JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O impacto da fibromialgia no decurso da gestação não é claramente definido. Seu tratamento constitui um desafio para a equipe de saúde e a prescrição farmacológica exige cuidado e atenção. O objetivo deste estudo foi analisar as possibilidades de tratamento de uma paciente com quadro de dor crônica durante a gestação.
RELATO DO CASO: Paciente de 32 anos, com quadro de fibromialgia e síndrome do intestino irritável com gestação de oito semanas. Esta paciente encontrava-se, há um ano, em tratamento no Ambulatório de Dor Abdominal, Pélvica e Perineal Crônica do Centro Interdisciplinar de Dor do Hospital.
CONCLUSÃO: O tratamento multidisciplinar abrangeu a modificação dos fármacos, fisioterapia, acupuntura, psicoterapia, reeducação postural e alimentar.
Fármacos; Fibromialgia; Gestação; Tratamento multidisciplinar
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The impact of fibromyalgia during gestation is not clearly defined. Its treatment is a challenge for the health team and drug prescription requires care and attention. This study aimed at evaluating treatment possibilities for a patient with chronic pain during gestation.
CASE REPORT: Patient with 32 years of age, with fibromyalgia and irritable bowel syndrome, with eight weeks gestation. Patient was being treated for one year in the Ambulatory of Chronic Abdominal, Pelvic and Perineal Pain, from the Interdisciplinary Pain Center of the Hospital.
CONCLUSION: Multidisciplinary treatment has involved drug replacement, physiotherapy, acupuncture, psychotherapy, postural and dietary reeducation.
Drugs; Fibromyalgia; Gestation; Multidisciplinary treatment
INTRODUÇÃO
As mudanças anatômicas e funcionais durante o período gestacional podem desencadear, agravar ou modificar a expressão das afecções dolorosas, especialmente as musculoesqueléticas. Mulheres com quadros dolorosos crônicos, como a síndrome fibromiálgica e a síndrome do intestino irritável, podem apresentar sintomas associados aos desconfortos inerentes a esse período.
A escolha das intervenções terapêuticas constitui um dilema que exige um planejamento adequado para oferecer analgesia com menor risco para a gestante e o feto1,2. Ao se estabelecer o tratamento farmacológico é importante considerar a idade gestacional, a placenta e o feto, com suas características próprias.
Aproximadamente 1 a 2% das malformações congênitas são causadas por fármacos e, 4 a 5% por outros agentes químicos. O agente teratogênico produz alterações na morfologia e na fisiologia embrionária e/ou fetal, de modo que se considera teratogênese não só as deformidades anatômico-estruturais, mas as alterações funcionais e comportamentais, o retardo de crescimento e o atraso no desenvolvimento neuromotor1-4.
Os fármacos utilizados durante a gestação podem alterar o fluxo sanguíneo placentário e causar lesões fetais por diminuição do aporte de oxigênio e nutrientes, e podem estar presentes na circulação fetal no momento do nascimento.
Na amamentação muitos fármacos são excretados no leite materno e consistem em uma fonte potencial de toxicidade para o lactente. A ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas do leite materno relaciona-se com a fração que permanece na circulação materna e com a fração livre transferida para o leite. Substâncias que apresentam uma elevada taxa de ligação à proteína são excretadas em pequenas quantidades no leite e reduzem a exposição do lactante, assim como fármacos com baixa lipossolubilidade e aqueles que são hidrossolúveis difundem-se lentamente para o leite materno e devem ser preferidos para as mulheres que amamentam1-4.
O objetivo deste estudo foi analisar as possibilidades de tratamento de uma paciente com quadro de dor crônica durante a gestação.
RELATO DO CASO
Paciente de 32 anos, casada, secretaria executiva, com quadro de dor difusa por todo o corpo, sono não reparador, leve e inquieto, depressão moderada, ansiosa, sensação de edema nos membros inferiores, lombalgia, fadiga, dificuldade de concentração e episódios de enxaqueca há três anos. Há um ano apresenta quadro de dor ou desconforto abdominal, pelo menos três dias por semana, sensação de distensão abdominal, obstipação e fezes em cíbalos. Exames laboratoriais e de imagem normais.
Após investigação exaustiva, foi feito o diagnóstico de fibromialgia e síndrome do intestino irritável e iniciado o tratamento farmacológico com a utilização de duloxetina (90mg), posteriormente associada a pregabalina (300mg), além de cloridrato de mebeverina (400mg) e dipirona (2000mg) ao dia. Como complementação do plano terapêutico, estava em acompanhamento com a fisioterapia (cinesioterapia) e a psicoterapia. Retornou em um dos atendimentos ambulatoriais, grávida de 8 semanas, referindo dor intensa, escala analógica visual de dor=9 (EAV), sono ruim, com vários despertares noturnos e muito ansiosa. Informou que interrompeu as medicações e a fisioterapia abruptamente, há um mês, quando soube da gestação.
Orientou-se a paciente para a necessidade do acompanhamento multidisciplinar com o emprego de fármacos, acupuntura, reeducação alimentar e postural e manter a psicoterapia. A duloxetina e a pregabalina foram mantidas suspensas e prescreveu-se a maprotilina (25mg) e gradativamente elevou-se até a dose até 75mg, associada a dipirona (2000 a 3000mg/dia). Os sintomas foram adequadamente controlados durante a gestação.
DISCUSSÃO
Os cuidados destinados às gestantes e lactantes com dor, devem contemplar o tratamento etiológico, a identificação e modificação dos fatores concorrentes para sua expressão, incluindo as funções psíquicas e operacionais dos diferentes sistemas e aparelhos que contribuem para o sofrimento. A adequação de esquemas analgésicos, as orientações sobre os mecanismos da dor e as razões e riscos dos procedimentos propostos para seu controle, diminuem a subutilização dos fármacos e o subtratamento dos sintomas, melhorando a adesão e o resultado final do tratamento.
Ao escolher um fármaco é importante conhecer o seu perfil de segurança nas diversas fases da gestação e amamentação, o grau de ligação proteica, solubilidade lipídica, peso molecular e as características metabólicas maternas que influenciam a transferência materno-fetal das substâncias1,2,4. Com exceção das moléculas polares grandes, a maioria dos medicamentos atravessa a placenta e alcança o feto5,6.
Para orientar a prescrição de fármacos na gestação e lactação, a Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos da América (EUA), desenvolveu uma classificação de risco baseada no potencial do fármaco em causar malformações fetais2,4-9 (Tabela 1).
No caso descrito, optou-se pela retirada de fármacos da categoria C em virtude da segurança do feto. A maprotilina aparece como um fármaco mais seguro em relação às anteriormente usadas. A dipirona e o paracetamol podem ser utilizados em pacientes grávidas tanto para controle da dor aguda como em pacientes com dor crônica. Ainda, o reforço para a realização de terapias não farmacológicas bem orientadas deve ser sempre feito em pacientes gestantes.
CONCLUSÃO
Tratar as dores agudas e crônicas durante a gestação e lactação constitui um desafio para o médico e uma grande preocupação para a mulher e, muitas vezes, determina o subtratamento e a subutilização dos fármacos causando sofrimento desnecessário e uma evolução clinica desfavorável. Ao se prescrever um fármaco durante a gestação ou lactação considerar o binômio mãe-filho e analisar criticamente e individualmente as escolhas e decisões.
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