OBJETIVO: avaliar a importância do emprego, da broncoscopia flexível nos pacientes traqueostomizados em vias de decanulação para conhecer a incidência e os tipos de lesões laringotraqueais e comparar a presença destas lesões com os critérios clínicos utilizados para a decanulação.
MÉTODOS: foram estudados 51 pacientes, com idade entre 19 e 87 anos, traquestomizados, com critérios clínicos de decanulação e com tempo médio de órtese traqueal de 46 ± 28 dias. Foram submetidos ao teste de tolerância à oclusão da cânula de traqueostomia por 24 horas, seguida da realização da broncoscopia flexível. As alterações laringotraqueais diagnosticadas foram descritas e classificadas. Comparou-se a indicação de decanulação por critérios clínicos com o diagnóstico de lesões laringotraqueais à broncoscopia que contraindicavam a decanulação. Identificaram-se os fatores que poderiam interferir na decanulação e avaliou-se a importância da broncoscopia como parte do processo.
RESULTADOS: Apresentaram alterações laringotraqueais, 40 pacientes (80,4%). Dos 40 pacientes considerados clinicamente aptos à decanulação, oito (20%) (p=0,0007) apresentaram lesões laringotraqueais à broncoscopia que contraindicaram o procedimento. A alteração laríngea mais frequente foi lesão de pregas vocais em 15 (29%) e o granuloma, a lesão traqueal mais prevalente em 14 (27,5%) pacientes.
CONCLUSÃO: a broncoscopia flexível evidenciou um número elevado de lesões laringotraqueais, sendo mais prevalentes a lesão de pregas vocais na laringe e o granuloma na traqueia, que contribuiu para aumentar a segurança do procedimento de decanulação.
OBJECTIVE: To evaluate the importance of flexible bronchoscopy in tracheostomy patients in the process of decannulation to assess the incidence and types of laryngotracheal injury and compare the presence of such lesions with clinical criteria used for decannulation.
METHODS: We studied 51 tracheostomized patients aged between 19 and 87 years, with tracheal stent for a mean of 46 ± 28 days and with clinical criteria for decannulation. They were submitted to tracheostomy tube occlusion tolerance testfor 24 hours, and then to flexible bronchoscopy. We described and classified the diagnosed laryngotracheal changes. We compared the clinical criteria for decannulation indication with the bronchoscopy-diagnosed laryngotracheal injuries that contraindicated decannulation. We identified the factors that could interfere in decannulation and evaluated the importance of bronchoscopy as part of the process.
RESULTS: Forty (80.4%) patients had laryngotracheal alterations. Of the 40 patients considered clinically fit to decannulation, eight (20%) (p = 0.0007) presented with laryngotracheal injuries at bronchoscopy that contraindicated the procedure. The most frequent laryngeal alteration was vocal cords lesion, in 15 (29%) individuals, and granuloma, the most prevalent tracheal lesion, in 14 (27.5%) patients.
CONCLUSION: flexible bronchoscopy showed a large number of laryngotracheal injuries, the most frequent being the vocal cords injury in the larynx and the granuloma in the trachea, which contributed to increase the decannulation procedure safety.
Bronchoscopy; Tracheostomy; Tracheal diseases; Tracheomalacia; Intubation, Intratracheal
INTRODUÇÃO
A traqueostomia é realizada em cerca de 20% dos pacientes que se encontram em ventilação mecânica na unidade de terapia intensiva1. Está indicada para aumentar o conforto e facilitar o desmame2, reduzir o índice de complicações laringotraqueais, provocadas pela longa permanência do tubo orotraqueal3, e como via aérea segura em casos de obstrução de vias aéreas superiores. Contudo, a presença da traqueostomia causa broncorreia, alterações no mecanismo de deglutição4, aumenta o risco de infecções e sangramentos das vias aéreas e dificulta a vocalização5 , 6. As complicações tardias são diagnosticadas em 65% dos pacientes, sendo o granuloma a mais frequente, seguido de lesões com grande morbimortalidade como malácia, estenose, fístulas vasculares e esofágicas7 , 8. Para evitar essas complicações, a decanulação do paciente deve ser realizada o mais precoce possível.
A avaliação adequada do paciente antes da retirada da cânula tem sido negligenciada5 , 9 e a literatura é carente de estudos que indiquem os critérios e o melhor momento para a realização deste ato10. A falha na decanulação é caracterizada quando é necessária a reintrodução de via aérea artificial nas 48 horas seguintes à retirada de cânula traqueal. Isto ocorre em até 5% dos casos e pode cursar com insuficiência respiratória aguda6 , 10.
A avaliação clínica multidisciplinar criteriosa associada à avaliação anatômica e fisiológica da laringe e traqueia contribui para selecionar com maior chance de êxito os pacientes que podem ser decanulados. O exame por meio da broncoscopia flexível é importante para auxiliar na decisão sobre o momento da decanulação, mas é pouco utilizado e sem protocolo pormenorizado10 , 11.
Este estudo tem o objetivo de avaliar a importância do emprego da broncoscopia flexível nos pacientes traqueostomizados em vias de decanulação para conhecer a incidência e os tipos de lesões laringotraqueais e comparar a presença destas lesões com os critérios clínicos utilizados para a decanulação.
MÉTODOS
Trata-se de estudo prospectivo em pacientes traqueostomizados em processo de decanulação realizada no Hospital Odilon Behrens em Belo Horizonte/MG. A pesquisa foi aprovada pela Câmara Departamental do Departamento de Cirurgia da FM-UFMG e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Municipal Odilon Behrens (FR 301247). Todos os pacientes concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Cálculo amostral
Para o cálculo do tamanho da amostra, foram utilizados os registros do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Odilon Behrens, sendo analisados os dados dos pacientes que preencheram critérios clínicos de decanulação e foram encaminhados à broncoscopia para avaliar a decanulação. Dezoito (72%) toleraram a oclusão da cânula, sendo que em três, a broncoscopia diagnosticou lesões laringotraqueais que contraindicavam a decanulação (falha 16,6%). Assim, utilizou-se o teste de hipótese para uma proporção que considera a distribuição binomial para cálculo do poder da amostra12, considerando um poder de 80% com nível de significância de 5% e estimou-se o tamanho total de pacientes da amostra.
Caracterização da amostra
Foram estudados pacientes maiores de 18 anos, de março de 2010 a janeiro de 2011, que preencheram os seguintes critérios de inclusão: estabilidade clínica, em ventilação espontânea por no mínimo 48 horas; ausência de infecção no momento da indicação da decanulação; ausência de novo procedimento cirúrgico na mesma internação; tosse e deglutição eficazes; escala de coma de Glasgow >8. Os pacientes foram examinados por equipe multidisciplinar, incluindo médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e enfermeiros. Para que houvesse homogeneidade nas avaliações dos pacientes, a equipe multidisciplinar participou de um programa de educação continuada, que se estendeu durante todo o período de coleta de dados da pesquisa. A amostra contou com 51 pacientes, 26 do sexo feminino e 25 do sexo masculino, com mediana da idade de 55 anos (19-87 anos), sendo 22 faiodermicos, 19 leucodérmicos e dez melanodérmicos.
Quatro (7,8%) pacientes relataram o uso de drogas ilícitas. Doenças associadas foram diagnosticadas em 45 (88,2%) pacientes, tendo prevalência o diabete melito (23,5%). Somente sete (13,72%) pacientes apresentaram complicações relacionadas à realização da traqueostomia e prevaleceu a dificuldade de canulação (11,8%). A condição clínica mais prevalente que motivou a intubação orotraqueal ou a traqueostomia foi o acidente vascular cerebral (27,5%), seguido de pneumonia (19,6%), procedimento cirúrgico, trauma, sepse e obstrução de vias aéreas (cada uma correspondendo a 4% do total de pacientes). Os períodos de órtese traqueal e da permanência em ventilação mecânica podem ser vistos na figura 1.
Períodos de órtese traqueal e ventilação mecânica. * TOT - tubo orotraqueal, TQT - traqueostomia, VM - ventilação mecânica
Composição dos grupos
Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram submetidos à colocação de cânula metálica nº 4 standard, marca Fadel-Med(r), com diâmetro interno de 7,5mm, externo de 10mm e comprimento 7cm, independente do tipo de cânula que estavam usando. A cânula permaneceu ocluída durante 24 horas, período no qual os pacientes foram avaliados quanto à expansibilidade torácica, frequência e padrão respiratório, ausculta pulmonar, frequência cardíaca, pulso e pressão arterial. Os pacientes deveriam apresentar parâmetros melhores ou iguais aos encontrados antes da oclusão da cânula. Deste modo foram constituídos dois grupos de pacientes com base no resultado da oclusão da cânula de traqueostomia: grupo A - toleraram; e grupo B - não toleraram. Considerou-se que os pacientes do grupo A preenchiam os critérios clínicos de decanulação e os do grupo B não apresentavam estes critérios.
Exame broncoscópico
Os pacientes dos grupos A e B foram submetidos à endoscopia laringotraqueobrônquica pelo mesmo examinador, após um período máximo de oclusão da cânula de 24 horas. O período médio entre o momento da oclusão da cânula e a realização do procedimento foi 1,7 dias (1 a 7 dias). O procedimento foi realizado na sala de endoscopia respiratória, com broncoscópio flexível Olympus(r), modelo BF-P60, óptico, diâmetro externo do canal de trabalho de 4,9mm, anestesia local com lidocaína spray a 10% na dose de 30mg, 5ml de lidocaína geleia na cavidade nasal e lidocaína 1% sem vasoconstrictor. A cânula foi retirada para facilitar o exame da traqueia, assim como a avaliação dinâmica durante a inspiração e expiração forçada. Nas obstruções dinâmicas, como a traqueomalácia, considerou-se o menor diâmetro traqueal durante a expiração forçada. Para avaliar a obstrução da luz traqueal empregou-se a classificação de Cotton13. Os pacientes que apresentaram lesão bilateral de pregas vocais em adução ou obstrução subglótica ou traqueal a partir de grau II de Cotton (Tabela 1) foram considerados endoscopicamente inaptos à decanulação11. Após a conclusão do exame broncoscópico, e com base na avaliação clínica, os grupos A e B foram subdivididos em quatro grupos: A1, B1, A2 e B2. Os pacientes do grupo A1 foram decanulados após a broncoscopia e permaneceram internados em observação por no mínimo 48 horas. Os pacientes do grupo B1 foram reavaliados após melhora clínica com consequente decanulação após tolerarem nova oclusão. Os pacientes dos grupos A2 e B2 permaneceram traqueostomizados, com a cânula adequada para cada lesão identificada e foram encaminhados ao ambulatório de Cirurgia Torácica.
Variáveis estudadas e testes estatísticos
As lesões laringotraqueais identificadas à broncoscopia foram descritas e classificadas e o resultado expresso em porcentagem. Os grupos de pacientes formados pelos critérios clínicos e broncoscópicos de decanulação foram comparados entre si. Considerando-se que o maior índice de falha na decanulação descrito entre os pacientes que preenchiam os critérios clínicos de decanulação é de 5%9 e que lesão bilateral de pregas vocais e/ou obstrução traqueal e" grau II de Cotton à broncoscopia possuem maior risco de insuficiência respiratória sem o uso da traqueostomia, comparou-se a evolução dos grupos A1, A2, B1 e B2 empregando-se o teste estatístico de Fisher14. Considerando a broncoscopia como o melhor exame para se diagnosticar alterações laringotraqueais que contraindiquem a decanulação, a análise da eficácia dos critérios clínicos foi feita pela comparação entre o valor preditivo positivo encontrado após validação broncoscópica e o descrito na literatura de 95% de sucesso nas decanulações. Considerada como hipótese nula (H0) um valor de predição positivo dos critérios clínicos e"95%, e como hipótese alternativa (HA) que o valor de predição positivo seja <95%15.
RESULTADOS
Nove (17,6%) pacientes não apresentaram alterações laringotraqueais, em 42 (82,4%) foram diagnosticadas lesões, sendo que 20 (39,2%) apresentaram uma, e 22 (43,1%) duas ou mais lesões, conforme descrição a seguir: paresia ou paralisia da prega vocal em adução ou abdução em 15 (29%) pacientes, sendo oito (15,7%) com lesão bilateral. Todas elas estavam associadas à paresia da hemilaringe correspondente; tecido cicatricial sugerindo granuloma em 14 (27,5%) pacientes, todos localizados no traqueostoma determinando obstrução grau I; depressão da parede anterior do traqueostoma em seis (11,8%) pacientes determinando obstrução traqueal grau I; traqueostoma fora da posição anatômica adequada, lateral à linha média da parede anterior da traqueia em dez (19,6%) pacientes; obstrução laringotraqueal em 22 (43,1%), sendo 12 (60%) traqueomalácias, cinco (25%) laringotraqueomalácias e cinco (25%) estenoses. Conforme a classificação de Cotton os seguintes graus de obstrução foram encontrados: nove (17,6%) grau I, nove (17,6%) grau II, duas (3,9%) grau III e duas (3,9%) grau IV.
Quarenta pacientes toleraram a oclusão da cânula, porém o exame broncoscópico diagnosticou lesões laringotraqueais em oito (20%), nos quais foi contraindicada a decanulação. Dos 11 pacientes que não toleraram a oclusão da cânula, a broncoscopia não evidenciou lesões que impedissem a decanulação em dois (18,2%) pacientes. Dez (19,6%) pacientes se beneficiaram da broncoscopia, uma vez que diminuiu o risco de falha na decanulação em oito e evitou a permanência da cânula em dois (Tabela 2). Empregando-se a broncoscopia como um dos critérios para a decanulação, foram encontrados 20% de lesões laringotraqueais que poderiam determinar falha no processo de decanulação. Dessa forma, considerando-se a distribuição binomial, foi rejeitada a hipótese nula de que 95% dos pacientes que preenchem os critérios clínicos toleram a decanulação (p<0,007). Os pacientes decanulados que preenchiam os critérios clínicos e broncoscópicos para decanulação não apresentaram complicações e não necessitaram de nova órtese traqueal.
DISCUSSÃO
No período em que a pesquisa foi realizada, 240 pacientes foram traquestomizados e somente 51 (21,3%) preencheram os critérios clínicos de decanulação6 , 10. Esta variação pode ser explicada pela diferença no método utilizado na inclusão dos pacientes nos diversos estudos, pois houve diferença no número e tipos de critérios clínicos utilizados para definir o paciente que estaria clinicamente apto à decanulação5 , 6 , 10 , 16. Enquanto nessas pesquisas os pacientes permaneceram com traqueostomia por tempo prolongado (média de até 147 dias)17, no presente trabalho o tempo médio foi 33 dias.
Considera-se contraindicação à decanulação o diagnóstico de lesões que comprometam 50% ou mais do diâmetro traqueal. A partir deste grau de obstrução podem ocorrer alterações acentuadas nos testes de função pulmonar com repercussões clínicas10 , 18 , 19, outro estudo, porém, considera que são significativas as obstruções que comprometem 20% do diâmetro traqueal17. No adulto, o diâmetro traqueal é de 20mm nas mulheres e 23mm nos homens8, razão pela qual utilizou-se a cânula metálica no 4 com diâmetro externo de 10mm no momento da decanulação, uma vez que ao ser ocluída, representa obstrução de cerca de 50% da luz traqueal.
Consideramos necessária a realização da broncoscopia flexível antes da decanulação, assim como outros autores17 , 20, devido à sensibilidade do método em diagnosticar lesões anatômicas e funcionais laringotraqueais21 que são frequentes nos pacientes traqueostomizados. Este exame é considerado seguro e seus índices de complicações são menores que 1%22. Na presente pesquisa não ocorreram complicações que impedissem a avaliação laringotraqueal ou que piorassem a condição clínica do paciente.
Os granulomas foram encontrados em 27,5% dos pacientes, todos na região do traqueostoma, sem determinar obstrução ao fluxo aéreo (Grau I de Cotton). As laringotraqueomalácias e as estenoses laringotraqueais, independente do grau de obstrução que determinavam, foram encontradas em 33,3% e 9,8% dos pacientes, respectivamente. Achados semelhantes foram apresentados quando a broncoscopia flexível foi empregada como critério de decanulação7 , 17.
As lesões que determinavam obstruções grau II, III e IV de Cotton foram diagnosticadas em 25,5% dos pacientes, não foram constatadas fístulas ou sangramentos volumosos, o que está em conformidade com a literatura7 , 17. As alterações de pregas vocais foram encontradas em 29,4% dos pacientes, sendo que, em oito pacientes as lesões eram bilaterais, e em 87,5% das lesões, as pregas vocais encontravam-se em adução.
Os pacientes que preencheram os critérios clínicos, mas não os broncoscópicos de decanulação, poderiam ser decanulados sem evoluir com insuficiência respiratória. Deve ser considerado que os pacientes restritos ao leito ou que, por outro motivo, não realizassem esforço físico, poderiam não apresentar insuficiência respiratória, mesmo com obstruções maiores que 50% da luz traqueal ou com paresia bilateral de pregas vocais em adução. Este fato pode ter contribuído para explicar a diferença entre os 20% considerados como falha, encontrada neste trabalho, e os 5% descritos na literatura17. Porém, considerou-se que a decanulação de casos específicos seria melhor avaliada após acompanhamento prolongado do paciente e recuperação do quadro clínico, o que determinou a manutenção de via aérea alternativa. Considerando os critérios clínicos de decanulação, a broncoscopia beneficiou dez (19,6%) pacientes, uma vez que a contraindicou em oito pacientes e identificou dois que não apresentavam lesões que contraindicassem a decanulação pelos critérios clínicos. Outro estudo18 considerou que somente os critérios clínicos seriam suficientes e seguros para indicar a decanulação. Contudo, este autor empregou método diferente do nosso quanto à amostra, aos critérios de inclusão, à cânula a ser ocluída com maior diâmetro e à diferença na descrição das lesões laringotraqueais, assim como diferentes diagnósticos à broncoscopia. Dessa forma, a comparação dos resultados torna-se inadequada.
As condições clínicas que determinaram a intubação orotraqueal ou a traqueostomia, as doenças associadas e a idade não influenciaram na decanulação, o que está de acordo com os resultados da literatura17, contudo, o número de pacientes foi considerado insuficiente para avaliação estatística quanto a estas relações. Os pacientes com diabete melito, entretanto, apresentaram maior chance de contraindicação da decanulação pela broncoscopia, mesmo preenchendo os critérios clínicos de decanulação (p=0,04). Esse fato pode ser explicado pelas alterações nos mecanismos cicatriciais, uma vez que os quatro pacientes com diabete melito, com critérios clínicos favoráveis, apresentavam critérios broncoscópicos desfavoráveis à decanulação, devido à presença de traqueomalácia. Esse dado não foi encontrado na literatura.
Dentre os 15 pacientes que apresentaram lesões de pregas vocais e os 22 que apresentaram estenose laringotraqueal, o tempo médio que permaneceram com tubo orotraqueal foi 10,06 dias. Mesmo sendo um período elevado de utilização do tubo orotraqueal, não apresentaram diferença estatística em relação aos pacientes que não apresentaram lesões. Há relatos de que o tempo de intubação orotraqueal aumenta o número de lesões laringotraqueais e, com isso, a ocorrência mais elevada de falha na decanulação, mas há controvérsia17 , 23 e o número de pacientes da presente pesquisa foi insuficiente para contribuir no sentido de dirimir tais dúvidas. Estudos randomizados são necessários para melhor identificar os fatores que interferem na decanulação17. Considerando que não só o tubo orotraqueal, mas qualquer órtese pode provocar dano laringotraqueal, analisando os períodos de uso de órtese traqueal avaliados nesta pesquisa, apenas o mais longo período de uso da órtese plástica (uso do tubo orotraqueal somado ao uso da cânula plástica) relacionou-se significativamente com o diagnóstico de lesões laringotraqueais à broncoscopia (p=0,04). Contudo, uma vez que este período interage com outras variáveis, tais como período entre a realização da traqueostomia e o final da ventilação mecânica, período de ventilação mecânica, período de utilização de tubo orotraqueal, período de utilização de cânula plástica de traqueostomia e período total de órtese, incluído o período de órtese metálica (Figura 1), utilizou-se a regressão logística múltipla para o grupo das variáveis relacionadas ao período de uso de órtese traqueal e que apresentaram significância inferior a 0,2524. O objetivo foi verificar se um dos períodos do total de permanência da órtese plástica, isoladamente, poderia ser relacionado como causa e efeito da existência de lesões laringotraqueais contrárias à decanulação. O ajuste da regressão logística foi afetado pela multicolinearidade (correlação positiva entre as variáveis de tempo avaliadas) e nenhuma das variáveis apresentou significância.
Uma das limitações deste estudo é a utilização de critérios subjetivos para classificar as lesões que causam obstrução ao fluxo aéreo. Contudo, a classificação de Cotton, utilizada na avaliação13, se baseia em observação endoluminal direta sem instrumento específico para medir a área de obstrução da luz traqueal. Outra limitação encontrada foi a dificuldade de acompanhamento dos pacientes após a alta hospitalar. Entretanto, a maioria das complicações que ocasiona falha do processo de decanulação ocorre nas primeiras 48h9 , 25, período em que os pacientes desta pesquisa se encontravam hospitalizados. O número de pacientes da pesquisa foi suficiente para avaliar o benefício da realização da broncoscopia como critério de decanulação. Entretanto, não foi possível identificar os fatores que tornam imprescindíveis ou dispensáveis o exame broncoscópico na avaliação da decanulação. No presente trabalho elaborou-se um protocolo utilizando-se critérios clínicos, que são consenso entre a maioria dos investigadores, aliados ao método mais adequado de avaliação da região laringotraqueal5 , 6 , 10 , 26, cujo objetivo é proporcionar segurança ao paciente no momento da decanulação. Mais estudos prospectivos devem ser realizados para determinar a utilidade da broncoscopia na avaliação da decanulação. Precisam ser desenvolvidos métodos que descrevam de maneira objetiva e padronizada as lesões laringotraqueais, podendo alterar os critérios broncoscópicos de decanulação ao identificar quais realmente podem ser causa da falha da decanulação.
Com base nesta pesquisa pode-se afirmar que a broncoscopia flexível evidenciou um número elevado de lesões laringotraqueais, sendo mais prevalentes a lesão de pregas vocais na laringe e o granuloma na traqueia, que contribuiu para aumentar a segurança do procedimento de decanulação.
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Fonte de financiamento: nenhum.