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Ex-libris: uma revisão integrativa

RESUMO

Introdução:

O presente trabalho trata-se de uma revisão integrativa sobre estudos atuais do ex-libris, marca de proveniência e propriedade de livros que representam, por meio de imagem e/ou inscrições, os donos desses dispositivos.

Objetivo:

Apresentar revisão integrativa sobre estudos atuais do ex-libris.

Metodologia:

No que concerne a esse tipo de pesquisa bibliográfica, apresenta a verificação e análise de estudos realizados acerca do ex-libris em periódicos brasileiros e internacionais, entre 2015 e 2022, utilizando documentos provenientes de revistas indexadas no Portal de Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e no buscador Google Acadêmico.

Resultados:

A busca nas bases resultou em 14 artigos científicos que atenderam a todos os critérios estabelecidos. Apresentamos os resultados da busca na íntegra para melhor visualização dos dados que virão a ser discutidos.

Conclusão:

Conclui que o ex-libris é um objeto de pesquisa com possibilidades multidisciplinares, relacionando diferentes campos do conhecimento, inclusive para fins pedagógicos. Os resultados também demonstram a relevante presença do Brasil em estudos atuais sobre essa temática, entretanto, a escassa quantidade de documentos recuperados reflete, ainda, a limitação da produção científica sobre esse objeto.

PALAVRAS-CHAVE
Ex-libris; Marcas de proveniência; Marcas de propriedade; Revisão integrativa.

ABSTRACT

Introduction:

The present work is an integrative review on current studies of the ex-libris, mark of provenance and ownership of books that represent, through images and/or inscriptions, the owners of these devices.

Objective:

To present an integrative review of current ex-libris studies.

Methodology:

With regard to this type of bibliographic research, it presents the verification and analysis of studies carried out on the ex- libris in Brazilian and international journals, between 2015 and 2022, using documents from journals indexed in the Portal de Periódicos, of the Coordination of Improvement of Higher Education Personnel (Capes) and in the Google Scholar search engine.

Results:

The search in the databases resulted in 14 scientific articles that met all the established criteria. We present the search results in full for better visualization of the data that will be discussed.

Conclusion:

It concludes that the ex-libris is a research object with multidisciplinary possibilities, relating different fields of knowledge, including for pedagogical purposes. The results also demonstrate the relevant presence of Brazil in current studies on this subject, however, the scarce amount of recovered documents also reflects the limitation of scientific production on this object.

KEYWORDS:
Ex-libris; Provenance marks; Ownership marks; Integrative review.

1 INTRODUÇÃO

Marcas de representação identitária são, provavelmente, tão antigas quanto a história da humanidade, aparecendo desde o período pré-histórico por meio de pinturas em cavernas. Seu estudo revela informações sobre os povos que deixaram suas marcas no cotidiano, culturas e memórias. Ao longo dos séculos, essas marcas evoluíram, possibilitando assim a representação de noções mais complexas, como destaca Ginsburg (1989)GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 143-180.. Os ex-libris são um exemplo dessa evolução dos traços e das marcas humanas.

Os ex-libris são pequenos selos, comumente encontrados na face interna do livro, acompanhando nomes, iniciais, ornamentos, brasão, monograma ou ilustração encomendada pelo proprietário do livro (BEZERRA, 2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006.). Mais do que símbolo de status, os ex-libris possuem uma curiosa relação com proprietários de livros, uma vez que, conforme Bezerra (2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006., p. 129) esclarece, essas obras de arte em miniatura, "quando coladas no livro, representam um pouco da alma de quem as imaginou”.

O livro como objeto e suas características é um dos campos de estudo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, pois abrange conceitos de cultura, documento, preservação e informação. Entretanto, o conhecimento de marcas de propriedade, como o ex- libris, é ainda seleto e a produção científica sobre este assunto pode ser considerada pequena. Assim, ao questionar o potencial dos estudos sobre ex-libris como objeto de pesquisa da área, busca-se também realizar diálogo com outras áreas às quais essa temática é estudada.

A partir dessas reflexões, o objetivo desta pesquisa é identificar as produções mais recentes sobre o ex-libris em publicações científicas nacionais e internacionais. Nesse sentido, apresenta-se, por meio de uma revisão integrativa, os estudos realizados acerca do ex-libris em periódicos brasileiros e estrangeiros, entre os anos de 2015 e 2020, utilizando documentos provenientes de revistas indexadas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e no buscador Google Acadêmico.

2 REVISÃO DE LITERATURA

O ex-libris é uma marca de proveniência que denota propriedade. É frequentemente apresentada na forma de selo, fixada entre as primeiras páginas de um livro. Esse selo de propriedade pode apresentar imagens, frases ou apenas o nome do dono, seja ele pessoa ou organização. De acordo com Bertinazzo (2012)BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012., a palavra ex-libris é oriunda do latim ex libris e significa “dos livros de…” ou “dentre os livros de…”, caracterizando-se como espécie de assinatura do proprietário daquele livro. Essa marca indica não apenas a propriedade das obras, mas a escolha de sua arte ou frase, revelando informações sobre seu dono, portanto, o representando.

Apesar de sua origem não ser especificada, antecessores do ex-libris são encontrados desde a Antiguidade onde, antes mesmo do surgimento do livro em códice, sua forma mais conhecida hoje, já eram utilizadas gravuras como marcação de posse. De acordo com Bezerra (2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006., p. 130), ao “procurarmos apoio na Arqueologia, teremos informações de uma tampa de caixa egípcia, de barro cozido, esmaltada em azul-pálido, que serviu para a guarda de papiros e pergaminhos”. Esta placa, pertencente à biblioteca do faraó Amenófis III que reinou em 1400 a.C., é um dos primeiros exemplos do desejo de marcar posse sobre um material informacional, servindo como um precedente das marcas de propriedade que apareceram posteriormente.

Dentre seus antecessores também estão tijolos e placas de barro descobertos em Nínive que continham o mesmo símbolo cuneiforme, parte da Biblioteca de Assurbanipal em 600 a.C., e tábulas com a efígie do imperador Frederico I, o Barbarroxa, datada de 1188 e de origem bávara. Posteriormente, quando o livro já possuía o formato de códice, feito com folhas de pergaminho, guardadas entre pesadas tábuas de madeira e produzidos por copistas e iluminadores na Idade Média, marcas de posse como assinaturas e iniciais passaram a ser mais comuns (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012.).

Observa-se que o ex-libris aparece paralelamente aos registros do conhecimento. Como explica Bertinazzo (2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012., p. 41), a “História do ex libris acompanha a História do Livro e a da Gravura”. Entretanto, sua consolidação de fato ocorre no final da Renascença, com o surgimento do livro tipográfico e da impressão, aperfeiçoada por Gutemberg no século XV. É a partir desse período, meados de 1400, que os primeiros ex-libris em sua forma mais reconhecível, pequenos papéis com uma gravura estampada e colada nas primeiras folhas de um livro, vão surgindo na Alemanha e outros países da Europa (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012.).

O surgimento da imprensa barateou o custo dos livros, que antes eram copiados à mão, de modo que os ex-libris passaram a dar-lhe um novo valor,

[...] um meio de reprodução em massa de imagens acabava de ser descoberto no Ocidente, o livro também, e havia a necessidade de designar-lhe a pertença. Resultado: a criação do ex libris. Assim, ao cabo de algum tempo, pequenos retângulos de papel com um selo impresso para marcar livros, onde constava o nome ou monograma do proprietário e a expressão ‘dos livros de…’ em latim, língua universal, passaram a ser colados nos livros. (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012., p. 56).

Os ex-libris são tradicionalmente produzidos por técnicas de gravura, devido à sua fácil reprodução em grande número. Dentre as primeiras gravuras está a xilografia, arte que antecede a imprensa, uma vez que é “ligada à imagem, e não à letra, substituindo as miniaturas pintadas à mão, antes que os textos impressos com tipos móveis ocupassem o lugar dos manuscritos” (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012., p. 43). Conhecida como gravura em relevo, na xilografia tradicional é criada uma matriz com a arte, e uma tinta gráfica é passada em sua superfície com um rolo de borracha ou couro. Depois, essa matriz é pressionada no papel (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012.).

Durante a Renascença, foi inventada a gravura em metal, que tornou-se a mais utilizada até o século XVIII, entretanto depois de 1800 as placas de metal, devido a seu alto custo, gradualmente desapareceram, sendo substituídas pela xilografia de topo, que, além de ter detalhes mais refinados, é alta o suficiente para ser impressa ao mesmo tempo que o texto, tornando o processo mais rápido e econômico (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012.).

A partir do século XIX, o livro tornou-se mais acessível, ampliando um pouco mais o direito à leitura e à posse pessoal desses objetos. Nessa época surgiram os primeiros estudos sobre o ex-libris, como o livro Les ex libris français de A. Poulet-Malassis, publicado em 1874 (BEZERRA, 2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006.). Por volta de 1900 foi inventada a fotogravura, reduzindo o trabalho manual requerido pelo ex-libris, tornando-o mais acessível para diferentes grupos sociais e aumentando a expansão do exlibrismo. Enquanto, por um lado, tal mecanização pode reduzir seu aspecto artístico para alguns, por outro lado, possibilita uma maior gama de temas para ilustração. No século XX o estilo clássico do ex-libris é tomado pela Arte Nova,

Uma espacialidade progressiva e inquietante percorre o desenho segundo certas linhas de força, registrando-se também pequenas cenas separadas do motivo central, profusamente decoradas, investindo numa organicidade que, num primeiro momento, nos apresenta caótica, para aos poucos revelar sua lógica. (BERTINAZZO, 2012BERTINAZZO, S. M. de F. Ex Libris: pequeno objeto de desejo. Brasília: Universidade de Brasília, 2012., p. 65).

Conforme exposto, o ex-libris é uma marca de propriedade, servindo como representação do dono de uma obra. É comum que acompanhe nomes, iniciais, ornamentos e/ou ilustrações que representam o proprietário do livro, sendo por eles encomendado. Diversos colecionadores de livros e donos de bibliotecas particulares possuem seu ex-libris pessoal e o utilizam em suas coleções, deixando sua marca. Alguns desses ex-libris pertencem a pessoas ilustres, tornando os livros que carregam esse símbolo uma obra rara ou, no mínimo, valiosa. Entretanto, mais do que símbolo de raridade, os ex-libris possuem uma curiosa relação com proprietários de livros, uma vez que, conforme Bezerra (2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006., p. 129), essas obras de arte em miniatura “quando coladas no livro, representam um pouco da alma de quem as imaginou”.

No Brasil, o ex-libris demorou a aparecer em comparação a países europeus, devido ao tardio estabelecimento da imprensa. Contudo, antecedentes do ex-líbris já podem ser encontrados a partir do século XVIII, no tempo colonial, onde mesmo com a proibição da imprensa já eram realizadas técnicas de gravura no país - em sua maioria de teor religioso:

A gravura colonial que representou o Brasil, também bebeu da fonte ligada à atuação da Companhia de Jesus e adventos da imprensa. Alguns irmãos jesuítas se dedicaram à produção de: livros, folhetos, estampas de santos, letras capitulares, gravuras para frontispícios, tarjas e vinhetas xilográficas, entretanto, com restrições impostas pela própria metrópole (RODRIGUES, 2018, p. 35).

Um dos estudos pioneiros sobre o assunto no país é o livro Ex libris, escrito por Manuel Esteves e publicado em 1954. Nele, o autor explica que o primeiro ex-libris do Brasil foi criado no século XVIII em Minas Gerais, marcando a posse dos livros de Manuel de Abreu Guimarães (ESTEVES, 1954, apud BEZERRA, 2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006.). Em 1940, foi criada a Sociedade de Amadores Brasileiros de Ex-Libris e, em anos seguintes, foram organizadas exposições de colecionadores de ex-libris, representando o interesse nesse assunto no país, que crescia aos poucos (BEZERRA, 2006BEZERRA, J. A. Ex-Líbris: a marca de propriedade do livro. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p. 129-136, 2006.). Mais livros sobre a temática foram publicados após o trabalho de Esteves, como a obra Ex-Libris, de Plinio Martins Filho, em 2008, e Ex Libris: pequeno objeto de desejo, de Stella Maris de Figueiredo Bertinazzo, em 2012. A presença de ex-libris e seus entusiastas seguiu até as décadas de 1960 e 1970, porém, quando são introduzidas técnicas de reprodução mecânica e surge desinteresse pelo estilo artístico em vigor, esta prática começou a cair em desuso.

Estudar os ex-libris nos leva a investigar trajetórias de memória que acompanham os livros, especialmente, conhecer histórias pessoais de colecionadores e suas paixões, muitas vezes representadas em marcas de propriedade enquanto manifestações artísticas e culturais. Além disso, ao percorrer os caminhos trilhados por esses dispositivos, por meio da produção científica, podemos acompanhar um rico campo de estudo, cuja pesquisa acadêmica tem muito a contribuir com a história cultural.

3 MÉTODO

Este estudo configura-se como uma revisão bibliográfica, tipo de pesquisa que, por meio de fontes bibliográficas, reúne resultados de pesquisas de diversos autores, visando a fundamentação teórica de determinado tema (ROTHER, 2007ROTHER, E. T. Revisão sistemática x revisão narrativa. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 20, n. 2, p. v-vi, jun. 2007.). Dentre os tipos de estudo dessa natureza, destacamos as revisões narrativas e as sistemáticas, que diferem devido à metodologia utilizada. Enquanto as revisões narrativas não apresentam de maneira explícita a metodologia aplicada, as sistemáticas são elaboradas “com rigor metodológico” (ROTHER, 2007ROTHER, E. T. Revisão sistemática x revisão narrativa. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 20, n. 2, p. v-vi, jun. 2007.), detalhando cada etapa de sua realização.

Dentro do guarda-chuva das revisões sistemáticas está a revisão integrativa, categoria mais específica que objetiva gerar um panorama de determinado fenômeno através do resumo da literatura publicada. Uma revisão integrativa bem estruturada apresenta o atual estado da ciência, contribuindo para o desenvolvimento de novas pesquisas e práticas na área. Isto é possível devido à abrangência da referida revisão, que permite a inclusão de pesquisas experimentais, não-experimentais, teóricas e empíricas, com o propósito de compreender um fenômeno de maneira mais completa (WHITTEMORE; KNAFL, 2005).

Esse método é oriundo da Prática Baseada em Evidências (PBE), “abordagem voltada ao cuidado clínico e ao ensino fundamentado no conhecimento e na qualidade da evidência” (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010SOUZA, M. T. de; SILVA, M. D. da; CARVALHO, R. de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, mar. 2010., p. 102). Na PBE, estudos científicos e profissionais são relacionados, visando a construção de conhecimento que auxilie na tomada de decisão, incorporando pesquisas de evidências recentes e de qualidade. Dessa forma, a revisão integrativa possibilita que um profissional de determinada área se mantenha atualizado quanto aos conhecimentos científicos de seu campo. Enquanto tenha surgido no campo da Saúde, é conveniente sua aplicabilidade em outras áreas. Botelho, Cunha e Macedo (2011)BOTELHO, L. de L. R.; CUNHA, C. C. de A.; MACEDO, M. O método da revisão integrativa nos estudos organizacionais. Gestão e Sociedade, [S. l.], v. 5, n. 11, p. 121-136, 2011. DOI: https://doi.org/10.21171/ges.v5i11.1220.
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, por exemplo, destacam a incorporação dos métodos da revisão integrativa nas ciências sociais aplicadas.

Cooper (1998)COOPER, H. The integrative research review: a systematic approach. Beverly Hills: Sage, 1998. conceitualiza a revisão integrativa em cinco etapas: 1) formulação do problema; 2) coleta de dados; 3) avaliação dos dados coletados; 4) análise e interpretação; e 5) apresentação dos resultados. Whittemore e Knafl (2005)WHITTEMORE, R.; KNAFL, K. The integrative review: updated methodology. Journal of Advanced Nursing, Oxford, v. 52, n. 5, p. 546-553, Dec. 2005. expandem a estrutura deixada por Cooper, procurando atualizar as etapas para melhor atenderem às necessidades específicas da revisão integrativa. Segundo as autoras, as etapas originais de Cooper não correspondem aos desafios encontrados na combinação de diversas fontes de dados. Assim, elas propõem como etapas: 1) identificação do problema; 2) pesquisa na literatura; 3) avaliação dos dados; 4) análise dos dados.

A partir dos métodos apontados pelos autores acima citados, Mendes, Silveira e Galvão (2008)MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. de C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto - Enferm., Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, dec. 2008. distinguem seis etapas para a realização da revisão integrativa: 1) identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa; 2) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos; 3) definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; 4) avaliação dos estudos selecionados; 5) interpretação dos resultados; e 6) apresentação da revisão em uma síntese do conhecimento.

Em vista disso, primeiramente é definida a questão que irá nortear a pesquisa. É necessária clara identificação do problema para que as próximas etapas sejam executadas apropriadamente. Com o problema determinado, é possível também deixar explícito o objetivo da revisão. Nesta fase, determina-se quais estudos serão incluídos, de que modo identificá-los e quais informações serão coletadas durante a avaliação (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

Com a questão de pesquisa definida, a fase seguinte trata da busca na literatura, comumente realizada em bases de dados. Nesta etapa, cabe a formulação de estratégias de pesquisas bem definidas, para que a revisão integrativa apresente resultados mais precisos. Idealmente, toda a literatura relevante sobre determinado assunto deveria estar incluída na revisão (WHITTEMORE; KNAFL, 2005), entretanto entende-se que existem limitações. Nesta etapa são também determinados os critérios de amostragem, definidos de acordo com a pergunta norteadora. Para validação da pesquisa é recomendável transparência quanto a esse processo.

Os pesquisadores, portanto, devem documentar todas as decisões tomadas durante esta etapa em sua metodologia, incluindo os termos utilizados na busca, as bases de dados selecionadas e os critérios de inclusão e exclusão.

Com os artigos recuperados, é necessária a identificação dos dados relevantes. Nesta terceira fase da revisão integrativa o objetivo foi “organizar e sumarizar as informações de maneira concisa, formando um banco de dados de fácil acesso e manejo” (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008, p. 762). Para tanto, foi preciso a utilização de um instrumento de coleta de dados elaborado previamente, tendo em mente os objetivos da pesquisa e o objeto de estudo. A determinação da qualidade dos dados colhidos é complexa. É comum escolher pesquisas publicadas e avaliadas por pares, pois entende-se que essas publicações tenham passado por um longo processo para determinar sua excelência e veracidade.

Os dados colhidos foram utilizados na quarta fase, a análise crítica dos estudos incluídos. Nesta etapa, os estudos coletados são analisados de forma detalhada e crítica. Para tanto, é importante que os dados colhidos na etapa anterior estejam ordenados, categorizados e resumidos apropriadamente. Whittemore e Knafl (2005)WHITTEMORE, R.; KNAFL, K. The integrative review: updated methodology. Journal of Advanced Nursing, Oxford, v. 52, n. 5, p. 546-553, Dec. 2005. incluem ainda nesse momento a redução, apresentação e comparação dos dados colhidos.

Após análise dos dados coletados, foi o momento da discussão dos resultados, quinta fase da revisão integrativa. Nesta, os resultados da avaliação crítica são comparados ao referencial teórico levantado, apresentando possíveis lacunas do conhecimento e delimitando novos tópicos para futuros estudos (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010SOUZA, M. T. de; SILVA, M. D. da; CARVALHO, R. de. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, mar. 2010.).

Feito isto, a revisão integrativa passou para sua sexta e final fase, a apresentação do trabalho de forma clara e íntegra, permitindo que o leitor consiga avaliar os resultados de maneira crítica e direta. Os resultados podem ser apresentados em tabelas, gráficos e diagramas.

O ideal é que os resultados captem o tópico escolhido de maneira aprofundada, para assim contribuir com uma nova compreensão sobre o fenômeno pesquisado (WHITTEMORE; KNAFL, 2005).

À vista disso, a metodologia ora apresentada foi aplicada para a realização da revisão de artigos publicados sobre ex-libris. Quanto à coleta de dados, foram selecionados artigos científicos publicados em periódicos de diversas áreas nos últimos sete anos, ou seja, um recorte temporal de 2015 à primeira metade de 2022. Como essa pesquisa também abrange periódicos internacionais, as línguas escolhidas para coleta de dados foram o português, inglês e espanhol.

Foram utilizados os termos “ex libris” e “bookplates” como descritores durante a busca. Como critérios de inclusão, escolhemos: a) artigos científicos, e b) aparição dos descritores no título, resumo ou palavras-chave. Quanto aos critérios de exclusão, descartamos documentos: a) duplicados, ou seja, que apareceram em ambas as bases; b) artigos que não apresentavam os descritores no título, resumo ou palavras-chave; c) trabalhos que incluíam os descritores, entretanto não se tratava de um estudo onde o ex-libris era o objeto de pesquisa; e d) trabalhos publicados em periódicos que possuíam o ex-libris como foco, entretanto não eram de natureza científica. Os resultados da pesquisa são apresentados e discutidos a seguir.

4 RESULTADOS

Aplicando as fases citadas anteriormente à elaboração de uma revisão integrativa, inicia-se esta pesquisa com a seguinte pergunta norteadora: quais são as produções científicas nacionais e internacionais mais recentes, indexadas no Portal de Periódicos CAPES e no buscador Google Acadêmico, sobre o ex-libris? Devido ao estudo do ex-libris abranger diferentes disciplinas (nos campos da Ciência da Informação, Bibliografia, História e Arte), escolheu-se bases de dados multidisciplinares, buscando assim não se ater a apenas uma perspectiva.

Para tanto, foram considerados artigos que tivessem como foco o estudo do ex-libris, excluindo resenhas e capítulos de livros, artigos não indexados em periódicos científicos e artigos que mencionam o ex-libris, mas não fazem um estudo aprofundado sobre o tema. A escolha do Portal de Periódicos da Capes deu-se devido à sua natureza de biblioteca virtual, abrigando produções científicas do Brasil e internacionais em mais de 130 bases referenciais. O Google Acadêmico, por sua vez, foi escolhido para suprir a lacuna de periódicos que não estão indexados no Portal.

Foi criada uma tabela com os dados coletados, organizada pelos seguintes descritores: autores, título do artigo, periódico, ano, língua, palavras-chave. Foi realizada uma leitura dos títulos, resumos, palavras-chave e, em alguns casos, dos documentos na íntegra. Alguns resultados coincidiram em ambas as bases, entretanto, foram selecionados apenas artigos publicados em periódicos científicos e que possuíam livre acesso. O quadro 1 apresenta os resultados obtidos de acordo com o indexador utilizado e a estratégia de busca.

Quadro 1
Artigos recuperados por base

A busca nas bases resultou em 14 artigos científicos (quadro 2) que atenderam a todos os critérios estabelecidos. Do Portal de Periódicos CAPES, foram encontrados 5 artigos que atenderam aos critérios de seleção. Todos os 5 artigos selecionados possuem livre acesso e não fazem parte de alguma assinatura dispobilizada pelo Portal. Os 9 artigos recuperados por meio do Google Acadêmico também possuem livre acesso e atendem aos critérios determinados por esta pesquisa.

Apresentamos os resultados da busca na íntegra para melhor visualização dos dados que virão a ser discutidos.

Quadro 2
Artigos recuperados após delimitação

O trabalho Ex-libris in Slovene Primary Schools, retrata o papel do ex-libris em aulas de arte do ensino elementar na Eslovênia. De acordo com a autora, os ex-libris infantis têm forte presença na educação do país, de maneira que já foram realizadas mais de dez exibições dessas obras artísticas desde 2011 (KAJZER, 2021KAJZER, D. Ex-libris in Slovene Primary Schools. Ex-librist, İstanbul, v. 12, dec. 2021. Disponível em: http://exlibrist.net/index.php/exlibrist/article/view/86. Acesso em: 17 de fev. 2022.
http://exlibrist.net/index.php/exlibrist...
). A autora observa que o ex-libris é uma forma de arte que permite às crianças expressarem sua identidade pessoal. Esta manifestação é realizada por meio da linguagem artística que é retratada nos moldes das técnicas de impressão do ex-libris. Desse modo, o professor de arte ensina técnicas de criação do ex-libris para as crianças, o que resulta em um objeto artístico que reflete esta relação entre aluno e mentor.

Em Lvov Ex-Libris School as the Traditions Keeper of the Intaglio Printing Techniques in the Ukrainian Graphic Arts at the Turn Of The XXth And XXIth Centuries, o objeto é o ex-libris e seu papel na escola Llov de gravura na arte contemporânea ucraniana. Romanenkova et al (2021)ROMANENKOVA, J.; BRATUS, I.; KUZMENKO, H. Ukrainian Ex Libris at the End of the 20th Century and the Beginning of the 21st Century as an Instrument of the Intercultural Dialogue. Agathos, Iasi, Romania, v. 12, n. 1, 2021. Disponível em: http://www.agathos-international-review.com/issue%2012_1.html. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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comentam que a gravura é um dos segmentos mais profissionais da arte ucraniana, entretanto seu processo tradicional está em risco de declínio devido à popularização da arte digital e de técnicas modernas de impressão. Apontam também as diferentes escolas artísticas de ex-libris na Ucrânia e seus artistas mais relevantes. Destacam a escola Llov e seus ex-libris tradicionais. Esta escola tem origem na década de 1990, e seus artistas são conhecidos fora do país entre colecionadores e exlibristas em geral. Os artistas da escola de Llov utilizam variadas técnicas de impressão, mas os autores do trabalho escolhem enfatizar a impressão em intaglio, melhor conhecida como a gravura em metal. Concluem que a escola Llov de ex-libris e gravuras é caracterizada pelo seu poliestilismo e a utilização da impressão em metal e suas diferentes técnicas, e que devem ser preservadas como elemento significativo da cultura do país.

Ukrainian Ex Libris at the End of the 20th Century and the Beginning of the 21st Century as an Instrument of the Intercultural Dialogue apresenta coleções modernas de ex- libris enquanto elemento significativo da gravura ucraniana (ROMANENKOVA et al, 2021ROMANENKOVA, J.; BRATUS, I.; KUZMENKO, H. Ukrainian Ex Libris at the End of the 20th Century and the Beginning of the 21st Century as an Instrument of the Intercultural Dialogue. Agathos, Iasi, Romania, v. 12, n. 1, 2021. Disponível em: http://www.agathos-international-review.com/issue%2012_1.html. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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). Os autores traçam a história do novo ex-libris começando em 1991, quando o país inicia a criação de seu primeiro memorial do ex-libris. É também neste período que são criadas associações e clubes relacionados à temática. Como ilustração do crescente interesse em exlibrismo no país, foram realizadas competições de ex-libris em meados da década de 1990. É notável que o entusiasmo pela arte exlibrista parte de artistas que buscam criar obras que refletem a sua cultura. Os autores apontam que atualmente o ex-libris vai além de um mero elemento do livro, tornando-se um rico campo de exibições artísticas. A pesquisa empírica do trabalho é feita sobre o movimento artístico denominado Kiev School, e os autores levantam os principais artistas da geração, assim como as suas técnicas de impressão do ex-libris. Concluem que apesar de suas particularidades, todos esses artistas refletem os elementos do ex-libris ucraniano enquanto objeto único de arte e comunicação intercultural, tornando-se importante expressão da sua identidade nacional.

No artigo Social Posturing in the Edwardian Bookplate, 1901-1914, O'Hagan (2020)O'HAGAN, L. Social posturing in the Edwardian bookplate, 1901-1914. The Book Collector, v. 4, 2020. explica como o ex-libris, símbolo da representação identitária de seu proprietário, pode ser utilizado como dispositivo performático. A autora apresenta por meio de exemplos da era eduardiana como o ex-libris era também utilizado enquanto objeto capaz de criar nova identidade e status social para o seu proprietário. A postura social era importante para a sociedade britânica do século XX e, portanto, o livro - objeto que simboliza conhecimento, poder e status - era utilizado para esses meios. Dentre os elementos exlibrísticos, que poderiam falsificar posição social, estavam os falsos brasões de família, uma vez que a heráldica teve forte presença nos ex-libris desde a sua criação no século XV. Desse modo, a autora conclui a presença do ex-libris como forte elemento de distinção social na era eduardiana, o que foi perdendo-se ao longo dos anos. Atualmente, a posição social de um indivíduo pode ser facilmente fabricada a partir da internet e redes sociais.

Em Ex-líbris: objetos e documentos, Cortes e Nunes (2020)CORTEZ, M. D. F.; NUNES, J. F. I. Ex-líbris: formas culturais de memória. Missões: Revista de Ciências Humanas e Sociais, Bagé, v. 6, n.1, ed. esp., 2020. Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Missoes/article/view/103281. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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discutem o ex-libris enquanto objeto que tem a possibilidade de representar a memória social e gráfica de uma época. A partir disso, os autores propõem uma metodologia para a descrição das marcas de propriedade bibliográficas, tomando como fonte a sua estrutura e linguagem visual. Apresentam os ex-libris denotando seu proprietário e o período da obra em que ele se encontrava. Nota-se que informações sobre o artista responsável, a técnica utilizada e até mesmo a datação do ex- libris são difíceis de recuperar, pois, há muito, perderam-se no tempo. Por fim, os autores propõem uma ficha para a descrição do ex-libris, considerando aspectos relacionados à memória social e gráfica do período e local a que pertencem. Conforme explicam Cortes e Nunes (2020)CORTEZ, M. D. F.; NUNES, J. F. I. Ex-líbris: objetos e documentos. In: SANTOS, A. B.; MACHADO, J. P.; COLVERO, R. B. (org.). Humanidades digitais. [S.l.]: Jaraguão, Edicon, 2020. p. 306-22. Disponível em: https://bit.ly/3eSu3do. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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, o ex-libris tem grande potencial documental, entretanto não é por si só um documento, é necessário que o pesquisador extraia informações relevantes a partir de sua composição.

A seguir, Ex-Líbris: Formas Culturais de Memória trata-se de um estudo sobre o ex- libris como mediador social de memória. Os autores realizaram uma revisão de literatura de temáticas como memória e rastros, objetos e o ex-libris, considerando aspectos sociais e culturais. Pela perspectiva desse estudo, é possível considerar o ex-libris como “uma forma simbólica de memória, [...] medida que representa indivíduos e instituições e possibilita que a sociedade, num tempo futuro possa lembrar e recordar memórias ‘presas’ aos vestígios” (CORTES; NUNES, 2020CORTEZ, M. D. F.; NUNES, J. F. I. Ex-líbris: formas culturais de memória. Missões: Revista de Ciências Humanas e Sociais, Bagé, v. 6, n.1, ed. esp., 2020. Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Missoes/article/view/103281. Acesso em: 20 de mar. 2022.
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, p. 100).

Ex libris tradicionales, oralidad y ladrones de libros apresenta um ex-libris diferente do usual. Ao invés de um selo presente entre as primeiras páginas de um livro, o ex-libris analisado é uma marca de propriedade manuscrita, descoberta em uma coleção de partituras de violino do século XIX. Os escritos e desenhos deixados pelo dono deste exemplar revelam informações sobre o livro, como seu preço, e o tempo em que o proprietário viveu, devido à caricaturas que fazem alusão ao reinado de Amadeu I, rei da Espanha entre 1871 e 1873 (YEREGUI, 2019YEREGUI, M. T. S. Ex libris tradicionales, oralidad y ladrones de libros. Boletín de Literatura Oral, [S.l.], v. 1, n. 9, p. 257-262, 2019.). A autora desse estudo relaciona o ex-libris aos rituais da cultura escrita e oral e como meio de conservação da cultura popular de uma época (YEREGUI, 2019YEREGUI, M. T. S. Ex libris tradicionales, oralidad y ladrones de libros. Boletín de Literatura Oral, [S.l.], v. 1, n. 9, p. 257-262, 2019.).

Em Ex-líbris: a economia patrimonial, Cortes et al (2019)CORTEZ, M. D. F.; NUNES, J. F. I. Ex-Líbris: a memória de uma técnica. RELACult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, [S.l.], v. 5, maio 2019. ISSN 2525-7870. relacionam o ex-libris aos conceitos de memória de Halbwachs e Candau, com o objetivo de compreender a economia patrimonial de seu colecionismo. Desse modo, os autores fazem uma análise de entrevistas disponíveis no site Cultura e Conhecimento, realizadas com três colecionadores de ex-libris, objetivando entender as motivações que levam ao seu colecionismo e os valores e políticas de troca que estão envolvidos nesta prática. Concluem que o ex-libris, artefato resultado da cultura humana, é um objeto que convida o colecionismo a agir como representação da memória da família e o período histórico do colecionador (ou proprietário do ex-libris). Dessa maneira, esses objetos agem como uma ponte que leva o colecionador a outro período, de maneira simbólica. Assim, o ex-libris é, além de obra de arte, um objeto carregado de símbolos e laços afetivos.

No artigo Ex-Líbris: a memória de uma técnica, os autores novamente relacionam o ex-libris com a memória e a cultura visual. Dessa vez por meio do estudo de ex-libris brasileiros criados a partir da técnica de xilogravura, e que estão na coleção The digital Exlibris Museum do Museu de Arte Frederikshavn Kunstmuseum. Os autores concluem que “a presença de determinados elementos como cores, temática e técnicas utilizadas, evidenciam um padrão estético e artístico, de um período, próprio do artista e também do proprietário da obra que permitem o reconhecimento da sua identidade e da memória social” (CORTES; NUNES, 2019CORTEZ, M. D. F.; NUNES, J. F. I. Ex-Líbris: a memória de uma técnica. RELACult - Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade, [S.l.], v. 5, maio 2019. ISSN 2525-7870., p. 12).

Em Bookplate Artists & Material Culture, Kahramanoğlu (2018)KAHRAMANOĞLU, S. Bookplate Artists & Material Culture. The IJournal: Student Journal of the Faculty of Information, v. 3, n. 4, 2018. Disponível em: https://theijournal.ca/index.php/ijournal/article/view/30735. Acesso em: 22 de mar. 2022.
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analisa o ex-libris através da lente dos estudos da cultura material. A autora observa que o ex-libris, enquanto representação de um indivíduo, funciona também como uma espécie de "janela" para o passado. A pesquisa empírica do artigo ocorreu na Thomas Fisher Rare Book Library em Toronto, no qual a autora teve contato com ex-libris canadenses. Ao catalogar a coleção, Kahramanoğlu (2018)KAHRAMANOĞLU, S. Bookplate Artists & Material Culture. The IJournal: Student Journal of the Faculty of Information, v. 3, n. 4, 2018. Disponível em: https://theijournal.ca/index.php/ijournal/article/view/30735. Acesso em: 22 de mar. 2022.
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observou a relação entre o material e imaterial que está presente no ex-libris, que representam movimentos artísticos, sociais e culturais de um período. Através de sua pesquisa, a autora destaca como as ilustrações presentes no ex-libris demonstram a forma que a arte espelha a sociedade.

Towards a multimodal ethnohistorical approach: a case study of bookplates trata também de cultura e memória, entretanto a autora faz uma análise multimodal do ex-libris por meio do método etno-histórico. A escolha dessa metodologia interdisciplinar ocorreu devido à natureza do ex-libris como símbolo de seu dono, ou seja, a escolha de sua imagem, cores, tipografia e material são relevantes para pesquisa histórica, pois oferece informações sobre o contexto sócio-histórico em que foi criado. Nesse estudo em particular, a autora analisa quatro ex-libris da era eduardiana (1901-1914) da Inglaterra. A partir desta análise, a autora determina que o design dos ex-libris é influenciado principalmente pela classe social e estado financeiro dos donos, assim como normas estabelecidas de exlibrismo do período. Ela conclui que seus resultados demonstram a importância em fundamentar hipóteses sobre artefatos em documentos históricos concretos (O'HAGAN, 2019O'HAGAN, L. Towards a multimodal ethnohistorical approach: a case study of bookplates. Social Semiotics, London, v. 29, n. 5, p. 565-583, 2019.).

Análise sobre a ocorrência de ex-líbris no acervo bibliográfico raro da Biblioteca Pedro Aleixo, da Câmara dos Deputados faz um inventário dos ex-libris da coleção de obras raras da Biblioteca Pedro Aleixo, em Brasília. Após análise manual de mais de 6 mil volumes que estavam presentes na biblioteca, a autora lista os ex-libris encontrados e os descreve de acordo com os seguintes descritores: país de origem de seus antigos proprietários; o nome do artista quando possível; a técnica usada para sua confecção (SILVESTRE, 2017SILVESTRE, M. C. R. Análise sobre a ocorrência de ex-líbris no acervo bibliográfico raro da biblioteca Pedro Aleixo, da câmara dos deputados. CAJUR - Caderno de Informações Jurídicas, Brasília, DF, v. 4, n. 1, 2017.). Foram resgatados 40 tipos de ex-libris, distribuídos entre 22 brasileiros, 14 portugueses e três franceses. Foi também recuperado um super líbris inglês, marca de propriedade que ao invés de vir dentro de um livro é marcada em sua encadernação. A autora organiza os dados colhidos por meio da identificação de seus respectivos donos e uma lista de obras nas quais os ex-libris se encontram. O estudo espera ser incentivo para mais levantamentos desta natureza nos acervos das bibliotecas, sugerindo “a inserção do nome do proprietário do ex-libris no campo notas do sistema de gerenciamento da biblioteca [...], na intenção de atingir a completude da informação, bem assim de link remetendo à imagem do mesmo” (SILVESTRE, 2017SILVESTRE, M. C. R. Análise sobre a ocorrência de ex-líbris no acervo bibliográfico raro da biblioteca Pedro Aleixo, da câmara dos deputados. CAJUR - Caderno de Informações Jurídicas, Brasília, DF, v. 4, n. 1, 2017., p. 76).

Ex-Líbris: a desconhecida arte, tão antiga como o próprio livro apresenta um panorama histórico do ex-libris, destacando em particular um artista alemão, Albrecht Dürer. Explica, também, os tipos de ex-libris, tais como: simples, ornamentados ou tipográficos; heráldicos, com brasões ou insígnias de famílias, cidades ou organizações; simbólicos, representando ideias e aspirações do dono; paisagísticos, que reproduzem cenas rurais, urbanas, entre outras; e mistos, quanto representam mais de uma categoria (MULIN, 2017MULIN, R. B. Ex-Líbris: a desconhecida arte, tão antiga como o próprio livro. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 64-81, ago. 2017.). Este trabalho também faz análise do ex-libris da Biblioteca George Alexander, da Universidade Presbiteriana de São Paulo. Conclui que, nesta “referida marca bibliográfica fica impressa a ‘alma’ de seu proprietário, traduzida pela arte e talento de grandes artistas ou até mesmo de anônimos. Por intermédio delas podemos analisar os seus anseios e sentimentos mais profundos, revelando o sentimento de amor aos livros” (MULIN, 2017MULIN, R. B. Ex-Líbris: a desconhecida arte, tão antiga como o próprio livro. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 64-81, ago. 2017., p. 78).

A belonging mark: Handwritten ex libris trata-se de um estudo sobre o ex-libris manuscrito. A autora faz uma pesquisa em livros antigos de três bibliotecas especializadas do México. Este trabalho também faz alusão à identificação e realização de um inventário dos ex- libris que se encontram em bibliotecas, sugerindo que sejam descritos durante o processo de catalogação, de modo que esta informação seja recuperada quando usuários fizerem pesquisas no catálogo do acervo (BARRANCO, 2017BARRANCO, F. G. A belonging mark: Handwritten ex libris. International Journal of Library and Information Science, México, v. 9, n. 6, p. 54-47, jul. 2017.). Conclui que a identificação dessas marcas de propriedade, em particular os nomes de seus donos deixados em ex-libris manuscritos, contribui para o conhecimento do contexto social e histórico em que o livro foi comprado, lido e usado como fonte de informação, portanto seu inventário e catalogação é fundamental (BARRANCO, 2017BARRANCO, F. G. A belonging mark: Handwritten ex libris. International Journal of Library and Information Science, México, v. 9, n. 6, p. 54-47, jul. 2017.).

É possível perceber a multidisciplinaridade do estudo sobre o ex-libris. Os trabalhos analisados buscam fundamento na literatura de campos do conhecimento como a história, memória, cultura, biblioteconomia e ciência da informação, bibliografia, artes visuais, semiótica e sociologia. O aspecto técnico do ex-libris também apareceu na maioria dos trabalhos, nos quais os autores descrevem os passos utilizados por artistas para a confecção dessas pequenas obras de arte.

Nota-se, também, que a Biblioteconomia se faz tão presente quanto a História nessas pesquisas, com dois trabalhos argumentando a favor da inclusão de ex-libris nos catálogos de biblioteca, oferecendo a oportunidade aos usuários de também poderem pesquisar livros por suas marcas de propriedade.

Os resultados apresentados demonstram certa consistência, devido às áreas adjacentes dos estudos do ex-libris citadas anteriormente, assim como apresentam metodologias similares: os autores analisam as características dos ex-libris, as mapeando e buscando colocá-las em um contexto histórico, colocando em evidência as informações neles contidas. É notável também que os autores chegam a conclusões similares em relação ao papel do ex-libris como símbolo de identidade - seja de um indivíduo ou até mesmo de uma nação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da revisão integrativa, foi possível mapear as tendências de pesquisa acerca do ex-libris, demonstrando a sua importância como objeto de estudo. Apesar do ex-libris representar uma pequena parcela da maior área que é o estudo do livro e de sua história, ele é um objeto de pesquisa com possibilidades multidisciplinares, relacionando diferentes campos do conhecimento.

Os resultados também demonstram a relevante presença do Brasil em estudos atuais sobre essa temática. Buscava-se documentos de periódicos internacionais, e, com efeito, dos resultados obtidos (14), metade (7) era em língua inglesa. Uma parcela significativa dos resultados (6) era de estudos feitos no país. Entretanto, a escassa quantidade de documentos recuperados representa a limitação de estudos sobre esse objeto. Apesar de um recorte de 7 anos, apenas 14 artigos corresponderam aos critérios de busca e, em alguns anos, não foi encontrado nenhum documento correspondente.

É importante destacar os diferentes tipos de ex-libris pesquisados, desde os selos encontrados em livros, como é tradicional, até ex-libris manuscritos em partituras de música e os super-libris gravados em relevo na encadernação. A análise desses objetos resulta em dados que revelam informações acerca da classe social de seus donos, o momento histórico em que viviam e até mesmo sua personalidade, colocando em evidência a importância do estudo do ex- libris por disciplinas que lidam com história, cultura, documento e informação.

Esta pesquisa demonstra a possibilidade de aplicação da revisão integrativa a estudos da área de ciências sociais aplicadas, a exemplo do ex-libris, destacando as pesquisas realizadas sobre a temática nos últimos anos no país e internacionalmente de forma concisa, podendo vir a contribuir para pesquisas em andamento sobre o assunto, assim como oferecer novos caminhos para estudos futuros.

  • Disponibilidade de dados e material:

    Não é aplicável.
  • Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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Disponibilidade de dados

Não é aplicável.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Aceito
    10 Out 2022
  • Publicado
    22 Out 2022
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