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Uma abordagem institucionalista da contabilidade

An institutionalist approach to accounting

Resumos

A Contabilidade e as normas que regulam a sua prática social contribuem para a existência da estabilidade do funcionamento da vida socioeconómica. Devido à importância da Contabilidade enquanto mecanismo social de criação e comunicação de conhecimento e ao papel desempenhado pelas normas contabilísticas na mediação das relações entre os diversos agentes económicos, elas devem ser analisadas com recurso ao conceito de instituição, o qual permite justamente compreender esses aspectos que as caracterizam. Neste texto, utiliza-se uma abordagem institucionalista para se compreender o papel social da Contabilidade e das normas que regulam a sua prática social, procurando-se utilizá-la para compreender as estruturas conceptuais da informação financeira enquanto instrumento de regulação contabilística.

Contabilidade; Novo institucionalismo económico; Velho institucionalismo económico


Accounting and its standards contribute to the stable functioning of socioeconomic life. Due to the importance of accounting as a social knowledge creation and communication mechanism, and due to the role of accounting standards in mediating the relations between different economic agents, they should be analyzed with reference to the concept of institution, which permits understanding their characteristic aspects. In this text, an institutionalist approach is used to understand the social role of accounting and the standards regulating its social practice, with a view to using it to understand the conceptual structures of financial information as an accounting regulation instrument.

Accounting; New institutional economics; Old institutional economics


SEÇÃO INTERNACIONAL

Uma abordagem institucionalista da contabilidade

An institutionalist approach to accounting

Manuel Castelo Branco

Docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto - Portugal. E-mail: mcbranco@fep.up.pt

RESUMO

A Contabilidade e as normas que regulam a sua prática social contribuem para a existência da estabilidade do funcionamento da vida socioeconómica. Devido à importância da Contabilidade enquanto mecanismo social de criação e comunicação de conhecimento e ao papel desempenhado pelas normas contabilísticas na mediação das relações entre os diversos agentes económicos, elas devem ser analisadas com recurso ao conceito de instituição, o qual permite justamente compreender esses aspectos que as caracterizam. Neste texto, utiliza-se uma abordagem institucionalista para se compreender o papel social da Contabilidade e das normas que regulam a sua prática social, procurando-se utilizá-la para compreender as estruturas conceptuais da informação financeira enquanto instrumento de regulação contabilística.

Palavras-chave: Contabilidade; Novo institucionalismo económico; Velho institucionalismo económico.

ABSTRACT

Accounting and its standards contribute to the stable functioning of socioeconomic life. Due to the importance of accounting as a social knowledge creation and communication mechanism, and due to the role of accounting standards in mediating the relations between different economic agents, they should be analyzed with reference to the concept of institution, which permits understanding their characteristic aspects.

In this text, an institutionalist approach is used to understand the social role of accounting and the standards regulating its social practice, with a view to using it to understand the conceptual structures of financial information as an accounting regulation instrument.

Keywords: Accounting; New institutional economics; Old institutional economics.

1 INTRODUÇÃO

A Contabilidade é utilizada pelos mais diversos tipos de agentes no sentido de representar e conhecer uma parcela fundamental da realidade em que vivem e de agirem sobre essa realidade de forma fundamentada. A informação que fornece é utilizada como apoio à tomada de decisões com implicação na afectação de recursos às diversas actividades, na utilização desses recursos no seio das organizações e na distribuição da riqueza gerada pelos diversos agentes que contribuem para a sua criação.

A Contabilidade contribui para a existência da estabilidade do funcionamento da vida socioeconómica. Isso é assim porque, por um lado, oferece aos diversos agentes uma base comum de raciocínio para o entendimento da realidade em e sobre que agem e uma linguagem comum para que possam comunicar e interagir e produz a informação necessária para fundamentar as suas decisões. Por outro lado, as normas contabilísticas, ao prescreverem a forma como os agentes devem actuar nas relações que estabelecem entre si, garantem em parte a necessária estabilidade das suas antecipações para que lhes seja possível interagir. Ela contribui, assim, para a necessária coordenação das acções de uma multiplicidade de agentes que tomam decisões de forma independente. Por isso, a Contabilidade, particularmente a Contabilidade Financeira com as suas normas e convenções, deve ser entendida como um mecanismo social que confere alguma estabilidade ao ambiente socioeconómico.

Argumenta-se, neste texto, que a abordagem do "velho" institucionalismo é particularmente adequada para a análise da Contabilidade e das normas contabilísticas e do seu papel social. De acordo com tal abordagem, começa-se pelo estudo da maneira como os agentes elaboram as suas representações da realidade em que vivem, as oportunidades com que se confrontam e as suas regras de decisão. Reconhece-se que o ambiente institucional e a cultura moldam e constrangem o comportamento individual. Ela permite analisar a Contabilidade como uma linguagem que influencia a percepção da realidade que têm os agentes socioeconómicos e a forma como sobre ela raciocinam e, assim, a forma como sobre ela agem. Ela permite também analisar o papel desempenhado pelas normas contabilísticas na mediação das relações entre os diversos agentes económicos.

Na secção 2, tecem-se algumas considerações a propósito da "nova economia institucional", particularmente a propósito da "teoria da agência", por ser a sua vertente que maior utilização tem tido na análise da contabilidade, e do avanço que representa em relação à tradicional abordagem da economia neoclássica. Na secção 3, caracteriza-se sinteticamente a abordagem do "velho" institucionalismo. Nas secções 4 e 5, analisa-se a contabilidade enquanto instrumento de conhecimento e o papel social da regulação contabilística a partir da abordagem do "velho" institucionalismo, considerando-se que ela é particularmente apropriada para uma adequada conceptualização da Contabilidade à medida que permite justamente enfatizar aqueles que se consideram os seus aspectos mais significativos. Na secção 6, numa tentativa de demonstrar de forma mais concreta a utilidade da abordagem defendida nas secções anteriores, são analisadas as suas possibilidades no senti-do de contribuir para a compreensão do papel das estruturas conceptuais enquanto instrumento fundamental de regulação. Na secção 7, retiram-se algumas conclusões.

2 A "NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL" E A CONTABILIDADE

A abordagem neoclássica tradicional da informação contabilística enfatiza o seu papel na afectação eficiente de recursos. Isto é feito a partir de uma visão da sociedade de acordo com a qual a utilidade da contabilidade deriva da assistência que a informação que fornece dá aos indivíduos no processo de tomada de decisão quanto à melhor forma de utilizar os seus recursos em ordem a maximizar a sua riqueza, possibilitando, por essa via, um funcionamento eficiente dos mercados e o máximo bem-estar social.

Antes de prosseguir, talvez seja conveniente tornar mais claro o que se entende por "economia neoclássica". Na esteira de Hodgson (1994: xvi), tem-se, neste texto, uma imagem da economia neoclássica de acordo com a qual essa se caracteriza pela aceitação do seguinte conjunto de ideias relativamente à racionalidade, ao conhecimento, ao processo económico e ao agente humano1 1 É de notar que essa imagem é compatível com a caracterização que Walker (1988: 34) faz da abordagem da contabilidade baseada na economia da informação. Esse autor (ibid.) argumenta que "a abordagem da economia da informação é essencialmente neoclássica" porque: a) "procura basear as suas explicações nas acções dos agentes individuais"; b) "quase toda a literatura da economia da informação assume que os indivíduos escolhem como se fosse para maximizar a sua própria utilidade esperada"; c) "na medida em que se preocupa com os resultados de um comportamento negocial entre indivíduos, a abordagem centra-se inteiramente em posições de equilíbrio". :

• em primeiro lugar, assume um comportamento racional, de maximização, por parte dos agentes, os quais optimizam funções de preferência dadas e estáveis;

• em segundo lugar, exclui problemas crónicos de informação;

• finalmente, enfatiza estados de equilíbrio estável atingidos ou movimentos em direcção a esses estados.

Embora seja, também, uma crítica da abordagem neoclássica, a "nova economia institucional" pode ser considerada como sua extensão e desenvolvimento. Na verdade, ela utiliza os conceitos básicos daquela abordagem: o individualismo metodológico e a maximização da utilidade ou do lucro. Trata-se de uma abordagem em termos de agentes racionais que actuam num contexto de racionalidade limitada2 2 Recorrendo-se nomeadamente aos trabalhos sobre racionalidade limitada ( bounded rationality) de Herbert Simon. , com custos de transacção, informação imperfeita e instituições (regras estáveis) que condicionam a sua actuação e na qual se sublinha a importância dos contratos, explícitos ou implícitos.

Uma das vertentes da "nova economia institucional" que tem dado origem a uma grande interacção entre contabilidade e economia tem sido a "teoria da agência" (cf. BEAVER, 1989; JENSEN e MECKLING, 1976; WATTS e ZIMMERMAN, 1986). A teoria da agência pode considerar-se como um contributo fundamental no sentido de enriquecer a teoria económica para que ela permita exprimir em linguagem económica uma grande parte, embora limitada, dos fenómenos que constituem a prática social da contabilidade. Isso porque permite reconhecer a existência de conflitos de interesses entre os diversos agentes interessados na empresa3 3 Porque parte da constatação da separação entre a propriedade e a gestão da empresa, a teoria da agência tem privilegiado a análise dos conflitos de interesses que opõem accionistas a gestores e financiadores a accionistas e gestores e permite analisá-los de forma mais ou menos adequada. Todavia, as relações entre os gestores e o público em geral ou os gestores e os trabalhadores têm sido pouco analisadas, pelo menos no que diz respeito a questões relacionadas com a divulgação de informação (por exemplo, os custos relacionados com a poluição gerada pelas operações das empresas suportados pelo público em geral podem ser considerados como um "investimento" por parte destes e faz com que deva ser considerado uma parte interessada na empresa com um direito legítimo a receber informação, mesmo informação sobre o impacto social e ambiental da empresa). Na verdade, para que possa ser útil na análise das relações dos gestores com outros agentes interessados na empresa para além dos fornecedores de capital, talvez seja necessário introduzir alterações na teoria da agência que lhe possibilitem tratar questões de ordem moral e ética. .

Uma relação de agência é uma relação na qual uma das partes nela envolvida - conhecida como "principal" - contrata a outra - conhecida como "agente" - para levar a cabo uma tarefa no seu interesse. É o caso da relação entre os accionistas, proprietários da empresa, e os seus gestores, em que os primeiros delegam aos segundos a autoridade de tomar decisões relativas ao funcionamento da empresa. É também o caso da relação entre os gestores, actuando agora em nome dos accionistas, e os financiadores, em que os segundos delegam a gestão do seu investimento nos primeiros.

Os problemas estudados pela teoria da agência surgem quando: (1) existe uma divergência de interesses entre as partes e cada uma delas prossegue os seus próprios objectivos (por exemplo, existem conflitos de interesses que opõem accionistas a gestores e financiadores a accionistas e gestores) e (2) existem assimetrias de informação entre as partes (por exemplo, os gestores não só têm acesso a informação superior sobre a empresa, como também nem sempre será possível aos accionistas ou aos financiadores conhecer perfeitamente as acções dos gestores).

Nestas circunstâncias, surge a possibilidade de os agentes não respeitarem os interesses dos principais, sendo custoso para esses saber se assim é ou não - é o problema do "risco moral" (moral hazard). Por outro lado, é possível que os agentes forneçam deliberadamente informação errada - é o problema da "selecção adversa" (adverse selection).

Porque é pouco provável que os interesses do principal e do agente sejam convergentes e que esse último aja espontaneamente em conformidade com os interesses do primeiro, o principal deve procurar limitar as divergências instaurando mecanismos de incentivo e também meios de supervisão com o objectivo de limitar as acções do agente que não se conformem com os seus objectivos.

Vão, assim, surgir comportamentos geradores de "custos de agência", os quais são formados por (cf. JESEN e MECKLING, 1976: 308):

• "custos de supervisão" (monitoring costs), suportados pelo principal para controlar os comportamentos do agente (dizem respeito às actividades de vigilância e também às actividades de implantação de incentivos);

• "custos de obrigação" (bonding costs), suportados pelo agente para garantir ao principal que não levará a cabo acções que lesem os interesses deste;

• "perda residual" (residual loss), existente devido à divergência de interesses que continua a existir (corresponde à diferença entre o resultado da acção do agente para o principal e o resultado de um comportamento que conduzisse a uma efectiva maximização do bem estar do principal).

De acordo com essa perspectiva, a principal função da divulgação de informação contabilística é a de atenuar o problema da assimetria de informação, aumentando o acesso de accionistas, financiadores e outros à informação sobre a empresa e reduzindo a posição de privilégio em que a esse respeito se encontram os gestores.

Por outro lado, a contabilidade constitui um meio de controlo das actividades dos gestores e esses alteram o seu comportamento em função do conteúdo da informação divulgada, ou seja, o conhecimento de que as suas acções e as conseqüências dessas vão transparecer na informação divulgada faz com que os gestores actuem de forma diferente da que actuariam se não fosse esse o caso.

Além disso, porque nos contratos mediante os quais se estabelecem os mecanismos de incentivo e de supervisão dos gestores4 4 O conflito de interesses que opõe accionistas a gestores vai dar origem a "planos de compensação", os quais contemplam os mecanismos de remuneração dos gestores com o objectivo de assegurar que a actuação destes não se desvia dos objectivos dos accionistas. O conflito de interesses que opõe financiadores a accionistas e gestores conduz à introdução de restrições nos "contratos de dívida", para impedir que haja transferência de riqueza dos financiadores para os accionistas e gestores (por exemplo, através de limitações no que concerne a distribuições de dividendos). se utilizam medidas de desempenho baseadas na informação contabilística, existe o interesse em saber quais as características que deve possuir essa informação para que se obtenham medidas de desempenho adequadas a essa função. Revela-se, desse modo, a importância da regulação contabilística no sentido de reduzir a possibilidade dos gestores influenciarem a informação divulgada e, assim, de se comportarem de forma oportunista5 5 Isto é particularmente verdade nos casos em que o alinhamento dos interesses dos gestores e dos accionistas se faz por meio de contratos que associam a remuneração dos gestores ao desempenho da empresa (o que é mais frequente nos EUA do que na Europa) e este é medido com base nos números fornecidos pela contabilidade, uma vez que existem incentivos para que os gestores adoptem métodos contabilísticos que aumentem a sua remuneração. Mas o mesmo sucede relativamente aos contratos de dívida, por exemplo, quando os empréstimos concedidos pelos bancos estão dependentes do valor de rácios de endividamento, como é o caso do rácio de autonomia financeira (o qual é pouco conhecido nos países anglo-saxónicos, nos quais se utiliza mais o debt-to-equity ratio). . Ao permitir melhorar a fiabilidade da informação contabilística, a regulação contabilística permite desenvolver melhores mecanismos de incentivos.

3 A ABORDAGEM DO "VELHO" INSTITUCIONALISMO

Quando se refere ao institucionalismo económico, pen-sa-se, em primeiro lugar, na "nova economia institucional" ou "novo" institucionalismo económico, e nas contribuições recentes de Ronald Coase, Oliver Williamson, Douglass North, entre outros. Mas a verdade é que existe uma tradição intelectual muito mais antiga, o institucionalismo "velho" ou "originário", com origem no fim do século XIX e princípio do XX, cujos fundadores foram nomeadamente Thorstein Veblen e John R. Commons. Essa tradição tem sido enriquecida por autores actuais como W. J. Samuels, M. Tool, W. Dugger, G. Hodgson, entre outros.

Um dos aspectos importantes que distingue o "velho" do "novo" institucionalismo é sobretudo o método de análise. A distinção fundamental tem a ver com o facto de os "velhos" institucionalistas e seus actuais herdeiros recusarem a abordagem neoclássica, em particular o individualismo metodológico, propondo antes uma abordagem holista das instituições, enquanto os "novos" institucionalistas utilizam os conceitos básicos daquela abordagem: o individualismo metodológico e a maximização da utilidade ou do lucro6 6 Veja-se, a propósito dos institucionalismos "novo" e "velho", a interessante análise de Reis (1998). Para uma análise mais exaustiva das diferenças e semelhanças entre as duas abordagens, ver Rutherford (1996). Mais especificamente sobre a "nova economia institucional", mas abordando também, nas páginas iniciais, as diferenças entre as duas tradições, ver Klein (2000). .

Quaisquer que sejam as divergências a propósito da racionalidade dos agentes, as abordagens do "novo" institucionalismo económico e a abordagem neoclássica tradicional possuem em comum uma forma de tratar a informação. Ela é analisada como algo de que os agentes necessitam para tomar decisões e coordenar as suas acções. O principal problema prende-se com minimizar os custos de obtenção e transmissão da informação e fazer face aos riscos que a sua ausência acarreta.

Essas abordagens caracterizam-se pelo facto de a análise se iniciar pela avaliação das oportunidades com que os indivíduos se confrontam de forma a escolher a que permite maximizar a utilidade ou o lucro. Mas, antes de um indivíduo poder escolher, ele necessita de um enquadramento conceptual para poder organizar a realidade. Esse aspecto é importante para se compreender o papel social da contabilidade, mas ele não é considerado por aquelas abordagens.

Como afirma Francis (1990: 10), a capacidade de compreender os acontecimentos económicos reais que são representados "é mediada pelo discurso especializado que a contabilidade cria". Nesse sentido, a contabilidade é uma "prática discursiva" no âmbito da qual não se está apenas a relatar os factos mas antes a criar uma determinada compreensão das "experiências económicas e o significado que tais experiências" têm para as vidas dos diversos agentes (ibid.).

Uma abordagem mais adequada para a análise da contabilidade e do seu papel social é aquela de acordo com o qual se começa pelo estudo da maneira como os agentes elaboram as suas representações da realidade em que vivem, as oportunidades com que se confrontam e as suas regras de decisão. Essa é a abordagem do "velho" institucionalismo económico, na qual não se toma o indivíduo como dado, e se reconhece que o ambiente institucional e a cultura moldam e constrangem o seu comportamento. Ela afasta-se das abordagens em que a análise se inicia pela avaliação das oportunidades de forma a seleccionar a que permite maximizar a utilidade ou o lucro, tomando-se o indivíduo como dado.

Hodgson (2000: 323) considera que a característica essencial do "velho" institucionalismo tem a ver com a "noção de que o indivíduo não é dado, mas pode ser reconstituído por instituições"7 7 Em Hodgson (2000), referem-se cinco aspectos que "contêm o 'núcleo duro' da tradição institucionalista": ausência de um projecto político específico; interdisciplinaridade; estudo das instituições; reconhecimento da economia como sendo um sistema aberto e evolutivo; o indivíduo é afectado pelo seu ambiente institucional e cultural, de forma que ele não é um "dado". Desses cinco aspectos, Hodgson ( ibid.) aponta o último deles como sendo a mais importante característica definidora do "velho" institucionalismo. , ou seja, a "essência" da tradição do "velho" institucionalismo corresponde ao facto de considerar que os agentes não são dados e que o ambiente institucional e a cultura afectam o seu comportamento. É uma das suas características que distinguem o "velho" do "novo" institucionalismo, no qual, apesar das instituições serem assumidas como argumento das funções de preferências, elas não são alteradas pelas instituições e pela cultura.

A abordagem institucionalista vê as instituições como determinantes fundamentais do comportamento dos agentes, mas reconhece, também, as instituições como resultando do comportamento dos indivíduos em sociedade. Reconhece-se, assim, que as instituições dependem dos indivíduos, à medida que esses as criam e alteram, mas também que eles e o seu comportamento são moldados e constrangidos por aquelas. As instituições devem ser consideradas como algo mais do que o contexto. Elas devem ser consideradas como um elemento decisivo na evolução e transformação da realidade socioeconómica.

As instituições podem ser definidas, na esteira de Hodgson (2001: 297), como "sistemas duráveis de regras e convenções sociais estabelecidas, incrustadas e potencialmente codificáveis que estruturam as interacções sociais". "Linguagem, dinheiro, lei, sistemas de pesos e medidas, regras de etiqueta, empresas (e outras organizações)", são exemplos de instituições (op. cit.: 295). A natureza durável das instituições tem em parte a ver com o facto de elas poderem "criar expectativas estáveis sobre o comportamento dos outros", viabilizando "o pensamento, expectativas e acção ordenados através da imposição de forma e consistência às actividades humanas" (ibid.).

Para além de organizações, regras, valores, convenções e normas, no conceito de instituição devem, também, ser incluídas formas de apreender e de pensar a realidade e de comunicar conhecimento sobre ela que apresentam alguma estabilidade sem que no entanto sejam imutáveis. O que é comum a todas as instituições é o facto de introduzirem ordem nas acções dos indivíduos e nas relações que entre si estabelecem.

4 A CONTABILIDADE COMO INSTRUMENTO DE CONHECIMENTO

A interacção humana em sociedade requer o uso da linguagem. Não é possível compreender o mundo sem conceitos e não é possível comunicar sem alguma forma de linguagem. Para que os indivíduos utilizem a informação, "é necessário que utilizem enquadramentos e categorias conceptuais" e que lhes atribuam significado (HODGSON, 1999: 71). Mas esses "conceitos são parte da herança da nossa cultura e linguagem e são adquiridos através de aprendizagem e socialização" (ibid.). A linguagem e os símbolos através dos quais se apreende o mundo são "adquiridos através da interacção social" (ibid.). Por isso, a "aquisição de conhecimento sobre o mundo" é na sua própria essência um "acto social" e não apenas um acto individual (op. cit.: 78).

As abordagens tradicionais caracterizam-se pelo facto de a análise se iniciar pela avaliação das oportunidades com que os indivíduos se confrontam de forma a escolher a que permite maximizar a utilidade ou o lucro. Mas, antes de um indivíduo poder escolher, ele necessita de um enquadramento conceptual para poder organizar a realidade. Uma abordagem mais adequada para a análise da contabilidade e do seu papel social é aquela de acordo com o qual se começa pelo estudo da maneira como os agentes elaboram as suas representações da realidade em que vivem, as oportunidades com que se confrontam e as suas regras de decisão. Só assim é possível reconhecer que, como sucede com qualquer linguagem, a contabilidade influencia a percepção da realidade que têm os agentes socioeconómicos e a forma como sobre ela raciocinam e, assim, a forma como sobre ela agem.

Como qualquer linguagem, a contabilidade é mais do que um instrumento de comunicação. Ela é também, e principalmente, um instrumento de conhecimento, um sistema de conceitos capaz de afectar a forma de pensar a realidade e, por isso, de agir sobre ela. Ela torna o pensamento possível ao oferecer uma grelha de leitura da realidade que pretende representar, mas também ao limitar e seleccionar o universo de discurso e verdade que pode ser conhecida. Ela é um sistema institucional, não só porque governa as formas habituais de comunicação e interacção social, mas também porque governa a percepção da realidade e a elaboração do conhecimento sobre tal realidade.

Porque os raciocínios que são possíveis fazer e as decisões que com base neles se tomam, dizem respeito às representações que são construídas sobre determinadas realidades, deve-se reconhecer a influência que a contabilidade exerce sobre a forma como os agentes apreendem tais realidades e a forma como sobre elas agem. Ela contribui assim para criar padrões de comportamento e interacção duradouros e rotinizados e para a estabilidade das antecipações dos agentes, estabilidade essa que é necessária para que eles possam agir num contexto de incerteza e complexidade.

A contabilidade influencia a forma como os agentes apreendem a realidade em que vivem e a forma como agem em e sobre tal realidade. A sua influência deriva tanto da forma como representa e descreve o funcionamento da realidade e dos fenómenos que constituem o seu objecto de análise como também daquilo que exclui das suas representações e descrições. A representação contabilística tem a capacidade de tornar mais visíveis determinados aspectos e menos visíveis ou invisíveis outros, afectando, dessa forma, a visão que as pessoas têm da realidade que pretende representar e as suas decisões e comportamento. De facto, sendo um dos mais importantes e difundidos meios de quantificação nas sociedades actuais, "a contabilidade dá uma forma particular de visibilidade a acontecimentos e processos e ao fazê-lo ajuda a transformá-los" (MILLER, 1994: 2).

5 O PAPEL DA CONTABILIDADE NA REGULAÇÃO DE CONFLITOS ENTRE AGENTES ECONÓMICOS

A escolha da representação sobre a qual raciocinar é em grande medida função de hábitos, de tradições, de uma cultura própria a uma comunidade de especialistas, mas eles próprios são influenciados pelas idéias geralmente admitidas no seio da colectividade humana à qual pertencem. O conhecimento contabilístico é assim contextualizado, por um lado, pela comunidade de especialistas, em que se incluem os profissionais e os investigadores da contabilidade, e, por outro lado, pela sociedade. A esse respeito, é particularmente importante o facto de a contabilidade, nomeadamente a contabilidade financeira, ser objecto de regulação social, ou seja, ela é governada por regras e convenções que são socialmente aceites, nomeadamente pela sua incorporação na lei ou pela sua emissão por organismos profissionais legalmente reconhecidos como competentes na matéria.

Através da regulação contabilística estabelece-se um conjunto de regras a aplicar pelas empresas na preparação e apresentação da informação contabilística. As normas de contabilidade definem os principais critérios de representação da actividade das empresas, contribuindo significativamente para a importância da contabilidade enquanto mecanismo social de criação e comunicação de conhecimento. Isto porque, como sucede com qualquer linguagem existente, sobre a contabilidade tem de ser exercido algum grau de pressão social para que seja correctamente utilizada, sendo esse um dos importantes papéis das normas contabilísticas. Elas possuem, assim, uma fundamental importância do ponto de vista cognitivo.

A principal razão pela qual as empresas divulgam, através da sua gerência/administração8 8 A partir desse momento, qualquer referência à gerência ou aos gestores deve ser entendida como referência a gerência/administração ou aos gestores/administradores. , informação contabilística é a existência de utilizadores externos de tal informação cujas necessidades relativamente ao que ela deve conter devem ser satisfeitas. Parece ser simples, mas a verdade é que talvez as normas contabilísticas não existissem e não fossem necessários auditores se a informação que a gerência está disposta a divulgar correspondesse à informação que os utilizadores externos necessitam ou pretendem. Na verdade, os gestores "querem que os proprietários e outros (incluindo o público geral) ajam, ou sejam dispostos a agir, de formas" que lhes sejam benéficas, enquanto o objectivo de quem recebe a informação é "ser informado", o que faz com que o "sucesso do ponto de vista do gestor possa ser função da falta de sucesso do ponto de vista do receptor" (GAA, 1988: 34-35).

A esse conflito entre utilizadores e gerência junta-se o conflito potencial entre os diversos grupos de utilizadores devido a interesses por vezes contraditórios relativamente ao desempenho das empresas e à forma como é medido esse desempenho. A informação contabilística desempenha um papel relacionado com a facilitação do estabelecimento e cumprimento de contratos. Ela é utilizada muitas vezes como instrumento para suportar a realização de acordos e de contratos entre diversos agentes sociais, impondo-se como referência comum no diálogo estabelecido para que esses acordos e contratos se concretizem. Mais ainda, a informação contabilística é utilizada para legitimar opções tomadas por uns em face das reivindicações dos outros ou justificar essas ante o que pretendem fazer ou fizeram os outros.

Para a análise da problemática das normas contabilísticas é particularmente relevante a concepção de John R. Commons, considerado um dos fundadores do "velho" institucionalismo. Este autor definia instituição como "acção colectiva em controlo, liberação e expansão da acção individual" (COMMONS, 1931: 649). A noção de instituição refere-se ao conjunto de regras, provenientes da acção colectiva, que estabelecem os limites e possibilidades do comportamento dos indivíduos quando eles estabelecem transacções entre si. Elas são necessárias porque as transacções são estabelecidas entre indivíduos cujos interesses se encontram em conflito, mas que se encontram num estado de interdependência de facto e, portanto, são obrigados a cooperar. Ou seja, as instituições estabilizam a contradição entre as duas dimensões fundamentais da interacção entre os indivíduos, o conflito e a cooperação.

Para Commons, a unidade central de análise é a transacção, ou seja, a interacção social. O conceito de transacção de Commons envolve "a alienação e aquisição, entre indivíduos, dos direitos de propriedade e liberdade criados pela sociedade, que devem por isso ser negociados entre as partes interessadas antes que o trabalho possa produzir, ou os consumidores possam consumir ou as mercadorias ser fisicamente trocadas" (COMMONS, 1931: 652), sendo diferente do conceito de troca de mercadorias, o qual envolve a transferência física ou de posse. O indivíduo está no centro da análise enquanto participante em transacções em que as vontades individuais se confrontam e a acção colectiva controla, libera e expande a acção individual.

Enquanto parte do conjunto social, a transacção é limitada por um conjunto de regras (jurídicas, económicas, morais) que determinam o que é autorizado e interdito, os direitos e os deveres dos participantes, as liberdades e os riscos associados à liberdade do outro. Tais regras não devem ser entendidas apenas como constrangimentos que são impostos aos indivíduos, mas antes e principalmente como um enquadramento que torna possível a acção. Na verdade, a um dever de agir de determinada forma (um constrangimento à acção) corresponde sempre um direito (uma segurança) e o controlo define não só zonas de acção limitadas expostas à liberdade dos outros mas também uma protecção dessa liberdade pela existência de constrangimentos aos outros e pela atribuição de poderes.

Nessa perspectiva, as regras não correspondem apenas ao controlo da acção individual, mas também, através do próprio acto de controlo, a uma liberação da acção individual. Isso é assim porque elas permitem a existência de uma segurança das antecipações dos indivíduos, cuja inexistência faria com que a maior parte das vezes não houvesse interacção entre eles, ou seja, elas alargam as possibilidades no que diz respeito à acção individual ao garantir que os outros indivíduos com os quais se interage se comportam dentro dos padrões estabelecidos pela acção colectiva.9 9 Também para Hodgson (2001: 296) as instituições "simultaneamente viabilizam e constrangem o comportamento", sendo possível que tal constrangimento alargue possibilidades ao permitir "viabilizar escolhas e acções que de outra forma não existiriam".

É bem sabido que existem conflitos de interesses e de objectivos entre os diversos agentes envolvidos na empresa, nomeadamente entre os que contribuem com recursos para o seu funcionamento e os gestores, os quais são responsáveis pela utilização de tais recursos. A contabilidade é também uma forma de os gestores darem conta das suas actividades e das conseqüências dessas a esses agentes, tornando-lhes possível vigiarem e controlarem tais actividades e avaliarem as suas consequências e determinarem se elas vão de encontro aos seus objectivos. Por outro lado, a informação contabilística é utilizada muitas vezes como instrumento para suportar a realização de acordos e de contratos entre eles. Ora, porque os gestores detêm o controlo do sistema de informação da empresa, a regulação contabilística surge como um importante mecanismo de assegurar que aqueles agentes não são por eles enganados. 10 10 Um exemplo do tipo de situação descrito acima é o caso dos contratos que associam a remuneração dos gestores ao desempenho da empresa (o que ocorre com maior frequência nos EUA do que na Europa) e esse é medido com base nos números fornecidos pela contabilidade, uma vez que existem incentivos para que os gestores adoptem métodos contabilísticos que aumentem a sua remuneração. Mas o mesmo sucede relativamente aos contratos de dívida, por exemplo, quando os empréstimos concedidos pelos bancos estão dependentes do valor de rácios de endividamento, como é o caso do rácio de autonomia financeira (o qual é pouco conhecido nos países anglo-saxónicos, nos quais se utiliza mais o debt-to-equity ratio). Revela-se, assim, a importância da regulação contabilística no sentido de reduzir a possibilidade de os gestores influenciarem a informação divulgada e, assim, de se comportarem de forma oportunista.

Nessa perspectiva, a importância social da contabilidade e das normas que a regulam reside também no facto de constituírem um importante mecanismo de mediação nas relações que se estabelecem entre as empresas e os diversos agentes que com elas estabeleceram ou poderão estabelecer relações. A necessidade da regulação contabilística deve-se nomeadamente à existência de conflitos potenciais entre os utilizadores da informação contabilística e as gerências das empresas que a divulgam quanto ao seu conteúdo e forma. Poderá existir um interesse por parte dos gerentes das empresas em ocultar informação ou fornecer informação errada, no sentido de enganar os seus utilizadores e levá-los a manter uma relação já existente ou a estabelecer uma relação com a empresa, fazendo-os pensar que tais relações lhes serão favoráveis.

Numa perspectiva institucionalista, as normas contabilísticas não são apenas instruções de natureza técnica para produzir e apresentar informação de natureza económica. São, também, prescrições sobre como devem actuar os agentes nas relações de que estabelecem entre si. Por outro lado, porque a contabilidade constitui um meio de controlo das actividades dos gestores e esses alteram o seu comportamento em função do conteúdo da informação divulgada, o conhecimento de que as suas acções e as consequências dessas vão transparecer na informação divulgada faz com que os gestores actuem de forma diferente da que actuariam se não fosse esse o caso.

Por tudo isso, a contabilidade e as normas que regulam a sua prática social controlam, liberam e expandem a acção dos indivíduos ao garantir que os outros indivíduos com os quais há interacção se comportam dentro dos padrões estabelecidos pela acção colectiva. Assim, uma das importantes funções sociais desempenhadas pela contabilidade é a de contribuir para a existência da confiança que os diversos agentes socioeconómicos devem ter em si e nos outros para agirem em e sobre a realidade em que se inserem e para a existência do necessário diálogo que se deve estabelecer entre esses agentes.

6 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ESTRUTURAS CONCEPTUAIS DA INFORMAÇÃO FINANCEIRA

Numa perspectiva institucionalista, "a contabilidade cumpre de forma implícita uma função social" que consiste em fornecer aos agentes nas relações que estabelecem entre si a "confiança necessária a toda a transacção", confiança essa que tem a ver com a "crença na veracidade das representações do real que ela fornece" (ESNAULT e HOARAU, 1994: 25). A crença na veracidade da representação do real e da informação fornecidas pela contabilidade é importante não só para que exista um grau adequado de confiança mútua no estabelecimento de relações entre os diversos agentes, como também para a existência de um grau adequado de confiança dos agentes nas suas próprias acções e pensamentos quando essas se fundamentam na representação e informação contabilísticas.

É bem verdade que a contabilidade apenas pode oferecer uma interpretação aproximada, subjectiva e simbólica da realidade que pretende representar. Não obstante, é necessário buscar a fidelidade da representação, nem que seja apenas como ideal regulativo. Embora reconhecendo a subjectividade e as limitações da contabilidade e a necessidade de dar uma resposta suficiente para a acção, o contabilista não pode deixar de ter como objectivo a utilidade do conhecimento que a sua actividade permite criar e comunicar.

É com base nessa perspectiva que melhor se pode compreender que os principais organismos de regulação contabilística tenham vindo a elaborar estruturas conceptuais da informação financeira, reconhecendo a necessidade de possuírem um suporte conceptual que sirva de base ao estabelecimentos de normas. As estruturas conceptuais têm procurado dar resposta a questões relacionadas com os objectivos da informação financeira, as características qualitativas que ela deve possuir, as definições dos elementos das demonstrações financeiras (por exemplo, activo, passivo, gasto e rendimento) e os critérios para o seu reconhecimento e mensuração.

A utilidade das estruturas conceptuais está principalmente relacionada com os papéis que desempenha no desenvolvimento de normas, na compreensão do processo de preparação e comunicação de informação financeira e na obtenção de consenso em torno das normas e das actividades de regulação contabilística. Na esteira de Heath (1988), é possível designar o primeiro papel de "desenvolvimentalista" e o segundo de "educacional". O terceiro pode designar-se de "legitimador".

O papel "desenvolvimentalista" das estruturas conceptuais está relacionado com o facto de os organismos de regulação contabilística poderem obter na estrutura conceptual um conjunto de critérios para avaliar as normas já existentes e elaborar novas normas, no sentido de obter um conjunto de normas coerentes entre si.

O papel "educacional" das estruturas conceptuais está relacionado com a sua utilidade no favorecimento da comunicação entre os organismos de regulação contabilística e os diferentes agentes nela interessados. Esse papel passa pela contribuição que dá para a compreensão das normas contabilísticas e da informação contabilística para o ensino da contabilidade.

O papel "legitimador" das estruturas conceptuais está relacionado com o facto desse tipo de documento poder "ser um aglutinante, de carácter sociológico, que legitima a regulação ao suscitar adesões e consenso em torno da norma" (TUA PEREDA, 1997: 50). Esse aspecto é de bastante importância porque, como bem refere Horngren (1981: 90), o processo de elaboração e emissão de normas contabilísticas inclui a obtenção de aceitação e apoio generalizados e um dos principais papéis da estrutura conceptual é precisamente o de aumentar a probabilidade de aceitação de normas específicas a serem propostas ou já em vigor.

A justificação e explicação da promulgação, alteração ou revogação de normas com referência a argumentos do tipo dos expostos nas estruturas conceptuais é fundamental para a necessária credibilidade da regulação contabilística e da informação preparada e comunicada de acordo com as normas contabilísticas. É inevitável que as opções quanto a normas contabilísticas afectem as diferentes partes interessadas de forma diferente, sendo impossível contornar a natureza política da regulação contabilística. Por isso, é preferível a referência a princípios teóricos como os constantes das estruturas conceptuais do que a referência a uma prática de aceitação generalizada.

As estruturas conceptuais podem ser pensadas como instrumentos que servem para orientar o julgamento dos responsáveis pelo estabelecimento de normas e para facilitar a comunicação e o debate entre eles e as partes interessadas nesse processo. Mas, numa perspectiva institucionalista, a sua importância, enquanto instrumento de regulação contabilística, passa em grande medida pelo facto de poderem contribuir, mais do que qualquer outro instrumento de regulação contabilística, para a crença na veracidade da representação do real e da informação fornecidas pela contabilidade. Por isso, desempenham um importante papel na obtenção de consenso em torno do processo de regulação contabilística e das normas que dele resultam e na promoção da sua credibilidade e da credibilidade da informação cuja preparação e apresentação é por eles determinada.

7 OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS

A Contabilidade, como qualquer linguagem, possui acima de tudo um carácter instrumental. Ela fornece representações das actividades económicas que subjazem ao entendimento que os homens têm dessas actividades e das organizações onde elas se efectuam e uma linguagem que lhes permite comunicar o conhecimento construído sobre elas. Ela é um instrumento de criação e comunicação de conhecimento e desempenha um papel activo na sociedade, quer devido à forma como representa e descreve o funcionamento da realidade quer devido ao que exclui das suas representações e descrições, ou seja, a contabilidade facilita a interacção humana em sociedade.

Uma abordagem adequada para a análise da contabilidade e do seu papel social é aquela em que se começa pelo estudo da maneira como os agentes elaboram as suas representações da realidade em que vivem, as oportunidades com que se confrontam e as suas regras de decisão. Essa é a abordagem do "velho" institucionalismo, no qual não se toma o indivíduo como dado e se reconhece que o ambiente institucional e a cultura moldam e constrangem o seu comportamento. Ela afasta-se das abordagens em que a análise se inicia pela avaliação das oportunidades de forma a seleccionar a que permite maximizar a utilidade ou o lucro, tomando-se o indivíduo como dado.

Ela permite compreender que as realidades que a Contabilidade pretende representar não se impõem por si só, elas não são factos, são antes, pelo menos em parte, feitas pelos seus observadores. Poderia até dizer-se que há tantas realidades quanto observadores. Todavia, e aí reside a importância da Contabilidade, o modelo da realidade que pretende representar oferecido pela Contabilidade constitui-se como uma referência comum que possibilita a partilha de conhecimento sobre essa realidade e, assim, a acção sobre essa realidade com resultados relativamente estáveis.

Por isso se pode afirmar que a Contabilidade, particularmente a Contabilidade Financeira com as suas normas e convenções, é um mecanismo social que contribui para a existência da estabilidade do funcionamento da vida socioeconómica. Isso é, assim, porque, nomeadamente, oferece aos diversos agentes uma base comum de raciocínio para o entendimento da realidade em e sobre que agem e uma linguagem comum para que possam comunicar e interagir e produzir a informação necessária para fundamentar as suas decisões.

Além disso, as normas contabilísticas, ao prescreverem a forma como os agentes devem actuar nas relações que estabelecem entre si, contribuem, também, para garantir a necessária estabilidade das suas antecipações para que lhes seja possível interagir. As normas contabilísticas são importantes para assegurar um adequado grau de crença na veracidade da representação da realidade e da informação fornecidas pela Contabilidade. Essa crença é importante não só para que exista um grau adequado de confiança mútua no estabelecimento de relações entre os diversos agentes, como também para a existência de um grau adequado de confiança dos agentes nos seus próprios raciocínios e acções quando esses se fundamentam na representação e informação contabilísticas.

Por isso, as estruturas conceptuais da informação financeira são actualmente instrumentos fundamentais de regulação contabilística. Mais do que os instrumentos tradicionais, elas podem contribuir para a crença na veracidade da representação da realidade e da informação fornecidas pela Contabilidade.

Recebido em 29.06.2006

Aceito em 10.11.2006

NOTA - Endereço do autor

Universidade do Porto Faculdade de Economia

Rua Dr. Roberto Frias

4200-464 Porto - PORTUGAL

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  • WATTS, Ross L.; ZIMMERMAN, Jerold L.. Positive Accounting Theory Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1986.
  • 1
    É de notar que essa imagem é compatível com a caracterização que Walker (1988: 34) faz da abordagem da contabilidade baseada na economia da informação. Esse autor (ibid.) argumenta que "a abordagem da economia da informação é essencialmente neoclássica" porque:
    a) "procura basear as suas explicações nas acções dos agentes individuais";
    b) "quase toda a literatura da economia da informação assume que os indivíduos escolhem como se fosse para maximizar a sua própria utilidade esperada";
    c) "na medida em que se preocupa com os resultados de um comportamento negocial entre indivíduos, a abordagem centra-se inteiramente em posições de equilíbrio".
  • 2
    Recorrendo-se nomeadamente aos trabalhos sobre racionalidade limitada (
    bounded rationality) de Herbert Simon.
  • 3
    Porque parte da constatação da separação entre a propriedade e a gestão da empresa, a teoria da agência tem privilegiado a análise dos conflitos de interesses que opõem accionistas a gestores e financiadores a accionistas e gestores e permite analisá-los de forma mais ou menos adequada.
    Todavia, as relações entre os gestores e o público em geral ou os gestores e os trabalhadores têm sido pouco analisadas, pelo menos no que diz respeito a questões relacionadas com a divulgação de informação (por exemplo, os custos relacionados com a poluição gerada pelas operações das empresas suportados pelo público em geral podem ser considerados como um "investimento" por parte destes e faz com que deva ser considerado uma parte interessada na empresa com um direito legítimo a receber informação, mesmo informação sobre o impacto social e ambiental da empresa). Na verdade, para que possa ser útil na análise das relações dos gestores com outros agentes interessados na empresa para além dos fornecedores de capital, talvez seja necessário introduzir alterações na teoria da agência que lhe possibilitem tratar questões de ordem moral e ética.
  • 4
    O conflito de interesses que opõe accionistas a gestores vai dar origem a "planos de compensação", os quais contemplam os mecanismos de remuneração dos gestores com o objectivo de assegurar que a actuação destes não se desvia dos objectivos dos accionistas. O conflito de interesses que opõe financiadores a accionistas e gestores conduz à introdução de restrições nos "contratos de dívida", para impedir que haja transferência de riqueza dos financiadores para os accionistas e gestores (por exemplo, através de limitações no que concerne a distribuições de dividendos).
  • 5
    Isto é particularmente verdade nos casos em que o alinhamento dos interesses dos gestores e dos accionistas se faz por meio de contratos que associam a remuneração dos gestores ao desempenho da empresa (o que é mais frequente nos EUA do que na Europa) e este é medido com base nos números fornecidos pela contabilidade, uma vez que existem incentivos para que os gestores adoptem métodos contabilísticos que aumentem a sua remuneração. Mas o mesmo sucede relativamente aos contratos de dívida, por exemplo, quando os empréstimos concedidos pelos bancos estão dependentes do valor de rácios de endividamento, como é o caso do rácio de autonomia financeira (o qual é pouco conhecido nos países anglo-saxónicos, nos quais se utiliza mais o
    debt-to-equity ratio).
  • 6
    Veja-se, a propósito dos institucionalismos "novo" e "velho", a interessante análise de Reis (1998). Para uma análise mais exaustiva das diferenças e semelhanças entre as duas abordagens, ver Rutherford (1996). Mais especificamente sobre a "nova economia institucional", mas abordando também, nas páginas iniciais, as diferenças entre as duas tradições, ver Klein (2000).
  • 7
    Em Hodgson (2000), referem-se cinco aspectos que "contêm o 'núcleo duro' da tradição institucionalista": ausência de um projecto político específico; interdisciplinaridade; estudo das instituições; reconhecimento da economia como sendo um sistema aberto e evolutivo; o indivíduo é afectado pelo seu ambiente institucional e cultural, de forma que ele não é um "dado". Desses cinco aspectos, Hodgson (
    ibid.) aponta o último deles como sendo a mais importante característica definidora do "velho" institucionalismo.
  • 8
    A partir desse momento, qualquer referência à gerência ou aos gestores deve ser entendida como referência a gerência/administração ou aos gestores/administradores.
  • 9
    Também para Hodgson (2001: 296) as instituições "simultaneamente viabilizam e constrangem o comportamento", sendo possível que tal constrangimento alargue possibilidades ao permitir "viabilizar escolhas e acções que de outra forma não existiriam".
  • 10
    Um exemplo do tipo de situação descrito acima é o caso dos contratos que associam a remuneração dos gestores ao desempenho da empresa (o que ocorre com maior frequência nos EUA do que na Europa) e esse é medido com base nos números fornecidos pela contabilidade, uma vez que existem incentivos para que os gestores adoptem métodos contabilísticos que aumentem a sua remuneração. Mas o mesmo sucede relativamente aos contratos de dívida, por exemplo, quando os empréstimos concedidos pelos bancos estão dependentes do valor de rácios de endividamento, como é o caso do rácio de autonomia financeira (o qual é pouco conhecido nos países anglo-saxónicos, nos quais se utiliza mais o debt-to-equity ratio). Revela-se, assim, a importância da regulação contabilística no sentido de reduzir a possibilidade de os gestores influenciarem a informação divulgada e, assim, de se comportarem de forma oportunista.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      10 Nov 2006
    • Recebido
      29 Jun 2006
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