o outro se constitua por meio dela. A língua manifestada nas “frases difíceis que não entram na cabeça”, essa língua que se estranha, é a língua portuguesa exigida pela escola. Dizemos “exigida” porque não acreditamos que essa língua seja de fato falada na escola. O tal “português padrão”, a entidade que existe a despeito de nossas possibilidades de performá-la, sobrevive de seu abrigo nas gramáticas e do medo que impõe aos falantes, que não podem alcançá-la em sua plenitude. Conforme argumenta Rezende em entrevista:

[...] a normatização linguística é uma normatização de subjetividade. Não é só o que você fala ou escreve; é o que você pensa, é o que você sente, é como você vê o mundo. O ensino da norma padrão é: “você vai ver o mundo desse jeito, porque esse é o jeito correto de ver o mundo”; “você vai pensar assim, porque assim é a forma correta de pensar”; e “você vai sentir isso, porque esse é o sentimento correto. O resto é pecado” (Rezende et al., 2020REZENDE, Tânia et al. Por uma postura decolonial na formação docente e na educação linguística: conversa com Tânia Rezende. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 1, p. 15-27, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/article/view/161 . Acesso em: 06 maio 2022. DOI: Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/article/view/161. Acesso em: 06 maio 2022. DOI: https://doi.org/10.47677/gluks.v20i1.161
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, p. 23).

A autora acrescenta que, nos territórios colonizados da América, a educação tem início com as figuras centrais do padre e do militar. Sendo assim, é importante nos dedicarmos a entender que princípios ainda são mantidos pelas instituições de ensino e quais desejamos compartilhar em nossas salas de aula. Alinhadas com as problematizações propostas pelo pensamento decolonial, temos discutido o papel da escola e da universidade na manutenção de colonialidades (Borelli, 2018BORELLI, Julma D. V. P. O estágio e o desafio decolonial: (des)construindo sentidos sobre a formação de professores/as de inglês. 2018b. 224f. Tese (Doutorado em Letras em Linguística) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2018.; Borelli; Pessoa, 2019BORELLI, Julma D. V. P.; PESSOA, Rosane R. O estágio em língua inglesa e o desafio decolonial: problematizações sobre as relações interpessoais de seus/suas agentes. Revista Moara, n. 51, v. 1, p. 75-96, 2019. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/7331 . Acesso em: 02 mar. 2024.
https://periodicos.ufpa.br/index.php/moa...
; Borelli; Silvestre; Pessoa, 2020BORELLI, Julma D. V. P.; SILVESTRE, Viviane P. V.; PESSOA, Rosane R. Towards a decolonial language teacher education. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, n. 2, v. 20, p. 301-324, 2020. Disponível em: Towards a Decolonial Language Teacher Education. Acesso em: 02 mar. 2024.; Grosfoguel, 2013GROSFOGUEL, Ramon. The structure of knowledge in westernized universities: epistemic racism/sexism and the four genocides/epistemicides of the long 16th century. Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-knowledge, v. 11, n. 1, p. 73-90, 2013. Disponível em: https://www.niwrc.org/sites/default/files/images/resource/2%20The%20Structure%20of%20Knowledge%20in%20Westernized%20Universities_%20Epistemic.pdf
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), ou seja, de estruturas que segregam para perpetuar o privilégio de uns e a exclusão de outros. Em outros termos, essas “palavras difíceis” acabam por definir quem pode falar na escola e que saberes têm validade nesse lugar.

Os saberes de Belonísia eram diferentes daqueles da escola; ela “[...] gostava mesmo era da roça, da cozinha, de fazer azeite e de despolpar o buriti” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97). No entanto, conforme argumenta Rezende (2020REZENDE, Tânia et al. Por uma postura decolonial na formação docente e na educação linguística: conversa com Tânia Rezende. Gláuks: Revista de Letras e Artes, v. 20, n. 1, p. 15-27, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/article/view/161 . Acesso em: 06 maio 2022. DOI: Disponível em: https://www.revistaglauks.ufv.br/Glauks/article/view/161. Acesso em: 06 maio 2022. DOI: https://doi.org/10.47677/gluks.v20i1.161
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, p. 19), de acordo com a concepção de ensino mantida pela escola, “[o] território colonizado não tem conhecimento. O conhecimento vem de fora, de um lócus de poder [...]. A ideologia colonial, que ainda reproduzimos, é que a pessoa chega na escola despossuída de saber e sai da escola uma sábia”. Por Belonísia, temos conhecimento de que ela não era a única a estranhar aquela experiência: “[m]uitas crianças também não aprenderam, pude perceber, estavam com a cabeça na comida ou na diversão que estavam perdendo na beira do rio [...]” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97).

Vemos que a escola representa para Belonísia um local de intenso silenciamento. De um lado, estão as palavras difíceis de dona Lourdes e, de outro, a sua mudez que a impedia de cantar o Hino Nacional: “[n]ão aprendi uma linha do Hino Nacional, não me serviria, porque eu mesma não posso cantar” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 97). Não se trata apenas de sua limitação física, mas também da falta de sentido dos saberes da escola, da falta de possibilidades de inclusão. Sua transgressão, frente à opressão que sentia, foi deixar a escola e se voltar para os conhecimentos que representavam a vida de seu povo: “[u]m dia inventava uma dor de cabeça, outro dia uma de dor de barriga, e aos poucos fui fazendo valer minha vontade de voltar ao trabalho da roça e da casa (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 98). Assim, Belonísia passa a se dedicar aos conhecimentos que a conectam com o seu povo, os saberes da terra.

Bibiana, por outro lado, sente-se impelida a buscar outros conhecimentos e a tentar realizar os sonhos que estava construindo com o primo Severo, por quem havia se apaixonado:

Não queria também viver o resto da vida ali, ter a vida de meus pais. Se algo acontecesse a eles, não teríamos direito à casa, nem mesmo à terra onde plantavam sua roça. Não teríamos direito a nada, sairíamos da fazenda carregando nossos poucos pertences. Se não pudéssemos trabalhar, seríamos convidados a deixar Água Negra, terra onde toda uma geração de filhos de trabalhadores havia nascido. Aquele sistema de exploração já estava claro para mim. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 83).

Compreender a situação de exploração vivenciada por sua família faz com que Bibiana deixe a fazenda. Ela foge de casa com seu primo em busca de condições que lhes possibilitem continuar vivendo em um pedaço de terra, um lugar em que possam acolher seus pais e parentes. Além disso, Bibiana queria estudar e se tornar professora. Na cidade, Bibiana fez um supletivo para trabalhadores rurais e, em seguida, entrou em uma escola pública de magistério. Em sua trajetória, Bibiana parece compreender que as possibilidades de insurgência dependiam daquele mesmo conhecimento que a oprimia: “[q]uanto mais assimilar os valores culturais da metrópole, mais o colonizado escapará de sua selva’’ (Fanon, 2008FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008., p. 34).

Interpretamos a partida de Bibiana como uma ruptura com essa estrutura de colonialidade de poder, expressa nessa exploração, como uma busca pelo que poderia promover sua existência, “[u]ma vez que falar é existir absolutamente para o outro” (Fanon, 2008FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008., p. 33). Não era apenas Belonísia que não podia falar naquele contexto, a exploração que lhes era imposta, silenciava toda a família:

Vi a vergonha de meu pai crescer diante de nós, sem poder fazer nada. Zeca Chapéu Grande era um curador respeitado e conhecido além das cercas de Água Negra. Mas ali, nos limites da fazenda, sob o domínio da família Peixoto [...] e de Sutério, sua lealdade pela morada que havia recebido no passado, quando vagava por terra e trabalho, falava mais alto. Vi minha mãe se movimentar, seus olhos se injetaram, indignados, mas se deteve ao perceber meu pai se sentindo incapaz de questionar e reclamar de qualquer coisa. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 85-86).

Refletindo sobre o silenciamento do sujeito colonizado, Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.) argumenta que essa privação da fala, que já foi brutalmente imposta por meio de máscaras3 3 Segundo Kilomba (2019, p. 33, grifos no original): “[t]al máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito negro, instalado entre a língua e o maxilar e fixado por detrás da cabeça por duas cordas [...]. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura”. , revela o medo do sujeito branco do que ele teria que ouvir. Além disso, “[...] esse método protege o sujeito branco de reconhecer o conhecimento da/o ‘Outra/o’” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p, 42, grifo no original). A autora continua afirmando que “[n]essa dialética, aquelas/es que são ouvidas/os são também aquelas/es que ‘pertencem’. E aquelas/es que não são ouvidas/os se tornam aquela/es que não pertencem” (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 42-43, grifo no original). Retomando Fanon (2008FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008., p. 34), “[...] existe na posse da linguagem uma extraordinária potência [...]”.

Acerca desse silenciamento que pode ser mantido por nossas práxis, Lyiscott (2018LYISCOTT, Jamila. Why English class is silencing students of color. Youtube, 23 maio 2018. 22min04s. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u4dc1axRwE4 . Acesso em: 06 maio 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=u4dc1axR...
) afirma que, sabendo que a língua é repleta de história, cultura e memória, a forma como a policiamos em nossas salas de aulas e em nossas comunidades está profundamente ligada ao racismo e ao colonialismo. Está profundamente ligada à manutenção das dicotomias que sustentam as colonialidades e, nesse caso, a colonialidade linguística (Garcês, 2007GARCÉS, Fernando. Las políticas del conocimiento y la colonialidad linguística y epistêmica. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROFOGUEL, Ramón. (Org.). El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 217-242.), que não se separa da colonialidade do saber. Conforme as/os pensadoras/es decoloniais têm argumentado, o processo de dominação de um povo está intimamente ligado à imposição de uma língua e dos conhecimentos que são significados por meio dessa língua. Contraditoriamente, impor uma língua é também impor o silêncio àqueles que não são falantes daquela língua.

Ao retornar para a fazenda, Bibiana já havia se formado professora e começou a lecionar na escola local. Ao contrário das aulas de dona Lourdes e dos saberes que afastaram Belonísia da escola, Bibiana era “[...] a professora que ensinava sobre a história do povo negro, que ensinava matemática, ciências e fazia as crianças se orgulharem de serem quilombolas” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 243). Essa é uma proposta de educação que, a nosso ver, confronta colonialidades ao valorizar os saberes e a história da comunidade. Trata-se de uma educação construída localmente e com uma criticidade que possibilita às crianças não apenas entenderem suas histórias, mas sentirem orgulho delas. É uma história contada por alguém que fala a “língua” daquele povo, já que Bibiana é parte da comunidade e daquelas histórias.

As ações de Bibiana ecoam os princípios do que Walsh (2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 26) trata como uma pedagogia decolonial. A autora propõe que a pedagogia seja vista “como processo e prática sociopolíticos produtivos e transformadores assentados nas realidades, subjetividades, histórias e lutas das pessoas, vividas num mundo regido pela estrutura colonial”. O ensino de Bibiana tinha como base as próprias histórias daquelas crianças:

[...] contava e recontava a história de Água Negra e de antes, muito antes, dos garimpos, das lavouras de cana, dos castigos, dos sequestros de suas aldeias natais, da travessia pelo oceano de um continente para outro. As crianças ficavam atentas, não sabiam que havia uma história tão antiga atrás daquelas vidas esquecidas. Uma história triste, mas bonita. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 243).

Aqui retomamos a argumentação de Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.), que ressalta que a falta de interesse que tantas vezes é atribuída a estudantes negras/os é, na verdade, falta de representação. Nas aulas de Bibiana, as crianças ficam atentas, pois estão descobrindo suas próprias histórias, as histórias de seu povo.

Pedagogias decoloniais, portanto, seriam aquelas “que integram o questionamento e a análise crítica, a ação social transformadora, mas também a insurgência e intervenção nos campos do poder, saber e ser, e na vida; aquelas que animam uma atitude insurgente, de-colonial e rebelde” (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 27). Esse ensino rebelde permite aprender para além da sala de aula e saber mais sobre o que embasa suas próprias vivências:

E passavam a entender por que ainda sofriam com preconceito no posto de saúde, no mercado ou nos cartórios da cidade. Onde lhes apontavam dizendo: “olha o povo do mato” ou “negrinhos da roça”. Compreendiam por que tudo aquilo não havia terminado. Você incutiu naquelas vidas um respeito grande por suas próprias histórias. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 243).

Assumir a decolonialidade significa romper com estruturas “que mantêm padrões de poder enraizados na racialização, no conhecimento eurocêntrico e na inferiorização de alguns seres como menos humanos” (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 24). O desafio desse rompimento passa, portanto, por um intenso processo de compreensão de nós mesmas/os, de nossas histórias e das imposições que organizaram a vida social da forma que ela se apresenta hoje, dentro do sistema capitalista. Reconhecer as estruturas que nos colonizam pode nos permitir buscar viver de outras formas: [...] o sentido da pedagogia decolonial se forja na perspectiva de intervir na reinvenção da sociedade, na politização da ação pedagógica, propondo desaprender o aprendido e desafiar as estruturas epistêmicas da colonialidade (Walsh et al., 2018WALSH, Catherine; OLIVEIRA, Luiz F.; CANDAU, Vera M. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 26, n. 83, p. 1-16, 2018. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.26.3874 . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 6).

Pensar nossa existência fora dessa matriz de poder colonial nos leva ao reconhecimento que Walsh (2020WALSH, Catherine. Pedagogias decoloniais e direitos humanos: la des-existencia ya en camino. Youtube, 3 jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a5ya1JdBAns . Acesso em: 06 maio 2022.
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) compartilha conosco de que a existência sempre está situada, conectada, vinculada. Existir pressupõe relacionalidade, é con-viver, e esse “viver com” engloba seres humanos e não humanos, o mundo espiritual e o material. Compreender que existimos com o outro é um posicionamento radicalmente oposto à lógica colonial que nos construiu a partir de inexistências, com base na invenção de hierarquias.

Em suma, a pedagogia decolonial tem sido para nós um caminho para a busca de uma educação linguística problematizadora e de praxiologias que reconheçam a localidade dos saberes e os conectem àqueles que operam em nossas salas de aulas. Alinhamo-nos ao pensamento de que “o pedagógico e o decolonial se constituem enquanto projeto político a serem construídos nas escolas, nas universidades, nos movimentos sociais, nas comunidades negras e indígenas, nas ruas etc.” (Walsh et al., 2018WALSH, Catherine; OLIVEIRA, Luiz F.; CANDAU, Vera M. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 26, n. 83, p. 1-16, 2018. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.26.3874 . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 5). Dessa forma, o projeto decolonial tem sido nossa forma de vincular a educação à própria vida e também à terra, como problematizamos a seguir.

3 Por uma educação pela terra

Selvagem, conhecia a terra como ninguém. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 261)

Terra. Esse é um tema da vida social que não temos tratado na educação linguística, embora tenhamos pensado cada dia mais em como devemos problematizar melhor as desigualdades sociais em nossas aulas ao discutir temas como classe, raça, gênero, sexualidade, língua, nacionalidade etc. Com o Pensamento Decolonial e as Cosmologias Indígenas, temos também aprendido a questionar, de forma mais qualificada, como esse mundo se tornou assim e como poderia ser diferente. Para Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 10), fomos nos alienando desse organismo chamado Terra e passamos a pensar que Terra e humanidade são coisas diferentes: “[e]u não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo que eu consigo pensar é natureza”. Ainda segundo o pensador indígena:

A ideia de nós, os humanos nos descolarmos da terra, vivendo numa abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo. (Ailton Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 12).

As vivências de Belonísia, desde a infância até a vida adulta, evidenciam um vínculo com a terra que ela aprende com seu pai. Santos (2015SANTOS, Antônio B. dos. Colonização, quilombos, modos e significações. Brasília: INCTI/UnB, 2015., p. 55) descreve esse vínculo como fundamental para várias “comunidades contra colonizadores”, tais como Caldeirões (CE), Canudos (BA), Pau de Palmares (AL) e as chamadas comunidades tradicionais da atualidade. Segundo ele, para os membros dessas comunidades “afro-pindorâmicas”, a terra é uma força vital que integra todas as coisas, e o resultado da interação das pessoas com a terra se concretiza em condições de vida, exatamente como em Torto Arado.

O pai das duas irmãs conseguiu morada na fazenda Água Negra quando era jovem, mas, mais do que trabalhar na fazenda, ele estabelece uma relação profunda com a terra, que nada tem a ver com a relação capitalista de posse da terra ou com um espaço de produção de mercadorias. Trata-se de uma relação que explode o humanismo, pois está em jogo a íntima relação - ou a intra-ação4 4 Termo usado por Barad (2007) para evidenciar que entidades humanas e não humanas estão não apenas relacionadas, mas se coconstituem e se transformam nessa relação. , em termos pós-humanistas - entre o humano e as materialidades a sua volta. Muitas materialidades (faca de cabo de marfim, terreiro, casa de barro etc.) poderiam ser abordadas, mas nos ateremos à terra, já que, se vislumbramos a construção da vida social em outras bases na educação linguística, consideramos que devemos começar a problematizar nossa relação com a terra, como forma de confrontar a colonialidade cosmogônica, de que fala Walsh (2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42.).

Por ter perdido a capacidade de falar e não poder cantar, Belonísia aprendeu a ouvir os sons do xamã fazendo ninho, da raposa se aproximando do galinheiro, do chocalho da cascavel, do tatu cavando sua toca etc.: “[a] mata a fez forte e sensível, ainda menina, para conhecer o movimento do mundo” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 245). Na adolescência, oferecia ajuda ao pai para colher taboa e alimentava os animais que sobreviviam à seca, demonstrava habilidade e força para manejar o facão e tomava decisões junto com ele. Depois, ao frequentar as aulas de dona Lourdes, Belonísia contrasta “[...] suas histórias mentirosas sobre a terra” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 99), com as atividades do “[...] pai na várzea encontrando coisa nova na terra [...]” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 98), ou seja, aprendizagem verdadeira era encontrar coisa nova na terra. Com o pai, ela se

[...] embrenhava pela mata nos caminhos de ida e de volta, e aprendia sobre as ervas e raízes. Aprendia sobre as nuvens, quando haveria ou não chuva, sobre as mudanças secretas que o céu e a terra viviam. Aprendia que tudo estava em movimento - bem diferente das coisas sem vida que a professora mostrava em suas aulas. [...] Meu pai [...] [s]abia que na lua cheia se planta quase tudo; que mandioca, banana e frutas gostam de plantio na lua nova; que na lua minguante não se planta nada, só se faz capina e coivara. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 99-100).

Já casada, certo dia, o marido insulta Belonísia, e ela encontra acolhida na terra: “[t]rabalhar a terra tinha desses sentimentos bons de amansar o peito, de serenar os pensamentos ruins que me cercavam” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 121). Além disso, depois de muito tempo sem falar, ela faz uma tentativa e a palavra que ela escolhe para pronunciar é arado, mas o que saiu foi “[...] um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 127). Sentia-se como “[...] se o arado velho e retorcido percorresse [suas] entranhas, lacerando [sua] carne” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 127). Descrever a produção do som como um “arado torto” evidencia o enredamento entre sua existência e a natureza, como se fossem uma só coisa, corroborando essa força/ideia “cosmogônico-territorial-mágico-espiritual da própria vida” (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 38).

Por fim, quando o marido morre, ela resolve permanecer na casa sozinha, pois não ia deixar aquele quintal que ela e o marido tinham transformado em um “[...] canto vistoso de terra [...]” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 140), pois tinha se “[...] afeiçoado às plantas, a cada coisa que crescia com a força do [seu] trabalho e do de Tobias” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 140). Assim, passou a viver de seu conhecimento da terra: “Bati saco de milho, fiz muitos sacos de farinha, labutei dia e noite na roça que crescia verde” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 141). Em tempos de cheia e estiagem, dava seu dia de trabalho onde fosse necessário e, quando não havia trabalho, se “[...] agarrava à colheita do buriti e do dendê [...]” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 141).

Foi também da terra que Belonísia construiu uma nova casa: “[v]ia como um encanto uma casa nascer da própria terra, do mesmo barro em que, se lançássemos sementes, veríamos brotar o alimento” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 142-143), deixando a velha casa se desfazer e voltar a seu estado telúrico. Sua roça era mais bonita e maior do que a de muitos homens, e os legumes que produzia eram não apenas divididos com parentes e vizinhas/os, mas também levados pelo gerente da fazenda. Quando o pai adoeceu, ela passou a trabalhar na roça do pai.

Questionamentos sobre os direitos das/os trabalhadoras/es em relação a viver de morada e ser dono da terra são discutidos no livro, mas não se trata de uma relação colonial com a terra - terra como posse -, pois o que elas/es reivindicam é a terra como “território” ou seja, como “espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana” (Fernandes, 2006FERNANDES, Bernardo M. Os campos da pesquisa em Educação do Campo: espaço e território como categorias essenciais. In: MOLINA, Mônica C. (Org.). Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaodocampo/artigo_bernardo.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/...
, p. 2) - terra como vida -, que é compartilhada por pensadoras/es como Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) e Tuck e Yang (2012TUCK, Eve; YANG, K. Wayne. Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, v. 1, n. 1, p. 1-40, 2012. Disponível em: Disponível em: https://clas.osu.edu/sites/clas.osu.edu/files/Tuck%20and%20Yang%202012%20Decolonization%20is%20not%20a%20metaphor.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
https://clas.osu.edu/sites/clas.osu.edu/...
). Segundo Tuck e Yang (2012TUCK, Eve; YANG, K. Wayne. Decolonization is not a metaphor. Decolonization: Indigeneity, Education & Society, v. 1, n. 1, p. 1-40, 2012. Disponível em: Disponível em: https://clas.osu.edu/sites/clas.osu.edu/files/Tuck%20and%20Yang%202012%20Decolonization%20is%20not%20a%20metaphor.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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), a relação de posse da terra, instaurada no colonialismo, substituiu completamente as relações epistemológicas, ontológicas e cosmológicas dos seres humanos com a terra, as quais passaram a ser vistas como pré-modernas, retrógradas e selvagem. Essa relação de posse é confrontada pelo pai de Belonísia, quando o filho lhe pergunta se a terra não deveria ser deles, já que ali viviam e dali tiravam o sustento:

O documento da terra não vai lhe dar milho, nem feijão. Não vai botar comida na nossa mesa.” [...] Está vendo este mundão de terra aí? O olho cresce. O homem quer mais. Mas suas mãos não dão conta de trabalhar ela toda, dão? [...] Esta terra que cresce mato, que cresce a caatinga, o buriti, o dendê, não é nada sem trabalho. Não vale nada. Pode valer até para essa gente que não trabalha. Que não abre uma cova, que não sabe semear e colher. Mas para gente como a gente a terra só tem valor se tem trabalho. Sem ele a terra é nada.” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 185-186).

Vemos que o sentimento que se sobressai na obra é o fato de que o valor da terra está no que se pode produzir, viver e sentir nela, construir com ela e receber dela. E mesmo a reivindicação pela posse da terra em que se vive e de onde se obtém o sustento está muito distante da lógica econômica, que, segundo Dufour (2020DUFOUR, Dany-Robert. Haverá indivíduo pós-neoliberal? Entrevista com Dany-Robert Dufour. [Entrevista concedida a] Eduardo Febbro. Tradução de Simone Paz e Rôney Rodrigues. Instituto Humanitas Unisinos, mai. 2020. Online. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599154-havera-individuo-pos-neoliberal-entrevista-com-dany-robert-dufour# . Acesso em: 06 maio 2022.
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, on-line), tem dominado todas as relações desde a irrupção do liberalismo, pois a terra, para a família das duas irmãs, nunca é vista como objeto de compra e venda, sujeita à lei do lucro, ou como espaço de produção de mercadoria.

Depois que o pai morre, Belonísia volta para a terra buscando receber acolhimento:

Pensava que continuar trabalhando era a única maneira de recordar meu pai de uma forma que não fosse mais tão doída. Me coloquei nas trilhas com meu irmão, e, de fato, arar a terra, plantar, colher, consertar cerca, foram me curando de sua ausência, da mesma maneira que haviam me curado da tristeza que senti ao deixar a casa para viver com Tobias. Da mesma forma de quando fiquei viúva: foi o que me sustentou nas terras da beira do Santo Antônio. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 194).

Uma última experiência de Belonísia que trazemos aqui é que ela sentia a natureza vibrando cada vez que se entregava à semeadura e,

[q]uando estava sozinha e sabia que não a observariam com estranheza pelo seu ato, deitava no chão, como viu seu pai fazer inúmeras vezes. Tentava escutar os sons mais íntimos, dos lugares mais recônditos do interior da terra, para livrar o plantio da praga, para reparar as dificuldades e ajudar na colheita. (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 254).

Quanto mais nos detemos nessas reflexões sobre os sentidos da terra para Belonísia, melhor entendemos como temos nos distanciado desse mundo vital. Acreditamos nas promessas do Divino Mercado, mas o que recebemos foi uma distribuição muito desigual da riqueza global do capitalismo, já que essa riqueza rouba direitos sociais de milhões de indivíduos (Dufour, 2020DUFOUR, Dany-Robert. Haverá indivíduo pós-neoliberal? Entrevista com Dany-Robert Dufour. [Entrevista concedida a] Eduardo Febbro. Tradução de Simone Paz e Rôney Rodrigues. Instituto Humanitas Unisinos, mai. 2020. Online. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599154-havera-individuo-pos-neoliberal-entrevista-com-dany-robert-dufour# . Acesso em: 06 maio 2022.
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). Viramos reféns do mercado e a vida humana tem se restringido à trilogia da modernidade liberal: produzir, consumir e enriquecer (Dufour, 2020DUFOUR, Dany-Robert. Haverá indivíduo pós-neoliberal? Entrevista com Dany-Robert Dufour. [Entrevista concedida a] Eduardo Febbro. Tradução de Simone Paz e Rôney Rodrigues. Instituto Humanitas Unisinos, mai. 2020. Online. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599154-havera-individuo-pos-neoliberal-entrevista-com-dany-robert-dufour# . Acesso em: 06 maio 2022.
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). É a essa humanidade homogênea que devemos nos opor, já que uma terra cheia de sentidos é uma terra com muitas cosmovisões (Ailton Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.).

Esse conhecimento da terra vivido por Belonísia - “[a] terra era seu tesouro, parte do seu corpo, algo muito íntimo” (Vieira Junior, 2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019., p. 246) - tem a mesma força do conhecimento da floresta descrita por Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 13) - “as pessoas podem viver com o espírito da floresta, viver com a floresta, estar na floresta”. Para o pensador Krenac, uma saída a essa homogeneidade é “suspender o céu”, ou seja, “ampliar nosso horizonte existencial”. Sentimos que podemos suspender o céu em nossas aulas de línguas e ir além das discussões neoliberais que subjazem aos livros didáticos, da falácia do inglês como língua internacional, da compreensão do racismo e do cisheteropatriarcado no Brasil, e discutir outras perspectivas de existência, cosmovisões como as narradas por Vieira Junior (2019VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019.) e Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.). Para Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.), o fim do mundo pode ser adiado se diferentes histórias forem sempre contadas.

Tais cosmovisões nos fazem questionar o capitalismo, mas especialmente nossa relação (extrativista) com o mundo e ainda mais especialmente nossa relação de posse com as coisas, com as pessoas e com a terra. Moyo (2020MOYO, Samantha. Deepen your understanding of decolonisation. Youtube, 14 fev. 2020. 16min32s. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7JFHjpnD8UA . Acesso em: 06 maio 2022.
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, on-line) fala de “viver com o básico” e “resgatar nossa soberania”; Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.) enfatiza que é preciso viver em comunidade e em harmonia com as pessoas, produzir a nossa vida... Para Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.), se estamos caindo neste momento de pandemia, devemos criar paraquedas coloridos. Tais paraquedas não podem ser construídos se não entendermos que o modelo de sociedade que começou a se impor globalmente desde o século XVII, marcado pela exploração sem limites dos recursos naturais, tem ameaçado vidas humanas e provocado catástrofes cada vez mais graves (Santos, 2020SANTOS, Boaventura de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2020.) - a pandemia do coronavírus talvez seja a maior delas para os seres humanos até o momento.

Para tanto, é preciso problematizar esse mundo em que tudo se compra e vende, até mesmo as subjetividades. Mbembe (2016MBEMBE, Achille J. Decolonizing the university: new directions. Arts and Humanities in Higher Education, v. 15, n. 1, p. 29-45, 2016. DOI: https://doi.org/10.1177/1474022215618513
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, p. 31) lista várias ações que devem ser tomadas para descolonizar5 5 “Descolonizar” é o termo utilizado por Mbembe (2016). Nossa opção por “decolonial” ao invés de “descolonial” se alinha ao pensamento de Walsh (2013), para quem o sufixo “des” pode dar uma ideia de um desfazer, ou seja, de que podemos anular as colonialidades. Já o termo “decolonialidade” é entendido pela autora como “posturas, posicionamentos, horizontes e projetos de resistir, transgredir, intervir, insurgir, criar e incidir” (Walsh, 2013, p. 25). o conhecimento e a universidade como instituição, uma das quais é a ruptura com “o ciclo que tende a tornar as/os estudantes em clientes e consumidores”. Ele defende que é preciso “criar na universidade um pluriversalismo cosmopolitano mais crítico e aberto, tarefa essa que envolve uma recriação radical de nossos modos de pensar e uma transcendência de nossa divisão disciplinar” (Mbembe, 2016, p. 37). Segundo Dufour (2020DUFOUR, Dany-Robert. Haverá indivíduo pós-neoliberal? Entrevista com Dany-Robert Dufour. [Entrevista concedida a] Eduardo Febbro. Tradução de Simone Paz e Rôney Rodrigues. Instituto Humanitas Unisinos, mai. 2020. Online. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599154-havera-individuo-pos-neoliberal-entrevista-com-dany-robert-dufour# . Acesso em: 06 maio 2022.
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, on-line), “[t]emos que fazer com que o indivíduo exista fora dos valores do mercado”, já que “o indivíduo liberal é um escravo de suas paixões e suas pulsões. Devemos sair desse beco sem saídas liberal para recriar um indivíduo aberto ao outro”. Santos (2020SANTOS, Boaventura de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2020., p. 31) é mais incisivo ao dizer que devemos começar por nos habituar a duas ideias básicas: “a vida humana representa apenas 0.01% da vida existente no planeta” (precisamos ser mais humildes!) e “a defesa da vida do planeta no seu conjunto é a condição para a continuação da vida da humanidade”. Isso implica “imaginar o planeta como a nossa casa comum e a natureza como a nossa mãe originária a quem devemos amor e respeito. Ela não nos pertence. Nós é que lhe pertencemos” (Santos, 2020SANTOS, Boaventura de S. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2020., p. 32), lição que Belonísia ensina com sua vida.

Contribuiria para essa mudança uma aproximação com dois campos do saber: a Ecopedagogia ou Pedagogia da Terra, que, segundo Gadotti (2001GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (Comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. p. 81-132. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 94), deve ser um “projeto alternativo global”, ou seja, envolve a construção de um “novo modelo de civilização sustentável do ponto de vista ecológico (Ecologia Integral) que implica uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais”; e o pós-humanismo, pois é urgente tirar os seres humanos do foco e reconhecer que os elementos não humanos estão sempre presentes e estão em intra-ação - um exemplo disso em Torto Arado é como a chuva age na vida da fazenda. Com Ulmer (2017ULMER, Jasmine B. Posthumanism as research methodology: inquiry in the anthropocene. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 30, n. 9, p. 832-848, 2017. DOI: https://doi.org/10.1080/09518398.2017.1336806
https://doi.org/10.1080/09518398.2017.13...
, p. 833 apudSousa, 2022SOUSA, Laryssa P. de Q. A posthumanist perspective on an English course at a private language school. 2022. Doctoral dissertation (Letters and Linguistics) - Faculty of Letters, Federal University of Goiás, Goiânia, 2022.), precisamos compreender que, para que haja justiça no planeta, é preciso olhar para além das relações humanas, já que ela “é também material, ecológica, geográfica, geológica, geopolítica e geofilosófica. Justiça é um esforço mais do que humano”.

4 Reflexões transitórias

Objetivamos, neste estudo, problematizar colonialidadesdecolonialidades narradas em Torto Arado, obra de Itamar Vieira Junior, que se relacionam com nossas práxis na educação linguística crítica na universidade, as quais têm sido orientadas por perspectivas críticas e pelo pensamento decolonial. Mais especificamente, discutimos como as personagens Bibiana e Belonísia rompem com colonialidades por meio de dois tipos de vivência: Bibiana se torna professora, ao passo que Belonísia se torna uma mulher da terra. Como professoras que buscam confrontar colonialidades, vemos essas duas vivências como experiências educacionais: educação realizada na escola (educação escolar) e educação realizada na natureza (educação vital).

Essa compreensão está alinhada à pedagogia decolonial, que não se resume à consideração cuidadosa dos conteúdos a serem ensinados, mas se trata de

um trabalho que se dirige a desmantelar as constelações - psíquicas, sociais, epistêmicas, ontológico-existenciais - instaladas pela modernidade e seu lado oculto que é a colonialidade; pedagogias que estimulam novas formas de ação política, insurgência e rebeldia, ao mesmo tempo em que constroem alianças, esperanças e visões ‘outras’ de estar na sociedade, dando substância e legitimidade ao sonho ético-político de vencer a realidade injusta (Freire, 2004, p. 19), e construir caminhos ‘outros’. (Walsh, 2009WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir, re-viver. In: CANDAU, Vera. M. (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. p. 12-42., p. 38, ênfase no original).

Entendemos que os conhecimentos desenvolvidos pelas duas irmãs constituem formas de insurgência. Bibiana passou a falar da história do povo negro para que as crianças da fazenda se orgulhassem de quem elas eram, ou seja, ela recentralizou o conhecimento. Falar de nós, de onde viemos e de quem somos é certamente uma forma de confrontar colonialidades na educação, mas é preciso começar de dentro, de nós mesmas, e foi isso o que fez Bibiana ao querer saber mais sobre quem ela era e ao buscar conhecimento sobre seu povo, a fim de desafiar a história oficial. Isso inclui saber não apenas sobre a violência dessa história, mas também sobre a resiliência, as alegrias, as conquistas. Dessa forma, os conhecimentos se misturam, pois a história dessas/es descendentes de negras/os escravizadas/os com a terra é transformada em conteúdo de ensino; assim, o que Belonísia vive Bibiana ensina.

Valorizar nossas histórias nesse movimento de compreensão de nós mesmas/os confronta os princípios que priorizam um conhecimento supostamente universal, que foi instituído como mais uma forma de impor a colonização: “[a] ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz incrível” (Ailton Krenak, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 8). E essa humanidade esclarecida defendia o capitalismo, mas “o potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista o colocou numa posição negativa frente à natureza. O capitalismo aumentou mais a capacidade de destruição da humanidade do que o seu bem-estar e prosperidade” (Gadotti, 2001GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (Comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. p. 81-132. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 82).

Assim, se “a possibilidade da autodestruição nunca mais desaparecerá da história da humanidade” (Schmied-Kowarzik, 1999 apudGadotti, 2001GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (Comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. p. 81-132. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 81), é preciso e urgente, como ressalta Gadotti (2000, p. 81), “ecologizar a economia, a pedagogia, a educação, a cultura, a ciência etc.”. Acrescentamos a essa lista, a Linguística Aplicada Crítica (Pennycook, 2001PENNYCOOK, Alastair. Critical Applied Linguistics: a critical introduction. Mahwah NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.), que tem focalizado desigualdades em muitas esferas da vida social, mas precisa se preocupar não só “com uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais profundo do que fazemos com a nossa existência, a partir da vida cotidiana” (Gadotti, 2001GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (Comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. p. 81-132. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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, p. 99). Para esse autor, esse sentido está intimamente ligado ao futuro de toda Humanidade e da própria Terra. Com base em reflexões como as de Gadotti (2001GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: TORRES, Carlos Alberto (Comp.). Paulo Freire y la agenda de la educación latinoamericana en el siglo XXI. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2001. p. 81-132. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20101010031842/4gadotti.pdf . Acesso em: 06 maio 2022.
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) e na experiência das duas irmãs de Torto Arado, defendemos uma educação linguística que nos aproxime de nossas histórias, nos conecte com a natureza e nos faça refletir sobre o sentido profundo do que estamos fazendo no/com o planeta.

Há várias maneiras de fazer esse trabalho em aulas de língua. Podemos começar discutindo sobre consumo ou o desejo de consumir e sobre nossa relação com as coisas e as pessoas... Podemos falar sobre as árvores de nossa infância, sobre nossa relação com a natureza, sobre o sentido de terra para cada pessoa... Podemos ouvir, ler ou conversar com representantes de comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, campesinas... Podemos discutir sobre produções artísticas ligadas à terra, como, por exemplo, o trabalho do artista japonês Yusuke Asai feito com 27 tons de terra ou o movimento Land Art, pautado na fusão na natureza com a arte, ou ainda a arte de fazer bonecos em barro de Mestre Vitalino... E podemos ler obras como Torto Arado.

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  • 1
    Entendemos que o termo educação linguística engloba tanto os processos de ensinoaprendizagem de línguas e os de formação de professoras/es de línguas.
  • 2
    “Encantados” são entidades da religião Jarê que estão presentes no cotidiano das personagens.
  • 3
    Segundo Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 33, grifos no original): “[t]al máscara foi uma peça muito concreta, um instrumento real que se tornou parte do projeto colonial europeu por mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito negro, instalado entre a língua e o maxilar e fixado por detrás da cabeça por duas cordas [...]. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura”.
  • 4
    Termo usado por Barad (2007BARAD, Karen. Meeting the universe halfway: quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, North Carolina: Duke University Press, 2007.) para evidenciar que entidades humanas e não humanas estão não apenas relacionadas, mas se coconstituem e se transformam nessa relação.
  • 5
    “Descolonizar” é o termo utilizado por Mbembe (2016MBEMBE, Achille J. Decolonizing the university: new directions. Arts and Humanities in Higher Education, v. 15, n. 1, p. 29-45, 2016. DOI: https://doi.org/10.1177/1474022215618513
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    ). Nossa opção por “decolonial” ao invés de “descolonial” se alinha ao pensamento de Walsh (2013WALSH, Catherine. Lo pedagógico y ló decolonial: entretejiendo caminos. In: WALSH, Catherine. (Ed.) Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013. p. 23-68.), para quem o sufixo “des” pode dar uma ideia de um desfazer, ou seja, de que podemos anular as colonialidades. Já o termo “decolonialidade” é entendido pela autora como “posturas, posicionamentos, horizontes e projetos de resistir, transgredir, intervir, insurgir, criar e incidir” (Walsh, 2013WALSH, Catherine. Lo pedagógico y ló decolonial: entretejiendo caminos. In: WALSH, Catherine. (Ed.) Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013. p. 23-68., p. 25).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2022
  • Aceito
    25 Fev 2023
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