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A LEITURA NA ESCOLA EM TEMPO DE E-BOOK

RESUMO

Este artigo objetiva identificar as formas e os suportes de leitura, assim como verificar as práticas de leitor no cotidiano escolar, no contexto da midiatização. Na interface comunicação e educação, destaca-se a relação com o saber dos sujeitos que atuam no espaço pedagógico, considerando suas experiências de leitores mediadas por materiais impressos e digitais. Procedeu-se à pesquisa bibliográfica e a um estudo de caso realizado numa escola pública federal de Belém, envolvendo alunos do ensino fundamental, no período de outubro a novembro de 2016, aplicando-se a observação participante e entrevista com formulário. Recorreu-se aos aportes teóricos que tratam do debate sobre comunicação, midiatização, mídia impressa, leitura e educação, como Lévy (1993; 1999); Braga (2006), Chartier (1994; 1998), Todorov (2009), Charlot (2013) e Sacristán (2005). Fez-se um cotejo em torno da questão da prática da leitura mediada por suportes distintos: o livro impresso e o livro eletrônico ou digital, tendose como referência o lugar da aprendizagem formal, a escola. Constatou-se que os jovens leitores pesquisados vivenciam práticas de leituras mediadas por materiais impressos e digitais, sendo-lhes mais recorrente o uso da mídia impressa, principalmente o livro. Verificou-se, também, que grande parte dos alunos se reconhece como leitores de suporte digital, cujos interesses e motivações são diversos.

PALAVRAS-CHAVE:
Leitura; Midiatização; Escola; Mídia impressa; E-book

ABSTRACT

This article has the intention of identifying the forms and the reading supports, as well as to verify the reader’s practices at school day by day in the context of mediatization inside interface between communication and education; it points out the relation with the knowledge coming from the characters who act in the educational environment and their experiences of readers helped by printed and digital materials. We resort to the bibliographical research for carrying out of a study of case at federal public school of Belém-Pa, with students from fundamental in the months of October and November of 2016, applying participant observation and interviews with a form. We resorted also to the theoretical supports which are about the communication, mediatization, printed media, reading and education as Lévy (1993; 1999); Braga (2006); Chartier (1994; 1998), Todorov (2009), Charlot (2013) and Sacristán (2005). With base in these articulations, we did a parallel around the question from practices of reading, which were mediated by distinct supports: the printed book and digital/electronics book. So, we have as reference the place of formal learning: The School. We noticed which the young readers researched experience reading practices mediated by printed and digital materials, being them more recurrent the use of printed media, mainly the book. It was verified, also, that a large proportion of the students considerate themselves as readers from digital support, whose interests and motivations are various.

KEYWORDS:
Reading; Mediatization; Printed media; School; E-book

Introdução

A experiência no cotidiano escolar constrói um universo de conhecimentos e saberes, tanto para os alunos quanto para os professores. Em certa medida, alguns episódios no contexto educacional se sobressaem mais do que os outros e afetam os sujeitos da relação pedagógica de maneira singular.

A escola contemporânea é responsável pela promoção da leitura e da escrita não somente de base alfabética tradicional, mas também de base digital e de imagens. Não há como negar que, de acordo com a classe social, ocorram distinções quanto a disponibilidade, posse e uso das novas tecnologias da comunicação, que as crianças/adolescentes/alunos atuem como leitores de suportes ou meios digitais (computador, smartphone, tablet etc.) em formato de ebook ou e-readers, ou que simplesmente naveguem nas telas em busca de informações, entretenimentos e interações ou relacionamentos on-line.

Em se tratando especificamente da leitura, pode-se dizer que seus novos modos de realização, seus suportes e conteúdos são notadamente observáveis no espaço escolar, evidenciando outras formas de aprendizagens e interação. Dessa percepção resultam estes questionamentos: afinal, quais formas e suportes de leitura estão presentes no cotidiano da escola? Os alunos leem mais mídias impressas ou telas digitais? É a partir dessa questão que este estudo objetiva identificar as formas e os suportes de leitura, assim como verificar as práticas do leitor-aluno no contexto da midiatização. A interlocução dos campos Comunicação e Educação possibilita compreender criticamente a experiência sociocultural dos sujeitos/alunos que atuam no espaço pedagógico, evidenciando suas identificações e relações com os artefatos de leitura que lhes são disponibilizados.

Para isso, esta pesquisa encontra subsídios nos estudos desenvolvidos por Pierre Lévy (1993LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.; 1999), no tocante aos aspectos da leitura no contexto da cibercultura, e por José Luiz Braga (2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
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), no que concerne à midiatização como processo de referência interacional. Braga (2006, p. 11) assinala que esse processo funciona como principal direcionador “na construção da realidade social”, e que avança continuamente, não estando restrito apenas ao cenário da comunicação midiática, mas a todos os segmentos da sociedade. Pode-se dizer, portanto, que a escola figura como um espaço importante nessa dinâmica sociocomunicativa.

Para a perspectiva sociocultural da educação, tomaram-se as pesquisas de Bernard Charlot (2013CHARLOT, Bernard. É preciso reinventar a escola. Entrevista. Revista Pátio Ensino Médio, Porto Alegre-RS: Grupo A Educação, ano 5, nº 18, p. 18-21, set/nov. 2013.) e José Gimeno Sacristán (2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.). No debate sobre leitura, recorreu-se aos estudos de Roger Chartier (1994CHARTIER, Roger. Do códice ao monitor: a trajetória do escrito. Estud. av., v.8, n. 21, p. 185-199, 1994. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141994000200012&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 20 mai., 2016.
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; 1998) no que se refere à trajetória histórico-cultural do livro e às práticas de leitura, especialmente como uma atividade ou habilidade que passou a compor o espaço pedagógico, a partir do século XVIII, quando também a imagem da criança se desvencilhou da do adulto.

Na obra “Educação no Século XXI: cognição, tecnologias e aprendizagens”, Ralph Bannel et al. (2016BANNEL, Ralph Ings et al. Educação no século XXI: cognição, tecnologias e aprendizagens. Rio de Janeiro: Vozes, Editora PUC/2016., p. 104) destacam que a presença ou o uso dos meios e suportes tecnológicos não substituem as potencialidades dos sujeitos, uma vez que “a informação está no domínio pessoal do usuário”, cabendo a este reelaborar significados e modificar suas atitudes, seu comportamento. Com isso, a relação entre o saber e as tecnologias (digitais, inclusive) exige ser compreendida para além da perspectiva utilitarista ou funcional.

O pesquisador francês Bernard Charlot enfatiza que, nessa nova configuração pedagógica, o professor deve exercer um papel fundamental, atuando como crítico em relação aos novos modos de aprender, mesmo que circulem socialmente os discursos neuróticos sobre a informática, afirmando que, hoje, a presença do professor é dispensável na construção do conhecimento. Para o autor, as atividades desenvolvidas na escola devem fazer sentido ao aluno, devem esclarecer a vida e o seu mundo. Ele ressalta que “nunca foi tão necessário um ‘professor de saber’, isto é, um professor que ensina como procurar, avaliar e reunir informações para entender o mundo e resolver problemas” (CHARLOT, 2013CHARLOT, Bernard. É preciso reinventar a escola. Entrevista. Revista Pátio Ensino Médio, Porto Alegre-RS: Grupo A Educação, ano 5, nº 18, p. 18-21, set/nov. 2013., p. 19).

Charlot (2013CHARLOT, Bernard. É preciso reinventar a escola. Entrevista. Revista Pátio Ensino Médio, Porto Alegre-RS: Grupo A Educação, ano 5, nº 18, p. 18-21, set/nov. 2013., p. 20) assinala que o docente tem de ser “menos professor de informação e mais professor de saber [...] nem todos os alunos têm um computador em casa, nem todos são especialistas na internet e nem sempre entram na internet para aprender”. Com isso, o professor atuaria criticamente em relação aos usos distintos, às potencialidades e aos sentidos dos recursos tecnológicos para o aluno/criança/adolescente, possibilitando a este dar mais sentido à escola, ao aprender.

De acordo com historiador francês Philippe Ariés (2006ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Trad. Dora Flaksman. Rio de Janeiro: LTC, 2006., p. xv), entre o fim do séc. XVII e o início do séc. XVIII, a escola surgiu para substituir a aprendizagem que se processava, nesse período, “entre os outros, os adultos”. Considerando esse aspecto de formalização da aprendizagem, quando a escola nasce para atender às demandas da sociedade capitalista industrial, pode-se dizer que hoje essa instituição precisa se adequar às contingências da sociedade em midiatização, uma vez que a essência da escola moderna é a transformação (SACRISTÁN, 2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.), correspondente a um movimento formado pelas práticas socioculturais que se alinham para a construção da realidade social.

No contexto da leitura digital, algumas produções acadêmicas, como a de Edvaldo Moretti (2010MORETTI, Edvaldo Cesar. A era dos livros digitais. Premissas, Dourados, n. 2, jul. 2010. Disponível em: http://www.periódicos.ufgd.edu.br/index.php/premissas/article/ viewFile/841/505. Acesso em: 01 dez., 2016.
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), intitulada “A era dos livros digitais”, e a de Anália Oliveira (2013OLIVEIRA, Anália de. E-books e leitura digital: um estudo de caso. (TCC). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Departamento de Ciências da Informação. Porto Alegre-RS, 2013. Disponível em: www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/88780/000913508.pdf. Acesso em: 15 ago., 2016.), que apresenta um estudo de caso sobre “E-books e leitura digital” com estudantes universitários visitantes de uma biblioteca no Rio Grande do Sul, corroboram a ideia de que os suportes eletrônicos usados para a atividade de leitura tendem a se ampliar no cotidiano das pessoas, como recurso para estudo, trabalho e entretenimento.

Destaca-se, ainda, o estudo de doutoramento de Marcelo Spalding (2012SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país da maravilha e Através do espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012 (tese de doutorado). Instituto de Letras, 2012. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/67268. Acesso em: 15 nov., 2017.
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), intitulado “Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país da maravilha e Através do espelho para iPad”, que discute de que modo ferramentas próprias das novas tecnologias são utilizadas para a criação de textos literários diferentes do texto impresso, no movimento da chamada literatura digital. Desse modo, a relação entre os suportes de leitura e o movimento da literatura digital atravessa o presente trabalho, cujos desdobramentos poderão ser melhor verificados em estudo futuro.

Os dados da pesquisa utilizados neste estudo advêm da atuação profissional de um dos pesquisadores como professora de Língua Portuguesa numa escola pública federal de ensino fundamental e médio, localizada na capital Belém-PA. A partir de procedimentos investigativos sobre práticas de leitura impressa e digital de alunos do 7º ano do ensino fundamental II, no total de 34 (trinta e quatro) meninos e meninas de 11 e 12 anos, elaborouse um quadro compreensivo da cultura impressa e da cultura digital no cotidiano de crianças e adolescentes que compõem parte do tecido social da capital paraense.

1 A Educação no Contexto da Midiatização

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, declara Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler - em três artigos que se completam. 23ª ed. Coleção Polêmicas do nosso tempo, vol. 4. São Paulo: Cortez, 1989. Disponível em: educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2014/10/importancia_ato_ler.pdf. Acesso em: 05 dez., 2016., s/p.). Essa afirmação, repetidamente usada por pedagogos e professores com o objetivo de dizer que se deve ensinar a partir da realidade do aluno, aqui é tomada como a premissa maior de que ler é uma prática cultural que constitui o sujeito e o mundo, dinamicamente.

O interesse pela interface comunicação/educação tem partido de vários segmentos e agentes da sociedade, envolvendo, principalmente, a família e a escola. Essas duas instituições são canais de reflexão, de diálogo e de posturas nesta sociedade, a qual, como afirma Jesús Martin-Barbero (2001, p. 13), elabora projetos e motiva práticas para diferentes sujeitos/segmentos participantes da “complexa trama de mediações que a relação comunicação/cultura/política articula”. Dessa forma, a associação entre escola e tecnologias da comunicação é pertinente e exige uma melhor compreensão por parte da sociedade.

A prática de leitura em hipertexto ou texto eletrônico já faz parte do cotidiano das mais variadas classes sociais e é realizada com os mais distintos objetivos. Vale ressaltar que a importância dos sites de busca, ou search, como o Google, Yahoo etc. é notoriamente reconhecida nos mais diversos campos, especialmente no âmbito educacional. Assim, inúmeras formas de leitura são inventadas e desenvolvidas continuamente pelos próprios usuários/internautas/interagentes.

O acesso a uma página na internet leva o usuário/leitor não somente a links disponíveis nela, como também lhe possibilita criar novos links fora de seu espaço, conforme seu interesse. Sobre o percurso de leitura ou de navegação no meio ciberespaço, Lévy (1999LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999., p. 57) assinala que “há sistemas igualmente capazes de gravar os percursos e reforçar (tornar mais visíveis, por exemplo) ou enfraquecer os links de acordo com a forma pela qual são percorridos pela comunidade de navegadores”. Esses sistemas referidos pelo autor são os cookies, ou ferramentas que gravam os “acessos” feitos em determinado computador, servindo de orientações ou traços aos navegadores. Essas ferramentas caracterizam a leitura no ciberespaço ou no espaço virtual midiatizado.

Como este estudo se voltou para o campo educacional, verificou-se a importância de uma metodologia de investigação qualitativa (ANDRÉ, 1995ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus, 1995.), por meio da qual foi possível construir um estudo de caso, pautado na observação e escuta dos sujeitos em profundidade, o que possibilitou à investigadora uma valiosa interação com eles no local da pesquisa. Foi tecida, assim, uma relação necessária e profícua ao estudo. A escola, dessa maneira, é entendida como um espaço de convivência, como uma “comunidade de aprendizagem” (BANNEL ET AL., 2016BANNEL, Ralph Ings et al. Educação no século XXI: cognição, tecnologias e aprendizagens. Rio de Janeiro: Vozes, Editora PUC/2016., p. 116), em que todos os seus membros podem ensinar e aprender mutuamente, mediados pelas tecnologias tradicionais ou digitais, visando a um processo de transformação.

A importância da reflexão sobre as novas formas de sociabilidade e de construção do conhecimento é também demonstrada nos estudos de Lucia Santaella (2013SANTAELLA, Lucia. Comunicação ubíqua - repercussões na cultura e na educação. São Paulo: Editora Paulus, 2013 (coleção Comunicação).), segundo a qual as transformações culturais estão conectadas a novos hábitos mentais que configuram novos modos de agir. Nesse quadro social, os sistemas de educação precisam focalizar as necessidades inéditas do processo de aprendizagem.

No estudo “Mediatização como processo interacional de referência”, Braga (2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
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) defende que a midiatização é da própria sociedade. Objetivando demonstrar essa proposição, ele articula dois aspectos básicos: as “lógicas da transição” (com características da midiatização com processo interacional) e “a tese de que tal processo deve ser percebido como não completamente estabelecido” (BRAGA, 2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
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, p. 13-14). Sob essa perspectiva, o autor defende que, assim como a oralidade e a escrita, em determinado momento da história, passaram a organizar toda a vida social, sendo, portanto, processos de referência de interação, sem um anular ou apagar o outro, a cultura midiatizada de base tecnológica também está em marcha acelerada, abrangendo todos os âmbitos sociais, os sujeitos, suas relações e subjetividades.

Braga (2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
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, p. 17) ressalta que se estabelecem na contemporaneidade aspectos que não são simplesmente “modos de organizar e transmitir mensagens e de produzir/transportar significados, mas também e sobretudo modos segundo os quais a sociedade se constrói”. O autor destaca que, no estágio atual de midiatização da sociedade, há características percebidas como derivações de lógicas anteriores de interação (voz, escrita) e outras como desenvolvimento de lógicas próprias (imagem digital, o eletrônico).

Os estudos do pesquisador espanhol Sacristán (2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.), especialmente a obra “O aluno como invenção”, oferecem subsídios que apontam para a necessidade de se avaliar a maneira como a escola e a família se relacionam ou veem o aluno (criança ou adolescente). O autor destaca que esses padrões culturais embasadores das formas adultas de percepção resultam de estágios evolutivos que se cruzam na história da sociedade e da cultura (SACRISTÁN, 2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.). Nessa linha de pensamento, a condição de aluno se dá a partir das elaborações culturais construídas em torno da criança e do adolescente que vivem e refletem cotidianamente a sociedade.

2 Novos Suportes e Formas de Leitura

A internet e o computador são instrumentos, assim como o corpo, a voz, os desenhos, a escrita, a poesia foram - e são - meios, suportes ou linguagens de expressão e constituição da condição humana (BRAGA, 2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
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). Dessa maneira, a prática de leitura na escola contemporânea emerge como um aspecto relevante para a compreensão não somente do alunoleitor ou do leitor-aluno, mas, sobretudo, da criança/adolescente que vivencia e experimenta no seu cotidiano os dispositivos da cultura escrita tradicional e da cultura midiatizada.

Chartier (1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1998., p. 93) destaca que, “no início da era cristã, os leitores dos códex tiveram que se desligar da tradição do livro em rolo. A transição foi igualmente difícil, em toda parte da Europa do século XVIII”, momento em que surge a necessidade de adaptação ao impresso, que circulava com grande efervescência. Nos dias atuais, a adaptação ao hipertexto, aos textos digitais exige igualmente novas condutas e modos de leitura.

Lévy (1993LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.) enfatiza que a experiência coletiva no ciberespaço possibilita a construção de novos modelos de aprendizagens, pela ativação de novas formas de leitura, pelo acesso a ferramentas da Web, com velocidade acentuada e percursos diversos de construção de sentido. Nos sites, um clique sobre palavras de cor destacada, ou botões, envia à máquina um comando para apresentar uma outra página ou texto. “Isto se torna a norma, um novo sistema de escrita, uma metamorfose da leitura, batizada de navegação” (LÉVY, 1993LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993., p. 37).

Para Marcuschi (1999), o hipertexto, em regra, não é novo na concepção, pois sempre existiu como ideia na tradição ocidental; desse modo, para o autor, a novidade está na tecnologia que permite uma nova forma de textualidade, de construção de sentidos. Com isso, o debate sobre os novos suportes de leitura exige que se estabeleçam algumas distinções entre leitores de livro digital (e-readers), aplicativos de leitura e os livros digitais propriamente ditos (e-books). Marcelo Spalding (2012SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país da maravilha e Através do espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012 (tese de doutorado). Instituto de Letras, 2012. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/67268. Acesso em: 15 nov., 2017.
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, p. 72) desenvolve essa temática destacando que a confusão entre essas categorias decorre do fato de o livro impresso ser “ao mesmo tempo o leitor e o livro em si, sem a necessidade de um aplicativo. O livro impresso, afinal de contas, é material, físico, átomo”. Desse modo, a relação entre suporte e processo de leitura permite o surgimento de diferentes modos de ler, os quais reivindicam uma análise mais acurada e contextual.

Spalding esclarece que o livro digital é um arquivo digital, bits, um conjunto de zeros e uns, havendo vários formatos de arquivos de livro digital, como o PDF, o EPUB e o AZW, e que, para proporcionar a materialidade textual, é necessário haver programas ou aplicativos eletrônicos específicos a determinados suportes. O autor destaca que “assim como o iPad formou o mercado dos tablets, foi o Kindle que se tornou o primeiro e-reader popular e iniciou esta revolução do mercado editorial” (SPALDING, 2012SPALDING, Marcelo. Alice do livro impresso ao e-book: adaptação de Alice no país da maravilha e Através do espelho para iPad. Porto Alegre: UFRGS, 2012 (tese de doutorado). Instituto de Letras, 2012. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/67268. Acesso em: 15 nov., 2017.
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, p. 77).

No ambiente escolar, essas novas formas e suportes de leitura se fazem presentes. Não é raro o livro didático impresso indicar como suplemento pedagógico fontes em meios digitais (e-book, filmes, vídeos etc.), assim como é comum os professores utilizarem recursos multimídia com conexão à rede de computadores e manusearem gêneros textuais e outros materiais para a produção das aulas. Em meio a essas inovações no cotidiano escolar, os suportes impressos (livros didáticos, livros extraclasse, textos avulsos, apostilas etc.) ainda são muito recorrentes.

Assim, é necessário que no espaço escolar crianças e adolescentes sejam vistos como possíveis leitores de suportes distintos, o impresso e o digital; não se podendo desprezar um suporte em detrimento do outro, nem privilegiar um deles. Sacristán (2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.) alude ao fato de que, a partir da sociedade moderna, a categoria “aluno” passou a remeter diretamente a criança ou a adolescente e que ao status de ser criança ou adolescente subjaz inevitavelmente a ideia de aluno:

Similarmente, toda a cultura que define o status, o sentido e o destino da infância projeta-se sobre a criança escolarizada. O discurso pedagógico [...] se fundirá, de alguma maneira, em um discurso comum sobre as crianças e os adolescentes. Uma vez que estes estejam escolarizados, não poderemos deixar de percebê-los, agir diante deles e valorizá-los senão a partir de seu papel como alunos (SACRISTÁN, 2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005., p. 196).

Desse modo, os sujeitos que estão na escola - que integram uma entidade familiar ou se relacionam com adultos - já vivenciaram (ou vivenciam) experiências de leitura com suportes e dispositivos técnicos variados, desde o impresso ao on-line. Pode-se inferir que o contato com os recursos midiáticos é anterior à escola, e esta, por sua vez, deve acompanhar esse processo.

Sacristán (2005SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005., p. 197) acrescenta, ainda, que “qualquer tipo de relação entre crianças ou adolescentes e adultos é um viveiro de experiências antropológicas em que ambos participam de uma hibridação”. Isso reforça a importância do espaço escolar e dos procedimentos adotados pelos professores para o processo de constituição dos sujeitos/crianças/adolescentes/alunos. A leitura por meio eletrônico permite experiências diferenciadas e tão complexas quanto a leitura por meio impresso; ambas as formas de ler revelam-se como experiências singularizadas, constitutivas do sujeito.

Chartier (1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1998., p. 77) assinala que “A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados”, independentemente do suporte. Ainda conforme o autor, o processo de leitura se realiza quando o indivíduo consegue assimilar as convenções dos signos e símbolos, decodifica o código e o ressignifica com base na sua experiência ou expectativas. Nesse movimento de percepção e cognição, a leitura possibilita uma entrada em um mundo diferente e instigante, caracterizada pela distinção do suporte ou meio.

No contexto do debate sobre leitura, o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, na obra “A Literatura em perigo” demonstra a importância da literatura para o processo de constituição do sujeito. Para o autor, a literatura é o meio de “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e social em que vivemos” e constitui-se como a possibilidade de “transformar a cada um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2009TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009., p. 76-77). Desse modo, a escrita literária não é uma técnica para cuidar da “alma”, mas uma possibilidade de, por meio da leitura singularizada, promover uma revelação do mundo ao leitor e uma descoberta deste no e para o mundo.

Ao tratar do incentivo às diversas formas de leitura, Todorov defende que

[...] É por isso que devemos encorajar a leitura por todos os meios - inclusive a dos livros que o crítico profissional considera com condescendência, se não com desprezo, desde os ‘Três Mosqueteiros’ até ‘Harry Potter’: não apenas esses romances populares levaram o hábito de leitura a milhões de adolescentes, mas, sobretudo, lhes possibilitaram a construção de uma primeira imagem coerente do mundo, que, podemos nos assegurar, as leituras posteriores se encarregarão de tornar mais complexas e nuançadas (TODOROV, 2009TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009., p. 82, grifo nosso).

Como mencionado pelo autor, o incentivo à leitura e à literatura deve ocorrer de diversas formas, uma vez que a variedade dos gêneros e temas textuais consolidará a prática de leitor. De forma correlata, pode-se dizer que a diversidade dos suportes de leitura é importante para esse processo. Portanto, entende-se que, no contexto escolar, o uso de suportes impressos e digitais corresponde a práticas de leitura que caracterizam o leitor contemporâneo, não sendo adequado aos adultos (família e professores) desencorajar ou desprezar essa prática cultural tão importante para o desenvolvimento humano, para favorecer a formação de consciência do sujeito sobre si e sobre o mundo.

Uma vez que a escolaridade, a alfabetização e a midiatização compõem a sociedade contemporânea, compreende-se ser válido buscar investigar os novos modos de leitura, de aprendizagens e sociabilidades no espaço pedagógico e em diálogo com as experiências do ambiente familiar. A leitura, seja ela informativa ou ficcional, em material impresso ou digital, permite que cada leitor expresse suas próprias características, pois ele constitui como “um ser único, porém se assemelha com as pessoas de sua comunidade” (CHARTIER, 1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1998., p. 22), refletindo uma prática cultural do seu tempo.

3 A Leitura no Cotidiano Escolar: uma experiência sociocultural

Bannel et al. (2016BANNEL, Ralph Ings et al. Educação no século XXI: cognição, tecnologias e aprendizagens. Rio de Janeiro: Vozes, Editora PUC/2016., p. 115, grifo dos autores) destacam que a escola é, “principalmente, o lugar da leitura e da escrita”, mesmo que ainda seja comum não haver nos planejamentos dos professores a leitura de suportes digitais. Essa constatação permite inferir que, na realidade didático-pedagógica, se estabelece a separação entre sala de aula e materiais impressos dos demais ambientes sociais e recursos digitais de leitura, como se as práticas de leitura para a aprendizagem fossem possíveis apenas no ambiente de sala de aula, ou como se a escola se reduzisse ao ensino formal e dispensasse as formas de sociabilidades cotidianas.

Desse modo, realizou-se o estudo de caso sobre a leitura numa escola pública federal em Belém, com alunos do 7º ano do ensino fundamental II. Numa turma formada por 34 (trinta e quatro) meninos e meninas, na faixa etária de 11 e 12 anos, procedeu-se às seguintes etapas, no decorrer dos meses de outubro e novembro de 2016: A) Observação participante nas aulas de Língua Portuguesa, a fim de identificar as formas e os suportes de leitura; B) Aplicação de entrevista com formulário escrito com perguntas a respeito da prática de leitura em seus diferentes suportes e meios (impresso e digital), a fim de verificar o autorreconhecimento dos alunos em relação à sua condição de leitor da cultura impressa e da cultura digital e as possíveis motivações para essa autoidentificação; C) Socialização e discussão em sala de aula sobre a leitura extraclasse (livro impresso) previamente solicitada, para que os alunos pudessem expressar suas opiniões e percepções acerca da obra que tematizou a própria leitura, oportunizando-lhes uma reflexão metalinguística.

Na primeira etapa, a pesquisadora/professora conduziu as aulas de Língua Portuguesa (noventa minutos ininterruptos), procedendo ao registro escrito de observações e percepções relativas ao encaminhamento das atividades de leitura e à recepção pelos alunos. Estes, então, receberam em material impresso avulso o conto “As formigas”, de Lígia Fagundes Telles (2004TELLES, Lygia Fagundes. Meus contos preferidos. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.), seguido de três questões discursivas de análise textual, referentes respectivamente ao tema, ao gênero narrativo e ao elemento fantástico característico do conto. Ao fim da aula, os alunos entregaram o material à professora.

Na etapa seguinte, procedeu-se à entrevista dos alunos, com a entrega de formulário composto de perguntas objetivas e semiabertas concernentes à frequência de atividade de leitor, aos tipos de acesso, aos meios e suportes de leitura, realizada tanto no espaço escolar quanto familiar. Os alunos entregaram à professora os formulários preenchidos.

Na última etapa (duas semanas depois), conforme combinado, realizou-se a socialização da leitura paradidática da obra infanto-juvenil “O clube dos livros esquecidos”, de Fábio Monteiro, publicado em 2015, pela Editora do Brasil. Inicialmente, a professora fez uma breve contextualização da obra e do autor, referindo-se ao tema do livro, o qual corresponde à questão da própria leitura no universo infantil (Flora, a protagonista da narrativa, é uma menina de 11 anos, que vivencia uma forte e importante relação com os livros impressos).

Em seguida, foi-lhes perguntado sobre o que haviam achado do livro. A partir desse momento, a maioria dos alunos demonstrou uma recepção positiva da obra, afirmando que a história era envolvente e com um fim surpreendente. Alguns dos alunos expressaram que a leitura é uma atividade importante em suas vidas, mesmo que não seja tão frequente quanto no cotidiano da protagonista.

Descritas suscintamente as três etapas, cabe agora destacar algumas observações e notas reflexivas. Quanto aos procedimentos relativos à primeira etapa - leitura do conto “As formigas” - destaca-se que os alunos, mesmo em silêncio, expressaram uma recepção positiva do texto. Foi possível perceber que, ao se depararem com um texto denso, em que o inusitado, o fantástico se apresenta tão próximo das personagens - duas primas universitárias hospedadas numa pensão misteriosa, envolvida com um esqueleto de anão que, por várias noites seguidas, passa a ser montado por formigas misteriosas - sentiram-se também envolvidos pela/na trama. Alguns alunos, porém, demonstraram dificuldades no início, especialmente quanto ao vocabulário.

Uma breve análise das respostas dadas às três questões de compreensão, referentes respectivamente ao tema, ao gênero narrativo e ao elemento fantástico, demonstra que a turma tem um nível médio em compreensão textual, especialmente em se tratando de gênero narrativo literário; destacou-se o interesse pelo componente fantástico do conto: formigas que montavam paulatinamente, noite após noite, o esqueleto de um anão guardado numa caixa antiga.

A partir dos procedimentos da segunda etapa, relativos à aplicação da entrevista com formulário sobre a prática de leitura em seus diferentes suportes e meios (impresso e digital), foi possível formular as seguintes tabelas concernentes à autoidentificação do aluno como leitor de mídia impressa e/ou digital e quanto às motivações para a referida classificação, respectivamente:

Tabela 1
Autoidentificação dos leitores

No que se refere ao primeiro aspecto, a tabela 01 indica que a maioria dos alunos (47%) se identificou como leitor de mídia impressa (livro, revistas etc.), 41%, como leitor de suporte digital (e-book, páginas on-line etc.) e 11% como leitores de ambos os meios. Esses dados quantitativos refletem que o uso dos produtos midiáticos (impressos e digitais) se realiza progressivamente na sociedade.

Tabela 2
Motivações para a leitura

Quanto ao aspecto constante na tabela 02 , pode-se dizer que, por ser de caráter mais qualitativo, revela informações que justificam ou esclarecem o que é demonstrado no quadro 01. Verifica-se, assim, que o gosto pelo impresso (livro, revistas) corresponde à maior preferência pelos alunos (47%) e que o gosto pelo digital ( e-book, páginas on-line) também constitui uma marcação significativa (32%). Desse modo, conclui-se que, entre os motivos que acionam ambas as leituras, o maior deles é um componente de ordem subjetiva (o gosto).

Na discussão sobre a obra paradidática lida, foi perguntado aos alunos sobre a prática da leitura em suporte digital (e-book), uma vez que na narrativa “O clube dos livros esquecidos” o foco é o livro impresso. A maioria dos alunos demonstrou que sua leitura em suporte impresso decorre especialmente quando a obra é ficcional, uma vez que nesse tipo de texto sentem a necessidade do contato físico com o objeto livro. Neste, podem fazer registros escritos, marcações de trechos, até guardar algo relacionado ao seu cotidiano (papel de bombom, fotografia, adesivos, flores, recadinhos etc.).

Quanto à leitura em suporte digital, a maioria dos alunos demonstrou maior acesso à leitura de caráter informativo, jornalístico, científico ou para comunicação em redes sociais, em que também as práticas de leitura se fazem recorrentes. Essa relação da leitura com o cotidiano, com as expectativas do leitor remete a Todorov (2009TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009., p. 77), segundo o qual “o leitor comum, que continua a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida” mantém vivo o que está dentro de si, construído na relação com o outro, o livro, que, nos dias atuais, pode ser impresso ou digital.

Esse entendimento também remonta a Chartier (1998CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Tradução de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1998.), para quem a leitura é instrumento de aprendizagem, de constituição do sujeito; ela antecipa, cria possibilidades de compreensão. O leitor estará sempre exercendo sua capacidade de criação e reelaboração de si e do mundo.

Nessa perspectiva, retoma-se a discussão proposta por Charlot (2013CHARLOT, Bernard. É preciso reinventar a escola. Entrevista. Revista Pátio Ensino Médio, Porto Alegre-RS: Grupo A Educação, ano 5, nº 18, p. 18-21, set/nov. 2013., p. 21), segundo a qual a leitura “é importante para entender o mundo, a vida, os outros e a si mesmos. Mais uma vez, a questão central é a do sentido”. Portanto, quando alguém participa de um acontecimento por meio de leitura, nesse momento lhe são acionados sentidos subjetivos, culturais e sociais, evidenciando assim a aprendizagem, independentemente do espaço, meio ou suporte.

4 Considerações Finais

Por meio da pesquisa realizada com alunos 7º ano do ensino fundamental, foi possível identificar algumas formas e suportes de leitura presentes no cotidiano de crianças e adolescentes de 11 e 12 anos de uma escola da capital paraense.

No contexto da cultura digital ou midiatizada, constatou-se que os jovens leitores pesquisados vivenciam práticas de leituras mediadas por materiais impressos e digitais (smartphones, tablets e computadores), tendo maior recorrência a mídia impressa, especialmente o livro, o qual figura como o mais frequente na experiência leitora dos alunos (47%). Todavia, foi observado também que grande parte desse alunado (41%) se reconhece como leitor de suporte digital, com variados interesses e em ambientes sociais diversos.

Em articulação com a fundamentação teórica sobre comunicação, educação e leitura, realizou-se um importante cotejo sobre a questão da prática da leitura mediada por suportes distintos: a mídia impressa (especialmente o livro) e a mídia digital (e-book, páginas on-line), tendo-se como foco o diálogo entre práticas e experiências de leitura nos espaços familiar e escolar. Importa destacar que um dos resultados desta pesquisa aponta para o fato de grande parte dos alunos associar a leitura ficcional com o texto impresso, e a leitura informativa com o texto digital. Essa constatação abre possibilidades para investigações futuras, assim como os resultados relativos às motivações dos alunos pela opção da leitura em suporte impresso ou digital.

O acesso dos alunos aos recursos digitais de leitura e sua frequência no cotidiano familiar sinalizam o avanço do processo de midiatização em andamento na sociedade contemporânea, sem necessariamente extinguir as mídias impressas, como bem asseveram as lições de Braga (2006BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, 2006. Disponível em: http://períodicos.ufsm/index.php/animus/article/viewFile. Acesso em: 01 set., 2016.
http://períodicos.ufsm/index.php/animus/...
). Os relatos orais dos alunos apontam para a necessidade de crianças e adolescentes viverem a experiência da leitura literária, que já não é simplesmente de práticas de leitura, mas de existência enquanto sujeitos, ressignificada pela linguagem, em papel ou tela digital, em ambiente formal ou informal de aprendizagem e interação.

As informações repassadas pelos alunos e a sua forma de expressão e de interação durante a realização desta pesquisa, mediadas pela docente/pesquisadora, possibilitaram compreender o ambiente escolar como uma comunidade de aprendizagem, em que as posições de professor e aluno podem se equilibrar de forma consciente para o processo de construção do conhecimento. No cotidiano educacional, cognição, tecnologias, aprendizagens e sociabilidades são atravessadas pelas práticas e experiências de e na leitura, as quais produzem a cultura contemporânea e a ressignificam.

Referências

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  • Checagem Antiplagiarismo
  • JITA:

    CF. Reading and story telling.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2018
  • Aceito
    15 Abr 2019
  • Publicado
    03 Maio 2019
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