RESUMO
Objetivo: Estudar botões corneanos humanos com linfangiogênese através do exame histopatológico, juntamente com os enxertos de seus transplantes anteriores e posteriores, avaliando os intervalos de tempo para sucessivas cirurgias.
Métodos: Estudo descritivo, observacional, longitudinal de botões corneanos humanos com linfangiogênese, juntamente com seus transplantes anteriores e posteriores. Os tecidos foram provenientes de ceratoplastia penetrante no período compreendido entre os anos 2006 e 2013. Após revisão de prontuários em que foram obtidas principalmente as datas das cirurgias, construímos uma tábua de sobrevivência a partir da qual os intervalos de tempo para retransplante foram calculados.
Resultados: Entre 89 casos de linfangiogênese corneana, foram incluídos apenas aqueles 22 que possuíam registros no prontuário de transplantes anteriores ou posteriores. Nos casos que apresentavam como provável etiologia do retransplante a linfangiogênese, isolada ou associada à hemangiogênese (grupos pré-linfangiogênese/linfangiogênese e interlinfangiogênese), foram encontrados intervalos de tempo para retransplante menores (7 e 3 meses, respectivamente) que aquele encontrado no grupo linfangiogênese/pós-linfangiogênese que apresentava outras etiologias prováveis para os retransplantes (11,31 meses). Casos que apresentavam como etiologia provável do retransplante a linfangiogênese isolada apresentaram um intervalo para retransplante (3 meses) ainda menor que aquele encontrado nos casos em que a etiologia provável era a linfangiogênese associada à hemangiogênese (7,80 meses).
Conclusão: Linfangiogênese, isolada ou associada à hemangiogênese, foi encontrada nos enxertos corneanos humanos estudados que evoluíram para retransplante em pequenos intervalos de tempo. Esse achado nos leva a sugerir um possível papel para os vasos linfáticos na redução do tempo de sobrevida dos enxertos corneanos humanos.
Descritores: Linfangiogênese; Angiogênese; Transplante de córnea; Ceratoplastia; Reoperação
ABSTRACT
Objective: To study human corneal buttons with lymphangiogenesis through histopathological examination, together with the grafts of their preceding and subsequent transplantations, evaluating the time intervals for successive surgeries
Methods: A descriptive, observational and longitudinal study of human corneal buttons that have lymphatic vessels, together with its preceding and subsequent transplants. Tissues were obtained from penetrating keratoplasty in the period between the years 2006 and 2013. After a medical records review in which information on the dates of the surgeries were mainly obtained, we built a survival table from which the time intervals for retransplantation were calculated.
Results: Among 89 cases of corneal lymphangiogenesis, we included only those 22, which had previous or subsequent transplantations records in medical records. In cases where the probable regrafting etiology were lymphangiogenesis, alone or combined with hemangiogenesis (pre-lymphangiogenesis/lymphangiogenesis and interlymphangiogenesis groups), time intervals for retransplantation were found to be minor (7 and 3 months, respectively) than that found in lymphangiogenesis/post-lymphangiogenesis group that had other probable etiologies for retransplantations (11.31 months). Cases that had isolated lymphangiogenesis as probable etiology of retransplantation showed an interval time for retransplantation (3 months) lower than that found in cases in which the probable etiology was lymphangiogenesis associated with hemangiogenesis (7.80 months).
Conclusion: Lymphangiogenesis, alone or combined with hemangiogenesis, was found in human corneal grafts studied that have evolved to regraft in small time intervals. This finding leads us to suggest a possible role for the lymphatic vessels in reducing the human corneal grafts survival time.
Keywords: Lymphangiogenesis; Angiogenesis; Corneal transplantation; Keratoplasty; Reoperation
INTRODUÇÃO
A transparência da córnea é essencial para uma boa visão. Reações inflamatórias dentro deste tecido podem, no entanto, causar destruição e cicatrizes, interferindo com a sua transparência e causando cegueira corneana(1). Os transplantes de córnea podem devolver a visão, mas eles frequentemente falham quando ocorre neovascularização fazendo com que sucumbam rapidamente à rejeição imunológica(2). Rejeições de enxerto imunomediadas permanecem sendo a causa mais comum de falência do enxerto pós-transplante de órgãos e tecidos(3).
Os três componentes estruturais do sistema imune que permite respostas contra tecidos estranhos após transplante são os vasos linfáticos aferentes, os nódulos linfáticos regionais e os vasos sanguíneos eferentes(4). Enquanto os vasos sanguíneos fornecem uma rota de entrada para células imunes efetoras (linfócitos T alorreativos CD4+, linfócitos T de memória), a linfangiogênese corneana permite a saída de material antigênico e células apresentadoras de antígeno a partir do enxerto para nódulos linfáticos regionais. Isso pode induzir aloimunização e subsequente rejeição do enxerto(5). A córnea normal é desprovida de vasos sanguíneos e linfáticos(6,7), o que permite seu status privilegiado único(7). Reações inflamatórias, injúrias ou infecções podem, no entanto, causar o crescimento de novos vasos sanguíneos (angiogênese) e linfáticos (linfangiogênese) na córnea(1,2); o que é intimamente relacionado com a revogação desse status privilegiado imune(7,8).
A importância relativa dos vasos linfáticos versus vasos sanguíneos para reações imunes após transplantes não é clara. Sabe-se, porém, que todo transplante de órgão sólido ou vascularizado é acompanhado de hemangiogênese e linfangiogênese através das bordas da ferida(8). Nesse contexto, a córnea tem servido como um excelente modelo in vivo para o estudo do papel da vasculatura linfática e sanguínea na mediação das respostas imunes alogênicas após transplante(9). A maioria dos estudos que fala sobre a importância da linfangiogênese na rejeição ou sobrevivência de enxertos corneanos, no entanto, vem sendo realizada em modelos murinos(8-14).
Diante do exposto, temos como objetivo estudar, através do exame histopatológico, botões corneanos humanos que possuem vasos linfáticos juntamente com os enxertos de seus transplantes anteriores e posteriores, avaliando os intervalos de tempo necessários para sucessivas cirurgias. Reconhecer se os vasos linfáticos corneanos estão presentes em enxertos que evoluem para retransplante em pequenos intervalos de tempo, poderá auxiliar na identificação de um possível papel da linfangiogênese na sobrevida de enxertos corneanos e de casos que poderiam beneficiar-se de novas estratégias para sobrevivência dos enxertos como os antilinfangiogênicos.
MÉTODOS
Com aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza, examinamos botões corneanos, provenientes de ceratoplastia penetrante no período compreendido entre os anos de 2006 e 2013, enviados para exame histopatológico ao Banco de Olhos do Hospital Geral de Fortaleza. Os tecidos foram primeiramente enviados para o setor de anatomia patológica, onde eram fixados em formol neutro a 10% e recortados. A inclusão foi feita em parafina, com cortes subsequentes de 2 a 5µm, e a coloração foi realizada com Hematoxilina-eosina. Após o preparo, os tecidos foram examinados com microscópio óptico pelos autores.
Inicialmente, detectamos os casos que possuíam vasos linfáticos. Como não dispúnhamos de meios especiais de detecção desses vasos e utilizamos coloração de rotina; selecionamos apenas os casos em que pudemos identificar com certeza como vaso linfático, ou seja, aqueles em que foi possível a identificação evidente das células endoteliais, não sendo também visualizados leucócitos ou eritrócitos no seu interior. Devido à maior dificuldade de identificação do endotélio nos capilares, esses não foram incluídos. Aqueles vasos linfáticos que, por algum motivo, se apresentaram na lâmina com extremidades mais pontiagudas também não fizeram parte do estudo, devido à possibilidade de confusão com os espaços vazios encontrados entre os ceratócitos e fibras colágenas estromais em casos de edema corneano.
O estudo foi descritivo, observacional e longitudinal de botões corneanos humanos com linfangiogênese, juntamente com seus transplantes anteriores e posteriores. Uma vez que o estudo foi descritivo, verificamos somente a proporção de aparecimento de diferentes intervalos de tempo para retransplante de acordo com os grupos considerados. Outro fator que justificou utilizarmos esse tipo de estatística foi o rigor na seleção e inclusão de casos, uma vez que a coloração utilizada não era um método específico de detecção de vasos linfáticos, levando-nos a acreditar na existência de uma possível subnotificação. Em estudos posteriores, que venham a utilizar meios específicos de detecção de linfáticos, poderão ser realizadas estatísticas de probabilidade.
Após selecionados os casos que possuíam linfangiogênese corneana, realizamos revisão de prontuários em busca de informações sobre idade, sexo, transplantes anteriores e posteriores e etiologia dessas cirurgias. Consideramos, então, neste estudo apenas os casos que possuíam registros de ceratoplastias anteriores ou posteriores ao aparecimento de vasos linfáticos.
Através da construção de tábua de sobrevivência, calculamos em meses os intervalos de tempo para retransplante de determinados grupos e suas médias. Ao realizarmos esses cálculos, adotamos duas abordagens. Na primeira delas, calculamos os intervalos para retransplante de três grupos e consideramos a linfangiogênese sem especificar se estava associada à presença de vasos sanguíneos. O primeiro grupo (pré-linfangiogênese/ linfangiogênese) foi constituído de intervalos de transplantes cujos enxertos da primeira cirurgia não possuíam vasos linfáticos; mas que no enxerto da segunda ceratoplastia, haviam apresentado linfangiogênese. No segundo grupo (interlinfangiogênese), tínhamos intervalos de transplantes cujos enxertos apresentaram linfangiogênese em ambas as cirurgias. Por fim, no terceiro e último grupo (linfangiogênese/pós-linfangiogênese) estavam aqueles intervalos de transplantes cujos enxertos da primeira cirurgia apresentavam linfangiogênese, mas que a presença dos vasos linfáticos não se repetia no enxerto da segunda ceratoplastia. Assim, observamos que no primeiro e segundo grupos estão aqueles intervalos em que a linfangiogênese podia ser considerada como etiologia do retransplante, uma vez que neles estão transplantes que possuíam vasos linfáticos no enxerto da segunda cirurgia, não havendo também outras causas para essa segunda ceratoplastia.
Não consideramos, por isso, no cálculo desses intervalos de tempo para retransplante (grupos pré-linfangiogênese/ linfangiogênese e interlinfangiogênese) aqueles casos que apresentavam causas secundárias (infecção ou perfuração) diferentes da presença de linfangiogênese corneana como etiologias possíveis do retransplante.
Na segunda abordagem, especificamos entre os intervalos em que os retransplantes poderiam ter como etiologia provável a linfangiogênese (grupos pré-linfangiogênese/linfangiogênese e interlinfangiogênese), aqueles em que os vasos linfáticos eram encontrados isolados ou associados à hemangiogênese, obtendo assim mais três grupos de intervalos para retransplante (prélinfangiogênese/linfangiogênese com linfangiogênese associada à hemangiogênese, pré-linfangiogênese/linfangiogênese com linfangiogênese isolada e interlinfangiogênese com linfangiogênese isolada no retransplante).
RESULTADOS
Foram inicialmente detectados 89 tecidos com linfangiogênese corneana. Após a revisão dos prontuários, no entanto, incluímos apenas os 22 casos que apresentaram registros de transplantes anteriores ou posteriores, sendo 10 de pacientes do sexo feminino e 12 do sexo masculino. A média das idades foi 44,36 ± 25,75 (média ± DP).
Na tábua de sobrevivência (encontramos os transplantes realizados em todos os casos estudados. Observamos aqui que temos 16 casos com dois transplantes, 4 casos com três transplantes e 1 caso com seis transplantes. Exemplificando mais detalhadamente, vemos que um caso como o 7 apresentou um transplante com linfangiogênese, um onde houve a recorrência dos vasos linfáticos com intervalo de três meses para o primeiro e outro póslinfangiogênese com intervalo de um mês para segundo, totalizando três transplantes. Já um caso como o 10 apresentou um transplante pré-linfangiogênese e outro com linfangiogênese que foi realizado dezessete meses após o primeiro, totalizando dois transplantes. Ressaltamos que o número de casos na tábua de sobrevivência (21 casos) é inferior ao da amostra (22 casos), pois o caso 7 apresentou linfangiogênese no retransplante.
Os intervalos para retransplante dos grupos prélinfangiogênese/linfangiogênese, interlinfangiogênese e linfangiogênese/pós-linfangiogênese podem ser vistas na tabela 1. O maior desses intervalos foi o encontrado no grupo linfangiogênese/pós-linfangiogênese (11,31 meses), seguido pelos grupos pré-linfangiogênese/linfangiogênese (7,00 meses) e interlinfangiogênese (3,00 meses). Obervamos que os intervalos dos grupos pré-linfangiogênese/linfangiogênese e interlinfangiogênese, onde a presença de vasos linfáticos pode ser considerada a etiologia do retransplante, foram inclusive menores que o encontrado no total da amostra considerada nesta abordagem de cálculo (20 intervalos de tempo para retransplante com uma média de intervalos de 9,60 meses). Lembramos que não consideramos nos cálculos dos intervalos para retransplante do grupo pré-linfangiogênese/linfangiogênese os casos 11, 15, 18 e 21, pois os mesmos apresentavam como etiologia do transplante causas secundárias (ceratite infecciosa ou perfuração) diferentes da presença de linfangiogênese, conforme demonstra a legenda da tábua de sobrevivência.
Intervalos para re-transplante pré-linfangiogênese/ linfangiogênese, interlinfangiogênese e linfangiogênese/ pós-linfangiogênese
Na tabela 2, consideramos apenas os casos que poderiam ter a linfangiogênese como provável etiologia do retransplante, fazendo uma separação entre aqueles que apresentavam hemangiogênese associada à linfangiogênese ou linfangiogênese isolada. Aqui, observamos que os menores intervalos para retransplante são aqueles encontrados nos casos que apresentaram linfangiogênese isolada (3 meses), seja em casos do grupo prélinfangiogênese/ linfangiogênese ou do grupo interlinfangiogênese. Os retransplantes do grupo pré-linfangiogênese/ linfangiogênese que possuíam vasos linfáticos associados a vasos sanguíneos, por sua vez, ocorreram com uma média de intervalo superior tanto em relação aqueles que possuíam linfangiogênese isolada (3 meses) como em relação ao total da amostra considerada nesta abordagem de cálculo (7 intervalos para retransplante com uma média de intervalos de 6,43 meses).
Intervalos para re-transplante que podem ter como etiologia linfangiogênese + hemangiogênese ou linfangiogênese isolada
DISCUSSÃO
Realizamos estudo histopatológico de enxertos corneanos humanos com a presença de vasos linfáticos, considerando neste estudo apenas os casos que possuíam registros de transplantes anteriores e/ou posteriores. Encontramos entre 89 botões corneanos com linfangiogênese, 22 casos que apresentaram registros dessas cirurgias no prontuário do Banco de Olhos, o que correspondeu a 24,72% da amostra inicial, demonstrando a importância da presença de vasos linfáticos nos enxertos corneanos que evoluem para retransplante. Ressaltamos que o tamanho da amostra estudada (n= 22 casos), correspondendo a cerca de um quarto da amostra inicial (n=89 casos), é considerável; poderia, porém, ser maior se pensarmos que consideramos apenas os registros de tecidos enviados para exame histopatológico ao Banco de Olhos do Hospital Geral de Fortaleza, o que é realizado de rotina apenas em casos de urgência. Os pacientes poderiam ainda ter realizado transplantes eletivos e/ou em outros Estados, o que não foi contabilizado no estudo, hipoestimando um número de casos que nós já consideramos bastante elevado.
Na primeira abordagem que utilizamos para calcular os intervalos de tempo para retransplante, encontramos os menores intervalos nos 7 casos em que a linfangiogênese podia ser considerada como a etiologia do retransplante (grupos prélinfangiogênese/linfangiogênese e interlinfangiogênese), sendo eles 7 e 3 meses, respectivamente. Aqui, como consideramos a linfangiogênese sem especificar se associada ou não a hemangiogênese, poderíamos sugerir o papel dos vasos linfáticos isolados ou associados à presença de vasos sanguíneos no tempo de sobrevida dos enxertos corneanos. Ao observarmos a tabela 2, no entanto, vemos que entre esses 7 casos, 5 apresentavam linfangiogênese associada a hemangiogênese, demonstrando que nesse momento sugerimos principalmente o papel da presença dos vasos linfáticos associados aos vasos sanguíneos na sobrevivência dos enxertos corneanos. Conforme citado anteriormente, a maioria dos estudos que fala sobre a importância da linfangiogênese na rejeição ou sobrevivência de enxertos corneanos vem sendo realizada em modelos murinos(8-14). De acordo com nossos achados estão alguns destes estudos em murinos que mostram o papel da hemangiogênese e da linfangiogênese na rejeição ou sobrevida dos enxertos corneanos(10,11). Cursiefen et al. evidenciaram que, após ceratoplastia com leito receptor avascular (também chamada ceratoplastia de risco normal), há concorrente hemangiogênese e linfangiogênese dependentes de fator de crescimento endotelial vascular A (VEGF-A) dentro do leitor receptor; e que a inibição desses braços aferentes e eferentes da resposta imune após esse tipo de transplante promove a sobrevivência do enxerto a longo prazo(10). Hos et al. demonstraram que os inibidores tirosina quinase bloqueando os receptores dos fatores de crescimento endotelial vascular (VEGF) são potentes inibidores não apenas da hemangiogênese inflamatória, mas também da linfangiogênese in vivo; e que esses inibidores parecem ter a habilidade de reter a formação dos braços aferentes e eferentes do arco reflexo imune, sendo, portanto, capazes de promover a sobrevivência dos enxertos após transplante de córnea(11). Ressaltamos, porém, que nosso estudo foi realizado em córneas humanas e são poucos os estudos que como o nosso e o de Zheng et al. demonstram que o tempo de sobrevivência dos enxertos corneanos humanos pode estar relacionado à ambos, linfangiogênese e hemangiogênese(15).
Na segunda abordagem que utilizamos para calcular os intervalos de tempo para retransplante, encontramos os menores intervalos nos casos em que a linfangiogênese isolada podia ser considerada como a etiologia do retransplante (grupos prélinfangiogênese/linfangiogênese com linfangiogênese isolada e interlinfangiogênese com linfangiogênese isolada no retransplante), sendo eles igual a 3 meses em ambos os grupos. Neste momento, consideramos apenas os sete casos que poderiam ter como etiologia provável do retransplante a linfangiogênese, mas agora especificamos os casos em que os vasos linfáticos eram encontrados isolados ou associados à hemangiogênese, o que nos leva a sugerir o papel da presença de vasos linfáticos isolados na sobrevivência dos enxertos corneanos. Aqui, observamos que transplantes com linfangiogênese isolada apresentaram um tempo de sobrevida menor (3 meses) que aqueles que apresentaram linfangiogênese associada à hemangiogênese (7,8 meses). Comparando os resultados da tabela 1 com aqueles da tabela 2, observamos que o único transplante interlinfangiogênese da tabela 1 é o mesmo que se apresentou como interlinfangiogênese com linfangiogênese isolada no retransplante na tabela 2, apresentando um intervalo de retransplante igual a 3 meses que foi o menor intervalo encontrado nas duas abordagens realizadas de cálculo. Para tentar explicar este intervalo pequeno encontrado nas duas abordagens de cálculo sugerimos duas explicações. A primeira delas seria a possibilidade da linfangiogênese, ao se repetir no retransplante, vir a ser um fator de risco a mais para falência do enxerto quando comparada ao seu aparecimento pela primeira vez. A segunda delas seria a possibilidade de a linfangiogênese isolada estar associada a um tempo de sobrevida do enxerto menor que a linfangiogênese associada à hemangiogênese. Qual das hipóteses teria mais força, não podemos afirmar com certeza. O fato do outro caso de linfangiogênese isolada (pré-linfangiogênese/linfangiogênese com linfangiogênese isolada) ter um intervalo para retransplante (3 meses) semelhante ao do caso citado acima (interlinfangiogênese com linfangiogênese isolada no retransplante) reforça a segunda hipótese. Já o estudo de Zheng et al., ao encontrar um tempo de sobrevida menor nos casos de retransplantes em que a linfangiogênese associada à hemangiogênese se repetia, reforça a primeira hipótese (15). Consideramos ainda que o maior intervalo de tempo para retransplante encontrado nos casos que apresentavam hemangiogênese associada à linfangiogênese em relação aqueles que apresentavam linfangiogênese isolada merece um estudo maior para avaliar se essa é uma ocorrência biológica devido a prováveis quadros menos severos de edema.
No contexto do papel isolado dos vasos linfáticos na sobrevivência ou rejeição de enxertos corneanos, não encontramos estudos que, como o nosso, demonstrassem a presença de casos de linfangiogênese independentes da hemangiogênese possivelmente associados com a diminuição da sobrevida dos transplantes. Uma possível explicação para não termos encontrado esse tipo de estudo seria o fato de a maioria dos trabalhos citarem uma estreita relação entre os processos hemangiogênese e linfangiogênese(5,10,16,17), sendo poucos aqueles que como Nakao et al. e Chang et al. citam a possibilidade da ocorrência de vasos linfáticos sem a presença de vasos sanguíneos(18,19). A nossa interpretação, no entanto, Dietrich et al. parecem ter ressaltado o papel isolado da linfangiogênese ao estudarem a importância relativa dos vasos linfáticos em relação aos vasos sanguíneos em mediar respostas imunológicas após transplantes, tendo para isso utilizado a inibição pré-operatória seletiva e específica da linfangiogênese(8). Zheng et al. também parecem de certa forma ter conseguido separar os papéis de linfangiogênese, hemangiogênese e da associação hemangiogênese + linfangiogênese no tempo de sobrevida dos enxertos através de análise estatística(15).
Muitos estudos têm ainda citado que estratégias antilinfangiogênicas podem melhorar a sobrevida dos transplantes de órgãos sólidos(8,9) ou de córnea(6,8,9,11,14,20,21). Foi demonstrado que a inibição combinada da hemangiogênese e da linfangiogênese pelo ligante molecular do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF TrapR1R2)(10), inibidores tirosina quinase bloqueando os fatores de crescimento endoteliais vasculares(11), bevacizumab(14) e sunitinib(21) podem aumentar a sobrevivência de enxertos corneanos. Novas abordagens, como a inibição da sinalização do receptor 3 do VEGF (VEGFR-3)(22) ou a utilização de moléculas contra a integrina α5β1 do endotélio linfático(23), também foram descritas para inibir seletivamente a linfangiogênese durante a neovascularização inflamatória corneana em modelo murino. Assim, reconhecendo a necessidade de estratégias que promovam a sobrevivência dos enxertos sem comprometer a saúde do receptor(3) e o possível potencial terapêutico futuro da linfangiogênese corneana, ressaltamos a importância cada vez maior de estudos que demonstrem seu papel, seja isolado ou associado à hemangiogênese, no tempo de sobrevida dos transplantes de córnea.
Por fim, ressaltamos que os fatos os quais não tínhamos possibilidade de apresentar conclusões seguras foram problematizados, para que sejam centrados nas pesquisas futuras nesses pontos. A maioria dos casos estudados correspondia a ceratoplastias de urgência, e sabemos que nessas situações existem diversos fatores diferentes da presença de linfangiogênese que podem influenciar na sobrevida do enxerto. Possíveis causas secundárias, no entanto, foram excluídas dentro da metodologia utilizada. Em alguns grupos, encontramos ainda um pequeno número de casos após a subclassificação do grupo inicial. Essas subdivisões eram, no entanto, necessárias para que pudéssemos demonstrar o papel da linfangiogênese separadamente da angiogênese. O único transplante interlinfangiogênese também necessitava ser registrado, como fato teoricamente possível e constatação da realidade. Diante de assunto pouco estudado dentro e fora do Brasil como a "linfangiogênese corneana em humanos", consideramos que mesmo um suposto "reduzido" número de casos em alguns grupos têm grande relevância. Nosso objetivo também não era tentar demonstrar uma correlação entre a presença de vasos linfáticos e o reduzido tempo de sobrevida dos enxertos corneanos humanos, mas sim apenas demonstrar a presença de vasos linfáticos em enxertos corneanos humanos que evoluem para retransplante em um curto intervalo de tempo. Uma vez que realizamos estudo descritivo, testes de correlação ultrapassariam nossos limites. Esperamos, então, que nossos achados sirvam de estímulo para estudos posteriores com metodologias diferentes e um maior número de casos que venham a confirmar um possível papel da linfangiogênese na sobrevida de enxertos corneanos humanos.
CONCLUSÃO
Demonstramos através de achados de exame histopatológico que a linfangiogênese, isolada ou associada à hemangiogênese, foi encontrada nos enxertos corneanos humanos estudados que evoluíram para retransplante em um pequeno intervalo de tempo. Esse achado nos levou a sugerir um possível papel para os vasos linfáticos na redução tempo de sobrevida dos enxertos corneanos humanos, confirmando os achados experimentais em animais (murinos).
Reconhecer que a presença de vasos linfáticos nos enxertos corneanos humanos, sejam isolados ou associados aos vasos sanguíneos, poderá ter um possível papel no risco de falência dos mesmos e deve auxiliar na identificação de casos que poderiam ser beneficiados com a utilização de novas estratégias para melhorar a sobrevivência dos transplantes de córnea como os antilinfangiogênicos.
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Trabalho realizado no Banco de Olhos do Hospital Geral de Fortaleza (CE), Brasil
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2015
Histórico
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Recebido
08 Abr 2015 -
Aceito
11 Jul 2015