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Ressecções pélvicas alargadas no tratamento do câncer colorretal e de canal anal localmente avançado ou recidivado: análise dos aspectos técnicos e fatores de morbimortalidade em 24 casos consecutivos

RESUMO

Objetivos:

avaliar o perfil de morbimortalidade e seus fatores preditivos relacionados às ressecções pélvicas extensas, incluindo a exenteração pélvica, com o intuito de otimizar a seleção dos pacientes e obtenção de melhores resultados cirúrgicos.

Métodos:

foram realizadas 24 grandes ressecções pélvicas por neoplasia maligna anorretal de 2008 a 2015 no Instituto do Câncer do Ceará. Os fatores analisados incluíram idade, perda de peso, órgão ressecados, exenteração total versus posterior, invasão angiolinfática e perineural, metástase linfonodal e sobrevida global e livre de doença.

Resultados:

a mediana de idade foi 57 anos e o tempo médio de seguimento foi dez meses. A morbidade global foi 45,8%, com cinco (20,8%) complicações graves. Não houve óbito nos primeiros 30 dias de pós-operatório. A sobrevida global média foi 39,5 meses e a sobrevida livre de doença foi 30,7 meses. A ressecção concomitante da bexiga foi fator prognóstico isolado com maior risco para complicações (87,5% vs. 26,7%, p=0.009). Invasão angiolinfática e metástase linfonodal não alcançaram significância com relação à sobrevida livre de doença.

Conclusão:

o tratamento dos tumores anorretais avançados é desafiador, necessitando frequentemente de ressecções combinadas, como a cistectomia e sacrectomia, além de reconstruções complexas. A magnitude da cirurgia ainda carrega uma elevada taxa de morbidade, porém é um procedimento considerado seguro e factível, com uma baixa mortalidade e adequado controle locorregional tumoral quando realizado em centros de referência.

Descritores:
Neoplasias; Neoplasias Retais; Recidiva; Canal Anal; Exenteração Pélvica

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the profile of morbidity and mortality and its predictors related to extensive pelvic resections, including pelvic exenteration, to optimize the selection of patients and achieve better surgical results.

Methods:

we performed 24 major resections for anorectal pelvic malignancy from 2008 to 2015 in the Instituto do Câncer do Ceará. The factors analyzed included age, weight loss, resected organs, total versus posterior exenteration, angiolymphatic and perineural invasion, lymph node metastasis and overall and disease-free survival.

Results:

the median age was 57 years and the mean follow-up was ten months. Overall morbidity was 45.8%, with five (20.8%) serious complications. There were no deaths in the first 30 postoperative days. The median overall survival was 39.5 months, and disease-free survival, 30.7 months. Concomitant resection of the bladder was an isolated prognostic factor for higher risk of complications (87.5% vs. 26.7%, p = 0.009). Angiolymphatic invasion and lymph node metastasis did not reach significance with respect to disease-free survival.

Conclusion:

treatment of advanced anorectal tumors is challenging, often requiring combined resections, such as cystectomy and sacrectomy, and complex reconstructions. The magnitude of the operation still carries a high morbidity rate, but is a procedure considered safe and feasible, with a low mortality and adequate locoregional tumor control when performed in referral centers.

Keywords:
Neoplasms; Rectal Neoplasms; Recurrence; Anal Canal; Pelvic Exenteration.

INTRODUÇÃO

O câncer colorretal (CCR) é a neoplasia maligna mais comum do aparelho digestivo11. Ferlay J, Shin HR, Bray F, Forman D, Mathers C, Parkin DM. Estimates of worldwide burden of cancer in 2008: GLOBOCAN 2008. Int J Cancer. 2010;127(12):2893-917.. Para fins epidemiológicos, estão inclusas nesse grupo também as neoplasias malignas do canal anal (CCA).

Nas últimas décadas, houve uma grande evolução no tratamento destas neoplasias, com a incorporação da terapêutica multimodal com quimioterapia e radioterapia. No CCA, por exemplo, a terapia exclusiva com radioquimioterapia é curativa em até 85% dos casos, reservando-se a cirurgia somente para as recidivas ou doença persistente22. National Comprehensive Cancer Network. NCCN Guidelines - anal carcinoma (version 2.2013). [base de dados na internet]. [acesso em 20 dez 2012]. Disponível em http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/anal.pdf
http://www.nccn.org/professionals/physic...
. Paralelamente, para o CCR, a radioterapia e quimioterapia, embora não tenham papel curativo exclusivo, tem benefício demonstrado no contexto de adjuvância ou neoadjuvância. A cirurgia persiste como único tratamento bem estabelecido com potencial curativo, além de representar também opção de resgate nos casos de recidiva33. National Comprehensive Cancer Network. NCCN Guidelines - rectal cancer (version 4.2013). [base de dados na internet]. [acesso em 20 dez 2012]. Disponível em http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/rectal.pdf
http://www.nccn.org/professionals/physic...
. Aos pacientes que apresentam recidiva locorregional extensa a despeito do tratamento cirúrgico conservador, e nos casos com invasão de órgãos adjacentes, está indicada como única possibilidade de cura a realização de ressecções pélvicas extensas, com necessidade de ressecções do aparelho gênito-urinário (exenteração pélvica - EP) - e ressecções compostas, englobando segmentos ósseas ou de partes moles44. Wells BJ, Stotland P, Ko MA, Al-Sukhni W, Wunder J, Ferguson P, et al. Results of an aggressive approach to resection of locally recurrent rectal cancer. Ann Surg Oncol. 2006;14(2):390-5..

A EP foi descrita inicialmente por Brunschwig55. Brunschwig A. Complete excision of pelvic viscera in the male for advanced carcinoma of the sigmoid invading the urinary bladder. Ann Surg. 1949;129(4):499-504., em 1948, sendo definida como uma cirurgia de alta mortalidade que consistia na remoção de todos os órgãos pélvicos, incluindo o aparelho urinário (bexiga, ureter distal e próstata), reprodutor (útero, vagina) e retossigmóide. Já as ressecções combinadas são caracterizadas pela remoção de órgãos ou segmentos que não incluem os órgãos citados anteriormente, como: sacro ou cóccix, pele perineal, vulva etc.

Hoje, as ressecções pélvicas são realizadas com segurança e baixa mortalidade em vários centros do mundo, embora persista com morbidade, variando em torno de 60% nos casos em que se torna necessária a ressecção da bexiga44. Wells BJ, Stotland P, Ko MA, Al-Sukhni W, Wunder J, Ferguson P, et al. Results of an aggressive approach to resection of locally recurrent rectal cancer. Ann Surg Oncol. 2006;14(2):390-5..

O objetivo deste trabalho é avaliar aspectos clínico-epidemiológicos, detalhes técnicos e fatores prognósticos das complicações relacionadas a essas grandes ressecções, com o intuito de otimizar o tratamento e melhor seleção dos pacientes candidatos a estes procedimentos, propiciando maior chance de cura, menor morbidade e melhor qualidade de vida.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte retrospectiva incluindo todos os casos de ressecções pélvicas ampliadas do Departamento de Oncologia Digestiva no período de 1o de janeiro de 2008 a 1o de outubro de 2015, no Hospital Haroldo Juaçaba do Instituto do Câncer do Ceará (HHJ-ICC). Foram incluídos somente os pacientes que se adequaram aos seguintes critérios de elegibilidade: a) a cirurgia ter sido realizada pela equipe do Departamento de Oncologia Digestiva do HHJ-ICC; b) realização de retossigmoidectomia com ou sem amputação abdominoperineal do reto associado a um ou mais procedimentos necessários por invasão tumoral direta: histerectomia, cistectomia, prostectomia, sacrectomia, ressecção do cóccix, vulvectomia, colpectomia, ressecção perineal de partes moles extensa com necessidade de rotação de retalho; e c) sítio primário definido como retossigmóide ou canal anal. Todos os dados foram registrados em ficha de protocolo própria.

As variáveis analisadas foram: sexo, idade, diagnóstico, sintomatologia e perda ponderal, índice de massa corpóreo (IMC), tipo de cirurgia, hemotransfusão, internação em unidade de terapia intensiva, método de reconstrução do trato gastrointestinal e urinário, mortalidade e morbidade, acometimento linfonodal, invasão angiolinfática e perineural, sobrevida global (SG) e sobrevida livre de doença (SLD).

O tipo de ressecção foi classificado como: a) exenteração pélvica total clássica (EPT): remoção do retossigmóide em conjunto com a bexiga (no homem), além do útero (na mulher); b) exenteração pélvica posterior (EPP) clássica: ressecção do retossigmóide e útero nas mulheres; c) outras ressecções ampliadas (ORA): outras ressecções que não se enquadraram nas classificações anteriores.

Para fins de análise da morbidade, quando os casos enquadrados ORA incluíam também a exenteração pélvica, especificamos como EPT ou EPP acrescidos da especificação do segmento adicional removido.

A mortalidade operatória foi definida como o óbito até 30 dias do procedimento cirúrgico. A morbidade foi classificada de acordo com a escala de Dindo-Clavien66. Dindo D, Demartines N, Clavien PA. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004;240(2):205-13. com modificações, levando-se em conta o desfecho clínico e na terapêutica empregada para resolução (Tabela 1).

Tabela 1
Grau de complicação de acordo com a escala de Dindo-Clavien.

Para agrupamento das variáveis categóricas, as complicações foram definidas como complicações menores (graus 1 ou 2 de Clavien) e maiores (graus 3 ou 4). Dividiu-se também a categoria de complicações maiores, separando-as em não graves (grau 3a) e graves (graus 3b e 4). A inclusão dessa subdivisão justifica-se pelo fato de existir uma diferença prática importante no manejo das complicações grau 3a e 3b.

Os resultados são apresentados como mediana, média e desvio padrão, frequência absoluta e relativa. As variáveis categóricas foram comparadas dentro de grupos utilizando o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher, quando apropriado. Toda a análise estatística foi realizada com o software IBM SPSS Statistics(r) 19. Um valor p menor que 0,05 foi considerado significante. Utilizou-se ainda o software de planilha eletrônica para auxílio na tabulação dos dados e confecção dos gráficos.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Haroldo Juaçaba-Instituto do Câncer do Ceará conforme Parecer no 006/2011, de 24/02/2011.

RESULTADOS

No período de 1o de janeiro de 2008 a 1o de outubro de 2015 foram realizadas 24 ressecções pélvicas ampliadas no Departamento de Oncologia Digestiva do Instituto do Câncer do Ceará para o tratamento das neoplasias de cólon, reto e ânus exclusivamente. Todos os procedimentos foram realizados pela mesma equipe cirúrgica.

Vinte pacientes (83,3%) eram do sexo feminino e quatro (16,7%) do sexo masculino. A idade variou de 35 a 74 anos, com mediana de 57 anos. Em 14 (70%) casos foi possível obter dados antropométricos da primeira internação. O peso variou de 37 a 65,5 kg (média de 51,7kg e mediana de 51,5kg) e o IMC de 16,23 a 31,57 kg/m2 (média de 23,44 e mediana de 22,5) (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos 24 pacientes submetidos a exenteração pélvica.

Todos os pacientes eram sintomáticos, variando de dois a 120 meses o período de tempo entre o início dos sintomas e a primeira consulta. O sintoma mais comum apresentado foi sangramento retal, relatado por 19 (79,2%) pacientes, seguido de dor em 17 (70,8%) e perda de peso em 14 (58,3%).

Com relação à terapia multimodal, todos os 24 (100%) pacientes foram submetidos à radioterapia ou quimioterapia durante o curso do tratamento. Dezoito (75%) pacientes realizaram radioquimioterapia concomitantes previamente à cirurgia, complementando a terapia sistêmica no pós-operatório. Seis (25%) realizaram somente quimioterapia adjuvante. Os esquemas utilizados foram associação de 5-fluoracil (5-FU) com leucovorin (LV), com ou sem oxaliplatina, 5-FU com cisplatina (CDDP) e capecitabina isolada.

Com relação à extensão da ressecção, a especificação de cada caso é detalhada na tabela 3. Como órgão adicional removido nas ressecções ampliadas, foram relatados: útero e anexos, vagina, próstata e bexiga, sacro no nível de S3 e abaixo, cóccix, pele do períneo e glúteo, vulva, cólon direito e rim. O método de reconstrução de partes moles mais utilizado foi o retalho vertical miocutâneo do reto abdominal (VRAM) em sete casos, com confecção de neovagina em duas pacientes.

Tabela 3
Localização do tumor primário e tipo de cirurgia realizada.

Com relação à reconstrução do trato gastrointestinal, a preservação do esfíncter do ânus com uma anastomose primária foi possível em nove (37,5%) casos. Uma colostomia úmida em duplo cano (DBWC) em cinco (20,8%) casos, e colostomia terminal isolada em dez (41,6%) pacientes.

Sete (29,1%) pacientes receberam hemotranfusão intraoperatória, com um número de concentrado de hemácias que variou de dois a quatro.

A morbidade global foi 45,8%, com 11 pacientes apresentando 17 complicações pós-operatórias; destes, cinco (20,8%) foram complicações graves (Graus 3b e 4). Não houve óbito nos primeiros 30 dias de pós-operatório (Tabela 2).

No estudo anatomopatológico pós-operatório, o tamanho da lesão principal variou de 0,1 a 12 cm, número de linfonodos ressecadas de zero a 32 (média 13; mediana 14,5). As margens foram livres de doença residual em todos os casos.

O tempo médio de seguimento foi dez meses, variando de um a 56 meses. A SG média foi 39,5 meses e a SLD de 30,7 meses, sendo de 32,7 para os pacientes com CCR e 15,7 para o CCA, sem significância estatística (p=0,319). Hemotransfusão, invasão angiolinfática e presença de metástase linfonodal não alcançaram significância com relação a SG ou SLD (Figura 1).

Figura 1
Curva de sobrevida calculada pelo método de Kaplan-Meier.

Na análise dos fatores clínico-patológicos de morbidade, a realização de cistectomia concomitante (EPT) foi o único fator que alcançou significância estatística para a presença de complicações maiores, com uma taxa de complicação de 87,5% (p=0,009, OR 19,5 [IC95% 1,7-209,5]). Idade maior do que 63 anos (p=0,659), transfusão intraoperatória (p=0,278) e perda ponderal maior do que 10% em seis meses (p=0,197) não alcançaram significância estatística em relação a morbidade global (Tabela 4).

Tabela 4
Fatores de morbidade associados a exenteração pélvica.

DISCUSSÃO

As grandes ressecções pélvicas podem representar o único tratamento com possibilidade de cura para as neoplasias colorretais avançadas, bem como, em casos selecionados de CCA. De modo geral, a cirurgia consiste na remoção em monobloco do retossigmóide em conjunto com os órgãos adjacentes comprometidos, mais comumente o sistema gênito-urinário (útero e anexos, bexiga e próstata), porém não raro há necessidade de ressecções ainda mais complexas, como a colpectomia, vulvectomia ou mesmo sacrectomia.

As primeiras séries de ressecções pélvicas ampliadas foram publicadas em meados do Século XX e focaram especificamente nas EP. Na época, estas reportaram mortalidade bastante elevada, variando de 14-26,9% em pacientes submetidos a EPT para o CCR primário77. Boey J, Wong J, Ong GB. Pelvic exenteration for locally advanced colorectal carcinoma. Ann Surg. 1982;195(4):513-8.,88. Lopez MJ, Standiford SB, Skibba JL. Total pelvic exenteration. A 50-year experience at the Ellis Fischel Cancer Center. Arch Surg. 1994;129(4):390-5; discussion 395-6..

Nos últimos anos, entretanto, houve uma redução drástica da mortalidade cirúrgica, e hoje esta varia de 0-10% em centros especializados99. Law WL, Chu KW, Choi HK. Total pelvic exenteration for locally advanced rectal cancer. J Am Coll Surg. 2000;190(1):78-83.,1010. De Wever I. Pelvic exenteration: surgical aspects and analysis of early and late morbidity in a series of 106 patients. Acta Chir Belg. 2011;111(5):273-81.. Dentre os principais fatores que contribuíram para a melhora na mortalidade cirúrgica, destacam-se a melhor seleção dos pacientes, a adequação da técnica de reconstrução urinária e melhor cuidado perioperatório.

Apesar da melhora evidente na mortalidade ao longo dos anos, a depender da radicalidade necessária nas ressecções pélvicas ampliadas, estas ainda podem tornar-se procedimentos mutilantes, carregando uma elevada taxa de morbidade média de 30 a 60%, com possível comprometimento da qualidade de vida dos pacientes1111. Kakuda JT, Lamont JP, Chu DZ, Paz IB. The role of pelvic exenteration in the management of recurrent rectal cancer. Am J Surg. 2003;186(6):660-4..

Entretanto, quando se analisam as outras modalidades de tratamento para os tumores anorretais avançados ou recidivados, os resultados são ainda mais desapontadores, com a radioterapia paliativa associada a uma sobrevida mediana de 14 meses com um controle álgico médio de apenas três meses para o CCR44. Wells BJ, Stotland P, Ko MA, Al-Sukhni W, Wunder J, Ferguson P, et al. Results of an aggressive approach to resection of locally recurrent rectal cancer. Ann Surg Oncol. 2006;14(2):390-5.. Já a EP, por exemplo, como tratamento para casos semelhantes, apresenta excelente controle sintomático, com SG em cinco anos, variando de 10 a 30%1111. Kakuda JT, Lamont JP, Chu DZ, Paz IB. The role of pelvic exenteration in the management of recurrent rectal cancer. Am J Surg. 2003;186(6):660-4.,1212. Costa SRP, Teixeira ACP, Lupinacci RA. A exenteração pélvica para o câncer de reto: avaliação dos fatores prognósticos de sobrevida em 27 pacientes operados. Rev bras colo-proct. 2008;28(1):7-18.. Resultados reportados do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center (MSKCC) com pacientes submetidos à EPT para CCR evidenciaram sobrevida para câncer específica de 49 meses, com uma SG de 40% em cinco anos, variando de 77% para os casos CCR primários localmente avançados e 28% para as recidivas1313. Gannon CJ, Zager JS, Chang GJ, Feig BW, Wood CG, Skibber JM, et al. Pelvic exenteration affords safe and durable treatment for locally advanced rectal carcinoma. Ann Surg Oncol. 2007;14(6):1870-7.,1414. Jimenez RE, Shoup M, Cohen AM, Paty PB, Guillem J, Wong WD. Contemporary outcomes of total pelvic exenteration in the treatment of colorectal cancer. Dis Colon Rectum. 2003;46(12):1619-25..

No presente estudo, a SG média foi 39,5 meses, semelhante à reportada por outro trabalho brasileiro1212. Costa SRP, Teixeira ACP, Lupinacci RA. A exenteração pélvica para o câncer de reto: avaliação dos fatores prognósticos de sobrevida em 27 pacientes operados. Rev bras colo-proct. 2008;28(1):7-18., de 37,7 meses, embora não se possa fazer uma comparação direta, uma vez que seis (25%) casos do presente estudo são primários de canal anal. Ainda assim, fica evidente o benefício da ressecção pélvica ampliada no tratamento locorregional do câncer anorretal localmente avançado ou recidivado, principalmente quando se compara com as outras modalidades de tratamento.

Neste trabalho, seis (25%) pacientes eram portadores de CCA recidivado, uma frequência maior do que a reportada em outra casuística nacional, onde a cirurgia ampliada de resgate foi indicada pela recorrência dos CCA em apenas 4,3% dos casos1515. Poletto AH, Lopes A, Carvalho AL, Ribeiro EA, Vieira RA, Rossi BM, et al. Pelvic exenteration and sphincter preservation: an analysis of 96 cases. J Surg Oncol. 2004;86(3):122-7..

A faixa etária encontrada foi semelhante a de outras publicações anteriores, nacionais e internacionais, com medianas variando de 52 a 57,1 anos99. Law WL, Chu KW, Choi HK. Total pelvic exenteration for locally advanced rectal cancer. J Am Coll Surg. 2000;190(1):78-83.,1212. Costa SRP, Teixeira ACP, Lupinacci RA. A exenteração pélvica para o câncer de reto: avaliação dos fatores prognósticos de sobrevida em 27 pacientes operados. Rev bras colo-proct. 2008;28(1):7-18.,1313. Gannon CJ, Zager JS, Chang GJ, Feig BW, Wood CG, Skibber JM, et al. Pelvic exenteration affords safe and durable treatment for locally advanced rectal carcinoma. Ann Surg Oncol. 2007;14(6):1870-7.. A média de idade inferior a 60 anos é uma constante nas diversas séries reportadas, fato que pode ser explicado pela clara seleção de pacientes com melhor perfomance status para serem submetidos a um procedimento desta magnitude, reforçado pela casuística de maior mortalidade cirúrgica evidenciada em pacientes idosos, como mostram alguns estudos mais antigos77. Boey J, Wong J, Ong GB. Pelvic exenteration for locally advanced colorectal carcinoma. Ann Surg. 1982;195(4):513-8.. Por ser uma cirurgia de grande porte, deixando muitas vezes sequelas importantes para toda a vida, como colostomia ou urostomia definitiva e incontinência urinária, há sempre um viés de seleção dos pacientes que irão ser submetidos a este procedimento, sendo pesado o risco-benefício da cirurgia e a expectativa de vida, persistindo a idade muitas vezes como fator limitante.

Com relação ao estado nutricional, dados antropométricos foram obtidos dos prontuários de 14 pacientes, dos quais 50% eram eutróficos. Dois pacientes (14,2%) apresentavam desnutrição, enquanto outros quatro (28,5%) eram caracterizados como sobrepeso ou obesos, pelo IMC.

Embora a parcela de pacientes com desnutrição pela classificação da Organização Mundial da Saúde1616. Organização Mundial da Saúde. BMI Database [banco de dados da internet]. Genebra; 2012 [acesso em 20 dez 2012]. Disponível em: www.who.int/bmi/index.jsp
www.who.int/bmi/index.jsp...
seja pequena neste estudo, é importante realçar o fato de que em 14 (58,3%) casos houve perda ponderal superior a 10% em seis meses, o que, conforme Waitzberg1717. Waitzberg DL. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 4a ed. São Paulo: Atheneu; 2009. Nutrição em Cirurgia; p.1712-3., já é indicativo de desnutrição grave, aumentando a incidência de fístulas e diminuição da função da imunidade celular, com uma maior susceptibilidades a complicações infecciosas. Neste trabalho, houve 57,1% de complicações no grupo com perda de peso contra 22,2% nos pacientes que não tiveram alteração de peso significativa, embora este valor não alcance significância estatística (p=0,197), possivelmente pelo tamanho pequeno da amostra.

Todos os pacientes eram sintomáticos, com queixas objetivas, como dor crônica, sangramento importante e fístula, variando o tempo entre a sintomatologia e primeira consulta no serviço de referência de dois a 120 meses, com mediana de seis meses. Costa et al. apresentaram resultados semelhantes, com um total de 15 (100%) pacientes sintomáticos, dos quais sete com dois ou mais sintomas1818. Costa SRP, Antunes RCP, Paula RP, Pedroso MA, Farah JFM, Lupinacci RA. A exenteração pélvica no tratamento do câncer de reto estádio T4: experiência de 15 casos operados. Arq Gastroenterol. 2007;44(4):284-8.. Dois pacientes de nossa casuística apresentavam fístulas (retovaginal ou retovesical). Ambas eram do sexo feminino e tinham comunicação do trajeto da fístula para a pele do glúteo. Em ambos os casos, assim como relatado por Costa et al.1818. Costa SRP, Antunes RCP, Paula RP, Pedroso MA, Farah JFM, Lupinacci RA. A exenteração pélvica no tratamento do câncer de reto estádio T4: experiência de 15 casos operados. Arq Gastroenterol. 2007;44(4):284-8., a cirurgia resolveu os sintomas de dor, sangramento e fístula, com uma melhora clara na qualidade de vida (Figura 2).

Figura 2
A) Fístula reto-vaginal-cutânea. B) peça cirúrgica com orifício da fístula

Com relação aos aspectos técnicos, é importante frisar que, embora Brunschwig55. Brunschwig A. Complete excision of pelvic viscera in the male for advanced carcinoma of the sigmoid invading the urinary bladder. Ann Surg. 1949;129(4):499-504. tenha descrito e detalhado a EPT, ressecções pélvicas radicais nunca podem ser consideradas cirurgias totalmente padronizadas, uma vez que ressecções mais amplas podem ser necessárias para alcançar ausência de doença residual, incluindo dissecções fora do plano anatômico convencional, com, por exemplo, ureterectomia com retalho de bexiga, sacrectomia, vulvectomia, etc (Figura 3).

Figura 3
Campo cirúrgico após exenteração pélvica total com sacrectomia (vista posterior)

Neste trabalho, foram realizadas 16 EPP e oito EPT. Além disso, ressecção adicional foi necessária em 12 pacientes, conforme descrito na tabela 3. É importante salientar que em sete (29,1%) casos houve a necessidade da rotação de retalho miocutâneo com reconstrução perineal, técnica bem estabelecida para síntese dos grandes defeitos perineais e preenchimento do oco pélvico. Em duas pacientes, a reconstrução com o retalho VRAM proporcionou a manutenção da capacidade sexual pela confecção de uma neovagina. Todos os procedimentos foram realizados num mesmo tempo cirúrgico por uma equipe única.

Mesmo com toda evolução da qualidade perioperatório, a morbidade global decorrente das ressecções e reconstruções necessárias, ainda persistiu em patamar, neste trabalho, de 45,8%. Na análise univariada, o único fator que apresentou significância para o aumento de complicações foi a realização de exenteração pélvica total, com uma taxa de complicação de 87,5% (p=0.012). Resultado semelhante foi descrito anteriormente1919. Eisenberg MS, Dorin RP, Bartsch G, Cai J, Miranda G, Skinner EC. Early complications of cystectomy after high dose pelvic radiation. J Urol. 2010;184(6):2264-9., com morbidade de 76,9% relacionada à cistectomia radical em pacientes com pelve irradiada.

A diferença de morbidade da EPT e EPP encontrada neste estudo é fato bem estabelecido, com a morbidade da EPP mais próxima a da retossigmoidectomia clássica. Lohsiriwat et al. compararam um grupo de pacientes tratados com EPP com pacientes submetidos à retossigmoidectomia ou amputação abdômino-perineal do reto2020. Lohsiriwat V, Lohsiriwat D. Comparison of immediate surgical outcomes between posterior pelvic exenteration and standard resection for primary rectal cancer: a matched case-control study. World J Gastroenterol. 2008;14(15):2414-7.. Não houve diferença entre o número de complicações e o tempo de internação hospitalar, com o tempo cirúrgico (274 vs. 157min, p<0.001) e a perda sanguínea (769 vs. 203, p=0.008), sendo maiores para a EPP. Assim, fica evidente que existe uma diferença clara na morbidade cirúrgica quando se acrescenta a ressecção do aparelho urinário.

Em relação ao seguimento, 13 pacientes estavam livres de doença até a última consulta de seguimento, com nove diagnósticos de recidiva (incluindo os óbitos por recidiva). Na literatura, os principais fatores determinantes de sobrevida são a presença de metástase linfonodal e invasão angiolinfática. Embora haja uma diferença de sobrevida na dependência desses fatores, não houve significância estatística, possivelmente pela limitação da amostra e tempo de seguimento curto.

Em conclusão, o tratamento cirúrgico do câncer colorretal e de canal anal localmente avançado ou recidivado é um procedimento cirúrgico complexo, que apresenta em média 50% de morbidade, chegando a patamares superiores a 80% quando se acrescenta a ressecção do aparelho urinário numa pelve já irradiada. A evolução da técnica cirúrgica, a qualidade na assistência perioperatória associadas a uma seleção criteriosa dos pacientes têm conseguido reduzir o óbito cirúrgico a valores inferiores a 5% em centros especializados. Ainda assim, pode apresentar morbidade bastante elevada, principalmente quando se associa a cistectomia concomitante, que altera sobremaneira o perfil de complicações.

Os pacientes candidatos ao procedimento devem ser avaliados com uma seleção criteriosa, uma vez que ressecções adicionais são frequentemente necessárias, seguidas por procedimentos complexos de reconstrução. Embora haja poucas publicações nacionais no assunto, é importante destacar que séries brasileiras reportadas apresentam resultados bastante satisfatórios, tornando as grandes ressecções pélvicas procedimentos factíveis nos grandes centros especializados.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2015
  • Aceito
    07 Mar 2016
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