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Práxis como transformação: ética, política e direito entre o sujeito e a natureza

Praxis as transformation: ethics, politics, and law between subject and nature

Resumo

Face a um diagnóstico da crise múltipla, que envolve uma dimensão socioambiental, é dever de um projeto político transformador se voltar para as diferentes formas de regulação social, as quais forjam o enquadramento social de nossas maneiras de produzir e de experienciar as relações com o mundo, seja na cultura, seja na natureza. O presente artigo introduz o dossiê “Direito e Práxis 15 anos: Perspectivas para o horizonte da crítica do direito” e propõe uma reflexão político-filosófica sobre o papel do direito enquanto dimensão institucional da crise múltipla e possibilidade de articulação de alternativas. Para isso, o trabalho retoma os fundamentos do conceito de filosofia da práxis com base na obra gramsciana e suas recepções no debate brasileiro e internacional. Em seguida, propõe outro olhar para a filosofia da práxis em diálogo com a filosofia da libertação, a partir de uma perspectiva ética de radical alteridade - sob a inflexão da virada ecológica - como forma de superação do conceito tradicional de sujeito de direitos. Por fim, o trabalho conclui com uma análise sobre o papel do direito como um campo de disputas, visando contribuir com uma abordagem do fenômeno jurídico que sugere a abertura para o imaginário de um futuro que integre o humano e natureza para além de uma visão limitada das relações sociais forjada sob os paradigmas egocêntrico e antropocêntrico.

Palavras-chave:
Filosofia da Práxis; Ética; Política; Direito; Virada ecológica

Abstract

Given a diagnosis of the multiple crises, which involves a socio-environmental dimension, it is the task of a transformative political project to turn its attention to the different forms of social regulation, which forge the social framework of our ways of producing and experiencing relations with the world, whether in culture or nature. This article introduces the dossier ‘Law and Praxis 15 years: Perspectives for the horizon of the critique of law’ and proposes a political-philosophical reflection on the role of law as an institutional dimension of the multiple crises and the possibility of articulating alternatives. To this purpose, the paper intends to contribute to the foundations of the concept of the philosophy of praxis based on Gramsci's work and its reception in the Brazilian and international debates. It then proposes a new gaze to the philosophy of praxis in dialogue with the philosophy of liberation, from an ethical perspective of radical alterity - under the inflexion of the ecological turn - to overcome the traditional concept of the subject of rights. Finally, the paper concludes with an analysis of the role of law as a field of disputes, with the aim of contributing to an approach to the legal phenomenon that suggests opening up to the imagination of a future that integrates humans and nature, beyond a limited view of social relations from egocentric and anthropocentric paradigms.

Keywords:
Philosophy of Praxis; Ethics; Politics; Law; Ecological Turn

Filosofia da práxis e transformação: perspectivas para o horizonte da crítica do direito

Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo. (1979, p. 91)

Paulo Freire

Situações de crise não são exceções, mas sim a regra: a própria forma de produção e o modo de viver no capitalismo global são resultado e ao mesmo tempo causa de crises recorrentes. A assim chamada “crise múltipla” não é apenas uma conjunção de eventos críticos simultâneos, como pandemias, a mudança climática ou conflitos militares (LAWRENCE et al. 2024LAWRENCE, M. et al. Global polycrisis: the causal mechanisms of crisis entanglement. Global Sustainability, v. 7, p, e6. doi:10.1017/sus.2024.1, 2024.
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). Esta crise perpassa as relações sociais como um todo, desde a forma de produzir valor, circular mercadorias ou comodificar espaços antes não-comodificados até a relação com a natureza, com os seres vivos para além da espécie humana, as relações de afeto e da própria noção de racionalidade científica.

Se não é nenhuma novidade o fato de crises em sua singularidade se perpetuarem, o que torna a crise contemporânea especialmente desafiadora é a ocorrência simultânea de inúmeros conflitos sociais e os seus efeitos aparentemente desenfreados. O aprofundamento de desigualdades sociais, a exclusão dos atores subalternos dos processos de decisão política, o crescimento e fortalecimento de projetos anti-democráticos e a destruição das bases naturais da vida no planeta terra, todos estes problemas exigem soluções urgentes. Não se trata apenas da luta pela manutenção de um regime democrático, que seja, de fato, um espaço plural no qual se pode buscar soluções emergenciais para tais crises. Trata-se de lutar pela manutenção das condições da própria luta política no âmbito da democracia e, para além disso, de projetar maneiras de superação das formas capitalistas de produzir e viver, para ousar explorar novos horizontes em rumo a um futuro no qual a existência humana e dos seres vivos no planeta ainda seja possível.

A crise múltipla é multifacetada e complexa, pois decorre de diferentes causas imbricadas com distintas consequências (ebd.). Nesse sentido, é importante ter em conta que o modelo de acumulação capitalista é co-constituído por e constitui também uma forma específica de regular as práticas sociais, as formas de viver, os modos de relação com a natureza e outros seres vivos, e as instituições do estado. Face a um diagnóstico da crise múltipla, que envolve uma dimensão socioambiental, torna-se fundamental, no âmbito de um projeto político transformador, um direcionamento para as diferentes formas de regulação social, as quais forjam o enquadramento social de nossas maneiras de produzir e de experienciar as relações com o mundo, seja na cultura, seja na natureza, sem estabelecer falsas dicotomias. Assim, propomos a seguinte reflexão: a dimensão institucional da crise múltipla é parte do problema, mas poderia ser também parte da articulação de alternativas? Tal questão nos remete ao universo normativo ou regulador do próprio direito, aqui compreendido de modo amplo gramática social e base de um regime institucional. Nessa perspectiva, parece razoável supor que o direito é um pilar de reprodução de um tecido social marcado por formas de dominação; ele é uma das condições de sua existência e, portanto, parte da crise múltipla que enfrentamos. Todavia, seguindo na reflexão, devemos perguntar se e como o direito poderia ser tomado, também, como uma ferramenta ou um meio de contestação e de enfrentamento da crise múltipla.

No ano de 2019, a revista Direito e Práxis reuniu contribuições sobre os diferentes papeis da crítica do direito e propôs contornos para um panorama da análise crítica da forma jurídica (ver Direito e Práxis, Vol. 10, n. 4, 2019). Em 2024, respondendo à urgência da crise múltipla, propomos um olhar para as alternativas e para as articulações de brechas e saídas tomando a inspiração originária que deu o nome de batismo à publicação: o conceito de filosofia da práxis. Esse conceito passa por Antônio Gramsci e outros autores vinculados a tradição de pensamento crítico e histórico materialista. Ele nos conduz acima de tudo a um aprendizado central da crítica do direito, ou seja, à crítica do direito que não se limita apenas à análise das limitações forjadas pela forma jurídica e das exclusões, dominações, explorações e, até mesmo, opressões justificadas pelo direito. A filosofia da práxis propõe uma superação da resignação ao indicar saídas para visualizar o potencial emancipatório ou libertário no direito, o qual está sempre em vias de frutificar, ainda que não esteja completamente realizado, como diversos trabalhos publicados ao longo dos 15 anos da Direito e Práxis assim retrataram (veja, por exemplo: BACHUR, 2014BACHUR, J. P. Materialismo e materialidade do direito. Revista Direito e Práxis, v. 5, n. 2, p. 386-421, 2014.; BUCKEL, 2014BUCKEL, S. "A forma na qual as contradições podem se mover”: para a reconstrução de uma teoria materialista do Direito. Revista Direito e Práxis, v. 5, n. 2, p. 366-385, 2014.; BRINGEL; MALDONADO, 2016BRINGEL, B.; MALDONADO, E. Pensamento Crítico Latino-Americano e Pesquisa Militante em Orlando Fals Borda: práxis, subversão e libertação. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 1, p. 389-413, 2016.; SOARES, 2021SOARES, M. A. O direito na obra pré-carcerária de Gramsci: do programa mínimo de direitos à resistência ao fascismo. Revista Direito e Práxis, v. 12, n. 2, p. 1070-1094, 9 jun. 2021.). Assim, nos dedicamos a seguinte pergunta no âmbito desta contribuição: no contexto de uma crise múltipla, quais seriam os limites e as possibilidades do direito tanto na perpetuação da crise, como, ao mesmo tempo, na construção de alternativas?

Para contextualizar as leitoras e os leitores, o presente artigo introduz o Dossiê “Direito e Práxis 15 anos: Perspectivas para o horizonte da crítica do direito” e tem por objetivo apresentar o que chamamos aqui um “balanço propositivo” para a crítica do direito inspirado no conceito de filosofia da práxis. Na primeira seção do artigo, retomaremos os fundamentos do conceito de filosofia da práxis com base na obra gramsciana e suas recepções no debate brasileiro e internacional. Na segunda seção do artigo, apresentaremos nossa leitura sobre filosofia da práxis numa perspectiva da filosofia da libertação, como uma forma de pensar “direito” e “práxis” conjuntamente, a partir de uma perspectiva ética de radical alteridade - humana e não-humana -, como forma de superação do conceito tradicional de sujeito de direitos. Aqui dialogamos com o pensamento latino-americano e leituras críticas do direito e da ética propondo um alargamento destas reflexões para além do antropocentrismo que é submetido à uma virada ecológica por meio dos trabalhos de Haraway (2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008.) e Tsing (2015TSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia, v. 17, n. 1, p. 177, 2015.). Na terceira seção, concluímos nossa análise da filosofia da práxis e da ética radical da alteridade para refletir o papel do direito como campo de disputas. Nessa seção, apresentaremos os reflexos da alteridade e do descentramento como forma de ampliação da percepção da vida social, inclusive no que se refere às relações multiespécie, e mais amplamente, da inclusão primordial da natureza no tecido social. Trata-se de buscar uma abordagem que sugere a abertura para o imaginário de um futuro que integre o humano e a natureza para além de uma visão limitada das relações sociais sob um enfoque antropocentrista.

1. A filosofia da práxis segundo Gramsci

Os intérpretes de Antônio Gramsci se debruçaram por longo tempo sobre a origem do conceito de “filosofia da práxis” cunhado nos Cadernos do Cárcere. O termo se refere tanto à nona tese de Marx sobre Feuerbach quanto ao idealismo italiano de Croce e à filosofia de Antonio Labriola que conclamam a transformação do mundo, a fim de superar uma prática intelectual abstrata, ou seja, um marxismo contemplativo limitado à interpretação do mundo das ideias e à uma visão dos indivíduos isolados na sociedade civil (GRAF, 2018GRAF, Ruedi. Neu zu entdecken: Antonio Labriolas Gründungsbeitrag zur marxistischen Philosophie. In: HAUG, von Wolfgang Fritz (Org.) Antonio Labriola: Drei Versuche zur materialistischen Geschichtsauffassung. Berlin, Dietz, 2018. Disponível em: http://www.wolfgangfritzhaug.inkrit.de/Labriola-DreiVersucheRuediGrafwww.theoriekritik.ch3.1.2019.htm
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). O termo ‘filosofia da práxis’ seria também teria sido usado por Gramsci e reproduzido em diversas traduções dos Cadernos do Cárcere como metonímia ou “camuflagem” (HAUG, 2018HAUG, Wolfgang Fritz (Org.) Introdução - Antonio Labriola: Drei Versuche zur materialistischen Geschichtsauffassung. Berlin, Dietz, 2018. Disponível em: https://dietzberlin.de/wp-content/uploads/2021/01/Labriola_Haug_DL.pdf
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) para evitar o uso do termo ‘marxismo’ ou ‘materialismo histórico’ - a verdadeira filosofia da práxis no contexto de redação da obra quando este se encontrava na prisão. Wolfgang Haug chega a apontar o caso da tradução italiana editada por Platone no pós-segunda guerra mundial, a qual teria substituído o termo diretamente por ‘materialismo histórico’ reforçando a relevância das obras de Lenin e Stalin no corpus do pensamento gramsciano (ebd., p. 3).

A tese da “camuflagem” foi, no entanto, refutada, especialmente a partir de estudos que se dedicaram a compreender o corpus teórico gramsciano ressaltando sua contribuição própria e não apenas sua releitura de diferentes correntes do marxismo. Gramsci constrói uma teoria de cunho marxista original. Para isso, toma por base o método do materialismo histórico e o pensamento marxista italiano, ao mesmo tempo em que sua contribuição teórica ultrapassa a ortodoxia de vertente economicista. Segundo Johannes Ballermann (2021, p. 92), Gramsci “eleva a filosofia da práxis ao status de uma doutrina geral que utiliza a filosofia de Marx e Engels”, mas a confere um significado mais amplo. Nesse sentido, é possível afirmar que Gramsci desenvolveu uma abordagem da filosofia da práxis própria, a qual é resultado e ao mesmo tempo superação das categorias do marxismo e do materialismo histórico.

O conceito de filosofia da práxis propõe, assim, uma perspectiva voltada para a compreensão cotidiana do mundo. O olhar para a prática cotidiana se embebe da perspectiva materialista, pois se volta às bases das relações sociais e busca desvelar as relações “reais”, desenvolvidas no cotidiano. A filosofia da práxis visa encontrar pontos de apoio para “mudar o mundo, revolucionar a prática” (GRAMSCI, 2019, p. 1278). O conceito descreve, portanto, uma potencialidade das relações sociais e entre os sujeitos. Trata-se do - possível - processo de superação da exploração e expropriação vinculadas à condição da subalternidade a partir da experiência cotidiana do subalterno (BARFUSS/JEHLE, 2017BARFUSS, Thomas; JEHLE, Peter. Welches Volk? Philosophie der Praxis als Schlüssel zu Gramscis Politik, Das Argument, 322, p. 168-177, 2017., p. 169).

Gramsci adota um materialismo histórico radical aos moldes de Labriola.1 1 Labriola (1843-1904), um dos fundadores do Partido Socialista Italiano em 1892, é considerado um dos pioneiros do marxismo italiano (BELLERMANN, 2021, p. 93) Este é, por sua vez, centrado na experiência do trabalho, sendo a realização da história do trabalho o meio pelo qual “o homem se cria a si mesmo” (WIMMER, 2018WIMMER, Christopher, Brillenputztuch. Vorläufer Er war Engels’ Brieffreund, Gramsci öffnete er die Augen: eine Einladung, Antonio Labriola zu lesen. Der Freitag, v. 33, 2018. Disponível em: https://www.freitag.de/autoren/christopher-wimmer/brillenputztuch
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). Em sua origem, a filosofia da práxis tem um sujeito primordial, o trabalhador, e, portanto, sua perspectiva é uma perspectiva que se volta para a agência dos atores e que vê a história não apenas como uma mera sucessão rígida de formações sociais. A partir do momento em que a forma de pensar e interpretar o mundo assume o compromisso com a filosofia da práxis, essa se torna também uma experimentação visando à potencialidade de transformar. A partir do agir e da experiência, o processo do conhecimento científico deixa de ser um processo de observação fixo, mas se torna um processo de transformação em si próprio (GRAF, 2018GRAF, Ruedi. Neu zu entdecken: Antonio Labriolas Gründungsbeitrag zur marxistischen Philosophie. In: HAUG, von Wolfgang Fritz (Org.) Antonio Labriola: Drei Versuche zur materialistischen Geschichtsauffassung. Berlin, Dietz, 2018. Disponível em: http://www.wolfgangfritzhaug.inkrit.de/Labriola-DreiVersucheRuediGrafwww.theoriekritik.ch3.1.2019.htm
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, p. 5). Nas palavras de Labriola, segundo Haug na introdução dos Cadernos do Cárcere em sua edição alemã (2018HAUG, Wolfgang Fritz (Org.) Introdução - Antonio Labriola: Drei Versuche zur materialistischen Geschichtsauffassung. Berlin, Dietz, 2018. Disponível em: https://dietzberlin.de/wp-content/uploads/2021/01/Labriola_Haug_DL.pdf
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, p. XIX), a marca do materialismo histórico está justamente no fato de que a filosofia se passa nas “coisas” e não no pensar. Apenas a filosofia que toma por base o cotidiano, é uma filosofia do “real”, ou seja, materialista e histórica. A filosofia da práxis propõe viver para pensar, e não o pensar para viver. Sendo assim, apenas a experiência cotidiana, vivida no mundo do trabalho e a observação reflexiva são capazes de conferir o fundamento para o exercício do pensamento filosófico abstrato. De acordo com Gramsci é possível afirmar: o fundamento da filosofia é a práxis.

Ao centrar a filosofia na práxis - em uma visão “imanente da realidade” (GRAMSCI, 2019, p. 1241 ss.) - Gramsci remonta à história das relações sociais como base do pensamento filosófico. Ao mesmo tempo, ele não adere a um determinismo historicista. A filosofia da práxis não se relaciona apenas com a imanência, mas adota também com a concepção subjetiva da realidade, na medida em que a inverte e, assim, a explica como um fato histórico. A “subjetividade histórica de um grupo social” é concebida como fato real que se apresenta como um fenômeno de “especulação” filosófica. Este ato prático assume, assim, a forma de um conteúdo social concreto e possibilita levar a sociedade a dar a si mesma uma unidade moral, no sentido da elaboração de uma visão de mundo que tem por base a perspectiva do subalterno (ebd.). Essa visão de mundo do subalterno carrega em si um potencial igualitário e emancipatório que visa a liberdade de associação para todos e não apenas para um grupo social privilegiado.

O foco na história e na posicionalidade dos atores não implica, contudo, que a filosofia tradicional e contribuições intelectuais anteriores devam ser negligenciadas como uma tábula rasa. Para Gramsci, elas servem como ponto de partida uma vez que são também produtos culturais, fundados em experiência de viver em sociedade (BALLERMAN, 2021, p. 105). As premissas e generalizações do pensamento filosófico devem ser confrontadas por meio da perspectiva da prática. Ou seja, a filosofia da práxis também pode ser entendida como uma forma de polemização, de questionamento contínuo, o qual tem como ponto de partida a compreensão cotidiana (GRAMSCI, 2019, p. 1395). Como um autor de sua época, Gramsci se refere a uma “filosofia das massas” (ebd.). O termo aqui alude ao papel central do movimento trabalhador italiano no final do século 19 e início do século 20, o qual dirigiu o combate dos fascismos italiano e europeu de sua época. Essa filosofia das massas marca um ponto de transição da visão de mundo - ou moralidade - dos sujeitos trabalhadores para uma filosofia da ação política que teria o potencial de transcender os interesses da classe trabalhadora. A generalização dos interesses da classe subalterna como alternativa para a superação da própria hegemonia da classe dominante seria apenas possível devido ao enraizamento da moralidade da classe trabalhadora no cotidiano das relações “reais”, as quais confeririam à esta moralidade uma lógica de visão de mundo que poderia ser generalizada para todos (HUNT, 1990HUNT, A. Rights and Social Movements: Counter-Hegemonic Strategies. Journal of Law and Society, v. 17, n. 3, p. 309-328, 1990.; VESTENA, 2022VESTENA, C. A. Das Recht in Bewegung: kollektive Mobilisierung des Rechts in Zeiten der Austeritätspolitik. 1. ed. Weilerswist: Velbrück, 2022.). Ou seja, a moralidade do subalterno seria aquela capaz de se tornar uma moralidade de todos, acima dos interesses da própria classe (GRAMSCI, 2019, p. 1278 ss.).

Ainda que o senso comum cotidiano tenha um papel central no conceito de filosofia da práxis para Gramsci, também é importante destacar que a compreensão do cotidiano não é inquestionável em seu arcabouço teórico e político. A própria moralidade subalterna fundada no cotidiano também é objeto de crítica para Gramsci (2019, p. 1382). A filosofia da práxis é nada mais do que uma fase “transitória” do pensamento filosófico, pois consiste na reflexão sobre alternativas e ação transformadora a partir das contradições existentes (GRAMSCI, 2019, p. 1474ss). A filosofia da práxis gramsciana se vincula às necessidades e não a um conceito abstrato de liberdade. Ela se volta às contradições existentes e às necessidades das lutas: a filosofia da práxis “não pode escapar do atual terreno de contradições, ela pode, no máximo, afirmar um mundo sem contradições em termos gerais, sem produzir diretamente uma utopia. Isso não significa que a utopia não possa ter um significado filosófico, uma vez que ela tem um significado político e toda política é implicitamente uma filosofia, mesmo que seja incoerente.” (GRAMSCI, 2019, 1475). Thomas Barfuss e Peter Jehle (2014BARFUSS, Thomas; JEHLE, Peter. Antonio Gramsci zur Einführung, Hamburg: Junius, 2014., p. 173) propõem uma visão crítica da referência gramsciana à perspectiva do subalterno. Para os autores, a filosofia da prática não pode “confiar acriticamente na compreensão cotidiana”. É necessário manter distanciamento crítico ao passo do engajamento com a moralidade do subalterno, uma vez que as contradições sociais aprofundam as próprias condições de tomada de consciência do cotidiano para todos os atores sociais. A divisão entre trabalho intelectual e manual representa um desafio permanente para a filosofia da práxis.

Frente a essa contradição fundamental, coloca-se a questão: há saída frente a tais contradições que marcam nossas formas de pensar e agir no capitalismo? Segundo Barfuss e Jehle (2014BARFUSS, Thomas; JEHLE, Peter. Antonio Gramsci zur Einführung, Hamburg: Junius, 2014., p. 176), há alternativa e esta se encontra na própria consciência da contingência que marca as relações sociais. É necessário partir da premissa de que a filosofia da práxis é prática e teoria em movimento, a qual não visa resolver pacificamente e definitivamente as contradições da sociedade. Ela visa muito menos se tornar instrumento de governo dos atores subalternos. A filosofia da práxis é uma forma de pensar em vertente negativa: sua vocação seria promover a reflexão, desvelar as relações de dominação mais subcutâneas e invisíveis - inclusive para a classe trabalhadora (ebd.).

Importante ter em mente também que a filosofia da práxis precisa lidar com o risco intrínseco a todo o exercício teórico de se tornar uma filosofia dogmática, abstrata, a qual promove verdades absolutas, especialmente quando toma a experiência cotidiana como base para um historicismo ortodoxo que apenas critica o papel das estruturas (GRAMSCI, 2019, p. 1476). As relações sociais, para além daquelas apenas centradas no mundo do trabalho, podem dar um norte para ancorar a filosofia da práxis nos dias de hoje, e inclusive levando a considerar as relações com a natureza ou, mais especificamente, com os demais seres vivos do planeta. Não apenas as relações do mundo produtivo, mas da economia do cuidado, do trabalho dos afetos e da disponibilização do tempo para o outro entre as espécies, são pontos de partida para reconstruir a história do mundo - humano e não humano - a partir do conjunto das relações sociais em sua totalidade. O que se aplica à filosofia da práxis, por ser um processo inacabado, também pode se aplicar à essência do humano e dos seres vivos, que só pode ser entendida como devir e se expressa materialmente por meio da atividade de diversos atores, em diferentes contextos (BALLERMANN, 2021, p. 175).

A filosofia da práxis tem como objetivo tornar explícitos os pontos de vista dos subalternizados e traduzir suas condições de vida, as quais se desenvolvem de forma contraditória e inconsciente, em uma linguagem crítica e coerente, a qual poderá dar base à ação prática e transformadora de outros atores sociais. A capacidade de agir refletidamente é o objetivo primordial e o desafio principal da filosofia da práxis (nesse dossiê, ver também VILELA et al 2024.; KASHIURA 2024). Pensar no papel dos sujeitos de direito e das estruturas regulatórias que potencializam as práticas transformadoras geradas no “cotidiano” é um desafio central que deve ser enfrentado no contexto da crise múltipla (nesse dossiê, ver também FRANZONI 2024; TELÉSFORO 2024; SANTOS 2024; ALFINITO et al. 2024; DELLA RIVA/AVALOS 2024). Nas próximas seções do artigo, ampliaremos o marco teórico da abordagem gramsciana abrindo um diálogo com as perspectivas da alteridade radical e da virada ecológica para expandir a própria compreensão do conceito de filosofia da práxis e o imaginário dos agentes impulsionadores de uma transformação socioecológica para além do antropocentrismo que marca a noção de sujeito e sujeito de direito no capitalismo.

2. Práxis, ética e direito: uma perspectiva do outro que sofre a injustiça

O pensamento de Gramsci, claramente inspirado pelo materialismo histórico, é transformador não apenas porque faz uma crítica contundente ao modo de produção vigente, o capitalismo. Seu caráter transformador, se dá, sobretudo, porque Gramsci propõe uma análise da realidade a partir do trabalhador e não do proprietário, a partir de quem sofre a exploração e não de quem explora, a partir de quem vive privações e não opulências. É exatamente a escolha da perspectiva que define o caráter transformador ou conservador de uma abordagem político-teórico. Assim, contra uma práxis da dominação instalada nas relações sociais, o pensamento de Gramsci elucida uma outra práxis, tomada a partir do subalternizado, e que se orienta no sentido da busca de uma ação voltada para a superação das relações de dominação. Nesse sentido, trata-se de uma filosofia que vai além da crítica social meramente teórica e que procura as condições para que o subalterno possa construir a si mesmo e ao seu mundo de forma livre e autônoma. Se trata, acima de tudo, da autoemancipação ou libertação de todas as condições de exploração, opressão e exclusão.

A práxis é, portanto, um modo de ser no mundo que revela as condições materiais e relacionais dessa própria existência. No sentido mais básico ou elementar, ela evidencia as necessidades mais triviais do corpo (tais como comer ou descansar) e indica os princípios da ação para satisfazer estas necessidades. Já num sentido mais sofisticado ou complexo, a práxis é uma mediação que atualiza a presença humana no mundo a partir das condições concretas de sua existência, oferecendo os princípios para uma ação que possibilita a superação ou transcendência das amarras que restringem o modo de existir do ser humano no mundo e, no limite, que ameaçam a existência do próprio mundo (DUSSEL, 2014aDUSSEL, Enrique. Para una ética de la liberación latinoamericana. Tomo I. México: Siglo Veintiuno, 2014a., pp. 91-93). Nesse sentido, a filosofia da práxis é, também, uma filosofia que vai do ato à potência, isto é, da compreensão do mundo como ele é até a compreensão do mundo como ele poderia ser, numa dinâmica que parte da crítica e segue em direção à revitalização de novos horizontes utópicos. Nas palavras de Dussel: “a práxis reúne então em um só abraço a totalidade do ser do homem: funda-se no poder-ser situado na facticidade; é a própria transcendência no mundo a partir da prévia transcendência do pro-jeto; é atualidade que permite advir o poder-ser numa de suas possibilidades” (DUSSEL, 2014a, p. 95).

Por ser um pensamento situado, a práxis é uma filosofia da encarnação, pois se encarna na realidade dos corpos concretos que vivem nas vicissitudes do real, da maneira que este real se apresenta, em sua totalidade. Por isso, é preciso compreender o sentido da totalidade. Não se trata apenas de uma soma ou de um conjunto, mas de um modo de ser que se impõe como ser único e irresistível. Para toda a tradição dominante de pensamento ocidental, a filosofia se apresentou como a busca pela verdade de um ser que se pretende completo, soberano e incondicional. Hegel fala de um princípio que seja verdadeiro e fundamento absoluto de tudo (2016HEGEL, Friedrich. Ciência da Lógica: 1. A Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016., p.69). Com base num tal princípio, Hegel assevera a existência de um ser puro que se afirma como unidade que já suprassumiu toda relação com o outro e que é sem diferença. É a imediatidade simples que “não significa nada além do ser em geral: ser, nada mais, sem nenhuma determinação e preenchimentos ulteriores” (HEGEL, 2016HEGEL, Friedrich. Ciência da Lógica: 1. A Doutrina do Ser. Petrópolis: Vozes, 2016., p. 72). A própria filosofia antiga já se debruçava sobre essa questão: de acordo com Parmênides, o ser puro é o ser que é, por oposição, negação e exclusão ao não-ser que não é; apenas o ser é o caminho da convicção e conduz à verdade (BORNHEIM, 1999BORNHEIM, Gerd (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1999., p. 55). Temos, assim, a ideia de uma totalidade ontológica fundada sobre o entendimento de uma concepção abstrata e universal de ser que se afirma como o mesmo, o sempre idêntico. Nessa linha, a totalidade ontológica rejeita toda a alteridade e é, por isso, incapaz de lidar com a diferença, pois a entende como sendo a ameaça do não-ser. A força da totalidade reside no fato de que não se trata apenas de uma interpretação filosófica, mas de uma forma de pensar e de estar no mundo. É a maneira da totalidade que fundamenta projetos hegemônicos, os quais são impostos a partir da classificação de identidades como padrão ou desviante, como aceitável ou inaceitável. A totalidade é, portanto, uma forma de dominação e de esmagamento da diversidade da vida. É uma totalização totalitária, baseada em uma lógica antidiferencial, que rejeita a multiplicidade da vida social. Além disso, essa totalidade é essencialmente humana.

Franz Rosenzweig (2000ROSENZWEIG, Franz. The New Thinking. In: ROSENZWEIG, Franz. Philosophical and Theological Writings. Indianápolis: Hackett Publishing Company, 2000.), foi um dos primeiros filósofos modernos a criticar a totalidade, exatamente por seu ímpeto de aniquilar a pluralidade concreta que é própria do mundo real. Nessa mesma linha, Emmanuel Lévinas chama a atenção para a conexão entre a totalidade ontológica e a supremacia do eu - humano - que reafirma o mesmo como forma violenta de exercício do poder e ignora e/ou nega a alteridade do outro - também humano - por meio do manto da universalidade:

A ontologia como filosofia primeira é uma filosofia do poder. Desemboca no Estado e na não-violência da totalidade, sem se presumir contra a violência de que vive essa não-violência e que se manifesta na tirania do Estado. A verdade, que deveria reconciliar as pessoas, existe aqui anonimamente. A universalidade apresenta-se como impessoal e há nisso uma outra inumanidade (2008, p.33).

Partindo do sentido ontológico da totalidade, Dussel (2011DUSSEL, Enrique. Filosofía de la Liberación. México: Fondo de Cultura Económica, 2011.) critica a perspectiva violenta da mesmidade presente no âmbito da totalidade, desde as relações pessoais (na família, na criação de filhos, nas amizades) até as relações políticas. Neste âmbito político, ele chama a atenção para a modernidade como totalidade dominante que se configura como um sistema fechado que engloba e nega a alteridade daqueles considerados subalternos, em suas obras especificamente, dos povos colonizados. Dussel critica a totalidade moderna por sua natureza excludente e opressora. Ele argumenta que a modernidade não é um fenômeno universal, mas um projeto histórico específico que surgiu com a colonização das Américas e a subjugação dos povos indígenas. A subjetividade de base de tal projeto não é um “cogito” do tipo “penso, logo existo”, mas sim do tipo “conquisto, logo existo” (DUSSEL, 2011DUSSEL, Enrique. Filosofía de la Liberación. México: Fondo de Cultura Económica, 2011., p. 24). E acrescentaríamos que é uma subjetividade necessariamente humana e diferente dos animais cartesianos tomados como meros autômatos - assim como o corpo humano. A modernidade, por conseguinte, está intrinsecamente ligada ao colonialismo e ao imperialismo, afirmando uma totalidade que é fundamentalmente violenta, injusta e excludente.

O desafio de uma filosofia da práxis é, portanto, pensar as condições da ação para se produzir uma abertura na totalidade que permita alcançar aquela alteridade que resiste aos padrões da totalização. Com efeito, a atividade praxiológica se encaminha em direção à política, contudo, é na ética que ela brota. Em outras palavras, a filosofia da práxis não é uma ontologia que classifica e totaliza o mundo, antes, é uma experiência ética que encontra a sua unidade moral na responsabilidade incondicional pelo outro. Isso porque o outro é a própria alteridade que se apresenta como a fissura da totalidade, como a exterioridade da qual irrompe um infinito, seja um infinito de existência, seja um infinito de possibilidades. O que possibilita a transcendência da totalidade em direção ao outro é a instauração de uma sensibilidade que permite uma proximidade. Como diz Lévinas (2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2011., p. 133), a sensibilidade é a exposição ao outro e tal exposição conduz a uma responsabilidade anterior à qualquer liberdade. E ao contrário do que pretende a totalidade ontológica, é exatamente essa exposição ao outro que nos define como sujeitos. Sujeitos de uma subjetividade descentrada e não egocêntrica. Veja-se as contundentes palavras de Lévinas:

É porque a subjetividade é sensibilidade - exposição aos outros, vulnerabilidade e responsabilidade na proximidade dos outros, um-para-o-outro, ou seja, significação -, e porque a matéria é o próprio lugar do para-o-outro, a forma pela qual a significação significa antes de se mostrar como Dito no sistema do sincronismo - no sistema linguístico -, é por isso que o sujeito é de carne e osso, homem que tem fome e que come, entranhas numa pele e, portanto, suscetível de dar o pão da sua boca ou de dar a sua pele (2011, p. 136).

A passagem de Lévinas é pedagógica ao afirmar dois pontos: 1) que a matéria é o próprio lugar do para-o-outro; 2) a responsabilidade sem limites que se instaura no plano dessa relação material com o outro. Como dito antes, a ética da filosofia da práxis expressa uma filosofia da encarnação, pois lida com o outro concreto, encarnado na realidade e nas contradições que capturam essa corporeidade, a começar pelas necessidades mais básicas do corpo, como a fome.

Foi nesse sentido material da encarnação que Dussel se inspirou em Lévinas para pensar uma práxis da libertação a partir da incontornável responsabilidade ética sobre o outro concreto. Dussel compreende muito bem que a totalização promovida pela totalidade engloba o outro para forçá-lo a caber em seus padrões ontológicos (2014b, p. 156). Isto é, integra o diferente para torná-lo mesmo. Contudo, resta uma alteridade não integrada ou subintegrada e, por isso, reprimida e reprovada pela totalidade. Esta alteridade é a exterioridade da totalidade. É o outro que sofre implacavelmente as agruras de sua não integração ou subintegração à totalidade ontológica. Trata-se, por conseguinte, de uma alteridade antissistêmica e, por isso, marginalizada. Mas é, justamente, a partir dessa condição marginalizada do outro que devem surgir os princípios responsáveis por orientar a ação direcionada à mudança, à superação, à libertação, isto é, que determina a natureza praxiológica da ação. Nas palavras de Dussel:

O outro revela-se verdadeiramente como outro, em toda a acuidade da sua exterioridade, quando irrompe como o mais extremamente diferente, como o insólito ou quotidiano, como o extraordinário, o enorme (fora da norma) (E. Levinas), como os pobres, os oprimidos; aquele que, na beira da estrada, fora do sistema, mostra seu rosto sofrido e ainda desafiador: “Estou com fome, tenho direito de comer!” O direito do outro, fora do sistema, não é um direito justificado pelo projeto do sistema ou pelas suas leis. O seu direito absoluto, porque é alguém, livre, sagrado, baseia-se na sua própria exterioridade, na constituição real da sua dignidade humana. Quando você avança no mundo, o pobre move os próprios pilares do sistema que o explora... O outro, o pobre na extrema exterioridade do sistema, provoca a justiça; isto é, chama (-voca) de frente (pro-). Para o sistema da injustiça “o outro é o inferno” (Sartre) (se o inferno for entendido como o fim do sistema, o caos agonizante). Pelo contrário, para o justo o outro é a exigência de postular uma ordem utópica; é o início do advento de um mundo novo, diferente e mais justo (2011, p.60).

E quando a alteridade é um não humano, mais especificamente, um animal, é possível falar em responsabilidade ética no âmbito de uma práxis da libertação? Se a exposição ao outro concreto, dotado de corporeidade, é o que nos define como sujeitos de uma subjetividade descentrada e não egocêntrica justamente pela sensibilidade de estarmos expostos ao rosto da alteridade, a questão que se coloca é em que medida o outro, o corpo e o rosto desse outro, deva ser necessariamente humano. A filosofia de matriz cartesiana igualou o corpo humano e o animal, como opostos ao cogito, e, portanto, a reabilitação ontológica e epistemológica do corpo humano acarreta o enfrentamento das possibilidades de reabilitação do animal. Se é justamente a exposição ao outro o que nos define como sujeitos, a compreensão do sujeito é necessariamente relacional. A compreensão ocorre afetando e sendo afetado pelo outro, verdadeiramente constituída pelos encontros, pela exposição. Nesse sentido, a radicalidade do pensamento situado, da práxis como filosofia da encarnação, pode ser transformada por uma virada ecológica.

Uma perspectiva da práxis que procura desvelar as relações reais, desenvolvidas no cotidiano, está em acordo com o movimento analítico de re-encaixar os seres humanos e suas relações na rede ecológica formada pelos encontros com o mundo não-humano. Faz parte do modo de ser no mundo, das condições materiais e relacionais da existência humana, o seu imbricamento com seu meio, com os demais animais, com os vegetais, minerais, dentre outros. E isso não apenas de uma forma instrumental, unilateral, em que somente os seres humanos possuem algum tipo de agência que exercem sobre outros seres humanos e sobre o mundo não humano. A mudança do olhar que passa a considerar a perspectiva ecológica nos lembra que a experiência cotidiana humana não ocorre no vácuo, que ela não é afetada, modificada, transformada apenas pelo encontro com outros seres humanos, mas sim por todos os seres vivos e a natureza.

A elaboração de um modelo relacional radical que considerou o humano e o não humano pode ser vista nos trabalhos de Donna Haraway e Anna Tsing, o qual podemos chamar de relacionalidade interespécies. Tsing faz uma afirmação contundente: “a natureza humana é uma relação entre espécies” (TSING, 2015TSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia, v. 17, n. 1, p. 177, 2015., p.184). Partindo da premissa da interdependência entre as espécies não humanas ser um fato mais que conhecido e comprovado - como no caso da interdependência entre os fungos e a floresta -, Tsing argumenta que esse fato não se aplica quando se trata de pensar os seres humanos e suas relações com outras espécies. Para Tsing (2015, p. 184), o “excepcionalismo humano nos cega” e até a ciência herdou das grandes religiões monoteístas as narrativas da superioridade humana. Estas narrativas sustentaram pressupostos sobre a autonomia humana - em relação aos outros seres humanos, mas também em relação ao ambiente, aos animais etc. - e levaram-nos a levantar questões sobre o controle e o impacto humano sobre a natureza, em vez de questionar a interdependência entre os diferentes seres vivos. Os seus diagnósticos mostram que o resultado deste excepcionalismo nos fez imaginar que as práticas de ser da espécie humana seriam reproduzidas de forma autônoma, sustentando a construção da ideia de indivíduos autônomos. Nesse sentido, a domesticação é normalmente entendida como o controle humano sobre outras espécies, apesar de estas relações poderem também transformar os humanos, algo que é frequentemente ignorado. Tsing argumenta, por exemplo, que os cereais domesticaram os humanos e não o contrário (ebd.). Trata-se de uma dicotomia entre o lado humano e o lado selvagem que se baseia em fantasias como o “controle doméstico” e a “autoprodução de espécies selvagens”, mantendo a separação moderna entre sociedade (humana) e natureza (não humana) (TSING, 2015, p.184). Mas, apesar destes grandes esforços, a maioria das espécies vive em relações complexas de dependência e interdependência entre si, como a ecologia, ramo da biologia, mostra.

Complementando a análise de Tsing de que a natureza humana é uma relação entre espécies, Donna Haraway (2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., p. 4) afirma que “ser um é sempre tornar-se com muitos” (tradução nossa), e ela não está se referindo às relações entre humanos apenas. Enquanto a primeira reflete sobre cogumelos, Hawaray pensa nos cães e nos microrganismos que fazem parte de nossos corpos. Ela explica que somos constitutivamente espécies companheiras, que nos constituímos uns aos outros, na carne.2 2 “Adoro o fato de os genomas humanos se encontrarem apenas em cerca de 10 por cento de todas as células que ocupam o espaço humano a que chamo o meu corpo; os outros 90 por cento das células estão cheios de genomas de bactérias, fungos, protistas e outros, alguns dos quais tocam numa sinfonia necessária para que eu esteja vivo e outros andam à boleia e não fazem mal nenhum ao resto de mim, de nós.” (Haraway 2008, 3-4) E que “os parceiros não precedem a sua relação”, tudo o que é, é fruto do devir com: são estes os mantras das espécies companheiras. Portanto, seria um erro supor aspectos sobre as espécies antes da interação entre elas (ebd.).

Assim, se assumirmos que não há sujeito sem o encontro com outros sujeitos, mas, justamente, seguindo Levinas, que só há sujeito na exposição ao outro, podemos expandir a reflexão para considerar esse outro como o não humano, considerando as reflexões sobre a relacionalidade interespécies propostas por Haraway e Tsing. Isso significa assumir que tampouco há espécies antes do encontro entre elas, e, em última instância, que só há sujeito no encontro com o outro humano e com o outro não humano. Como argumenta Haraway (2008, p. 19) “eu sou o que me torno com as espécies companheiras, que fazem uma confusão de categorias na criação de parentesco e espécie”. Através do seu contato com o outro, através de agarramentos, os seres se constituem uns aos outros e a si próprios - e não apenas de uma forma filosófica, ou simbólica, mas biológica ou material. Os seres não preexistem às suas relações (HARAWAY, 2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., p. 6). Eles não estão constituídos e dotados de sentidos absolutos antes desse encontro, de modo que a ideia da relacionalidade chama a atenção para a co-dependência, e para a co-afetação entre indivíduos, inclusive de diferentes espécies. Nesse sentido, é preciso considerar que “vivemos uma vida multiespécie sabendo disso ou não, gostando disso ou não” (tradução nossa), pois outras espécies estão sempre imbricadas em nossas vidas, adentrando nelas por diversas razões, seja por necessidade, por hábito, devido às circunstâncias históricas, por erro ou escolha (CUDWORTH, 2011, p. 10).

Perguntado se haveria uma “alteridade no animal”, se o animal teria um rosto, Levinas colocou a questão nos seguintes termos “eu não sei se uma cobra tem um rosto. Não posso responder a essa questão. Uma análise mais específica é necessária. Mas existe algo em nossa atração a um animal… existe aqui a possibilidade de uma análise fenomenológica específica” (WRIGHT, HUGHES E AINLEY, 2003WRIGHT, Tamra; HUGHES, Peter; AINLEY, Alison. The Paradox of Morality: an Interview with Emmanuel Levinas. In: BERNASCONI, Robert; WOOD, David (org.). The Provocation of Levinas: Rethinking the other. London and New York: Routledge, 2003., p. 172). A despeito de se concentrar no que os animais podem significar para os humanos, Levinas reconhece que “é evidente que, sem considerar os animais como seres humanos, a ética estende-se a todos os seres vivos. Não queremos fazer um animal sofrer desnecessariamente (...) mas, o protótipo disso, é a ética humana” (tradução nossa) (WRIGHT, HUGHES E AINLEY, 2003, p. 172). Nesse sentido, é possível compreender, a partir de Levinas, que a ética deve ser estendida aos animais, ainda que seja necessário reconhecer as limitações humanas para esse empreendimento. Só podemos saber o que é o sofrimento animal porque nós, enquanto humanos, também sofremos, e, assim, podemos assumir a obrigação de não causar sofrimento aos animais como defende o vegetarianismo, por exemplo (WRIGHT, HUGHES E AINLEY, 2003, p. 172).

A reflexão de Levinas é informada por uma determinada experiência - um encontro radical, poderíamos dizer - durante o tempo em que foi prisioneiro em um campo de concentração. Dias de Andrade (2024, p. 4) sugere que em um tempo marcado pela subjugação do outro, foi curiosamente o cão Bobby quem resguardou uma “exterioridade insondável” - o outro - capaz de dar sentido e restaurar a humanidade e a liberdade dos prisioneiros, e não, como se poderia esperar, outros seres humanos, seus algozes, que justamente os reduziram à matéria bruta. Não foi a linguagem que salvou os humanos da sua desumanização, mas a vitalidade de um cão que saltava e latia alegremente ao encontrar-se com seus companheiros humanos.

A contingência e instabilidade das relações entre as espécies pode ser vista na forma como Levinas, por um lado, identifica sua condição naquela experiência totalitária à uma “quase-humanidade” à um “bando de símios (...) seres trancados em sua espécie; apesar de todo o seu vocabulário, seres sem linguagem”, diante do quê se pergunta “como comunicar uma mensagem de sua humanidade que, atrás das aspas, não se escuta como um falar símio?”, mas, por outro, vê sua humanidade ser reconhecida justamente por um cão (LEVINAS, 2024LÉVINAS, Emmanuel. Nome de um cão ou o direito natural. Veritas (Porto Alegre), [S. l.], v. 69, n. 1, p. e44914, 2024, p.6-8., p,8). Assim, apesar de a fronteira entre as espécies parecer rígida e inquestionável através do moderno “discurso das espécies”, de um discurso que garante a reprodução do especismo, da discriminação sistemática contra espécies não humanas (WOLFE, 2003WOLFE, Cary. Animal Rites: American Culture, the Discourse of Species, and Posthumanist Theory. Chicago: The University of Chicago Press, 2003., p.2), ela é continuamente borrada, uma divisão que é melhor compreendida pela ideia de um “gradiente das espécies” (tradução nossa) que, tendo como polos opostos a humanidade e animalidade, inclui não apenas os seres humanos, mas também os animais, sendo todos continuamente reposicionados nas categorias do humano humanizado, humano animalizado, animal humanizado, e animal animalizado (WOLFE e ELMER, 1995, p.145 e ss).

Nesse sentido, o animal tem sido considerado uma invenção que surge de mãos dadas com a emergência da modernidade em sua estreita ligação com o colonialismo e imperialismo (BOGGS, 2013BOGGS, Colleen Glenney. Animalia Americana: Animal Representations and Biopolitical Subjectivity. New York: Columbia University Press, 2013., p. 24). O que os estudos críticos animais têm revelado, é que os animais são as bases nas quais as relações entre o poder colonial e o doméstico são negociadas (ebd.) e, nesse sentido, como argumentou Carrie Rohman (2009, p. 30), precisamos analisar “a animalização dos grupos desfavorecidos e a concomitante humanização do poder imperialista”. Isso foi compreendido por Franz Fanon (1968FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. 275 p., p. 31) que viu na lógica colonial a desumanização do colonizado através de sua animalização exercida, dentre outras formas, pelo uso de uma “linguagem zoológica” pelo colonizador. Assim, a relação instável entre os conceitos de humano e animal participa da contínua organização dos seres nas zonas do ser e do não ser (BERNARDINO-COSTA, 2016BERNARDINO-COSTA, J.. A prece de Frantz Fanon: Oh, meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 16, n. 3, p. 504-521, 2016.).

Se, por um lado, Levinas foi criticado por Derrida por não reconhecer propriamente a alteridade animal reduzindo-o à capacidade de “reação enquanto animal-máquina” (DERRIDA, 2008DERRIDA, Jacques. The Animal That Therefore I Am. New York: Fordham University Press, 2008., p. 119) sem reconhecer que a “absoluta alteridade do vizinho” se materializa no encontro justamente com o animal, por outro, Derrida foi criticado por Haraway (2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., p. 20), por ter falhado em sua “obrigação de espécie companheira”. Isso porque, se inicialmente suas reflexões, a partir da interação com o seu gato, o colocaram em um caminho filosófico produtivo, no meio do caminho ele acaba por desviar seu projeto e centralizar em si as reflexões sobre o encontro. Faltou-lhe mais curiosidade “sobre o que o gato poderia estar realmente a fazer, a sentir, a pensar” (tradução nossa) (ebd.), o que o tornaria fiel ao seu projeto inicial, sem incorrer na tomada problemática do animal como texto, apenas, retirando-lhe assim seu estatuto ontológico que inicialmente havia reconhecido.

Talvez ainda muito tributário da visão heideggeriana do animal como “pobre em mundo” - em oposição ao Dasein, “formador de mundo” - Levinas toma os animais como meramente submetidos ao instante, e, portanto, como parte de uma natureza passiva. A despeito disso, reconhece a responsabilidade ética do ser humano diante do sofrimento animal, o que Haraway (2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., p. 83) chamou de uma “responsabilidade multiespécie” que, em sua essência, significa em última instância buscar modos de matar com alguma responsabilidade. Nesse sentido, a passividade do animal talvez seja justamente a imagem da alteridade radical, afinal de contas, “a extrema passividade de Bobby (“mais passiva do que toda passividade” [OB, 14 passim]), ou seja, sua incapacidade de não responder, dificilmente é um impedimento para a ética se a motivação para a ética precede a liberdade. Pelo contrário, parece ser sua expressão genuína” (ATTERTON E WRIGHT, 2016, p. 76).

Se, portanto, podemos estender a responsabilidade ética aos animais no sentido de evitar fazê-los sofrer desnecessariamente, o que significa realizar uma práxis libertadora considerando as relações entre humanos e animais? Como discutimos na primeira seção deste artigo a partir das contribuições de Gramsci, para que se realize uma práxis libertadora é preciso um método que não produza uma síntese superadora a partir do “eu”, mas a partir do outro marginalizado que é exterioridade. Seguindo a reflexão com Dussel (2000DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000., p. 72), ele nos fala que diante da negação da alteridade, a verdadeira dialética deve se realizar como a negação da negação, o que permitiria o encontro com a alteridade negada. Mas não basta o encontro: essa proximidade deve vir na forma da responsabilidade total, da entrega, do serviço a este outro que sofre as injustiças sociais, e, no caso dos animais, de um outro que sofre desnecessariamente e cujo sofrimento pode ser interrompido pela intervenção humana que justamente o produz. Essa perspectiva, de uma negação da negação expressa como um momento da dialética transformadora, é chamada de analética, ou seja, um método que, no que se refere a relação entre seres humanos, parte da palavra do outro, do seu dizer, como pessoa livre, autônoma e digna, não como ente manipulável, mas como uma práxis aquém e além da totalidade (DUSSEL, 2014bDUSSEL, Enrique. Para una ética de la liberación latinoamericana. Tomo II. México: Siglo Veintiuno, 2014b., pp. 161-163). Já no que se refere à relação com animais - desse outro que não faz uso da palavra, e, assim, foi historicamente excluído da ordem simbólica -, poderíamos pensar o método a partir do que nos diz o seu corpo, do simbolismo desse corpo que não deve ser reduzido à pura materialidade, tomando-se, assim, a dor como um registro discursivo (BOGGS, 2013BOGGS, Colleen Glenney. Animalia Americana: Animal Representations and Biopolitical Subjectivity. New York: Columbia University Press, 2013., p.36) que deve ser ouvida e à qual deve ser atribuído estatuto moral (SINGER, 1975SINGER, Peter. Animal Liberation: A New Ethics for Our Treatment of Animals. [s.l.] : HarperCollins, 1975.).

Nesse sentido, a analética é a perspectiva que permite alcançar e compreender que a transformação real somente pode vir a partir da alteridade mais violada pela totalidade ontológica (DUSSEL, 1983DUSSEL, Enrique. Praxis Latinoamericana y Filosofía de la Liberación. Colombia: Editorial Nueva América, 1983., pp. 139-140). Em seu livro Ética da Libertação, publicado no fim da década de 1990, Dussel (2000DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000., pp. 131 e ss.) afirma a vida humana como o critério e o princípio material universal da ética, assim sendo, o modo de realidade do sujeito ético e aquilo que deve definir o conteúdo de todas as suas ações. Por intermédio do exercício de uma razão ético-crítica que orienta analeticamente a atividade praxiológica, é possível perceber e revelar, como dito acima, que há rostos que à beira da morte clamam pela vida: são as vítimas da totalidade, as subjetividades contra-hegemônicas que sofrem como maldade aquilo que a totalidade designa de “bem” (DUSSEL, 2000, p. 301). Se a partir de Levinas e Haraway, o sofrimento animal deve ensejar uma responsabilidade ética, a vida que Dussel entende ser o critério e o princípio material universal da ética pode deixar de ser apenas humana, para ser expandida de forma a incluir, igualmente, a vida animal, fazendo dos humanos marginalizados e dos animais explorados, vítimas da totalidade ontológica. Sendo que, no caso dos animais, eles não podem ser sujeitos “da própria emancipação”, cabendo aos seres humanos a responsabilidade de acabar com a exploração animal (CUDWORTH, 2011, p. 78).

O conceito de “vítima” expressa justamente a singularidade universal da exterioridade, como algo que não está ajustado à totalidade ontológica. Novamente Dussel:

O juízo ético da razão prática crítica negativa é trans-sistêmico, e se o sistema da “compreensão do ser” (no sentido heideggeriano) é o ontológico, seria então pré- ou trans-ontológico: um juízo que procede da realidade da vida negada das vítimas, em referência à totalidade ontológica de um dado sistema de eticidade. Neste sentido falamos que além (jenseits) do “ser” (se o “ser” é o fundamento do sistema) se dá ainda a possibilidade da afirmação da realidade das vítimas. Trata-se da Alteridade do Outro "como outro" que o sistema (2000, p. 304).

Pois a práxis é a ação que transforma a realidade (subjetiva e social) tendo como última referência sempre uma vítima ou uma comunidade de vítimas (DUSSEL, 2000DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000., p. 558). O caráter reflexivo da práxis ocorre não apenas no sentido do pensamento e da análise, mas porque a razão ético-crítica permite que a ação reflita (deixe ver, transpareça, exprima, revele) a realidade, as necessidades e os desejos daquela comunidade de vítimas.

Pensada dessa forma, a práxis possui uma dimensão negativa e uma dimensão positiva. Na dimensão negativa ela denuncia e se opõe aos padrões dominadores da totalidade, padrões esses que ameaçam, aviltam ou exterminam a vida das vítimas e/ou suas condições (naturais e sociais) de reprodutibilidade. Tal dimensão negativa é, antes de tudo, uma resistência ao sistema da totalidade, seus costumes, sua institucionalidade e suas diretrizes. Assim, a imagem do padrão dominante da totalidade no sistema-mundo é da modernidade capitalista, antropocêntrica, patriarcal, branca, heteronormativa, cristã e especista, autodenominada como civilizada. A dimensão negativa da práxis implica uma profanação do improfanável, ou seja, enfrentar esta totalidade à maneira de um “não ter que ser”: não ter que ser capitalista e propor formas alternativas de bem-viver e economias solidárias; não ter que ser antropocêntrico e afirmar os direitos da mãe-terra e a necessidade de coabitação pacífica e equilibrada com os demais seres da natureza; não ter que ser patriarcal e, assim, reforçar a igualdade de direitos entre mulheres e homens e as lutas contra o machismo e a misoginia; não ter que ser branco ou caucasiano para ter sua dignidade reconhecida e respeitada, e valorizar a ancestralidade africana e de povos originários, sendo parte da luta contra preconceitos e discriminações; não ter que ser heteronormativo e respeitar as diferentes orientações sexuais, construindo convivências plurais e inclusivas; não ter que ser cristão, admitindo um irrestrito direito à diversidade religiosa e à manifestação de distintas crenças, incluindo o ateísmo (CUNHA, 2020CUNHA, José Ricardo. A Crítica radical na ética de Emmanuel Lévinas e alguns limites e possibilidades para se pensar o direito outramente. In CUNHA, José Ricardo. Teorias Críticas e Crítica do Direito. Volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020., pp. 33-34). E, ainda, não ter que ser especista, e poder propor formas alternativas de se relacionar com a natureza, e, especificamente, com os animais, para além daquelas oferecidas pelo capitalismo, que os reduzem a meras mercadorias e os submetem a sofrimento sistemático, determinando, ainda, quais relações poderão e serão estabelecidas com cada espécie.

Na sua dimensão positiva, a práxis anuncia o valor pleno da vida do outro que é a vítima da totalidade. Não apenas no sentido da preservação de sua existência, mas da importância incondicional desta existência, de tal modo que não deve ser manipulada para servir aos interesses dominantes da totalidade. Trata-se de combater, logo de início, a banalização de todas as formas de exploração, opressão, exclusão e outras maldades que a totalidade torna triviais e corriqueiras quando recaem sobre o outro marginalizado, aquela exterioridade não integrada ou subintegrada. Afirmar o valor da vítima ou da comunidade de vítimas humanas significa, antes de tudo, reconhecer a potencialidade de sua própria forma de existir e o protagonismo que devem ter no processo de sua libertação, e por isso a verdadeira emancipação é sempre uma autoemancipação. Como ensina Paulo Freire (1979FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979., p. 61), “a presença dos oprimidos na busca de sua libertação, mais que pseudo-participação, é o que deve ser: engajamento”. Esse engajamento expressa, por um lado, a legitimidade do lugar de fala, isto é, a condição de quem vive e sente na pele os processos de exploração, opressão e exclusão, e, por isso, sabe, melhor do que ninguém, os limites e a potência de sua própria existência. Por outro lado, esse engajamento constrói e expressa, também, o processo de amadurecimento da consciência crítica da vítima ou da comunidade de vítimas, como exterioridade que se opõe à totalidade. Nas palavras de Freire (1979, p. 56): “somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando assim sua “conivência” com o regime opressor”. O fundamental aqui é ter em conta o protagonismo das vítimas no processo de sua própria libertação. Isso não significa que as demais pessoas não possam e não devam, do ponto de vista ético, se engajar nesse processo de transformação, até porque a libertação dos marginalizados é a libertação de toda a sociedade das imposições e dominações tirânicas da totalidade. Todavia, a práxis exige que as ações sejam planejadas e executadas não “para”, mas sim “com” a comunidade de vítimas, pois elas são a fonte de validação ou autenticação de sua própria realidade, de seu próprio sofrimento e de sua própria esperança. No que se refere às vítimas animais, a afirmação do seu valor está no reconhecimento da sua condição de um ser que sofre e que busca, igualmente, escapar ao sofrimento, um sofrimento que afeta tanto os próprios animais quanto os seres humanos que com eles interagem. A compreensão de que os animais também são submetidos a processos de exploração (TORRES, 2007TORRES, Bob. Making a killing: the political economy of animal rights. Londres: AK Press, 2007. ISSN: 0009-4978. DOI: 10.5860/choice.45-6438.
https://doi.org/10.5860/choice.45-6438....
), e que seu sofrimento tem valor, implica em uma práxis sensível ao engajamento com as ações que visem interromper também com esta exploração já que esta é um produto das ações humanas.

Esse tema do engajamento da comunidade de vítimas no processo da luta por sua libertação, remete a um aspecto importante da filosofia da práxis gramsciana. Trata-se da autoavaliação crítica de suas forças, debilidades, recursos e possibilidades estratégicas no movimento de enfrentamento do sistema opressor da totalidade. Enfrentamento este que inclui lidar com a crise múltipla, anteriormente aludida, que nada mais é do que um conjunto de sintomas da doença mais ou menos silenciosa que corrói a totalidade. Gramsci (2011b______. Cadernos do Cárcere, Volume 3: Maquiavel, notas sobre o Estado e a política. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011b., p. 24; p.255), em sua reflexão sobre o processo político de luta por hegemonia, estabelece uma analogia com a ação militar para falar em guerra de movimento e guerra de posição. Se a guerra de movimento implica ataque frontal, a guerra de posições implica a tomada de diferentes espaços estratégicos que devem ser consolidados para uma ação exitosa. Isso implica avanços, recuos, reagrupamentos, ações localizadas e combates em diferentes setores e instituições típicos do regime opressor. Ocupar espaços para mudá-los a fim de que eles diminuam a carga opressora ou, de preferência, que cessem a dinâmica de pauperização generalizada da vida das vítimas. A múltipla inserção, em diferentes posições, é condição para se lidar com a crise múltipla. Nesse sentido, a reflexão sobre a práxis nos conduz, inevitavelmente, ao direito, pois a filosofia da práxis é transformação a partir das contradições existentes no real.

3. O papel do Direito como campo de disputa

O direito deve ser entendido como parte da realidade, seja o direito positivo, isto é, o conjunto das normas jurídicas válidas e vigentes em determinado território, seja o direito entendido como área de conhecimento, atravessada e manuseada por interesses da classe e dos grupos dominantes. De qualquer forma, o direito é um campo em disputa, parte da guerra de posição, e, por isso mesmo, é possível identificar no direito positivo porções ou frações de normas que, eventualmente, podem ir ao encontro das pretensões das comunidades das vítimas. Daí uma inevitável contradição sempre presente no direito: ao mesmo tempo que ele tutela interesses da classe dominante, ele pretende assegurar pretensões de grupos subalternizados. Agir no direito e pelo direito implica sempre uma ambiguidade de afetos, como é típico de qualquer campo de combate: lugar de entusiasmos e frustrações.

Do ponto de vista da práxis, o direito pode ser considerado como a referência subjetiva da mediação necessária para realização do seu interesse, do seu projeto, enquanto o dever ocupa o lugar de referência objetiva. Tal projeto reflete as condições de ação dos sujeitos e também condiciona essas ações por meio do estabelecimento de permissões, obrigações e proibições. Como diz Dussel (1983DUSSEL, Enrique. Praxis Latinoamericana y Filosofía de la Liberación. Colombia: Editorial Nueva América, 1983., p. 147), o estatuto do projeto - aquele que o sujeito da práxis sempre tem em vista - estabelece o estatuto do direito. Esse projeto diz respeito, por um lado, aos objetivos e interesses da pessoa que age buscando no direito o amparo de suas expectativas normativas. Nesse sentido, algumas pessoas possuem mais condições ou capacidades de buscar esse amparo do que outras. O sujeito é a própria mediação entre sua realidade social e suas pretensões normativas. Aqui fica evidente que aqueles que possuem mais poder ou condições sociais mais favoráveis reúnem maiores possibilidades de alcançarem, pelo direito, seus objetivos e pretensões. Já aqueles com menos poder e condições sociais menos favoráveis, ainda que tenham expectativas normativas legítimas, possuem uma possibilidade bem reduzida, ou sequer nenhuma, para a realização dos seus objetivos e interesses por intermédio do direito. Os animais, que tradicionalmente foram excluídos da comunidade política e, portanto, não foram reconhecidos como sujeitos de direito, por ter sido considerado que eles não seriam capazes de exercer o mesmo tipo de agência que a humana, tiveram seu estatuto moral historicamente negado, impossibilitando, assim, que ações fossem tomadas para sua proteção e para evitar o seu sofrimento.

O que se pretende frisar, aqui, é a identificação geral, como regra, entre direito e poder, o que nos conduz à compreensão, de um outro lado, da ideia contida na afirmação de que as características do projeto dos sujeitos da práxis estabelecem as características do direito ou seja, se “é um projeto produto de uma negociação ou aliança, será também um direito por negociação ou aliança” (DUSSEL, 1983DUSSEL, Enrique. Praxis Latinoamericana y Filosofía de la Liberación. Colombia: Editorial Nueva América, 1983., p. 147). Não se trata, nesta perspectiva, do projeto resultante da mediação particular do sujeito, mas de um projeto que reflete o contexto de um tempo que define e é definido pela totalidade ontológica. Nesse caso, o poder dominante impõe seu direito como o direito da totalidade social (DUSSEL, 1983, p. 149). Com efeito, o direito da totalidade moderna, é o direito do mercado total, do capitalismo. Não é por acaso que Hegel (1990HEGEL, Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Lisboa: Guimarães Editores, 1990.), no seu livro Princípios da Filosofia do Direito, publicado em 1820, na esteira da revolução industrial, identifica o direito não apenas com a liberdade, mas com a liberdade em face da propriedade. Não apenas o direito é existência que se dá na forma da propriedade, como no contexto de uma relação jurídica uma pessoa somente existe para outra como proprietária, e os animais, como propriedade. O estatuto do projeto que funda o estatuto do direito é o da propriedade em si, com mediações produzidas por proprietários. Este é o direito da totalidade, tudo que não se enquadra nesse projeto está excluído como não integrado ou subintegrado.

Portanto, tomar o direito a partir da práxis implica buscar os princípios da ação para colocar em curso uma outra forma de mediação, aquém e além do direito da totalidade. Trata-se do direito da exterioridade, daquela alteridade marginalizada, a qual abarca, como buscamos ampliar a própria compreensão de sujeitos da práxis até aqui, tantos os humanos quanto os animais, com suas respectivas particularidades. Ou seja, trata-se da alteridade que sofre as consequências mais perversas do projeto da totalidade. Não se trata de um direito que é, mas de um direito que vem, pois ainda busca o seu lugar:

Diante do atual direito do dominador, o direito dos oprimidos é um direito utópico, pois se baseia em um projeto que ainda “não tem lugar” (oùk tópos: sem lugar, utópico). O futuro direito utópico baseia-se no direito que todo homem tem de ser livre, de ser dono de si mesmo... Este limite utópico fundamenta a possibilidade e a humanidade da utopia dos dominados. O direito dos oprimidos também se baseia neste projeto utópico, ainda que se oponha aos ditames da lei vigente (DUSSEL, 1983DUSSEL, Enrique. Praxis Latinoamericana y Filosofía de la Liberación. Colombia: Editorial Nueva América, 1983., p. 149).

Um direito que não depende da propriedade para reconhecer o valor das pessoas. Um direito que não toma os humanos, os animais, a natureza como um todo, apenas como uma coisa a ser transformada para gerar valor - preço, remuneração, lucro - para proprietários. É um direito que se dá na abertura do horizonte ontológico para uma (re)integração entre pessoas e animais, entre sociedade e natureza, a partir do valor da vida das vítimas, um valor que não pode ser mensurado a partir da propriedade, pois a propriedade não sofre.

Tomar o direito praxiologicamente implica, portanto, buscar as condições de sua própria refundação a partir de um projeto centrado no valor incondicional da vida, daquela vida que é desprezada, aviltada, ferida e negada. Com efeito, essa filosofia da práxis que toma o direito como seu objeto e missão, possui uma dimensão escatológica, pois se situa entre o ser e o “ainda não”, entre a totalidade e a exterioridade, num tempo que é messiânico, pois transcende a temporalidade histórica e cronológica para se afirmar como kairos, como tempo da oportunidade. Este tempo messiânico não se expressa pelo contínuo da totalidade, mas como um tempo do agora, da urgência de toda vida ameaçada e desesperada, da transformação que gera revolução e redenção. Num dos últimos aforismos da Minima Moralia, assim escreveu Adorno3 3 E note-se que Adorno também se mostrou sensível e crítico à forma como os seres humanos trataram historicamente não apenas a natureza, mas especificamente os animais. Em suas palavras, as “criaturas irracionais têm se deparado com a razão ao longo dos tempos - na guerra e na paz, na arena e no matadouro, desde os prolongados estertores de morte do mamute dominado por uma tribo primitiva no primeiro ataque planejado até a exploração implacável do reino animal em nossos dias. (Horkheimer e Adorno 1969, p.245-46)” (tradução nossa) (GUNDERSON, 2014, p.286). :

A filosofia, segundo a única maneira pela qual ela ainda pode ser assumida responsavelmente em face do desespero, seria a tentativa de considerar todas as coisas tais como elas se apresentariam a partir de si mesmas do ponto de vista da redenção... Seria produzir perspectivas nas quais o mundo analogamente se desloque, se estranhe, revelando suas fissuras e fendas, tal como um dia, indigente e deformado, aparecerá na luz messiânica (1993, pp. 215-216).

O estatuto de um direito da exterioridade, construído pela práxis e permeado pela redenção messiânica, importa um conjunto de tarefas permanentes: 1) a crítica contundente e incessante do direito da totalidade a partir do valor da vida do outro explorado, oprimido e excluído; 2) a resistência e luta pela transformação do projeto dominante da totalidade, seja como forma de superação da crise múltipla que é enraizada nas entranhas do capitalismo, seja como forma de libertação dos sistemas de dominação; 3) o engajamento das vítimas e o respeito ao protagonismo da comunidade de vítimas no seu processo de auto-autenticação de suas próprias demandas, interesses e expectativas quanto às ações mediadas pelo direito; 4) a compreensão de que a centralidade da vida oprimida transcende o humano e o direito deve conter meios de mediação que respeitem e não simplesmente instrumentalizem a natureza de acordo com as conveniências econômicas dos grupos dominantes. Em relação a esse último ponto, há que se lembrar que a subjetividade autocentrada da totalidade tem uma brutal dificuldade em compreender o valor intrínseco dos animais não humanos e da natureza como um todo. Em certa medida, estes seres da natureza também são explorados e oprimidos na medida em que são convertidos em produtos para serem negociados e/ou especulados no mercado total. Por isso, a mesma razão ético-crítica capaz de perceber o aviltamento do humano deve perceber, também, o aviltamento do não humano portador de vida.

Neste sentido, é preciso, desta forma, compreender que as relações que mantemos com os diversos animais obedecem a um modelo hegemônico de relações interespécies, moldadas no modelo de produção e viver capitalistas, o qual nos impedem de pensar e viver outras interações e relações com os animais fora do modelo de relações comodificadas. Uma práxis contra-hegemônica, fundada na alteridade radical que propomos aqui como expansão do conceito originário de filosofia da práxis, passa pela transformação da visão prevalecente do senso comum antropocêntrico, o qual coloca o humano à frente de tudo e pressupõe os animais como serem inferiores naturalmente (SANBONMATSU E WADIWEL, 2023SANBONMATSU, John; WADIWEL, Dinesh. Hegemony, Animal Liberation, and Gramscian Praxis: An Interview with John Sanbonmatsu by Dinesh Wadiwel. Anthropos, v. 55, n. 2, p. 237-268, 2023.). Uma convergência entre filosofia da práxis, virada ecológica e recentramento das relações interespécies para um enfrentamento da crise múltipla passa por uma tomada de consciência de subjetividades múltiplas para além do sujeito de direito humano, bem como uma mudança estrutural das formas de normalização da vida social, também pelo direito. Isso significa não apenas buscar a libertação dos subalternizados no sentido dos seres precarizados, excluídos, oprimidos, mas sim em pensar nas relações entre seres da natureza, as quais implicam tanto na libertação dos animais, como em uma “nova forma de civilização baseada em princípios sociais, ecológicos, econômicos e éticos” (tradução nossa) diferentes dos da atual sociedade (SANBONMATSU E WADIWEL, 2023, p.241).

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  • 1
    Labriola (1843-1904), um dos fundadores do Partido Socialista Italiano em 1892, é considerado um dos pioneiros do marxismo italiano (BELLERMANN, 2021BELLERMANN, Johannes. Gramscis politisches Denken. Eine Einführung, Stuttgart: Schmetterling, 2021., p. 93)
  • 2
    “Adoro o fato de os genomas humanos se encontrarem apenas em cerca de 10 por cento de todas as células que ocupam o espaço humano a que chamo o meu corpo; os outros 90 por cento das células estão cheios de genomas de bactérias, fungos, protistas e outros, alguns dos quais tocam numa sinfonia necessária para que eu esteja vivo e outros andam à boleia e não fazem mal nenhum ao resto de mim, de nós.” (Haraway 2008HARAWAY, Donna J. When Species Meet. Minneapolis; London: University of Minnesota Press, 2008., 3-4)
  • 3
    E note-se que Adorno também se mostrou sensível e crítico à forma como os seres humanos trataram historicamente não apenas a natureza, mas especificamente os animais. Em suas palavras, as “criaturas irracionais têm se deparado com a razão ao longo dos tempos - na guerra e na paz, na arena e no matadouro, desde os prolongados estertores de morte do mamute dominado por uma tribo primitiva no primeiro ataque planejado até a exploração implacável do reino animal em nossos dias. (Horkheimer e Adorno 1969, p.245-46)” (tradução nossa) (GUNDERSON, 2014GUNDERSON, Ryan. The first-generation Frankfurt school on the animal question: Foundations for a normative sociological animal studies. Sociological Perspectives, v. 57, n. 3, p. 285-300, 2014., p.286).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2024
  • Aceito
    15 Set 2024
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