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Tirando a melancolia das sombras

EDITORIAL

Tirando a melancolia das sombras

Há mais de 2.000 anos um modelo binário apresenta dois "tipos" depressivos muito contrastantes: primeiro, estados depressivos neuróticos, que pareciam ser uma consequência dos acontecimentos da vida e de uma predisposição da personalidade; em segundo, uma "doença" depressiva chamada variavelmente de melancólica, endógena, vital ou depressão tipo A. Antigas crenças acerca da melancolia incluíam um forte componente genético, uma base em fatores biológicos e uma taxa mínima de resposta ao placebo. Essas opiniões defendiam a especificidade do tratamento, pois é claramente mais provável que o paciente reaja a tratamentos físicos, como antidepressivos, que à psicoterapia.1

A classificação da depressão mudou para um modelo dimensional após a introdução do DSM-III, em 1980. A depressão passou então a ser classificada como "maior" ou "leve". As regras de decisão do DSM-III e DSM-IV indicam que os indivíduos que cumprem os critérios para serem diagnosticados com depressão maior podem ser classificados também como "com melancolia", se acaso cumprirem os diversos critérios. O presente editorial discute que a relação de critérios é problemática. O primeiro critério, "qualitativamente distinta", é bastante vago; é definido como um estado de humor diferente do luto, o que é, em essência, uma definição pela negativa (algo parecido como definir futebol enquanto "não tênis"). Estudos empíricos demonstram que a frase é interpretada pelos médicos de diversas formas.2 Um segundo critério, "culpa excessiva ou imprópria", é igualmente vago, particularmente porque a maior parte dos pacientes deprimidos apresentam algum nível de culpa. Outros sintomas "melancólicos" (por exemplo, distúrbio psicomotor, anedonia, perda de peso e culpa excessiva) também são critérios para depressão maior. Como somente quatro destes sintomas são necessários para o diagnóstico de melancolia (embora cada um seja um critério para depressão maior), a melancolia do DSM-IV se sobrepõe à depressão.

As consequências desta classificação são inúmeras. Primeiramente, o risco dos critérios do DSM em diagnosticar excessivamente a melancolia. Em segundo lugar, a incapacidade de diferenciar a melancolia assegura que estudos (baseados em características clínicas, causas e tratamentos) que tentarem separar a melancolia da depressão maior estão fadados ao fracasso.

Parece improvável que o DSM-5 resolverá essas questões. Apesar do apoio3 dado para que se situe a melancolia como um quadro depressivo diferente, com critérios independentes daqueles da depressão, os criadores do DSM-5 afirmaram que os critérios e a posição da melancolia permanecerão inalterados. Seria, no entanto, injusto abordar estas questões somente em relação ao desenvolvimento do DSM-5, quando na verdade a definição de melancolia, seja como sintoma ou como um "sinal", não conseguiu até o momento gerar uma lista de critérios ou medidas precisas o suficiente ao ponto de satisfazer médicos e pesquisadores. Nas últimas três décadas o nosso grupo de pesquisa optou por diversas abordagens de definição. Nossa estratégia mais recente, em vez de incorporar somente sintomas, incorpora critérios relacionados tanto aos sintomas quanto à evolução da doença. Essa estratégia foi quantificada com elevado sucesso classificatório em um estudo atual de desenvolvimento4, que descreve o "Índice Sydney de Protótipo da Melancolia". Como esse índice é projetado para auxiliar médicos e pesquisadores a definir a melancolia, é importante avaliar seu uso em diferentes culturas e regiões. O interesse na melancolia, manifestado desde longa data por psiquiatras sul-americanos, apoia a ideia de esta medida ser útil tanto para a clínica quanto para a pesquisa.

Gordon Parker

Escola de Psiquiatria,

University of New South Wales,

Sydney, Austrália

Referências

  • 1. Parker G, Hadzi-Pavlovic D. Melancholia. A Disorder of Movement and Mood. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
  • 2. Rubinson E, Asmin GA, Friedman JM. Knowledge of the diagnostic criteria for major depression. A survey of mental health professionals. J Nerv Ment Dis. 1988;176:480-4.
  • 3. Parker G, Fink M, Shorter E, Taylor MA, Akiskal H, Berrios G, Bolwig T, Brown WA, Carroll B, Healy D, Klein DK, Koukopoulos A, Michels R, Paris J, Rubin RT, Spitzer R, Scwartz C. Whither melancholia? The case for its classification as a distinct mood disorder. Am J Psychiatry. 2010;167:745-7.
  • 4. Parker G, McCraw S, Blanch B, Hadzi-Pavlovic D, Synnott H, Rees A-M. Discriminating melancholic and non-melanchollic depression by prototypic clinical features. J Affect Disord. Aug, 2012; [Epub ahead of print]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2012
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