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Determinantes do óbito em prematuros de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais no interior do Nordeste

Resumo

Objetivos:

avaliar o efeito das características, condições de saúde e atenção neonatal sobre os óbitos dos prematuros de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatais.

Métodos:

estudo de coorte não concorrente, incluindo prematuros de três UTI neonatais, entre 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2016, acompanhados durante o período neonatal e os óbitos registrados para toda a internação. Análise multivariada foi realizada através da regressão de Poisson.

Resultados:

dos 181 prematuros, 18,8% evoluíram para óbito durante o internamento. Associaram-se ao desfecho: a idade gestacional entre 28 a 32 semanas (RR= 5,66; IC95%= 2,08-15,40) e menor que 28 semanas (RR= 9,24; IC95%= 3,27 -26,12), escore de Apgar 5º minuto menor que 7 (RR= 1,82; IC95%= 1,08-3,08), uso de ventilação mecânica invasiva até 3 dias (RR= 4,44; IC95%= 1,66-11,87) e 4 dias e mais (RR= 6,87; IC95%= 2,58-18,27).

Além da sepse tardia (RR= 3,72; IC95%= 1,77-7,83), síndrome do desconforto respiratório agudo (RR=2,86; IC95%= 1,49-5,46), hemorragia pulmonar (RR= 1,97; IC95%= 1,40-2,77) e enterocolite necrosante (RR= 3,41; IC95%= 1,70-6,83).

Conclusões:

os resultados sugerem a importância da utilização de estratégias para a melhoria da assistência durante o parto, condução dos prematuros extremos, desmame precoce da ventilação mecânica e prevenção de infecção nosocomial.

Palavras-chave:
Recém-nascido prematuro; Óbito; UTI neonatal; Estudos longitudinais

Abstract

Objectives:

to assess preterm infants’ characteristics, health conditions and neonatal care effect on their death at the neonatal ICU.

Methods:

this was a non-concurrent cohort study, including preterm infants from three neonatal ICUs from January 1st to December 31st, 2016, followed during the neonatal period and deaths registered during the entire hospitalization. Multivariate analysis was performed using Poisson regression.

Results:

of the 181 preterm infants, 18.8% died during hospitalization. Associated with the outcome: a gestational age between 28 and 32 weeks (RR= 5.66; CI95%= 2.08-15.40), and less than 28 weeks (RR=9.24; CI95%=3.27-26.12), Apgar score of 5th minutes less than 7 (RR: 1.82; CI95%=1.08-3.08), use of invasive mechanical ventilation up to 3 days (RR= 4.44; CI95%= 1.66-11.87) and 4 days and more (RR=6.87; CI95%=2.58-18.27). Besides the late sepsis (RR: 3.72, CI95%=1.77-7.83), acute respiratory distress syndrome (RR=2.86, CI95%=1.49-5.46), pulmonary hemorrhage (RR=1.97; CI95%=1.40-2.77), and necrotizing enterocolitis (RR= 3.41; CI95%=1.70-6.83).

Conclusions:

the results suggest the importance of using strategies to improve care during childbirth, conditions for extremely premature infants, early weaning from a mechanical ventilation and prevention on nosocomial infection.

Key words:
Premature newborn; Death; Neonatal ICU; Longitudinal studies

Introdução

A prematuridade constitui-se importante prioridade de saúde pública mundial11 WHO (World Health Organization). Born too soon: the global action report on preterm birth [online]. Geneva, Switzerland; 2012. [acesso 2 jun 2019]. 112: 9p. Disponível em: https://www.who.int/pmnch/media/news/2012/201204_borntoosoon-report.pdf.
https://www.who.int/pmnch/media/news/201...
e suas complicações foram responsáveis por 18% dos óbitos em menores de 5 anos, no mundo, em 2016.22 UNICEF (United Nations Children's Fund). Levels & trends in child mortality. Report 2017. Estimates developed by the UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. [online]. New York, USA; 2017. [acesso 30 mai 2019]. 36: 11p. Disponível em: https://www.unicef.org/publications/files/Child_Mortality_Report_2017.pdf.
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No Brasil, pesquisa realizada por França et al.,33 França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, Porto D, de Almeida MF, de Souza MFM, Szwarchwald CL, Mooney M, Naghavi M, Vascocelos AMN. Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de carga global de doença. Rev Bras Epidemiol. 2017; 20: 46-60. destacou a prematuridade como a principal causa de óbito em menores de 5 anos, sendo os estados do Acre e da Bahia os detentores das maiores taxas.

A manutenção desses indicadores sugere falha da assistência obstétrica e neonatal, acompanhadas por desigualdades assistenciais nacionais e regionais, qualidade das Unidades de Terapia Intensivas (UTI) neonatais, atenção de saúde prestada, e na distribuição desproporcional de leitos de UTI neonatal,44 Carlo WA, Travers CP. Maternal and neonatal mortality: time to act. J Pediatr. 2016; 92 (6): 543-5. com maiores iniquidades nas cidades no interior do país e, sobretudo naquelas mais distantes das capitais.

A sobrevivência dos prematuros depende de distintos fatores, com destaque ao maior risco de óbito para aqueles pequenos para idade gestacional, idade gestacional (IG) inferior a 28 semanas, necessidade de manobra de reanimação na sala de parto e baixo escore de Apgar no 5º minuto.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.

6 Zhou WQ, Mei YB, Zhang XY, Li QP, Kong XY, Feng ZC. Neonatal outcomes of very preterm infants from a neonatal intensive care center. World J Clin Pediatr. 2014; 10 (1): 53-8.
-77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9. As complicações da prematuridade concedem a esse grupo as maiores taxas de óbito em comparação aos nascidos a termo, e são divididas em complicações de curto e longo prazo.88 Eichenwald EC, Stark AR. Management and outcomes of very low birth weight. N Engl J Med. 2008; 358 (16): 1700-11. Os estudos com essa população mostram que hemorragia pulmonar, síndrome do desconforto respiratório e enterocolite necrosante são algumas das principais morbidades de curto prazo que interferem no óbito dos prematuros.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.

6 Zhou WQ, Mei YB, Zhang XY, Li QP, Kong XY, Feng ZC. Neonatal outcomes of very preterm infants from a neonatal intensive care center. World J Clin Pediatr. 2014; 10 (1): 53-8.
-77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9.,99 Castro MP, Rugolo LMSS, Margotto PR. Sobrevida e morbidade em prematuros com menos de 32 semanas de gestação na região central do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34 (5): 235-42.

Com a evolução da assistência multiprofissional ao cuidado intensivo neonatal, faz-se necessário o conhecimento acerca das condições experimentadas pelos prematuros que interferem na sua mortalidade e sobrevida. O seu conhecimento reflete o arcabouço de recursos humanos e tecnológicos que permeiam este cuidado. Os fatores associados à mortalidade e sobrevida dos prematuros refletem toda a caminhada percorrida por este bebê que é frágil, desde o útero materno até a sua longa permanência na UTI neonatal. Assim, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar o efeito das características dos recém-nascidos, condições de saúde e atenção neonatais sobre os óbitos de prematuros internados nas UTI neonatais em uma cidade do interior do Nordeste brasileiro.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte não concorrente, de base hospitalar, incluindo prematuros admitidos em três UTI neonatais de um município de médio porte localizado no interior do Nordeste brasileiro, localizado a mais de 500 Km da capital e que possui aproximadamente 2 milhões de dependentes dos seus serviços de saúde. Esse município tem o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,678, em 2010 (faixa de IDHM médio). A dimensão que mais contribuiu para o IDHM foi a longevidade, seguida da renda e de educação. Sua renda per capita, em 2010, foi de R$ 555,66.1010 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Portal da Transparência. 2020 [acesso 28 fev 2020]. Disponível em: https://ibge.gov.br/.
https://ibge.gov.br/...

Foram incluídos todos os prematuros admitidos nas UTI neonatais no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2016. A população foi acompanhada desde o dia da admissão até a alta hospitalar, transferência ou óbito, respeitando a censura de 27 dias de vida (interrupção do seguimento). Excluíram-se aqueles prematuros portadores de alguma anomalia congênita maior (alterações anatômicas graves; para este estudo, foram excluídas as seguintes anomalias: cardiopatias congênitas complexas, atresias do trato gastrointestinal, defeitos da parede abdominal, hidrocefalia, encefalocele e hérnia diafragmática).

Os dados foram obtidos através da análise de prontuários armazenados nos serviços de arquivo médico e estatístico dos três hospitais que atendem a população da zona urbana e rural. Duas destas UTI neonatais situam-se em hospitais de administração pública, sendo uma, a única referência pública para gestação de alto risco da região, e a segunda, que não realiza procedimentos de obstetrícia, atendendo pacientes referenciados de outras instituições que possuem maternidade. Uma terceira UTI situa-se em hospital de financiamento privado. Cada UTI neonatal oferece 10 leitos e serve de campo de estágio para as residências médicas em pediatria e neonatologia possuindo, portanto, protocolos das práticas clínicas muito semelhantes.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (CAAE: 79450717.4.0000.5556 e parecer de número 2.485.073), no dia 05 de fevereiro de 2018.

Para estimativa do tamanho mínimo da amostra, utilizou-se o número total de prontuários de prematuros elegíveis no ano de 2016 (N=248). Foram aplicados os seguintes parâmetros: frequência esperada de 50%, dada a heterogeneidade dos desfechos que seriam mensurados, precisão de 5%, intervalo de confiança de 95% e acréscimo de 20% para possíveis perdas, resultando em 181 prontuários.

Os dados foram obtidos através de um questionário específico, com base no instrumento do Inquérito Nascer para o Brasil,1111 Carmo Leal M, Silva AAM, Dias MAB, da Gama SGN, Rattner D, Moreira ME, Filha MMT, Domingues RMSM, Pereira APE, Torres JA, Bittencourt ADA, D’Orsi E, Cunha AJLA, Leite AJM, Cavalcante RS, Lanky S, Diniz CSG, Szwarcwald CL. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health. 2012; 9 (1): 15. por pesquisadores voluntários da área de saúde após treinamento e sob supervisão de neonatologistas. Realizou-se um estudo piloto, em maio de 2018, com cerca de 20% do número total de prontuários, do período de novembro a dezembro de 2015 para as três UTI neonatais, cujo objetivo foi aprimorar o instrumento, padronizar e habilitar os pesquisadores para a coleta dos dados. A coleta ocorreu no período de junho a outubro de 2018, através de tablets contendo questionário digital criado no aplicativo Kobo Toolbox 1.4.8®.

A variável dependente foi o óbito ocorrido no período de internamento nas UTI neonatais.

As variáveis independentes utilizadas foram divididas em dois blocos. O primeiro bloco continha as características do recém-nascido, condições de saúde e atenção neonatal. A idade gestacional foi obtida utilizando a melhor estimativa obstétrica, de preferência pela data da última menstruação, seguida pela ultrassonografia precoce. Na impossibilidade desses achados, usou-se a avaliação de sinais físicos e neurológicos dos recém-nascidos.1212 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à Saúde do Recém-Nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília, DF; 2011. v.1. p.192.,1313 Ballard J, Khoury J, Wedig K, Wang L, Eilers-Walsman B, Lipp R. New Ballard Score, expanded to include extremely premature infants. J Pediatr. 1991; 119 (3): 417-23. A idade gestacional foi estimada em semanas e categorizada de acordo com a Organização Mundial da Saúde em: prematuro extremo (menos de 28 semanas), muito prematuro (28 a menos de 32 semanas) e prematuro moderado/ tardio (32 a menos de 37 semanas).11 WHO (World Health Organization). Born too soon: the global action report on preterm birth [online]. Geneva, Switzerland; 2012. [acesso 2 jun 2019]. 112: 9p. Disponível em: https://www.who.int/pmnch/media/news/2012/201204_borntoosoon-report.pdf.
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O peso de nascimento foi mensurado em gramas e classificado em: adequado/baixo peso (acima de 1.500 gramas); muito baixo peso (entre 1.000 e 1.500 gramas) e extremo baixo peso (menos que 1.000 gramas).

As demais variáveis utilizadas foram: escore de Apgar do 5º minuto (Apgar: <7 e ≥7); procedimentos de reanimação na sala de parto (não teve, ventilação com pressão positiva (VPP) ou reanimação avançada:VPP acompanhada de massagem cardíaca e/ou drogas);1414 Guinsburg R, de Almeida MFB. Reanimação do prematuro < 34 semanas em sala de parto: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria [periódico online].2016 [acesso 2 jun 2019]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/DiretrizesSBPReanimacaoPrematuroMenor34semanas26jan2016.pdf.
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uso de pressão positiva contínua (CPAP) precoce na sala de parto (sim ou não); uso de surfactante na sala de parto e/ou UTI neonatal (sim ou não); uso de ventilação mecânica invasiva durante o período neonatal (nenhum dia, 1 a 3 dias ou 4 dias e mais); uso de acesso venoso central (até 6 dias ou 7 e mais dias). A categorização das variáveis - uso de ventilação mecânica e de acesso venoso central - foram feitas utilizando as medianas. O segundo bloco apresentou a evolução clínica do recém-nascido no período neonatal: síndrome do desconforto respiratório agudo; sepse precoce; sepse tardia (recebeu esquema antibiótico para sepse tardia e/ou relato de diagnóstico descrito no prontuário); hemorragia pulmonar; enterocolite necrosante (todas categorizadas como sim ou não).

Para descrever as características da população avaliada, também foram utilizadas as variáveis sexo (masculino ou feminino), raça/cor materna (branca ou negra/parda), idade materna (<20; 20-34; ≥35);1515 Silva CF, Leite AJM, Almeida NMGS, Leon ACMP, Olofin I. Fatores associados ao óbito neonatal de recém-nascidos de alto risco: estudo multicêntrico em Unidades Neonatais de Alto Risco no Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (2): 355-68.,1616 Lansky S, Friche AAL, da Silva AAM, Campos D, Bittencourt SDA, de Carvalho ML, de Frias PG, Cavalcante RS, da Cunha AJLA. Pesquisa Nascer no Brasil: perfil da mortalidade neonatal e avaliação da assistência à gestante e ao recém-nascido. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S192-S207. estado civil (com companheiro e sem companheiro), escolaridade materna (sem escolaridade/fundamental; ensino médio ou ensino superior), local de moradia (zona rural ou urbana).

A avaliação das perdas foi feita comparando-se a amostra obtida com a população total através do teste qui-quadrado de Pearson ou de tendência linear e demonstrou a não ocorrência de perda diferencial segundo as variáveis analisadas (hospital de origem e peso ao nascer). Apesar disso, para avaliar se haveria ou não impacto sobre o desfecho óbito, foi realizada uma calibração dos fatores naturais de expansão. Estes fatores consistiram em estimar pesos para cada elemento da amostra, segundo informações da variável, para totais conhecidos da população.1717 Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol. 2008; 11: 38-45. Ao se comparar as estimativas de ponto dos riscos relativos de óbitos com e sem o fator de calibração, não foram observadas diferenças significativas nas estimativas (p=0,26), e assim, as análises foram conduzidas sem considerar o fator de calibração.

A análise descritiva das variáveis foi efetuada através de frequências absolutas e relativas. A análise bivariada entre as variáveis independentes e o óbito foi feita por meio da regressão de Poisson com variância robusta, obtendo-se estimativas do risco relativo (RR) e do seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). As diferenças entre as exposições de interesse e a ocorrência do desfecho foram testadas pelo qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. Para a análise multivariada, foi adotado o método Stepwise Backward, que consiste na inserção de todas as variáveis explicativas do modelo proposto e depois, a retirada por etapas. Foram incluídas no modelo inicial todas as variáveis que, na análise bivariada, apresentaram associação com o desfecho em nível de significância inferior a 20%. Para todos os testes e para permanência das variáveis no modelo final, foi utilizado nível de significância inferior a 5%. Os modelos foram comparados pelo critério de Akaike e a adequação foi avaliada pelo qui-quadrado. O programa Stata, versão 15.0 (Stata Corporation, College Station, USA) foi utilizado para as análises dos dados.

Resultados

Foram admitidos nas unidades, no período estudado, 265 prematuros, sendo 17 excluídos por possuírem alguma malformação congênita maior e 67 prontuários não foram localizados, permanecendo uma amostra de 181 prematuros. Desses 59,7% eram do sexo masculino, com mães, em sua maioria, de 20 a 34 anos de idade (66,3%), negras ou pardas (62,4%), que viviam sem companheiro (42,5%), com ensino médio (29,3%) e residentes da zona urbana (79,6%) (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da população avaliada (N= 181). Coorte Nascer Prematuro, 2016.

Da população estudada observou-se que 18,8% (34) prematuros evoluíram para óbito durante a permanência nas UTI neonatais, sendo que 52,9% destes óbitos ocorreram nos primeiros 7 dias de internamento hospitalar. Dentre as principais causas dos óbitos destacaram-se: choque séptico, falência múltipla de órgãos e insuficiência renal aguda.

A idade gestacional variou de 23 0/7 a 36 semanas 6/7, com 62,4% de prematuros moderados ou tardios, 25,4% muito prematuros e 12,2% extremos. Mais da metade da população apresentou peso maior que 1.500g (60,2%), teve escore de Apgar de 7 ou mais no 5º minuto (61,3%), não necessitou de manobras de reanimação (58,6%) ou de CPAP precoce na sala de parto (83,4%) e 65,8% não recebeu surfactante na sala de parto e/ou UTI neonatal. Utilizaram acesso venoso central por período inferior a 6 dias 63,0% dos prematuros e 57,5% não receberam ventilação mecânica invasiva (Tabela 2). No período neonatal, 72,4% dos prematuros apresentaram sepse precoce, 35,4% sepse tardia, 32,0% síndrome do desconforto respiratório, 1,1% hemorragia pulmonar, 2,8% enterocolite necrosante (Tabela 3).

Tabela 2
Descrição da população estudada segundo características dos recém-nascidos, condições de saúde e atenção neonatal (N=181), incidência e risco relativo para a ocorrência de óbitos. Coorte Nascer Prematuro, 2016.
Tabela 3
Descrição da evolução clínica da população estudada (N=181), incidência e risco relativo para a ocorrência de óbitos. Coorte Nascer Prematuro, 2016.

A análise bivariada demonstrou maior risco de óbitos entre os prematuros de menor IG, com menor peso, com escore de Apgar do 5º minuto menor que 7, que necessitaram de reanimação avançada, que utilizaram surfactante na sala de parto e/ou UTI neonatal, com uso de 7 ou mais dias de acesso venoso central e maior número de dias de ventilação mecânica invasiva. Após ajuste, permaneceram estatisticamente associados ao óbito: idade gestacional, escore de Apgar no 5º minuto menor que 7 e maior tempo de ventilação mecânica invasiva (com relação dose-resposta) (Tabela 2). Além disso houve associação clínica com os seguintes diagnósticos: sepse tardia, síndrome do desconforto respiratório agudo, hemorragia pulmonar, enterocolite necrosante (Tabela 3).

Discussão

Este é o primeiro estudo realizado na região retratando as condições associadas ao óbito de prematuros internados em UTI neonatais e serve como linha de base para acompanhamentos futuros em relação à sobrevivência dos prematuros. Verificou-se que 18,8% dos prematuros evoluíram para óbito, sendo que a maioria ocorreu nos prematuros mais imaturos, com menores escores de Apgar de 5º minuto e com maior necessidade de ventilação mecânica invasiva. Interferiram, também, na sobrevivência as seguintes condições clínicas associadas: sepse tardia, enterocolite necrosante, síndrome do desconforto respiratório agudo e hemorragia pulmonar.

Cabe ressaltar a dificuldade na comparação direta de nossos achados com outros relatórios de coortes de prematuros, principalmente em razão das diferenças metodológicas empregadas, desde que algumas restringem as análises para determinados subgrupos de IG ou peso. Nesta coorte, optamos por realizar análise de todas as IG e pesos de nascimento.

Nesta casuística, 59,1% dos prematuros com IG inferior a 28 semanas evoluíram para óbito, resultado muito distante ao verificado na Suécia (22%), no Canadá (14,7%) e China (31%).66 Zhou WQ, Mei YB, Zhang XY, Li QP, Kong XY, Feng ZC. Neonatal outcomes of very preterm infants from a neonatal intensive care center. World J Clin Pediatr. 2014; 10 (1): 53-8.,1818 Group E. Incidence of and risk factors for neonatal morbidity after active perinatal care: extremely preterm infants study in Sweden (EXPRESS). Acta Paediatr. 2010; 99 (7): 978-92.,1919 Shah P, Sankaran K, Aziz K, Allen A, Seshia M, Ohlsson A, Lee SK. Outcomes of preterm infants< 29 weeks gestation over 10-year period in Canada: a cause for concern? J Perinatol. 2012; 32 (2): 132. No Brasil, pesquisa realizada em Viçosa, estado de Minas Gerais, demonstrou que 13,3% dos prematuros evoluíram a óbito, sendo no subgrupo de prematuros extremos esta taxa foi de 47,5%.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92. Por outro lado estudo desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais com prematuros de IG de 23 a 33, peso entre 400 e 1.499g e sem malformações congênitas identificou 30% de óbitos nas unidades hospitalares; essa taxa foi superior à verificada em nossa coorte, porém, com algumas diferenças metodológicas em relação à população elegível.77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9.

No aspecto discutido acima, não podemos desconsiderar as desigualdades regionais e locais relacionadas à atenção obstétrica e neonatal de maior complexidade em nosso país, onde verificamos a incorporação inadequada ou insuficiente de tecnologias, insumos e de recursos humanos em diversos municípios.44 Carlo WA, Travers CP. Maternal and neonatal mortality: time to act. J Pediatr. 2016; 92 (6): 543-5. Em nossa região, muitas gestantes de risco do Sistema Único de Saúde, no momento do parto, não têm acesso à maternidade referência e os prematuros nascem nas pequenas cidades circunvizinhas. Após esse nascimento, os prematuros permanecem em hospitais com escassas intervenções diagnósticas e terapêuticas, disputam vaga em unidade intensiva neonatal e submetem-se a transporte neonatal de risco. Esses fatores provavelmente interferiram no seu prognóstico.

Portanto, faz-se necessário rever as políticas públicas regionais e locais específicas para consolidação da Rede de Assistência Perinatal, com avaliações de custo/efetividade, através da ampliação das vagas de atenção secundária para gestantes de alto risco, dos leitos em maternidade referência, educação em saúde, maior disponibilidade de leitos UTI neonatais, garantia de transporte inter-hospitalar adequado e da criação de base de dados para avaliação sistemática dos principais indicadores de qualidade do cuidado oferecido.2020 Sociedade Brasileira de Pediatria. Nascimento Seguro. Documento científico do Departamento Científico de Neonatologia [periódico online]. 2018 [acesso 10 mai2019]; Disponível em: <http://www.sbp.com.br/ fileadmin/user_upload/Neonatologia_-_20880b-DC_-_Nascimento_seguro 003_.pdf>.
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Aliado à maior disponibilidade de tecnologias densas é importante enfatizar a utilização de tecnologias leves, no comando de todo processo de trabalho, por meio de escuta sensível às mães e familiares, respeito às singularidades, estímulo ao contato pele a pele: mãe e recém-nascido após o nascimento (se possível) e garantia que o prematuro receba leite materno.

Neste estudo, o escore de Apgar do 5º minuto de vida menor que 7 aumentou em 82% o risco para óbito, associação confirmada em outras pesquisas.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.,77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9.,1313 Ballard J, Khoury J, Wedig K, Wang L, Eilers-Walsman B, Lipp R. New Ballard Score, expanded to include extremely premature infants. J Pediatr. 1991; 119 (3): 417-23.,2121 Ghorbani F, Heidarzadeh M, Dastgiri S, Ghazi M, Rahkar Farshi M. Survival of Premature and Low Birth Weight Infants: A Multicenter, Prospective, Cohort Study in Iran. Iranian J Neonatol. 2017; 8 (1): 16-22. Este escore permite avaliar as condições de vitalidade dos recém-nascidos após o nascimento e considera-se asfixia perinatal quando o escore de Apgar no 5º minuto é menor do que 7,1111 Carmo Leal M, Silva AAM, Dias MAB, da Gama SGN, Rattner D, Moreira ME, Filha MMT, Domingues RMSM, Pereira APE, Torres JA, Bittencourt ADA, D’Orsi E, Cunha AJLA, Leite AJM, Cavalcante RS, Lanky S, Diniz CSG, Szwarcwald CL. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health. 2012; 9 (1): 15. o que é causa de óbito evitável através de medidas adequadas, sistemáticas e uniformes na atenção ao parto e nascimento, a fim de reduzir o sofrimento fetal e suas consequências.1414 Guinsburg R, de Almeida MFB. Reanimação do prematuro < 34 semanas em sala de parto: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria [periódico online].2016 [acesso 2 jun 2019]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/DiretrizesSBPReanimacaoPrematuroMenor34semanas26jan2016.pdf.
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,1515 Silva CF, Leite AJM, Almeida NMGS, Leon ACMP, Olofin I. Fatores associados ao óbito neonatal de recém-nascidos de alto risco: estudo multicêntrico em Unidades Neonatais de Alto Risco no Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (2): 355-68.

O maior número de dias de ventilação mecânica invasiva apresentou relação dose-resposta para a ocorrência do desfecho. Seu uso durante 1 a 3 dias aumentou em 4 vezes o risco para óbitos enquanto a utilização por 4 e mais dias aumentou em quase 7 vezes o risco, essa associação é corroborada por outros pesquisadores.66 Zhou WQ, Mei YB, Zhang XY, Li QP, Kong XY, Feng ZC. Neonatal outcomes of very preterm infants from a neonatal intensive care center. World J Clin Pediatr. 2014; 10 (1): 53-8. Uma revisão sistemática sobre ventilação mecânica invasiva em prematuros demonstra outras complicações dessa modalidade, como a broncodisplasia pulmonar, hemorragia pulmonar e pneumonia associada à ventilação mecânica.2222 Guedes JM, Conceição SL, dos Santos Albergaria TF. Efeitos deletérios da ventilação mecânica invasiva em prematuros: revisão sistemática. Rev Pesq Fisioter. 2018; 8 (1): 119-30. Tal procedimento invasivo está indicado nos pacientes mais críticos, sendo que sua adequada utilização constitui impacto na redução dos óbitos, sendo primordial a elaboração de protocolos clínicos bem definidos para o início e o término do seu uso.

Neste estudo, o diagnóstico de sepse tardia, síndrome do desconforto respiratório, hemorragia pulmonar e enterocolite necrosante apresentaram-se fortemente associadas com o óbito, e tais achados foram também encontrados por outros autores.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.,66 Zhou WQ, Mei YB, Zhang XY, Li QP, Kong XY, Feng ZC. Neonatal outcomes of very preterm infants from a neonatal intensive care center. World J Clin Pediatr. 2014; 10 (1): 53-8.,77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9.,99 Castro MP, Rugolo LMSS, Margotto PR. Sobrevida e morbidade em prematuros com menos de 32 semanas de gestação na região central do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34 (5): 235-42. A sepse tardia deve ser motivo de grande preocupação nas unidades de cuidados intensivos neonatais pela sua associação com procedimentos invasivos, frequentemente utilizados nos prematuros.2323 Freitas BAC, Peloso M, Manella LD, Franceschini SCC, Longo GZ, Gomes AP, Batista-Siqueira R. Sepse tardia em pré-termos de uma unidade de terapia intensiva neonatal: análise de três anos. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (1): 79-85. Tais resultados demonstram a necessidade de melhorias em relação à assistência prestada nas unidades, portanto, devem-se intensificar os métodos de vigilância e ações preventivas permanentes das infecções relacionadas à assistência de saúde (IRAS), através do acompanhamento diário das infecções diagnosticadas, prováveis sítios de contaminação e melhor integração entre o profissional da assistência com a comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH).2424 Brasil. Ministério da Saúde. Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde (GVIMS). Gerência Geral e Tecnologia em Serviços de Saúde (GGTES). Critérios Diagnósticos de Infecção Associada à Assistência à Saúde-Neonatologia. Brasília, DF; 2014. v. 3. p. 65.

A síndrome do desconforto respiratório agudo (SDR) apresentou forte associação com o óbito durante o internamento nas UTI neonatais, achado verificado também em outros estudos.77 Guinsburg R, de Almeida MFB, de Castro JS, Silveira RC, Caldas JPdS, Fiori HH, do Vale MS, Abdallah VOS, Cardoso LEMB, Ferrari LSL, Bentlin MR, Venzon OS, Ferri WAG, Meneses JA, Diniz EMA, Zanaroli DMT, dos Santos CN, Duarte JLB, Rego MAS. Death or survival with major morbidity in VLBW infants born at Brazilian neonatal research network centers. J Matern-Fetal Neo M. 2015; 29 (6): 1005-9.,99 Castro MP, Rugolo LMSS, Margotto PR. Sobrevida e morbidade em prematuros com menos de 32 semanas de gestação na região central do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34 (5): 235-42. O efeito protetor do corticoide antenatal pode prevenir e reduzir a gravidade da SDR, otimizar o efeito da terapêutica com o surfactante após o nascimento, e reduzir a incidência de hemorragia peri-intraventricular.2525 Gilstrap LC, Christensen R, Clewell WH, D'Alton ME, Davidson EC, EscobedoMB,Gjerdingen DK, Goddard-Finegold JG, Goldenberg RL, Grimes DA, Hansen TN, Kauffman RE, Keeler EB, Oh W, Susman EJ, Vogel MG, Avery ME, Ballard PL, Ballard RA, Crowley P, Garite T, Hankins GDV, Jobe AH, Koppe JG, Maher JE, Merkatz IR, Shankaran S, Simpson KN, Sinclair JC, Slotkin TA, Taeusch Jr W, Wright LL, Alexander D, Berberich MA, Bracken M, Cooper L, Culpepper L, Elliott JM, Ferguson JH, Frigoletto F, Gail DB, Hall WH, Jones Jr D, Medoff-Cooper B, Merenstein GB, Whalen JM, Lenfant C, Hinshaw AS. Effect of corticosteroids for fetal maturation on perinatal outcomes: NIH consensus development panel on the effect of corticosteroids for fetal maturation on perinatal outcomes. JAMA. 1995; 273 (5): 413-8. Verificamos nesta coorte que apenas 35,4% das mães receberam corticoide antenatal, porém esse dado não foi encontrado em 17,1% dos prontuários (dados não mostrados anteriormente).Vale ressaltar que uma das UTI neonatais localiza-se num hospital que não realiza procedimentos de obstetrícia, o que limitou a obtenção dessa informação.

No Brasil, observam-se grandes diferenças na utilização do corticoide antenatal em distintos estudos, com variações de 39,3 a 70,1%.55 Freitas BAC, Sant''Ana LFR, Longo GZ, Siqueira-Batista R, Priore SE, Franceschini SCC. Características epidemiológicas e óbitos de prematuros atendidos em hospital de referência para gestante de alto risco. Rev Bras Ter Intensiva. 2012; 24 (4): 386-92.,99 Castro MP, Rugolo LMSS, Margotto PR. Sobrevida e morbidade em prematuros com menos de 32 semanas de gestação na região central do Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012; 34 (5): 235-42. Portanto, evidenciamos, nesta casuística, resultados preocupantes: baixa frequência da utilização do corticoide antenatal ou a não referência sobre seu uso nos prontuários. Segundo a recomendação do Ministério da Saúde, todas as gestantes com IG entre 24 e 34 semanas, com risco de parto prematuro, devem ser consideradas candidatas ao tratamento antenatal com corticoide, salvo as contra indicações.2626 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. Brasília, DF; 2012. 5 ed. p. 302. Em relação aos prematuros tardios (IG ≥34 semanas e <37 semanas), a Society of Maternal Fetal Medicine e a Academia Americana de Ginecologia e Obstetrícia, recomendam a extensão do uso do corticoide ante-natal para esse grupo específico, em situações clínicas avaliadas, devido à redução das morbidades respiratórias de curto prazo.2727 Bannerman CG, Thom EA, Blackwell SC, Tita ATN, Reddy UM, Saade GR, Rouse DJ, McKenna DS, Clark EAS, Thorp Jr JM, Chien EK, Peaceman AM, Gibbs RS, Swamy GK, Norton ME, Casey BM, Caritis SN, Tolosa JE, Sorokin Y, VanDorsten JP, Jain L. Antenatal Corticosteroids for Womenat Risk of Late Preterm Delivery. N Engl J Med. 2016; 374 (14): 1311-20. Portanto, tais resultados na presente pesquisa justificam a necessidade de rever protocolos clínicos assistenciais no cuidado pré-natal. Em relação à terapêutica principal da SDR com surfactante exógeno, não foi encontrada diferença significativa com o seu uso em relação ao desfecho.

Considera-se a enterocolite necrosante (ECN) como uma das morbidades mais enigmáticas e temidas na UTI neonatal.2828 Ortigoza BE, Neu J. Enterocolite necrosante. In: Polin RA, Yonder MC. Neonatologia Prática. 5 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. p. 448-60. Neste estudo, apesar da baixa incidência de ECN (2,8%), observamos resultados preocupantes: 80% dos prematuros tiveram desfecho desfavorável, sendo que essa condição clínica aumentou em 240% (IC95%: 1,70-6,83) o risco para óbito. Pesquisa realizada pela Vermont Oxford Network (VON), com 71.808 prematuros, observou mortalidade por ECN que variou de 16 a 42%, de acordo com subdivisões de peso.2929 Fitzgibbons SC, Ching Y, Yu D, Carpenter J, Kenny M, Weldon C, Lillehei C, Valin C, Horbar JD, Jaksic T. Mortality of necrotizing enterocolitis expressed by birth weight categories. J Pediatr Surg. 2009; 44 (6): 1072-6. Vale ressaltar que os resultados encontrados enfatizam a necessidade de revisão nos protocolos assistenciais com melhores evidências científicas para prevenção da ECN, como a utilização de corticoide antenatal (quando indicado), uso do leite materno, evitar antibióticos de forma desnecessária, e padronização dos protocolos de alimentação, dentre outros.3030 Patel AL, Panagos PG, Silvestri JM. Reducing incidence of necrotizing enterocolitis. Clin Perinatol. 2017; 44 (3): 683-700.

Dentre as limitações deste estudo, destacamos o possível viés de informação devido à coleta em prontuários, contendo dificuldades na obtenção dos dados relacionados às características maternas, da gestação e do momento do parto. Por tal motivo, foram priorizadas as análises das condições de saúde dos prematuros e a atenção neonatal recebida, sendo esses dados mais consistentes e confiáveis.

No período do estudo, as unidades avaliadas não realizavam cálculos de nenhum escore de gravidade, tal como o sistema de pontuação de intervenção terapêutica neonatal (Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System - NTISS). Apesar da possibilidade da sua estimativa de forma retrospectiva, algumas informações necessárias não foram obtidas nos prontuários, o que dificulta a realização de comparações entre as características populacionais de distintas unidades de cuidados intensivos e no próprio serviço ao longo do tempo.

Em relação aos prontuários não localizados, por serem físicos e de longa permanência, o que dificulta o armazenamento nas unidades hospitalares, para o desfecho estudado, a perda não influenciou nos resultados, conforme verificado pela análise de perda diferencial.

O presente estudo é pioneiro na região e descreve o efeito das características, condições de saúde e atenção neonatal sobre o óbito dos prematuros internados em UTI neonatais. Os resultados apresentados demonstram que as taxas de óbitos foram semelhantes aos de estudos nacionais, porém, distintos dos observados em estudos internacionais. Os óbitos foram associados com menor idade gestacional, escore de Apgar no 5º minuto menor que 7, maior número de dias de ventilação mecânica, diagnóstico de sepse tardia, síndrome do desconforto respiratório, hemorragia pulmonar e enterocolite necrosante. Tais achados sugerem a importância da utilização de estratégias específicas que atuem na melhoria da assistência ao prematuro durante o nascimento, protocolos específicos de condução dos extremos, desmame precoce da ventilação mecânica invasiva e prevenção de infecção nosocomial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2019
  • Aceito
    14 Abr 2020
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