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Compilações e repetições no tratado de versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos

Compilations and repetitions in the treatise on versification by Olavo Bilac and Guimarães Passos

RESUMO

Este trabalho faz comparações entre o Tratado de metrificação portuguesa, de António F. de Castilho, e o Tratado de versificação, de Olavo Bilac e Guimarães Passos, localizando, analisando e comentando as muitas semelhanças entre eles. Ao final, tenta-se explorar uma coincidência entre a estratégia de repetição matizada por algumas alterações utilizadas pelos poetas brasileiros e uma estratégia de escrita que se encontra na obra poética de um dos dois autores.

Palavras-chave:
Castilho; Bilac; Guimarães Passos; teoria do verso; tratados de versificação

ABSTRACT

This work makes comparisons between António F. de Castilho's Treatise on Portuguese Metrification and Olavo Bilac and Guimarães Passos' Treatise on Versification, locating, analyzing, and commenting on the many similarities between them. In the end, an attempt is made to explore a coincidence between the repetition strategy nuanced by some changings used by Brazilian poets, and a writing strategy that is found in the poetic work of one of the two authors.

Keywords:
Castilho; Bilac; Guimarães Passos; verse theory; versification treatises

Para o amigo e mestre Roberto Acízelo.

Na edição de 7 de outubro de 1905, do semanário O Malho, na seção “Caixa do Malho”, publicou-se uma série de comentários a poemas enviados ao periódico. 1 1 Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&pagfis=5692. Acesso em 07/12/2022. Na página 36, dizia-se a certo Alam Everardo, da Bahia: “Dos sonetos que nos remeteu aceitamos somente o Amor perdido. Os alexandrinos do Amor sem crença estão muito defeituosos. Ora veja isto: Porque o meu amor... ela nunca o terá... como este, que nunca foi alexandrino, há muitos. Recomendamos-lhe o Tratado de versificação, do Bilac”. Na mesma página, para um Aramis, de São Paulo, afirmou o responsável anônimo pela seção: “Não é somente o seu coração que vive ao relento: é também a sua arte de metrificar. O camarada, que se diz Aramis, deve puxar pelo seu nome, para comprar um tratado de versificação. Com ele a sua musa não ficará eternamente ao sereno...”.

Apenas nas edições desse periódico dos três últimos meses de 1905 há, no total, sete referências ao Tratado de Bilac e Guimarães Passos, que havia sido publicado em primeira edição naquele mesmo ano. 2 2 Até o ano de 1947, aparecem, n’ O Malho ao menos 37 referências ao Tratado. Pelo tom de manual escolar dominante em todo o volume, foi ele concebido para adoção em escolas, fazendo parte da estratégia de Olavo Bilac de publicar livros paradidáticos. 3 3 Haja vista os títulos de sua autoria de que o editor, Francisco Alves, fez propaganda numa das páginas iniciais do volume: Poesias infantis, Contos pátrios, Pátria brasileira. Contudo, não apenas para escolares, os comentários que aparecem n’ O Malho dão mostra de que o manual era indicado também para diletantes ou novatos na arte de fazer versos. É claro que o fato de Bilac fazer parte da redação dessa revista certamente influenciou nas referências elogiosas ao Tratado. Se, no geral, a recepção ao livro foi bastante favorável, isso se deve provavelmente mais aos nomes dos autores do que a uma análise exaustiva e aprofundada de seus conteúdos. Como se afirmou na Gazeta de Notícias de 28 de agosto de 1905 (página 1), “Olavo Bilac e Guimarães Passos acabam de publicar, editado pela livraria Alves & Cia., um Tratado de versificação (...). O nome dos autores basta para dizer o que é o pequeno volume - um modelo de exposição clara e inteligente”. 4 4 Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=103730_04&pasta=ano%20190&pesq=&pagfis=10405. Acesso em: 07/12/2022. No Almanaque Brasileiro Garnier, na edição de 1907, à página 300, João Ribeiro escreve: “os versos de Magalhães de Azeredo [...] podiam ser incluídos e exemplificados no excelente tratado de versificação recentemente publicado por Olavo Bilac e Guimarães Passos”. 5 5 Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=348449&pesq=%22tratado%20de%20versifica%C3%A7%C3%A3o%22&pasta=ano%20190&hf=memoria.bn.br&pagfis=3090. Acesso em: 07/12/2022. Uma das raras vozes a levantar objeções foi a de Isidro Nunes. Em artigo publicado nos dias 24, 25, 26 e 27 de abril de 1908NUNES, Isidro. Rimas. A Capital, p. 2, 24-27 de abril 1908., na seção “Licença poética”, d’ A Capital, o crítico, falando das rimas de Bilac, afirma que esse poeta: “... sofre do mesmo mal. Sem razão, entretanto. No seu tratado de versificação publicado em colaboração com Guimarães Passos, e que é uma compilação inextensa do de Castilho...”( NUNES, 1908NUNES, Isidro. Rimas. A Capital, p. 2, 24-27 de abril 1908.). 6 6 Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=227510. Acesso em: 16/02/2023. Pelo que pudemos encontrar, apenas 40 anos depois essa restrição ao Tratado foi repetida, de forma genérica (isto é, sem se referir especificamente ao manual de Bilac e de Guimarães Passos), por Manuel Bandeira. No prefácio à Versificação portuguesa, de Said Ali, ele afirma que “no Brasil, os compêndios anteriores a este não passavam de um decalque, com pequenas variantes, do Tratado de metrificação portuguesa, de A. F. de Castilho” ( Said Ali, 2006 [1948], p. 10SAID ALI, Manuel. Versificação portuguesa. São Paulo: EDUSP, 2006).

Embora muito pouco apresentada e discutida, a forte influência do manual de Castilho no tratado de nossos dois poetas é percebida desde o início. De forma alguma isso deveria causar surpresa, tendo em conta a enorme influência do poeta romântico português em nossas terras. Mesmo após o nacionalismo incorporado por nossos próprios românticos brasileiros desde os primórdios, mesmo depois das contendas com os portugueses pelo uso do idioma português, literário ou não, António Feliciano de Castilho foi muito influente, não só pelo exemplo de sua prática poética, mas também por sua teorização no Tratado de metrificação portuguesa ( 1851CASTILHO, António Feliciano de. Tratado de metrificação portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1851. ). Chegam a algo em torno de mil as referências ao nome de Castilho em obras publicadas no Brasil entre 1850 e 1930, 7 7 Conforme se pode pesquisar em http://www.literaturabrasileira.ufsc.br. e elas são muitas no Tratado de Bilac e de Guimarães Passos, como se verá adiante.

À parte o Tratado do poeta português, quais outras referências poderiam ter servido de base ao de Bilac e de Guimarães Passos? Na biblioteca pessoal de Olavo Bilac, consultável na Academia Brasileira de Letras, aparece apenas uma obra que se refere, ainda que secundariamente, às técnicas de versificação: a Arte de dizer: estudos reunidos e ordenados, de José António Moniz. 8 8 Moniz (1903). Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=226411. Acesso em: 16/02/2023. Não há nenhum outro. Esse manual foi possivelmente consultado por Bilac e Guimarães Passos quando da redação de seu Tratado de versificação ( 1905BILAC, Olavo; PASSOS Guimarães. Tratado de versificação. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1905.). Por óbvio, outros o foram com certeza, bastando observar, por exemplo, as citações explícitas a trechos do manual de Pierre-Marie Quitard (1868QUITARD, Pierre-Marie. Dictionnaire des rimes: précédé d'un Traité complet de versification. Paris: Garnier Frères, 1868.) que aparecem no manual dos dois poetas brasileiros. 9 9 Nem o de Quitard, nem o de Castilho aparecem no acervo de Bilac, sob guarda da biblioteca da Academia Brasileira de Letras. Muito dificilmente pertenceriam a Guimarães Passos, pela vida meio errante e precária que sempre levou (vide MENEZES, s.d.). Vejamos o que ocorre, por exemplo, com o Curso de literatura nacional ( 1881COELHO, F. Adolfo. Curso de literatura nacional: Para uso dos liceus centrais. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz, 1881.), de F. Adolfo Coelho. 10 10 Também ausente do acervo de Bilac, na ABL. Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=223175. Acesso em 16/02/2023. Nas páginas 128 e 129 do Tratado de versificação, em que se discorre sobre a elegia, há todo um parágrafo compilado da obra do professor português (em suas páginas 32 a 34); nas páginas 160 e 161, os dois autores fazem uma longa citação direta do mesmo Adolfo Coelho a respeito do ditirambo (páginas 44 a 46 do Curso). Isso parece trazer à baila a hipótese de que a originalidade e a autonomia não estavam entre as preocupações de Bilac e de Guimarães Passos. Ao redigirem sua obra, lançaram mão, aparentemente, de uma estratégia de compilação e de repetição, nas duas vertentes em que ela se desdobra: de um lado, a história literária brasileira; de outro, a teoria do verso. 11 11 Das duzentas e cinco páginas do Tratado de versificação, vinte e cinco são dedicadas a uma abordagem historiográfica, “A poesia no Brasil”. Não é descabido afirmar que tanto em uma quanto em outra os dois autores basearam-se em manuais, tratados e histórias literárias consagradas pela tradição dos estudos literários, seja na Europa (no que se refere ao verso), seja no Brasil (no que diz respeito à história literária). É essa a hipótese que pretendemos aqui fundamentar, abordando especificamente a teoria do verso, mostrando que tais estratégias foram importantes na elaboração do Tratado. Fazer o mesmo percurso com respeito à história literária é empreitada que fica talvez para uma próxima ocasião.

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Vejamos o caso de Quitard e de seu Dictionnaire des rimes précédé d’un traité complet de versification. No catálogo da Bibliothèque Nationale de France, a edição mais antiga que encontramos foi publicada em 1868. 12 12 O sítio WorldCat dá notícia de 34 edições entre 1867 e 1969. Disponível em http://worldcat.org/identities/. Acesso em 16/02/2023. Embora não conste do acervo de Bilac, certamente foi lida, e atentamente lida, pelos dois poetas. Na página 35 do Tratado de versificação, há uma tradução direta do manual francês:

A etimologia latina das palavras prosa e verso claramente indica a diferença essencial da sua significação: prosa vem do adjetivo latino prosa (subentendendo-se o substantivo oratio, discurso, oração) - oratio prosa, discurso contínuo, seguido, e respeitando a ordem gramatical direta; verso é derivado de versus, do verbo vertere, tornar ou voltar -, porque, uma vez esgotado um certo número de sílabas, a oração interrompe-se, e volta de novo ao ponto de partida, a fim de começar outra evolução silábica.- Quitard.

Na obra de Pierre-Marie Quitard, 13 13 Edição de 1909, em Paris, pela Garnier Frères. temos:

L'étymologie latine des mots prose et vers indique assez clairement la principale cause de leur dissemblance : prose vient de PROSA, sous-entendu ORATIO, discours, c'est-à-dire le discours qui va en avant, tout droit, qui suit l'ordre grammatical qu'on nomme direct. Vers dérive de VERSUS, pris du verb VERTERE, tourner, soit parce que le vers procède par des tournures qui lui sont propres, soit parce que, après avoir fourni le nombre de syllabes dont il se compose, il retourne de ce point d'arrêt au point de départ, afin de recommencer une nouvelle évolution syllabique.

Em nota de rodapé à página 64, o Tratado de versificação traz outra citação direta:

O verso alexandrino, que não é usado na métrica italiana, nem espanhola, só depois de Bocage começou a ser empregado na portuguesa. É uma criação francesa. Escreve Quitard: «Este verso chama-se alexandrino, por ter sido metodicamente empregado na composição do famoso Roman d'Alexandre le Grand, - poema começado no século XII por Lambert Licors, de Châteaudun, e continuado por Alexandre de Bernay, trovador normando do mesmo século. Assim o seu nome é uma dupla alusão ao nome do herói e ao do trovador.

O Dictionnaire des rimes… traz:

[…] vers alexandrin, parce qu'il fut employé, non pour la première fois, comme on l'a prétendu, mais avec plus de convenance qu'il ne l'avait été jusqu'alors, dans le Roman d'Alexandre le Grand, commencé au douzième siècle par Lambert Licors de Châteaudun, et continué par Alexandre de Bernay, dit de Paris, trouvère normand du même siècle. C'est une double allusion au nom du héros et à celui de ce trouvère. 14 14 Id. Ibid.

Não seria impossível que outras passagens também tenham sido aproveitadas da obra do homem de letras francês, assim como de outros poetas e teóricos que exerceram grande influência no grupo parnasiano, como é o caso de Théodore de Banville e seu Petit traité de poésie française, de 1872BANVILLE, Théodore de. Petit traité de poésie française. Paris: Imprimerie A. Le Clere, 1872.. 15 15 Ramos (1964) afirma que os princípios da poética parnasiana, isto é, “o cuidado métrico e rimático, a correção gramatical, a precisão vocabular, a poupança e a acessibilidade das figuras de pensamento [...] não foram obtidos na pregação parnasiana francesa, mas no trato dos preceptistas clássicos e neoclássicos e até, possivelmente, em manuais vulgarizadores de Retórica Poética” (p. 9). A relevância dada ao manual de Quitard por Bilac parece colocar em xeque, ao menos parcialmente, essa hipótese. Duas considerações nos levam a não seguir esse caminho, neste momento. Primeiramente, a dificuldade do levantamento de material de análise, que exigiria muitas e sucessivas leituras para determinação de similaridades nem explícitas, nem evidentes. Em segundo lugar está o que me parece mais importante: llementos técnicos na composição do verso e, naturalmente, de seu ritmo, são específicas às línguas empregadas pelos poetas. Se, desde o século XVI, para os poetas de língua portuguesa, já havia alguma dificuldade para estabelecer e utilizar similaridades com o sistema de versos do espanhol, o que dirá do francês?! É certo que a mudança de sistema de contagem métrica proposta por Castilho (e aceita amplamente em Portugal e no Brasil) vem do verso francês, mas isso não esconde o fato de que há diferenças fonéticas e fonológicas importantes entre as duas línguas. Elas sempre foram obstáculos à assimilação do sistema francês pela poesia em língua portuguesa, 16 16 Para citar apenas três delas, no que se refere ao Francês: o E mudo ( E muet), a pequena variedade de terminações de palavras, a inexistência de versos graves ou esdrúxulos. a despeito da atenção dada aos hábitos de versificação da poesia francesa, como encontramos no Tratado de Bilac e Guimarães Passos. Daí nossa escolha em concentrar a análise no que está mais à mão: as muitas e evidentes referências, citações e adaptações do Tratado de Castilho. Numerosas e explícitas, elas demonstram que não houve nenhum esforço para disfarçar a origem de várias passagens da obra de Bilac e de Guimarães Passos. Não é descabido afirmar que o manual do poeta português forneceu a própria espinha dorsal do Tratado de versificação de Bilac e de Guimarães Passos.

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As marcas de Castilho e de sua obra espalham-se em todo o Tratado de versificação. Há muitas referências diretas, a começar pela importância dada à obra poética do português, como se pode ler na página 20, citando uma passagem de Teófilo Braga: “[...] Castilho continuou as velhas fôrmas arcádicas, reagiu por longo tempo contra a introdução do romantismo, vindo por fim a cooperar na idealização da idade média e a traduzir as obras que mais caracterizavam a inspiração moderna”. Na página 68, a inspiração do poeta português (chamado, em outra passagem, de “mestre” 17 17 Na página 41 do Tratado, comentando uma afirmação de Castilho, os autores dizem: “O ouvido (aconselha o mestre), é o melhor guia.” ), é explicitamente reconhecida: “O visconde de Castilho, por quem sempre nos guiamos [...]”.

Com frequência, há citações diretas do Tratado de metrificação portuguesa, como vemos na página 42:

“Castilho, exemplificando, com a sua notável compreensão dos antigos (que os helenos legislaram a princípio em verso) diz, para esclarecimento das primeiras figuras, em formulas resumidas e precisas: «Vogais contrai a Sinérese, Dentro a mesma dicção; Mas tu, Sinalefa, absorvê-las, Se em duas vozes estão.» Das segundas: «Princípios come a Aférese; A Prótese os inventa. No meio tira a Síncope; A Epêntese acrescenta; Corta nos fins Apócope, Paragoge os aumenta.»

Segue-se, então, uma advertência (sobre o uso de aféreses, síncopes, apócopes, próteses, epênteses e paragoges) retirada do Tratado de metrificação portuguesa.

Na página 56, temos:

Apreciando as suas [do verso esdrúxulo] qualidades, diz Castilho: «Ideias há, talvez, com as quais a sua toada tem uma secreta afinidade; v. g. a ideia de extensão ou grandeza. Considerai os superlativos, todos dactílicos: máximo, ótimo, grandíssimo, boníssimo, altíssimo, vastíssimo, profundíssimo, amplíssimo... Não é verdade que o mesmo tom material destes adjetivos assim tem alguma coisa de representativo?»

Por vezes, são feitas paráfrases muito próximas. Na página 41, nossos poetas afirmam que

“Castilho opõe uma limitação a esta regra [da elisão de vogais], quando acha possível a absorção 1 2 3 4 5 6 1 2 3 de quatro vogais numa só sílaba, e cita glória e amor que lhe parece gloramor. Acha isto um barbarismo, senão um erro.”

Na obra do poeta português (à página 9), lemos que:

Limitação. - A absorção de quatro vogais em uma só sílaba seria ainda possível, rigorosamente 1 2 3 4 5 6 1 2 3 falando, mas deve sempre evitar-se. Por exemplo: quem fizesse de glória e amor - gloramor cometeria um barbarismo, ainda que não um erro. O bom ouvido, e afeito à lição dos bons metrificadores, ensina todas estas coisas muito melhor e mais facilmente do que todos os preceitos teóricos.

Em algumas passagens, Bilac e Guimarães Passos põem foco nas distinções entre as prosódias poéticas portuguesa e brasileira, possivelmente distanciando-se de Castilho. Na advertência acima mencionada, na página 43, eles fazem uma citação direta em que o poeta português comenta as alterações sofridas por uma língua. Escreve Castilho: “O uso geral de um povo altera, no correr dos anos, muitas palavras [...]. Todas essas alterações, depois de assim generalizadas, ficam sendo licitas, até aos mínimos escrevedores”. A partir daí, nossos dois poetas generalizam essa observação, invocando um juízo de escritor contemporâneo a eles: “Mormente, acrescentamos, quando uma língua sofre as modificações, que um continente diverso impõe, como assinala Teófilo Braga, no prefácio do Parnaso Lusitano, referindo-se à língua portuguesa falada em Portugal (Europa), e no Brasil (América)”. Ao contrário, assim, do aparente distanciamento acima mencionado, essa argumentação de Bilac e Guimarães Passos, toda feita de citações enredadas, parece querer insinuar que Castilho já aceitaria, sub-repticiamente, as especificidades do verso em português escrito pelos brasileiros.

Em outro trecho (página 41 do Tratado de versificação), é acentuada outra diferença entre o verso português e o brasileiro: “a figura sinérese absorve duas vogais dentro de uma só; e a sinalefa contrai duas sílabas em uma, na passagem de uma para outra. Castilho não liga grande ou talvez nenhuma importância a estas regras, seguindo, e é natural, o antigo poetar português; no Brasil, porém, é isto muito observado”. Contudo, se examinamos bem de perto, esse uso diferenciado da sinérese não seria devido às distinções linguísticas entre ambos os países, mas entre duas gerações, a romântica e a realista. Péricles Eugênio da Silva Ramos 18 18 Ramos (1967b, p. 21): “Uma das incorreções românticas, para os parnasianos, havia sido a frouxidão dos versos, isto é, os hiatos entre as palavras e internamente as diéreses [...] os parnasianos odeiam os hiatos [...]”. e Manuel Bandeira 19 19 Bandeira (1958, p. 803): “O hiato é, na técnica do verso, o hábito fonético que mais extrema os nossos românticos dos mestres parnasianos”. , entre outros, chamam a atenção para isso. Quando os autores do Tratado afirmam que, no Brasil, o uso da sinérese é “muito observado”, não contam toda a história, pois o uso mais livre do hiato pelos românticos foi abertamente criticado pelos parnasianos. Não é uma questão de país, mas de geração, conflito que os parnasianos Bilac e Guimarães Passos certamente queriam esconder. Afinal de contas, transformar uma especificidade em generalidade sempre reforça o próprio lado na discussão. Aqui, o diferendo não é com o português Castilho, mas com o romântico Castilho (como era também com nossos românticos brasileiros).

Ora, comparando, no Tratado de versificação, as aproximações e os distanciamentos com respeito ao Tratado de metrificação portuguesa, aquelas são muitíssimo mais numerosas e importantes, e onde se dá certamente a maior e mais evidente coincidência (mais do que mera aproximação!) está nos tópicos desenvolvidos por Bilac e Guimarães Passos. A seguir, apresentamos um quadro com os sumários dos dois tratados ( Quadro 1). À esquerda está o da segunda edição 20 20 A escolha da segunda edição explica-se por ela ser “correta e aumentada”. do manual de Castilho; à direita, o da primeira edição do manual brasileiro.

Quadro 1 -
Quadro comparativo dos sumários dos tratados

Há um total de 62 tópicos no TC; 40 no TBG. 22 22 De ora em diante, para tornar a exposição menos repetitiva, o tratado português será denominado TC e o brasileiro, TBG. Quatro conteúdos deste não aparecem naquele. O primeiro é a apresentação da história literária da poesia brasileira (p. 7 e ss.), perspectiva que evidentemente não interessava a Castilho nessa sua obra. O último (p. 91) traz uma apresentação de gêneros poéticos pelo TBG, perspectiva que tampouco interessou ao poeta português, ocupado especificamente com questões técnicas da construção e da e enunciação do verso.

Quase todas as “Observações” da página 68 do TBG, se não estão na sequência do sumário do TC, reúnem alguns juízos espalhados ao longo deste segundo tratado: a condenação ao descompasso entre melodia e métrica, a restrição ao uso de palavras de pronúncia difícil, a interdição de cacófatos, a condenação das más rimas, a mutilação de palavras. 23 23 Respectivamente páginas 58 (os dois primeiros tópicos), 61, 115 e 13 do TC. No caso desta última, dizem os autores brasileiros: “Os poetas portugueses abusam das figuras de que já falamos, quando escrevem F'liz, por feliz; mol, por mole; ou esp’rança, por esperança. Todas as palavras cabem no verso sem mutilação; tenha o metrificador cuidado, perícia e paciência, sem o que não fará bons versos”. É curioso ver que Castilho condena genericamente a supressão de fonemas (“mutilando-a”, é a expressão que emprega), sendo que esse é um dos traços prosódicos mais característicos da fala lusitana. Há, nisso, total anuência dos nossos dois poetas, mas não deixa de ser também curioso que esse recurso apareça bastante em versos de contemporâneos dos autores do TBG. Um deles, Lúcio de Mendonça, figura de proa do grupo de intelectuais de que faziam parte Bilac e Guimarães Passos, esmerava-se em supressões de fonemas, reproduzindo essa prosódia lusitana condenada no TBG, como se pode ver em seus Murmúrios e clamores 24 24 Mendonça (1902). O poeta grafa esp’rança, f’licidade (muitas vezes), musc’los. .

Assim, das “Observações”, resta apenas uma que parece não ter correspondência no TC: as licenças poéticas concedidas aos versos humorísticos. Castilho fala muito pouco do humor e do riso e não chega à posição de aceitar, em versos desse tipo, supostos descuidos com a língua, como se defende no TBG. Haveria aí, talvez, a tentativa de resguardar um mínimo de legitimidade para a produção poética humorística de ambos os poetas, a exemplo de Pimentões 25 25 Bilac; Passos (1897). , obra também feita em coautoria por Olavo Bilac e Guimarães Passos.

As estratégias práticas de produzir rimas (“Do modo de procurar as rimas”, página 137 do TC) não foram desenvolvidas por Bilac e Guimarães Passos. O mestre português tenta ensinar aos iniciantes como não apelar aos dicionários de rimas, o que seria uma propaganda negativa para o próprio Dicionário de rimas 26 26 Passos (1904). , de Guimarães Passos, lançado em 1904 e republicado, com aumentos, em 1913, em parceria com o próprio Olavo Bilac.

Examinemos agora os 21 tópicos do TC que não estão explicitamente no TBG, isto é, que não constituem tópicos específicos deste segundo tratado, nem muito menos são apresentados de modo rápido ou disfarçado. Os “versos portugueses de medição latina” (p. 21) não são discutidos no TBG. Ao que parece, nossos dois poetas rendem-se à evidência prática de que o sistema de extensão silábica do ritmo poético greco-latino não tem como ser empregado nas línguas neolatinas, em que o verso está baseado na intensidade da sílaba. 27 27 Isso a despeito de tal tentativa ter sido feita por um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, o diplomata, memorialista e poeta Magalhães de Azeredo, muito próximo do grupo de poetas em que pontificava Olavo Bilac. Vide suas Odes e elegias. Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=151569. Acesso em 26-/02/2023.

Quando discute a “índole da língua portuguesa em relação aos metros” (p. 47 do seu TC), Castilho faz um levantamento de quantidades e de tipos de versos não só em poetas (Rodrigues Lobo, Garcia de Resende, Sá de Miranda), mas também em prosadores como Vieira e Frei Luiz de Sousa. Nesse caso, o TBG parece não querer entrar nesse terreno pantanoso de identificar ritmos poéticos dentro da prosa. Espremidos entre uma Iracema, de Alencar, e um Missal, de Cruz e Sousa, nossos poetas, parnasianamente, delimitam a construção do ritmo poético apenas dentro do verso. Para isso, tomam distância de Castilho para apoiar-se na distinção irredutível entre prosa e verso proposta por Quitard (citada na página 4 deste trabalho). É certo que há uma escorregada nessa linha argumentativa: na página 38, o TBG parece reaproximar-se da posição de Castilho, quando recomenda ao principiante “praticar o mais possível em livros de prosa e verso”. Contudo, logo voltam à posição dominante, por exemplo quando condenam poemas “maçantes, prosaicos” (p. 95).

Uma diferença importante, fundamental talvez, entre o TC e o TBG, é a discussão trazida por Castilho sobre a declamação (“Sobre a recitação dos versos”, páginas 138 a 145 do TC). Essa perspectiva não aparece no TBG, a despeito de a única obra próxima de uma do verso que aparece no acervo de Bilac, como já dissemos acima, ser Arte de dizer: estudos reunidos e ordenados, de José António Moniz. A simplificação e a unidade, necessárias a um manual escolar de caráter introdutório, talvez explique essa ausência. A ênfase de Bilac (e, por extensão, de Guimarães Passos) parece não incluir a leitura pública, a declamação, concentrando-se no fazer poético. Outra hipótese é que, talvez, com essa lacuna, o TBG queira indicar que a declamação seria uma atividade destinada aos não-poetas. Vale lembrar que, no momento de redação do TBG, a febre das conferências literárias, que implicou a fala pública e a encenação retórica por parte dos escritores, ainda não havia dado seus primeiros passos. 28 28 Segundo Broca (1956, p. 136), “[...] Medeiros e Albuquerque diz ter sido ele quem, ao regressar de Paris, em 1906, lançara no Rio de Janeiro as conferências remuneradas fazendo que por elas se interessassem Bilac e Coelho Neto.”

Por último, o tópico “Da poesia” (página 145 do TC), um ensaio sobre a linguagem poética, traz uma concepção marcadamente romântica. Castilho, logo ao início, já dá sua diretriz:

Os versos, de que até aqui temos tratado, não são mais que a forma sensível, e como quer que seja material, com que a poesia se nos revela. Como todas as artes plásticas, a versificação pode ser facilmente submetida à análise, e sujeita a regras; não assim o entusiasmo. A sua essência é liberdade. Criador, como o Criador de quem procede, é ao novo, ao desconhecido, que o entusiasmo aspira de contínuo.

No TBG, não há um ensaio sobre a poesia, a partir, no caso, de uma perspectiva parnasiana obviamente. Se houvesse algo assim, é certo que chamaria a atenção para uma fraqueza do manual: apoiar-se declaradamente na técnica do verso estabelecida por Castilho para confrontá-lo na concepção filosófica com que se compreende a linguagem poética. Em vez disso, Bilac e Guimarães Passos trouxeram essa discussão para o campo da forma ou, para dizê-lo mais corretamente, para o campo dos gêneros poéticos. Daí a longa apresentação didática da poesia épica, lírica, dramática, satírica e didática, ocupando mais da metade do TBG e condizente com o tom e a estratégia dos manuais didáticos de retorica e poética que, desde meados do século XIX, já vinham sendo produzidos no Brasil ( Acízelo, 1999ACÍZELO, Roberto. O império da eloquência. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1999.).

Finalmente, há tópicos do TC não elencados no sumário do TBG, mas que estão contemplados, ainda que resumidamente, em diversas passagens do manual brasileiro. As restrições ao uso dos esdrúxulos 29 29 “Contra dos esdrúxulos” (p. 25) e “Proporção dos versos agudos, graves e esdrúxulos para o Português” (p. 26). e a constatação de sua pouca frequência aparecem no TBG nas páginas 57 e 58. As “Observações sobre a melodia dos versos” (p. 58 do TC), como já indicado acima, estão na página 68 do TBG. Cinco tópicos do TC referem-se ao pretenso conteúdo semântico dos fonemas utilizados na poesia: “Estatística dos sons e articulações na língua portuguesa” (p. 82), “Ampliação da teoria dos valores das vogais e das consoantes” (p. 83)”, “Digressão sobre a composição fônica das palavras” (p. 85), “Língua primitiva” (p. 86) e “Amostras e exercícios onomatópicos” (p. 87). Eles estão apresentados no TBG, de forma mais resumida, entre as páginas 71 e 75. A longa discussão sobre versos rimados e não rimados que Castilho apresenta está muito resumida em três curtos parágrafos nas páginas 75 e 76 do TBG. 30 30 Páginas 103 a 106 do TC: “Vantagens dos versos não rimados”, “Vantagens dos versos rimados”, “Em que obras são preferíveis os versos soltos”, “Em que obras são preferíveis os versos rimados”, “Qual é o metro português que melhor pode dispensar a rima”, “Algumas cláusulas que se devem observar para os versos soltos”. O mesmo ocorre com a análise das rimas toantes, 31 31 Páginas 109 e 110 do TC: “Do uso dos toantes”, “Combinação dos toantes com os consoantes para xácara”. bastante sumarizada em um curtíssimo parágrafo à página 77.

~ ~ ~

As discussões acima apresentadas, assim como os elementos examinados, trazem algumas implicações interessantes e ficam pedindo tentativas, ao menos, de explicações. O que mais me impressionou, à primeira vista, foi a comparação entre os sumários dos dois tratados ou, sendo mais específico, o fato de a sequência de conteúdos (e de seus títulos) do TBG ser quase a mesma do TC. Fosse nos dias de hoje, certamente essa repetição ganharia o nome de plágio, e o escândalo, além do processo judicial, já estaria garantido. Aumenta certamente a surpresa saber que essa cópia foi feita de modo declarado, não só com pouquíssima autonomia, mas com os dois autores reconhecendo explicitamente sua dívida para com Castilho e seu TC. E espanta ainda mais ter ciência de que ambos, Bilac diretamente, foram dos primeiros defensores da Sociedade dos Homens de Letras, que, entre outras coisas, visava a defender os direitos dos escritores. Tentou-se criar essa Sociedade em 1890 - a partir da sugestão propagandeada em um artigo que Pardal Mallet publicou no Correio do Povo, em 9 de maio daquele ano - para, entre outras coisas, exigir a promulgação de uma lei de proteção aos direitos autorais dos escritores. Dizia o artigo que:

Corta-se com a maior sem cerimônia uma poesia ou um conto de autor brasileiro publicado em qualquer jornal e estampa-se o mesmo em outro jornal ou revista sem dar a menor satisfação ao autor. Os contos de Coelho Neto e Artur Azevedo são reproduzidos em dezenas de jornais em todo o Brasil sem que eles recebam um níquel por isso. Enquanto isso, a família de Fagundes Varela está na miséria. Até agora nada se sabe sobre o pedido de pensão da viúva de Macedo. E a viúva de José de Alencar costuma comprar um camarote para assistir a’ O guarani. 32 32 Apud Broca ( 1991, p. 134).

Além de Pardal Mallet, entre seus participantes estavam Machado de Assis, Ferreira de Araújo, José do Patrocínio, Emílio Rouède, Alcindo Guanabara, Valentim Magalhães, Aquiles Varejão, Aluísio Azevedo, Artur Azevedo e... Olavo Bilac. 33 33 O fato de Guimarães Passos, até onde pude saber, não se encontrar entre os fundadores da Sociedade de 1890 (quando da fundação da de 1915, ele já havia falecido), não o afasta desses ideais também defendidos por Bilac. Além de terem sido amigos pessoais, foram partidários de mesmas ideias políticas, escreveram obras em conjunto e ambos estavam entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras. A Sociedade não frutificou, ao menos não naquele momento. Em 1915 houve uma tentativa de recriá-la, tendo o mesmo Olavo Bilac como um de seus principais animadores. Ora, 15 anos depois da primeira proposta de uma agremiação para a defesa dos direitos autorais, Bilac e Guimarães Passos publicaram sua versão (digamos assim!) do tratado de Castilho. E a publicaram exatos 10 anos antes da tentativa de recriação de uma sociedade com os mesmos propósitos.

Não se espera que, entre 1890 e 1915, Bilac e seu companheiro de escrita e de ideias, Guimarães Passos, tenham provisoriamente posto de lado a luta pelos direitos dos escritores. As necessidades materiais, ao menos mitigadas pelas publicações paradidáticas - como é o caso do TBG -, poderiam explicar essas hesitações na defesa da profissão do escritor. Mas há, provavelmente, outra explicação mais propriamente literária, e ela acaba concedendo a Olavo Bilac uma primazia na concepção e na realização do TBG que, desde o início deste trabalho, evitei defender. É óbvio que seria mais fácil e imediato comparar os renomes de ambos os autores, a repercussão contemporânea e posterior de suas obras e decidir por uma autoria principal e uma secundária: respectivamente Bilac e Guimarães Passos. Nada mais injusto, nada mais incerto. Contudo, a estratégia de escrita do TBG traz uma característica principal que merece ser bem analisada. Ela se baseia em repetições (nesse caso do TBG, muitas repetições de uma única obra, o TC) alteradas por cortes e acréscimos. Um procedimento semelhante, se o encontramos na obra de um dos dois poetas, pode permitir a hipótese de que esse um provavelmente foi o principal autor do TBG. E esse um é justamente Olavo Bilac!

R. Magalhães Jr. traz exemplos de certa estratégia de escrita que fica evidente na composição de alguns poemas de Bilac. O crítico e historiador afirma que:

Bilac foi, de início, um poeta torrencial, sem medida, com tendência à prolixidade. O êxito de algumas extensas poesias, escritas nessa fase de sua carreira [...] o levou a ultrapassar em outros poemas a medida conveniente, a que só chegou após severa autocrítica, podando excrecências e suprimindo, às vezes, por inútil, grande parte do texto divulgado nas primeiras versões. [...] Bem expressivo é o caso de uma longa poesia, que Bilac depois desdobrou em duas, incluídas na Alma inquieta, uma com o título de Vinha de Naboth e outra com o título de Em uma tarde de outono, aquela com 16 versos e esta com 14, ou seja, com o aproveitamento nas duas de 30 versos, quando a versão inicial tinha 88, distribuídas em 22 quadras. 34 34 Magalhães Júnior (1974, p. 92).

Do longo poema original (“ Extrema verba35 35 Citado a partir do Almanaque do Vassourense, ano 1889. ), quatro quadras foram retiradas e reorganizadas em outra ordem, para chegar ao poema “Vinha de Naboth” 36 36 Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=148155. Acesso em 24/02/2023. (ver Quadro 2):

Quadro 2 -
Comparações entre as duas versões.

Poucas mudanças e muitas repetições é o que se vê no segundo poema. As alterações são:

* troca de “esse momento” por “aquele dia”, no primeiro verso;

* no segundo verso da primeira quadra, uma vírgula entra no lugar de um ponto-de-exclamação e um travessão é eliminado;

* troca do adjetivo “imensa” por “espessa”, no quarto verso da primeira quadra;

* “do” aparece em vez de “de”, no quarto verso da segunda quadra;

* agora é “de” que vem substituir “do”, no primeiro verso da terceira quadra;

* “de teu” cede lugar a “desse”, no terceiro verso da terceira quadra;

* a forma verbal “fitando” é substituída por “olhando”, no quarto verso da terceira quadra;

* mudança na pontuação (entra uma vírgula no lugar de um ponto-de-exclamação), no primeiro verso da quarta quadra;

* uma vírgula é suprimida no terceiro verso da quarta quadra;

* finalmente, no quarto verso da quarta quadra, “desejo,” cede a vez a “procuro”.

São pequenas mudanças, sem grande efeito no todo do poema; de fato, nada que o altere substancialmente. Comparado ao poema que foi seu ponto de partida (“ Extrema verba”), a estratégia de criação de “Vinha de Naboth” se baseia em muita repetição, com uns poucos acréscimos e supressões, na mesma linha do que vimos no TBG com respeito ao TC.

O mesmo ocorre no soneto “Em uma tarde de outono” 37 37 Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=148155. Acesso em 24/02/2023. , também derivado de “ Extrema verba”. Vejamos como ( Quadro 3):


Quadro 3.

O primeiro quarteto é novo, assim como os dois primeiros versos do primeiro terceto. Tudo o mais foi retirado de “ Extrema verba”, novamente com poucas alterações:

* troca de ponto-de-exclamação por vírgula no primeiro verso do segundo quarteto;

* a expressão “, ao vir do vento,” entrou no lugar de “ao vir o dia”; 38 38 Isso causou a repetição da palavra “vento”, trazendo a ela ênfase semântica, mas, sobretudo, produzindo uma dubiedade rítmica interessante. Nesse caso, a sílaba tônica “ven”, na segunda ocasião em que aparece, pode ou não ganhar acento rítmico, ou seja, o verso pode ser uma sucessão de iambos, sem cesura na sexta sílaba, deixando de ser escandido como alexandrino, ou pode ser dividido em duas metades iguais (cada um com iambo seguido de peônico de quarta), produzindo, então, um típico alexandrino.

* no que é a maior alteração em todos os casos aqui apresentados, no quarto verso do segundo quarteto, a expressão “Se logo, ao ir da luz” vem no lugar de “E feliz, sem remorso”, apagando a ironia ou a contradição que, no poema original, era dada por esta segunda imagem;

* o terceiro verso do primeiro terceto traz tão somente mudanças mínimas na pontuação e o acréscimo do sentido de contraposição dado pela conjunção “mas”, além da eliminação da redundância dada pela segunda pessoa do singular (que estava explícita no original) e a desinência da forma verbal;

* o primeiro verso do segundo terceto faz movimento oposto ao acréscimo da palavra “vento” acima apresentado, com a eliminação de um dos “vejo” do original, trocado por “olho”;

* no segundo verso do segundo terceto, temos apenas o acréscimo de uma vírgula no final;

* finalmente, uma mudança de pontuação no último verso do soneto, com a substituição do ponto-de-exclamação por reticências.

E há outros exemplos apontados por Magalhães Júnior, como é o caso de “O que me disse a natureza”, poema que, segundo o historiador, teria sido publicado em 28 de novembro de 1888 na Cidade do Rio 39 39 Magalhães Júnior (1974, p. 97-100). e que é de onde Bilac tirou o poema “Manhã de verão”, presente na seção “Alma inquieta” de suas Poesias. O que salta à vista é essa mistura de muitas repetições e umas poucas alterações (acréscimos e supressões). Vale reafirmar: na linha do que também foi feito no TBG, só que, neste caso, não em poemas, mas num ensaio teórico.

Todavia, a escrita poética é sabidamente bem mais sofisticada e plural. Há outro procedimento de escrita que Bilac emprega nesses poemas e que merece análise mais detida, não apenas para sobrelevar o verso, mas para mostrar a ressaltar a complexidade que ele permite à escrita. É um procedimento que vem se somar ao de repetições e mudanças e que, ao contrário deste, seria virtualmente impossível de ser aplicado a uma escrita teórica como é a de um tratado de versificação. Quero falar aqui do centão. Como o define Geir Campos, trata-se de uma “composição poética [...] que se forma com a reunião de versos de vários autores, resultando por fim num arremedo de poema com sentido completo [...]” ( Campos, 1960, p. 44CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética. Rio de Janeiro: Conquista, 1960.). O “arremedo” vai por conta da visão meio classicizante de Geir Campos, avesso a dar o devido valor a um processo de composição de larga história na literatura ocidental e que foi empregado no Barroco. Desde a Idade Média, pelo menos, já havia o hábito de descobrir, por assim dizer, poemas mais curtos dentro de outros maiores. É o que ocorria com a Eneida, em que se associavam versos distantes uns dos outros para virem formar um poema em separado, com coerência semântica e sintática. Na nossa história literária é famoso o caso do “Soneto / achado no poema do príncipe dos poetas espanhóis”, de Antônio de Oliveira, cujos 14 versos são retirados todos d’ Os Lusíadas 40 40 Vide Ramos (1967a, p. 162). ( Quadro 4):


Quadro 4.

O que faz Bilac, no caso dos poemas acima apresentados, é construir alguma espécie de centão, mas partindo de seus próprios poemas (diferentemente do que se consagrou na tradição literária ocidental). Visto de modo mais simples, essa estratégia não é nada mais nada menos do que o processo básico empregado em qualquer ato de linguagem verbal, ou seja, o de seleção e combinação. A diferença é que ele é deslocado para o nível da construção formal da escrita, de modo que o que seria dinâmica interna, se torna mecanismo de estruturação do poema. Nesse caso, ficam um tanto evidentes os andaimes que deram origem à construção arquitetônica, efeito que, paradoxalmente, o próprio eu-poético de Bilac condena em famoso soneto (“A um poeta”):

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício. 41 41 Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=44540. Acesso em: 25-/02/2023.

Evidentemente, o TBG não resultou da técnica do centão aplicada ao TC, porém não há dúvida de que o processo de repetição (ou cópia) e remontagem, com alterações ou não, aproxima aquele tratado do processo empregado por Bilac em alguns poemas. Se isso significa que o poeta do “Ouvir estrelas” é o autor predominante no TBG, não se pode afirmar com certeza alguma, mas podemos nos dar o direito de deixar aberta essa possibilidade. Ao menos, uma interessante coincidência foi descoberta entre a escrita de um tratado sobre verso e a composição de alguns poemas de Bilac. E já nos damos por satisfeitos com isso.

Referências

  • ACÍZELO, Roberto. O império da eloquência Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1999.
  • BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa Volume II: Prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.
  • BANVILLE, Théodore de. Petit traité de poésie française Paris: Imprimerie A. Le Clere, 1872.
  • BILAC, Olavo; PASSOS Guimarães. Pimentões: Rimas de “O Filhote”. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1897.
  • BILAC, Olavo; PASSOS Guimarães. Tratado de versificação Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1905.
  • BROCA, Brito. A vida literária no Brasil - 1900 Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, 1956.
  • BROCA, Brito. Naturalistas, parnasianos e decadentistas. Vida literária do Realismo ao Pré-Modernismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.
  • CAMPOS, Geir. Pequeno dicionário de arte poética Rio de Janeiro: Conquista, 1960.
  • CASTILHO, António Feliciano de. Tratado de metrificação portuguesa Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1851.
  • COELHO, F. Adolfo. Curso de literatura nacional: Para uso dos liceus centrais. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz, 1881.
  • PASSOS, Guimarães. Dicionário de rimas Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1904. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=143181 Acesso em: 22 fev. 2023.
    » https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=143181
  • MAGALHÃES JÚNIOR, Raymundo. Olavo Bilac e sua época Rio de Janeiro: Editora Americana, 1974.
  • MENEZES, Raimundo de. Guimarães Passos e sua época boêmia São Paulo: Livraria Martins Editora, s.d.
  • NUNES, Isidro. Rimas. A Capital, p. 2, 24-27 de abril 1908.
  • QUITARD, Pierre-Marie. Dictionnaire des rimes: précédé d'un Traité complet de versification. Paris: Garnier Frères, 1868.
  • RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Machado de Assis: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1964.
  • RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Poesia barroca 2. ed. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1967a.
  • RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Poesia parnasiana São Paulo: Melhoramentos , 1967b.
  • SAID ALI, Manuel. Versificação portuguesa. São Paulo: EDUSP, 2006
  • 1
    Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=116300&pagfis=5692. Acesso em 07/12/2022.
  • 2
    Até o ano de 1947, aparecem, n’ O Malho ao menos 37 referências ao Tratado.
  • 3
    Haja vista os títulos de sua autoria de que o editor, Francisco Alves, fez propaganda numa das páginas iniciais do volume: Poesias infantis, Contos pátrios, Pátria brasileira.
  • 4
    Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=103730_04&pasta=ano%20190&pesq=&pagfis=10405. Acesso em: 07/12/2022.
  • 5
    Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=348449&pesq=%22tratado%20de%20versifica%C3%A7%C3%A3o%22&pasta=ano%20190&hf=memoria.bn.br&pagfis=3090. Acesso em: 07/12/2022.
  • 6
    Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=227510. Acesso em: 16/02/2023.
  • 7
    Conforme se pode pesquisar em http://www.literaturabrasileira.ufsc.br.
  • 8
    Moniz (1903). Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=226411. Acesso em: 16/02/2023.
  • 9
    Nem o de Quitard, nem o de Castilho aparecem no acervo de Bilac, sob guarda da biblioteca da Academia Brasileira de Letras. Muito dificilmente pertenceriam a Guimarães Passos, pela vida meio errante e precária que sempre levou (vide MENEZES, s.d.MENEZES, Raimundo de. Guimarães Passos e sua época boêmia. São Paulo: Livraria Martins Editora, s.d.).
  • 10
    Também ausente do acervo de Bilac, na ABL. Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=223175. Acesso em 16/02/2023.
  • 11
    Das duzentas e cinco páginas do Tratado de versificação, vinte e cinco são dedicadas a uma abordagem historiográfica, “A poesia no Brasil”.
  • 12
    O sítio WorldCat dá notícia de 34 edições entre 1867 e 1969. Disponível em http://worldcat.org/identities/. Acesso em 16/02/2023.
  • 13
    Edição de 1909, em Paris, pela Garnier Frères.
  • 14
    Id. Ibid.
  • 15
    Ramos (1964RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Machado de Assis: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1964.) afirma que os princípios da poética parnasiana, isto é, “o cuidado métrico e rimático, a correção gramatical, a precisão vocabular, a poupança e a acessibilidade das figuras de pensamento [...] não foram obtidos na pregação parnasiana francesa, mas no trato dos preceptistas clássicos e neoclássicos e até, possivelmente, em manuais vulgarizadores de Retórica Poética” (p. 9). A relevância dada ao manual de Quitard por Bilac parece colocar em xeque, ao menos parcialmente, essa hipótese.
  • 16
    Para citar apenas três delas, no que se refere ao Francês: o E mudo ( E muet), a pequena variedade de terminações de palavras, a inexistência de versos graves ou esdrúxulos.
  • 17
    Na página 41 do Tratado, comentando uma afirmação de Castilho, os autores dizem: “O ouvido (aconselha o mestre), é o melhor guia.”
  • 18
    Ramos (1967b, p. 21RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Poesia parnasiana. São Paulo: Melhoramentos , 1967b.): “Uma das incorreções românticas, para os parnasianos, havia sido a frouxidão dos versos, isto é, os hiatos entre as palavras e internamente as diéreses [...] os parnasianos odeiam os hiatos [...]”.
  • 19
    Bandeira (1958, p. 803BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa. Volume II: Prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.): “O hiato é, na técnica do verso, o hábito fonético que mais extrema os nossos românticos dos mestres parnasianos”.
  • 20
    A escolha da segunda edição explica-se por ela ser “correta e aumentada”.
  • 22
    De ora em diante, para tornar a exposição menos repetitiva, o tratado português será denominado TC e o brasileiro, TBG.
  • 23
    Respectivamente páginas 58 (os dois primeiros tópicos), 61, 115 e 13 do TC.
  • 24
    Mendonça (1902). O poeta grafa esp’rança, f’licidade (muitas vezes), musc’los.
  • 25
    Bilac; Passos (1897BILAC, Olavo; PASSOS Guimarães. Pimentões: Rimas de “O Filhote”. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1897. ).
  • 26
    Passos (1904PASSOS, Guimarães. Dicionário de rimas. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1904. Disponível em: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=143181 . Acesso em: 22 fev. 2023.
    https://www.literaturabrasileira.ufsc.br...
    ).
  • 27
    Isso a despeito de tal tentativa ter sido feita por um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, o diplomata, memorialista e poeta Magalhães de Azeredo, muito próximo do grupo de poetas em que pontificava Olavo Bilac. Vide suas Odes e elegias. Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=151569. Acesso em 26-/02/2023.
  • 28
    Segundo Broca (1956BROCA, Brito. A vida literária no Brasil - 1900. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Cultura, 1956., p. 136), “[...] Medeiros e Albuquerque diz ter sido ele quem, ao regressar de Paris, em 1906, lançara no Rio de Janeiro as conferências remuneradas fazendo que por elas se interessassem Bilac e Coelho Neto.”
  • 29
    “Contra dos esdrúxulos” (p. 25) e “Proporção dos versos agudos, graves e esdrúxulos para o Português” (p. 26).
  • 30
    Páginas 103 a 106 do TC: “Vantagens dos versos não rimados”, “Vantagens dos versos rimados”, “Em que obras são preferíveis os versos soltos”, “Em que obras são preferíveis os versos rimados”, “Qual é o metro português que melhor pode dispensar a rima”, “Algumas cláusulas que se devem observar para os versos soltos”.
  • 31
    Páginas 109 e 110 do TC: “Do uso dos toantes”, “Combinação dos toantes com os consoantes para xácara”.
  • 32
    Apud Broca ( 1991, p. 134BROCA, Brito. Naturalistas, parnasianos e decadentistas. Vida literária do Realismo ao Pré-Modernismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.).
  • 33
    O fato de Guimarães Passos, até onde pude saber, não se encontrar entre os fundadores da Sociedade de 1890 (quando da fundação da de 1915, ele já havia falecido), não o afasta desses ideais também defendidos por Bilac. Além de terem sido amigos pessoais, foram partidários de mesmas ideias políticas, escreveram obras em conjunto e ambos estavam entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras.
  • 34
    Magalhães Júnior (1974, p. 92MAGALHÃES JÚNIOR, Raymundo. Olavo Bilac e sua época. Rio de Janeiro: Editora Americana, 1974.).
  • 35
    Citado a partir do Almanaque do Vassourense, ano 1889.
  • 36
    Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=148155. Acesso em 24/02/2023.
  • 37
    Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=148155. Acesso em 24/02/2023.
  • 38
    Isso causou a repetição da palavra “vento”, trazendo a ela ênfase semântica, mas, sobretudo, produzindo uma dubiedade rítmica interessante. Nesse caso, a sílaba tônica “ven”, na segunda ocasião em que aparece, pode ou não ganhar acento rítmico, ou seja, o verso pode ser uma sucessão de iambos, sem cesura na sexta sílaba, deixando de ser escandido como alexandrino, ou pode ser dividido em duas metades iguais (cada um com iambo seguido de peônico de quarta), produzindo, então, um típico alexandrino.
  • 39
    Magalhães Júnior (1974, p. 97-100MAGALHÃES JÚNIOR, Raymundo. Olavo Bilac e sua época. Rio de Janeiro: Editora Americana, 1974.).
  • 40
    Vide Ramos (1967a, p. 162RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (org.). Poesia barroca. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1967a.).
  • 41
    Disponível em https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=44540. Acesso em: 25-/02/2023.
  • 21
    Todo esse trecho foi comunicado por Alberto de Oliveira aos autores.

Editado por

editor-chefe:

Cássia Maria Bezerra do Nascimento

editora executiva:

Rachel Esteves Lima

editor associado:

Anderson Bastos Martins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2023
  • Aceito
    17 Dez 2023
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