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O cavaleiro negro em Tropa de Elite: arquétipos, dispositivos e imaginários

The Dark Knight in Elite Squad: archetypes, apparatus and the imaginary

Resumo

A soberania do estado é um paradoxo fundante nas teorias do direito e da constituição, e tem sido constantemente ressignificada ao longo da história, para servir a interesses políticos diferentes – e frequentemente contraditórios. Direito e Estado, justificados pela emergência de uma teoria moderna da soberania, foram historicamente descritos através da razão e da razoabilidade, porém nunca deixaram de ser construídos de maneira fictícia. A soberania já foi discutida dentro das categorias de espaço e tempo, e descrita através dos efeitos das decisões soberanas. Mais recentemente, esse debate incluiu também uma virada dos paradigmas espaço-temporais, para uma abordagem visual. Neste artigo, estes temas serão discutidos a partir de métodos desenvolvidos nos campos do direito e literatura, direito e psicanálise, e direito e cinema, para visualizar o que é a noção que compreendemos contemporaneamente como soberania. Para isso, será desenvolvida uma investigação visual da ideia de soberania, tomando-a não apenas como um conceito fundante da teoria do direito, mas também como um “tropo”: uma espécie particular de figura de linguagem, uma narrativa metafórica, alegórica, e ilustrada; capaz de ser modernizada, porém, mantendo suas características iniciais. Esse artigo busca investigar o conceito de “soberania” através de evidências coletadas na “cultura popular”. Trata-se de uma investigação sobre um arquétipo que emergiu, repetidamente, na história da cultura ocidental, mas que nunca foi completamente explorado na teoria política e no direito: a figura do “cavaleiro negro”. Em específico, este artigo se concentrará na construção da personagem Capitão Nascimento, no filme Tropa de Elite (2007) de José Padilha, e na maneira como este filme atualizou o arquétipo do “cavaleiro negro”, trazendo-o para dentro do regime visual da “guerra particular” do Rio de Janeiro nas décadas de 1990; e ressignificado-o com a emergência da virada conservadora no início do século 21.

Palavras-chave:
Soberania; Direito e Cinema; Estado de Exceção; Personificação; Arquétipos; Dispositivos

Abstract

State sovereignty is a foundational paradox in jurisprudence and constitutional theory, and it has been constantly re-signified throughout history, to serve different – ​​and often contradictory – political interests. Law and State, justified by the emergence of a modern theory of sovereignty, were historically described through reason, but they have never ceased to dependent on fiction. Sovereignty has already been discussed within the categories of space and time, and described through the effects of sovereign decisions. More recently, this debate has also included a shift from spatial-temporal paradigms to a visual approach. In this paper, these issues will be discussed using methods developed in the fields of law and literature, law and psychoanalysis, and law and cinema, in order to visualize what the notion of sovereignty currently is. A visual investigation of the idea of ​​sovereignty will be developed, taking it not only as a founding concept of legal theory, but also as a “trope”: a particular kind of figure of speech, metaphorical, allegorical and illustrated; able to be modernized and keep its initial characteristics. This article will investigate the concept of “sovereignty” through evidence collected in “popular culture”. This is to look for an archetype that has repeatedly emerged in the history of Western culture, but which has never been fully debated in political and legal theory: the figure of the “dark knight”. Specifically, the article will focus on the construction of the character Capitão Nascimento, Tropa de Elite (2007), a film by José Padilha. The paper will discuss how this film updated the “dark knight” archetype, bringing it to the visual regime of the “private war” in Rio de Janeiro in the 1990s; and also how it was re-signified in the emergence(y) of the conservative turn at the beginning of the 21st century.

Keywords:
Sovereignty; Law and film; State of Exception; Embodiment; Archetypes; Apparatus

Introdução

A soberania do estado é um paradoxo fundante nas teorias do direito e da constituição, e tem sido constantemente ressignificada ao longo da história, para servir a interesses políticos diferentes – e frequentemente contraditórios. Considerada como um atributo do estado, ou de seus representantes, a soberania já foi descrita como “um alvo móvel”1 1 MARTEL, James, Walter Benjamin, sovereignty and the eschatology of power, in: BARBOUR, Charles; PAVLICH, George (Orgs.), After Sovereignty. On the question of political beginnings., Oxon: Routledge, 2010, p. 181. , sempre capaz de assumir novos contornos e significados. Direito e Estado, justificados pela emergência de uma teoria moderna da soberania, foram historicamente descritos através da razão e da razoabilidade, porém nunca deixaram de ser construídos de maneira fictícia. Essa relação fundacional entre direito, estado e ficção é claramente expressa nas suas bases filosóficas mais conhecidas, que podem ser descritas como um exercício racional de fantasia, baseado em monstros marinhos bíblicos (O Leviatã); situações pré-históricas hipotéticas (O Estado de Natureza); e acordos universais impossíveis com validade infinita (O Contrato Social).

Não é, então, por coincidência, que os juristas já foram comparados aos artistas, e que a função decisória exercida por juízes tenha sido comparada àquela realizada por pintores que desenham dentro de uma moldura2 2 KELSEN, Hans, Pure Theory of Law, Clark, N.J.: The Lawbook Exchange, Ltd., 2009, p. 350. . A soberania também já foi discutida como um duplo, que abarcaria as categorias de espaço e tempo, sujeito e objeto, súditos e soberanos, reis e condenados3 3 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 29ª Edição. Editora Vozes: Petrópolis, 2004, p.27. , e descrita através dos efeitos das decisões soberanas.4 4 SCHMITT, Carl, Political Theology. Four Chapters on the Concept of Sovereignty, Cambridge, Massachusetts, and London, England: The MIT Press, 1985. Mais recentemente, esse debate incorporou também uma virada dos paradigmas espaço-temporais, para uma abordagem visual. Essa mudança incluiu uma gama de pesquisas sobre como a soberania poderia ser vista, ou representada, no corpo e nas ações “do soberano” – que agora passava a ser compreendido como uma pessoa, ou uma instituição, capaz de personificar, ou incorporar, a soberania.5 5 Refiro-me aqui a estratégia de observar imagens de reis, rainhas, presidentes ministros e juízes que poderiam representar, visualmente, o direito e o poder soberano. Neste sentido, o trabalho recente de Leslie Moran trouxe grande contribuição. Ver, por exemplo: MORAN, Leslie J., Judicial Pictures as Legal Life‐writing Data and a Research Method, Journal of Law and Society, v. 42, n. 1, p. 74–101, 2015.

Neste artigo, estas abordagens sobre a soberania serão discutidas a partir de métodos desenvolvidos nos campos do direito e literatura, direito e psicanálise, e direito e cinema, para visualizar o que é a noção que compreendemos contemporaneamente como soberania. Para isso, será desenvolvida uma investigação visual da ideia de soberania, tomando-a não apenas como um conceito fundante da teoria do direito, mas também como um “tropo”: uma espécie particular de figura de linguagem, uma narrativa metafórica, alegórica, e ilustrada; capaz de ser modernizada, porém, mantendo suas características iniciais; um discurso fundacional e colonizador, capaz de institucionalizar seus próprios súditos como sujeitos de direito subalternos.6 6 MIRZOEFF, Nicholas, The right to look: a counterhistory of visuality, Durham, NC: Duke University Press, 2011. Para criar aproximações entre teoria e tropo, esse artigo fará uso de uma estratégia de pesquisa visual: investigar o conceito de soberania através de evidências coletadas na cultura popular. Trata-se de uma investigação sobre um arquétipo que emergiu, repetidamente, na história da cultura ocidental, mas que nunca foi completamente explorado na teoria política e do direito: a figura do cavaleiro negro. Este artigo busca abordar estes temas a partir da dimensão psicanalítica da noção de soberania, questionando suas bases racionais na filosofia do direito e na fundação do Estado Moderno.

Em específico, este artigo se concentrará na construção da personagem Capitão Nascimento, no filme Tropa de Elite (2007), de José Padilha, e na maneira como este filme atualizou o arquétipo do cavaleiro negro, trazendo-o para dentro do regime visual da “guerra particular” do Rio de Janeiro na década de 1990. O objetivo geral aqui é contribuir para uma releitura da teoria da soberania a partir da construção de uma genealogia do arquétipo do cavaleiro negro na cultura ocidental. Esta figura apareceu repetidamente tanto na história quanto na ficção, e se mostra com um objeto privilegiado para análise da relação alegórica entre líderes políticos e personagens fictícios que os inspiraram, ou que representaram.

Uma primeira premissa implícita nessa proposta é a de que estas imagens devem ter o mesmo status, na teoria do direito e do estado, que aquelas que são frequentemente aceitas como contorno para a noção de soberania – como a capa de um livro que supostamente justifica todo o exercício do poder estatal;7 7 HOBBES, Thomas, Leviathan, The Project Gutenberg, 2009. a explicação fundante de uma civilização colonial;8 8 LISSOVSKY, Mauricio; DE MATOS, Marcus V. A. B., The Laws of Image-Nation: Brazilian Racial Tropes and the Shadows of the Slave Quarters, Law and Critique, v. 29, 2018.. ou nas figuras de linguagem utilizadas por juízes em decisões – metáforas, paráfrases, ironias, analogias e paradoxos.9 9 Stephanie Jones and Stewart Motha, “A New Nomos Offshore and Bodies as Their Own Signs,” Law & Literature 27, no. 2 (May 4, 2015): 253–78, doi:10.1080/1535685X.2015.1034479. Para alcançar tal objetivo, este artigo examinará a problemática relação entre o direito e as imagens de soberania produzidas pelo cinema popular contemporâneo. Essa abordagem se baseará em propostas teóricas que buscaram construir um método iconocrítico para analisar os embricamentos entre estética e autoridade nos regimes visuais contemporâneos. O argumento é o de que as imagens produzidas pelo cinema popular – que são posteriormente compartilhadas e multiplicadas na internet e na mídia – constituem um regime estético (visualidade) e, ao mesmo tempo, uma condição de possibilidade (visibilidade) para o exercício da autoridade em seu nível máximo: a decisão soberana sobre a vida.10 10 DE MATOS, Marcus V. A. B., What does law “really” want? The current state of law and image theory, in: NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, Juliana et al (Orgs.), Black Mirror Law: o direito em tempos de neoliberalismo, Petrópolis, RJ: Pimore Editora e Distribuidora, 2020, p. 138. Dessa forma, este texto busca contribuir com as pesquisas em direito e cinema que investigam as fundações paradoxais do poder jurídico, no seu exercício e em suas violações.

Como parte dos seus objetivos específicos, este artigo vai aplicar esta teoria a um regime visual produzido no Rio de Janeiro, na década de 1990, conhecido como “Guerra Particular”. No entanto, nosso interesse não será no contexto deste regime em si, mas sim nos discursos que o fizeram ganhar nova vida, contemporânea, a partir das imagens e narrativas produzidas em Tropa de Elite (2007). O filme de José Padilha é certamente importante para compreender a reaparição de um discurso conservador na política brasileira, baseado na retórica da “Guerra Particular”. Este artigo vai discutir, a partir deste filme, e da construção da personagem Capitão Nascimento como um cavaleiro negro, as condições de possibilidade da virada conservadora em curso no país, examinando imagens, discursos e narrativas produzidos em Tropa de Elite.

Outra hipótese aqui é que o estilo cinematográfico de José Padilha, que pode ser considerado como um “realismo mágico”, produziu imagens e discursos que saíram do controle dos diretores e produtores do filme. Uma das possíveis explicações para este fenômeno, é que talvez ele tenha acessado um arquétipo de uma memória reprimida que é constituinte do inconsciente coletivo, no sentido desenvolvido por Carl Jung11 11 JUNG, C. G., The Archetypes and the Collective Unconscious, [s.l.]: Routledge, 2014, p. 42–43. : os cavaleiros negros, soldados decaídos que buscam garantir a segurança e a sobrevivência da sociedade e de suas instituições. A emergência deste arquétipo pode ser um elemento fundamental na con-fusão entre realidade e ficção provocada por esta obra. Ela também pode ajudar a explicar como as práticas de soberania representadas nas imagens e discursos deste filme (tortura, vigilância, desaparecimento de cadáveres), se ressignificaram na emergência de um discurso reprimido desde 1985: a defesa da ditadura militar e de ideias fascistas no Brasil. O regime visual da Guerra Particular, ressignificado durante a Guerra ao Terror, pode ter sido chave para a reaparição de discursos políticos de extrema direita (e fascistas) no país.

O arquétipo do cavaleiro negro como um fóssil contemporâneo

Para visualizar o exercício da soberania na prática, proponho observá-la em sua forma limite, ou seja, no exercício do poder soberano para além dos limites jurídicos e constitucionais, na forma do que se convencionou chamar de Estado de Exceção. Para isso, vamos nos valer tanto da noção de arquétipo, associada ao conceito de dispositivo. Já argumentei que é possível compreender o filme Tropa de Elite como um “dispositivo midiático” do Estado de Exceção, no sentido proposto por Giorgio Agamben.12 12 DE MATOS, Marcus V. A. B., “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., in: GRUNE, Carmela (Org.), Direito no Cinema Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 257. Proponho aqui observar nosso objeto específico, um filme, em suas imagens e discursos, também a partir do modo como Agamben compreende o que é “o contemporâneo”. O filme seria, então, um lócus privilegiado para investigar este dispositivo contemporâneo. A contemporaneidade seria, por sua vez, marcada por uma particular relação com o tempo, que adere a ele através de uma “dissociação” e de um “anacronismo”. Neste sentido, seria preciso “manter o olhar fixo” em nosso tempo, para enxergar nele não apenas as luzes, mas suas trevas, o “escuro”, perceptível apenas se conseguirmos “neutralizar as luzes que provém da época para descobrir as suas trevas, o seu escuro especial (...), que não é separável daquelas luzes”. Assim, seria preciso receber um facho de trevas no rosto para perceber nas luzes que não se dissociam delas, as sombras, as “obscuridades” do presente.13 13 AGAMBEN, Giorgio, O que é o contemporâneo? e outros ensaios, Chapecó: Editora Argos, 2009, p. 59. Observar o contemporâneo é evocar uma peculiar relação com o passado, onde se estabeleceria uma relação entre o presente e o arcaico, na constituição de um fundamento moderno que está próximo do “arké”, da sua origem, que “em nenhum ponto pulsa com mais força do que no presente”14 14 Ibid., p. 69. .

Na literatura e na arte haveria um “compromisso secreto” entre o arcaico e o moderno, não apenas pelo fascínio que as formas arcaicas suscitam no presente, mas porque “a chave do moderno está escondida no imemorial e no pré-histórico”. Por essa razão, “a via de acesso ao presente tem necessariamente a forma de uma arqueologia que não regride, no entanto, a um passado remoto”, pois o passado ao qual regride seria inalcançável, porque não foi efetivamente vivido. Assim, ser contemporâneo, para Agamben, é “voltar a um presente onde jamais estivemos” e, nesse sentido, é também uma construção, um exercício criativo.15 15 Ibid., p. 70. Esta ideia está sistematizada no Diagrama 1 .

Diagrama 1
O contemporâneo entre o arcaico e o presente

Dessa forma, uma leitura do tempo contemporâneo não seria apenas para perceber “o escuro do presente” e “nele aprender a resoluta luz”. Será preciso “ler de modo inédito a história”, e observar como a “invisível luz, que é o escuro do presente”, projeta sua “sombra sobre o passado”, pois será nesse facho de sombra, que estará a capacidade de “responder às trevas do agora”. Este seria o mesmo motivo, na leitura que Agamben faz de Walter Benjamin, porque “o índice histórico contido nas imagens do passado mostra que estas alcançarão sua legibilidade somente num determinado momento da sua história”.16 16 Ibid., p. 72.

Para traçar seu entendimento sobre o Estado de Exceção, Agamben se vale de um recurso interessante: a ideia de que lançar o olhar para um arquétipo, um tipo anterior e simplificado, um fóssil, pode ajudar a compreender um dispositivo contemporâneo.17 17 Para uma discussão detalhada do conceito de dispositivo em Agamben, ver: DE MATOS, Marcus V. A. B., “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., in: GRUNE, Carmela (Org.), Direito no Cinema Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2017 Mas o que é um fóssil? Para Hlibchuk, é algo que ocorre na literatura ou na poesia quando nos deparamos com uma “figura esquecida” e “aparentemente distante”, mas que é capaz de “tomar de assalto” o presente.18 18 HLIBCHUK, Geoffrey, “The Immense Odds Against the Fossil’s Occurrence”: The Poetry of Christopher Dewdney as Materialist Historiography, Studies in Canadian Literature / Études en littérature canadienne, v. 31, n. 2, 2006, p. 5–6. Talvez, o fóssil e o arquétipo nas imagens do cinema que observamos aqui sejam figuras que possuem atributos análogos aos que Eduardo Cadava reconhece na fotografia, a partir da obra de Walter Benjamin: uma “temporalidade radical”, capaz de provocar cesura no “movimento do pensamento”, uma “interrupção na história” e a suspensão da dialética.19 19 CADAVA, Eduardo, Words of Light: Theses on the Photography of History, in: PETRO, Patrice (Org.), Fugitive images: from photography to video, [s.l.]: Indiana University Press, 1995, p. 232.

É neste sentido, então, que adotaremos a noção de arquétipo: como um tipo contemporâneo de algo apropriado do passado, no presente. É este o caminho que faremos ao propor que, no filme analisado, a figura do herói transgressor contemporâneo se remete a seu arquétipo: o cavaleiro negro, paradigma do herói que surge para salvar a sociedade ocidental, cristã e medieval, em situações de grave risco, emergência, urgência.20 20 Ressaltamos aqui que, embora esta proposta seja criativa, ela não é original. Estudos nos campos da história social e da comunicação trabalham com a identificação entre “arquétipos”, “heróis” e, por exemplo, a possibilidade de “personificação” do “espírito da nação” em determinadas personagens. Nesse sentido, ver: BERNARDO, Thiago Monteiro. Supersoldados e Nação: uma análise das representações de heróis e vilões nas histórias do Capitão América, nos EUA da década de 1960. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Monografia. 2004. 50p. Para os propósitos desta investigação, uma das principais obras literárias escritas em língua portuguesa na Era Moderna, em que se narra a existência do cavaleiro negro, e talvez a primeira, seja “Eurico, o Presbítero”, de Alexandre Herculano, datada de 1843.

Romance histórico sob a influência das revoluções liberais e nacionalistas, o texto constitui, aparentemente, uma releitura do papel do cavaleiro durante a Invasão Ibérica pelos árabes – período da suposta formação de Portugal e Espanha enquanto nações. Seu herói e personagem principal, Eurico, tem como arqui-inimigos não apenas os árabes: os inimigos que combate com mais vigor são os visigodos traidores, que teriam entregado a Espanha aos invasores.

Fig. 1
Eurico, O Presbítero (Capa da Editora Atica, 9 edições), o romance fundador no nacionalismo português.

Trata-se de uma realocação do papel do cavaleiro, feita no século XIX, onde o herói surge na literatura como defensor dos visigodos europeus contra as invasões árabes que tomaram a Península Ibérica no século XVIII. Se a cavalaria era uma instituição medieval fundamental para a ordem social feudal; se era também uma poderosa organização militar voltada para as Cruzadas; então, após a derrota dos exércitos cristãos no oriente, a figura do cavaleiro tem seu papel remodelado para o contexto dos Estados nacionais modernos. Herculano descreve suas intenções com as personagens do romance como uma tentativa de “pintar os homens da época de transição, digamos assim, dos tempos heróicos da história moderna para o período da cavalaria, brilhante ainda, mas já de dimensões ordinárias”21 21 HERCULANO, Alexandre, Eurico, o Prebítero, Belém: Ed. UNAMA, 2009, p. 106. .

Após a decadência da cavalaria como instituição militar, e com formação dos exércitos nacionais, a literatura encontra outro papel para o herói cavaleiro: o resquício de uma cultura de heroísmo como “elemento nacional”, reapropriado pelos Estados-nação. O “Cavaleiro Negro” de Alexandre Herculano é um herói impossível devotado a uma vocação mórbida: um rapaz de origem humilde que se vê impedido de se casar com a mulher de família nobre, por quem nutre profundo amor e, portanto, para esquecê-la, decide entrar para vida monástica. Entretanto, dado o início das invasões árabes e, vendo a impossibilidade de continuar sua vocação e ministério religioso, o Presbítero é obrigado a tomar partido na guerra contra os árabes e os visigodos traidores da nação cristã.

A figura do cavaleiro negro assume, nesta leitura, dupla identidade: trata-se de herói que precisa esconder-se, porque o exercício da atividade guerreira na qual se empenha envolve, de alguma forma, segredos moralmente reprováveis e, portanto, incompatíveis com a Cavalaria. Neste sentido, sua construção é próxima daquilo que a historiadora Maria Helena Abrantes Pitta descreve como o “cavaleiro decaído”: alguém para quem a morte amenizaria sua condição. Essa condição permite que seja um guerreiro sem limitações morais. Assim, o cavaleiro negro se destaca, no campo de batalha, por duas razões: (a) é um guerreiro que nada tem a perder, a quem a morte não representa ameaça; (b) trata-se de um cavaleiro sem código de honra, sem juramento válido e que, por isto mesmo, pode lutar sem nenhum tipo de norma que regulamente sua conduta.22 22 PITTA, Maria Helena Abrantes., A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., Dissertação de Mestrado em História., Universidade Federal do Rio de Janeiro., Rio de Janeiro, 1992.

Na historiografia a maior parte das fontes sobre este arquétipo também estão na literatura. Para seguir os vestígios e compreender o contexto da mítica figura do cavaleiro negro, é preciso lidar com uma “precariedade das fontes de documentação” sobre a “Instituição da Cavalaria”. Apenas através da Literatura, embora se trate de “ficção”, seria possível “seguir algumas pistas através das descrições das cerimônias de Investidura” dos cavaleiros, a partir de textos que compõem “canções” e “romances” sobre a época.23 23 Ibid., p. 48–49. Através das obras literárias sobre a cavalaria é que teriam sido escritos “no fio da história (...) seus heróis que, protagonistas de uma criação mítica”, encerrariam na prática cavaleiresca, “a tensão entre obediência e transgressão.”24 24 Ibid., p. 5.

No contexto histórico das fontes literárias analisadas pela pesquisadora “o ritual sagrado de ordenação do cavaleiro” se constituía como a mais significativa “marca do processo civilizacional da sociedade medieval”25 25 PITTA, 1992, p.4 e p.10. . Investidos pela Igreja, formavam uma ordem (ordo), uma divisão dentro da sociedade temporal que configurava uma “verdadeira Instituição delimitada segundo o plano divino”, destinada a “ajudar e defender toda a população”. Para compreender o código ético e moral destas instituições – que era jurado por todo cavaleiro e os constituía – a autora empreende uma análise da literatura da época conjugada a análises de códigos de conduta, as normas, o direito que regia as ordens de cavalaria. A autora observa que, porém, nem sempre os códigos eram respeitados. A literatura da época revelaria, em conteúdo dramático, que nem sempre os “homens de armas” estavam preparados para “assimilar os ensinamentos e os códigos de honra que haviam jurado seguir”: o ideal cavaleiro tornava-se, por vezes, um “pesado fardo”, constantemente esquecido pela “aridez e violência profana” as quais estavam envoltos os cavaleiros.26 26 PITTA, A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., p. 11–49. Neste trecho a autora analisa as seguintes obras literárias: A Demanda do Santo Graal, segundo edição baseada no códice 2594 da Biblioteca Nacional de Viena; a Chanson de Roland; e Le Morte d’Arthur, dentre outras. Depois, empreende análise dos seguintes códigos da cavalaria: uma compilação de leis feitas por juristas entre 1256 e1265 a mando de Alfonso X, “El Sabio”, conhecida como Las Siete Partidas – especificamente, a “Partida II”, que trata do comportamento cavaleiresco; e o Libro de la orden de Caballeria, de Ramon Llull, escrito no ano de 1275, que contém um detalhado código de cavalaria. Haveria também, nestes códigos e condutas que formavam o cavaleiro, as influências dos “brasões de armas” forjados para as “Cruzadas”, que teria conexão direta com a “própria influência árabe na Europa Ocidental”, de que teria se desenvolvido a “arte da heráldica” – a confecção e identificação de símbolos e brasões – que teria profunda influência no “ideal cavaleiresco”27 27 Ibid., p. 56. .

O trabalho de Pitta28 descreve ainda um processo que consideramos importante para nossa empreitada: os exemplos de educação cavaleiresca de jovens heróis nas narrativas medievais. A educação do jovem aspirante a cavaleiro, na literatura medieval, é vista como “mais do que um simples treinamento”: constituía “uma espécie de ritual cujas etapas – espécie de provas – o noviço havia de cumprir para demonstrar que era digno de pertencer a tal Ordem”.29 29 PITTA, A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., p. 58–63. O antigo costume pagão de “entrega das armas” foi aos poucos sendo “incorporado pelo cristianismo”, e alguns de seus gestos foram tornando-se em “ato quase sagrado”.30 30 Ibid., p. 68–69. A entrega das armas, brasões e símbolos foi acrescida de outro gesto, até hoje não muito bem explicado na literatura e pesquisa sobre o medievo: “a bofetada no rosto do cavaleiro”. A bofetada, no entanto, tinha um sentido fundamental. Em tempos de guerra, por exemplo, quando a cerimônia se realizava no campo de batalha, considerava-se que “as palavras eram inúteis”: receber a “espada” e a “bofetada” simbolizava tacitamente todo o resto.31 31 Ibid., p. 71.

Encerrada a cerimônia e seus rituais, o cavaleiro adquiria os direitos e deveres próprios da cavalaria, alcançava o “topo da hierarquia social” e tornava-se quase intangível, uma vez que os cavaleiros, embora “sujeitos a punição quase nunca a recebiam já que os tribunais organizados para julgar suas transgressões eram compostos por seus próprios pares”. Investido e consagrado, o cavaleiro poderia utilizar seu “brasão de armas”, o signo que “permitia reconhecer o chefe nos combates” e era “privilégio único dos cavaleiros”.32 32 Ibid., p. 75.

Pitta conclui seu trabalho apontando para o fato de que é possível observar a Idade Média como um período de “consolidação de instituições e valores até hoje utilizados” que se “entrelaçam com acontecimentos do presente” – tanto a partir de “vestígios concretos” quanto de “lembranças constantes”. Se a autora está correta ao afirmar que para acessar este passado concreto ou misterioso, “o resgate do passado através da literatura sempre será atual e oportuno como o é agora” [grifo nosso], podemos propor olhar para a literatura moderna – em sua releitura dos momentos de perigo e emergência no arcaico e medieval – para compreender determinados elementos do cinema contemporâneo.33 33 Ibid., p. 155–156.

Os guardas letais do estado de exceção: o Capitão Nascimento como um cavaleiro negro

O filme Tropa de Elite apresenta três personagens principais que prefiguram o que entendemos aqui por herói: personagens que demonstram características especiais para enfrentar situações de risco e emergência que ultrapassam todos os padrões de normalidade. Trata-se dos três oficiais do BOPE que constituem a narrativa principal: o Capitão Nascimento – personagem-narrador; e os dois candidatos a substituto que o Capitão procura: o aspirante Neto; e o aspirante André Mathias. Para demonstrar as hipóteses levantadas, analisarei brevemente a construção destas personagens, através da observação direta da narrativa cinematográfica, tomando suas imagens e discurso como objetos, em conjunto com material coletado sobre o filme – que inclui entrevista com atores, diretor, produtores, roteiristas. Além disso, utilizarei também pesquisa de recepção de mídia sobre a obra.

A citação que abre o filme Tropa de Elite, do psicólogo Stanley Milgran mostra, de certa forma, a perspectiva teórica que vai nortear a narrativa: “usualmente não é o caráter de uma pessoa que determina como ela age, mas sim a situação na qual ela se encontra”. É possível que esta seja a perspectiva sobre a qual José Padilha enxerga a personagem Capitão Nascimento, inspirada no co-roteirista Rodrigo Pimentel. Se Pimentel aparece no filme documentário Notícias de uma guerra particular como um policial já desiludido e sem esperança em relação à atuação da polícia na cidade, o Capitão Nascimento é retratado não apenas como desiludido, mas como um homem dividido, quase que com duas identidades: uma, o Capitão comandante da Equipe Alfa do BOPE; outra, como um marido com problemas conjugais que, dedicado demais ao perturbador trabalho, não consegue viver em família.

Em entrevista disponibilizada no bônus do DVD Especial, o ator Wagner Moura fala sobre a construção da personagem, e reforça o aspecto de realidade empregado no filme:

Inicialmente, o capitão Nascimento é um personagem inspirado no Rodrigo Pimentel. Um homem dividido entre dois mundos: entre sua família, sua casa; e o mundo do seu trabalho. O grande conflito dele é esse. A partir do momento em que ele resolve esse conflito, ele anda muito bem. Mas enquanto ele está dividido, ele é um cara que ‘treme a mão’. Dois mundos muito díspares, porque o personagem está tendo filho. [...] E fora daquele apartamentinho, a vida dele é o posto, né? Era a guerra todo dia. Essa guerra em que vivem os policiais e os traficantes, essa guerra particular que o próprio Pimentel batizou. O pedacinho da vida dele retratado no filme é esse período de maior divisão e maior confusão na cabeça dele. [...] O Tropa me impressionou muito. Não sei se por essa mistura, esse caráter documental que ele tem, forte [...] ou porque como eu não estava em todas as cenas, eu não tinha ideia do que o filme ia ser, assim como um todo. É um filme revelador de uma realidade.34 34 PADILHA, José, Elite Squad, 2007. Entrevista com ator. Bônus. TROPA DE ELITE – Missão Dada é Missão Cumprida. DVD. 116 min. Universal Pictures, 2008. Para além das possíveis interpretações do posicionamento político do ator na construção da personagem que interpreta no filme, é interessante o fato de o ator fazer parte do Movimento Humanos Direitos (MHuD) e já ter declarado apoio ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em entrevista disponível (audiovisual) no site do MST em: <http://www.mst.org.br/Eu-apoio-o-MST-Wagner-Moura>. Acesso em 30 ago 2010

No discurso do Capitão Nascimento são as armas que elevam a situação do crime a uma situação de guerra, de exceção. Diante do poder das armas e dos riscos elevados, policiais e traficantes desenvolveriam formas pacíficas de convivência, que dependeriam, segundo a narrativa, “do equilíbrio delicado entre a munição dos bandidos e a corrupção dos policiais”. Afinal, numa visão humanizadora da polícia, a personagem afirma: “policial tem família, amigo; policial também tem medo de morrer”. Nesta situação de guerra, de um estado de exceção permanente que não depende de decretação legislativa ou judicial,35 35 AGAMBEN, Giorgio, Estado de exceção, 1a. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p.23 “honestidade não faz parte do jogo”. A realidade da segurança pública no Rio de Janeiro só permitiria uma lista de escolhas limitadas àqueles que desejam ser policiais: “ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra”. Nesse contexto, o narrador coloca sua irritação diante de duas situações que fariam parte do mesmo problema: “os traficantes fortemente armados” e a “incompetência da polícia convencional”. Nascimento declara, antes de dar a ordem de abrir fogo sobre policiais convencionais da PMERJ que realizavam entrega de armas a traficantes, que “quem ajuda traficante a se armar, também é inimigo” – embora o filme não polemize as formas e meios como as armas chegam até os policiais que as vendem para os traficantes. É curioso observar que esta questão não seja, de forma alguma, o alvo do filme, tampouco do discurso sobre o filme nas críticas.36 36 Ibid.

Dividido entre suas duas esferas de identidade – o Batalhão e a família –, em situação insustentável, o Capitão tem único objetivo no filme: encontrar um substituto para seu posto, que esteja à sua “altura”. É desse modo que aparece no filme a questão do “curso de operações especiais” organizado pela personagem-narrador, para formar os novos policiais de elite – sempre diferentes dos policiais “convencionais”. Diferente da corporação de policiais convencionais, a personagem-narrador afirma fazer parte de “outra polícia”: o BOPE, que teria sido criado para solucionar as situações que a polícia convencional não conseguiria resolver, casos extremos e excepcionais. No Rio de Janeiro, no entanto, a exceção já tinha se tornado a regra, com situações de conflitos armados exigindo o envolvimento da polícia especial no dia a dia, no cotidiano da atividade policial, marcada pela disponibilidade das armas de guerra.

As semelhanças do treinamento do BOPE no filme com os ritos de Investidura da Cavalaria medieval descritos por Pitta são muitas. Não apenas os soldados são submetidos a provas e testes físicos e psicológicos, como há gestos de significativa semelhança: a “bofetada” no rosto é empregada pelos oficiais do BOPE como prova de idoneidade moral e resistência. Durante todo o treinamento, “tapas na cara” – e outros tipos de agressão – são cotidianos para formar e provar o caráter dos recrutas no curso. Nascimento afirma:

A primeira fase do curso é só porrada. O objetivo é eliminar os fracos e, principalmente, os corruptos. (...) Eu reconheço que, para quem não é iniciado, o BOPE parece uma seita. Mas é assim mesmo que a gente tem que ser. Os nossos homens são formados na base da porrada. De cada 100 PMs que tentam fazer o nosso curso, cinco chegam ao fim. E quando eu fiz o curso, parceiro, foram só três. Nem o Exército de Israel treina soldados como a gente. (...) Para lutar na guerra contra o tráfico, o cara tem que ser capaz de aguentar de tudo.37 37 Ibid.

De modo semelhante às Instituições de Cavalaria, a diferença entre os policiais convencionais e os policiais da tropa de elite é marcada não apenas pelo comportamento moral e pelo domínio de uma técnica militar mortal, mas também por símbolos, fardas e cores, brasões. O símbolo do BOPE traz uma caveira como emblema, estampada em uma farda preta. Estas são as características apontadas em destaque, por exemplo, pelos moradores da Vila Cruzeiro entrevistados em do jornal The New York Times. Segundo eles, no mês anterior ao lançamento do filme, a favela teria sido sitiada pelos policiais do BOPE, em suas “fardas pretas”, utilizando veículos com o símbolo do Batalhão: “uma caveira com armas cruzadas”.38 38 BARRIONUEVO, Alexei, A Violent Police Unit, on Film and in Rio’s Streets, The New York Times, 2007.

Para a crítica especializada publicada no Variety, as atitudes dos policiais do BOPE de “matar sem pensar” teriam uma relação direta com o uso da farda preta que, não por coincidência, seria uma referência aos “uniformes negros” e a “caveira” que simbolizavam o pertencimento a uma das mais mortíferas e assustadoras brigadas de polícia – ou milícia – da história humana: a “Brigada Cabeça da Morte” da SS Nazista.39 39 WEISSBERG, Jay, The Elite Squad - One-note celebration of violence-for-good that plays like a recruitment film for fascist thugs., Variety, 2008. De fato, é quase impossível ignorar a enorme quantidade de informações disponíveis na internet que atestam o uso frequente de uniformes de cor preta por grupos fascistas no contexto da Segunda Guerra Mundial.40 40 Neste sentido, cf. WIKIPEDIA. Uniforms and insígnia of the Schutzstaffel. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Uniforms_and_insignia_of_the_Schutzstaffel#cite_note-1. Acesso em: jan 2010. Ver também: HOLOCAUST ENCICLOPEDIA. Concentration camps 1933-1939. United States Holocaust Memorial Museum. Disponível em: http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10005263. Acesso em: 30 ago 2010; HOLOCAUST ENCICLOPEDIA. SS and the camp sistem. United States Holocaust Memorial Museum. Disponível em: http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10007399. Acesso em: 30 ago 2010; e GERMAN PROPAGANDA ARCHIVE. Nazi Uniforms. Disponível em: http://www.bytwerk.com/gpa/uniforms.htm. Acesso em: 30 ago 2010. Destes, os dois exemplos mais memoráveis de forças policiais seriam os Camisas Negras de Mussolini (Fig. 2), e os membros do batalhão Brigada Cabeça de Morte da SS (Fig. 3), que creditavam à cor preta as características “sombria” e “autoritativa” de suas fardas.41 41 NEUMANN, Franz Leopold, Behemoth: pensamiento y acción en El nacional-socialismo, México: FCE, 1943. “Los S.S. (Schutz Staffel), escuadras de protección, constituyen la polícia y, por ende, el estado em su función doméstica más importante. Sirve como polícia protectora y proporciona miembros a la polícia secreta del estado (Gestapo). Desde que fué estabelecida em 1925 (...), los S.S. han constituído um grupo cerrado que há vivido bajo leyes propias. (...) El elemento principal de la ideologia de sus miembros está constituído por la Fe, el honor y la obediencia incondicional. Su conciencia de elite está robustecida por una ordenaza del 9 de noviembre de 1935, que autoriza y obliga a todo miembro de los S.S. a defender su honor con las armas. (...) Los miembros de la S.S. eran libres de emplear sus armas incluso cuando el ataque podia ser rechazado con otros medios”.

Fig. 2
Mussolini’s Blackshirts –Illustrazione Italiana, 1922, n. 45 Fig. 3 - Uniforms and Insignia of the Schutzstaffel43 43 Para outras imagens da fada preta e da caveira utilizadas pela SS, ver: SSTotenkopf, http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/archive/a/aa/20091028220016!SS_Totenkopf.jpg ; e Uniforms and Insignia of the Schutzstaffel: http://en.wikipedia.org/wiki/Uniforms_and_insignia_of_the_Schutzstaffel http://65.160.172.250/repro/r135.html. Conferir, também, o uniforme negro de inspiração “hussarda” utilizado por August von Mackensen, em: http://en.wikipedia.org/wiki/August_von_Mackensen

Este aspecto místico e simbólico fica evidente também na construção fílmica do BOPE nas palavras que o Capitão Nascimento utiliza para descrever o processo de formação dos soldados do batalhão. O discurso de abertura do treinamento, feito pelo Coronel comandante do BOPE, reforça mais ainda esta interpretação: “preparem suas almas. Porque os seus corpos já nos pertencem”. Os candidatos, alunos do curso, são surpreendidos no ritual por uma assustadora revista de tropa, onde os oficiais mais antigos agridem os candidatos com tapas e pontapés para prová-los e selecionar aqueles que consideram moralmente à altura da Tropa de Elite. Na sequência, o filme mostra os brados e cantos dos candidatos no Curso de Operações Especiais: “Homem de preto, o que que você faz? Eu faço coisas que assustam Satanás! Homens de preto qual é sua missão? Entrar pela favela e deixar corpo no chão”. Estes trechos apontam claramente, no filme, uma associação entre o caráter moral dos policiais do BOPE e o rito de passagem que os separa dos outros policiais e da sociedade moralmente corrompida, associado ao domínio das técnicas mortais que passam a utilizar no seu cotidiano de guerra. Estas técnicas só seriam acessíveis a estes policiais moralmente superiores, iniciados pelo ritual das “operações especiais”.42 42 PADILHA, Elite Squad.

De fato, é impressionante o paralelo ritualístico do treinamento de Operações Especiais descrito no filme, com os procedimentos de “cunho místico” da “Brigada Cabeça de Caveira” da SS nazista – uma vez que ambos remontam às cerimônias de Investidura de Cavaleiros medievais. Em matéria publicada pela revista americana Times em período anterior ao da declaração da Segunda Guerra, atesta-se que o comandante da SS, Heinrich Himmler, teria adotado para o treinamento de sua tropa uma suposta “mística adoração romântica da devoção Wotan, desenvolvida pelo General Ludendorff”, através da qual a SS teria se tornado a “elite superior e o mais exótico corpo militar que o mundo já conheceu”. A tropa policial chegou a ser denominada a “Ordem Nacional Socialista dos soldados nórdicos”, em referência às regras que teriam absorvido da antiga Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, cujos princípios fundamentais seriam lealdade, honra e coragem, seguidos da principal virtude: cega obediência às ordens dos comandantes. A matéria sugere que Himmler teria transformado o seu serviço de polícia não apenas em um corpo militar, mas em um “culto”.44 44 Foreign News: Secret Policeman, Time, 1939. A formação da SS nazista tinha, a princípio, a tarefa de ser a guarda do Füher. Com o tempo, dividiu-se em três comandos e a “Brigada Cabeça da Morte” passou a gerenciar os campos de concentração. Há aqui, talvez, algumas semelhanças com outra instituição da cavalaria e seu possível arquétipo: a elite dos soldados germânicos, conhecida como comitatus. Embora não possamos desenvolver aqui completamente este argumento, ficamos com as palavras de Pitta: “Os chefes de tribos da antiga Germania se cercavam de uma tropa de soldados de elite, o comitatus, para sua segurança pessoal, quer como demonstração de poder ou satisfação íntima. A união dessa tropa era demonstrada não só nos campos de batalha, como também no momento da repartição de pilhagens. Quando invadiram o ocidente Europeu, mantiveram o costume de poder contar sempre com uma guarda audaz e fiel disposta a enfrentar as situações mais adversas.” Cf: PITTA, 1992, p.57.

O curso de treinamento em Operações Especiais guarda diversas semelhanças com os rituais de “Investidura” das Ordens de Cavalaria descritos anteriormente, mas há uma cena no filme que é crucial para compreender a complexidade da dupla identidade da personagem como cavaleiro negro: o diálogo travado entre o Capitão Nascimento e a mãe do fogueteiro – um menino que trabalhava para o tráfico de drogas, disparando fogos de artifício para avisar a chegada da polícia. Surpreendido pelos policiais do BOPE que adentram a favela escondidos, movendo-se sorrateiramente pelas galerias de água, o fogueteiro é capturado. Após a rendição do fogueteiro e a execução de três traficantes na entrada da favela, o capitão ordena que tragam a ele o menino fogueteiro, “a sementinha do mal”. O capitão coloca a arma na cara do adolescente, desencadeando uma espécie de tortura psicológica onde o medo da morte impele o criminoso capturado a denunciar quem portava as drogas no local – enfim, a única questão que parecia importar para a legalidade daquela incursão policial letal. Diante da denúncia, Nascimento dá a ordem – clara – para que o portador da “carga” seja levado para a delegacia, junto com a prova do crime. Mesmo assim, o capitão continua ameaçando o adolescente, despertando a preocupação de seus subordinados que, finalmente, tentam acalmar o oficial. No entanto, segundo a narrativa do filme, os traficantes teriam posteriormente capturado o menino e executado, desaparecendo com seu corpo.

Nascimento toma ciência do fato logo após o parto de seu filho, quando interpelado pela mãe do morto, que vem a ele reivindicar o direito invocado por Príamo diante de Aquiles na clássica tragédia troiana: a mãe vai ao capitão para “pedir o direito de enterrar meu filho”. No diálogo, o oficial pergunta para a mãe se o filho era “do movimento” – forma como popularmente os moradores se referem ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Diante da afirmativa quase afônica da mãe, o policial se cala. Não porque seja absurdo um policial matar um criminoso envolvido com o tráfico; a questão é outra. Ao permitir que o menino saísse ileso da operação policial – e optar por não o prender – Nascimento praticamente o entregou nas mãos dos próprios traficantes para quem o menino trabalhava, sabedor de que, como afirma a própria mãe do menino, “traficante não perdoa”. Assim o fogueteiro foi assassinado e o capitão do BOPE passa a carregar a carga emocional da culpa pela perda do único filho daquela mãe, que pede, simplesmente, o direito “poder enterrar” seu filho – a quem todos os outros direitos foram negados. A vida não é a questão; a questão é a forma da morte. Nascimento reflete: “Toda vez que eu pensava no meu filho, me lembrava da mãe do fogueteiro. Caralho, deve ser foda não poder enterrar o filho”. A partir desse momento, percebendo que “sentir remorso é perigoso para um capitão do BOPE”, o Capitão se lança de vez na busca de seu substituto.45 45 PADILHA, Elite Squad.

A “guerra particular” da personagem se desenvolve deixando seu rastro de violência: após a morte de Neto, Nascimento vê que sua única chance de sair do Batalhão é transformar Mathias em “um policial de verdade”, capaz de se tornar um Capitão do BOPE. Para cumprir esta última missão, Nascimento se engaja numa busca pelo traficante assassino de Neto, Baiano, e se empenha para que André Mathias faça desta busca a vingança contra a morte de Neto, ou seja, sua própria guerra particular. Para localizar o traficante, os policiais se valem de métodos de tortura aplicados sobre mulheres e crianças, execuções e buscas ilegais nas residências de famílias pobres na favela. As cenas que exibem os métodos de tortura no filme são tão violentas que problematizam a própria leitura da personagem como “herói” contemporâneo.

Segundo a matéria já citada, do jornal NY Times46 46 BARRIONUEVO, Alexei. A Violent Police Unit, on Film and in Rio’s Streets. The New York Times. Americas. 14 out 2007. Disponível em: http://www.nytimes.com/2007/10/14/world/americas/14tropa.html?_r=2&ref=americas Acesso em: 20 jun 2009. Tradução livre do autor. A matéria traça ainda paralelo entre a personagem Capitão Nascimento e o agente da CIA Jack Bauer, personagem principal da série de TV “24horas”, que tal qual Nascimento, não teria “barreiras legais em uma sociedade constantemente sob ameaças terroristas”. Ambos as personagens seriam “profundamente perturbados”. , a reação do público à personagem Capitão Nascimento teria gerado “explosivas” e “contraditórias” interpretações em diferentes “classes sociais”. Em entrevistas no bairro do Leblon, a personagem seria “idolatrada por muitos pelo seu estilo “brutal e mortal” para “agir contra criminosos”. Aletea de Souza, descrita na matéria como “treinadora de fitness”, entenderia que o Capitão Nascimento “traz segurança para nós, pessoas ricas e da classe média”. Embora não considere a personagem “propriamente um herói”, reconhece que ele “é uma barreira entre os bons e os maus”. Já na favela da Vila Cruzeiro, um diretor de uma ONG se posicionaria com “preocupação” sobre a atitude de “glorificação do BOPE”, gerada pelo filme. Nanko Van Buuren descreveria o filme como “perigoso”, dado que na realidade o BOPE continuaria “torturando e mantando e isto não pode ser considerado OK”. Segundo o entrevistado, após o filme, “crianças na favela” estariam “usando roupas pretas e brincando de sessões de tortura, colocando sacos de plástico sobre as cabeças de seus amigos”. O texto traz ainda entrevista do diretor José Padilha que se diz “surpreso” com a reação dos brasileiros à personagem, em um filme feito para “denunciar a violência e a tortura”. Finalmente, o ator Wagner Moura declara que “seria impossível que na Finlândia ou na Suécia as pessoas aceitassem estes policiais como heróis, uma polícia que tortura e mata”.

Propomos, aqui, a seguinte interpretação sobre estes personagens: Neto morre, porque acreditava na causa, acreditava na polícia enquanto instituição. O policial “de verdade” do BOPE – arquétipo do cavaleiro negro – deve ser alguém desiludido, que não luta por um ideal; ao contrário, personifica a luta contra um inimigo – o sistema e a sociedade corrupta que alimenta o tráfico com armas de “guerra” – em “estado de exceção”, fazendo do seu desespero combustível para sua fúria e truculência. Assim, Neto não poderia ser o verdadeiro policial substituto: Mathias, diante da perda do amigo, ganha as características necessárias para se tornar um “cavaleiro decaído” da tropa de elite. Para se tornar “um policial de verdade”, tem que estar disposto a quebrar todas as regras, a torturar mulheres e crianças, e a executar um traficante à sangue frio.

É a partir desta interpretação, que seria possível compreender a construção destes cavaleiros negros como heróis, construídos em um dispositivo midiático de um Estado de Exceção, a revelados a partir da rearticulação de semelhanças.

Personificação e Dispositivo: semelhanças, arquétipos, imaginários, governos

O historiador Sydney Hook aponta para o curioso fato de que, em momentos de crise aguda “nos negócios sociais e políticos”, quando uma situação de emergência aponta para a urgência de uma solução, as sociedades intensificam seu “interesse pelo herói”. Quanto maior seja a emergência e intensidade da crise, maior seria o anelo pelo “homem adequado a dominá-la”. Seu estudo procura demonstrar que, independentemente da constituição política da sociedade, “a esperança na solução de uma crise está sempre ligada à esperança no aparecimento de uma liderança forte ou esclarecida para arrostar as dificuldades ou perigos”. As diferenças políticas influenciariam os tipos do herói esperado: “redentor”, “pulso forte”, “profeta”, “engenheiro social”, “discípulo amado” e “revolucionador científico” seriam alguns dos tipos possíveis na história, a partir de diferenças políticas e culturais. Contudo, “quem quer que nos salve é um herói”, e nas conjunturas da ação política, os homens estariam “sempre procurando alguém que os salve”.47 47 HOOK, Sidney. O herói na história, Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1962, p. 18–19. Entretanto, Hook afirma que a necessidade de ser crido, de produzir um tipo de confiança ou fé em si mesmo, seria uma característica peculiar ao “ditador moderno”, que emerge em um período de “movimentos de massa” e precisaria ter uma “base popular de crença” para exercer seu poder carismático. Na era moderna, o líder e herói realizaria uma transferência, para si, de “emoções previamente dirigidas a tradições históricas, instituições, símbolos e ideologias”.48 48 Ibid., p. 26.

Talvez seja por esta razão que Agamben sugere que nos regimes totalitários do século XX, o “carisma” dos grandes líderes coincidiria com “a neutralização da lei”49 49 AGAMBEN, Giorgio, Estado de exceção, 1a. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 129. e que nas técnicas de governo nazistas e fascistas o aparente “caráter original do poder” derivaria da “suspensão ou da neutralização da ordem jurídica” – ou seja, do próprio Estado de Exceção.50 50 Ibid., p. 130. Esta seria a razão pela qual, por exemplo, seria possível observar na Alemanha nazista o fato de que “o poder autoritário-carismático emana quase magicamente da pessoa do Führer”.51 51 Ibid., p. 131. Na maioria dos países, em especial em países totalitários, “o culto do herói e do líder” seria laboriosamente desenvolvido, principalmente através dos “progressos técnicos” dos meios de comunicação que, aliados a “novos métodos psicológicos de arraigar crenças”, tornariam possível criar “entusiasmo popular e idolatria pelo líder” em níveis inéditos na história humana. A crença no herói seria, então, também um produto sintético.52 52 Ibid., p. 16–17.

Em sentido semelhante, Hook ressalta que sociedades democráticas também teriam seus heróis e grandes homens. Diante das situações de crise e emergência onde o processo democrático é considerado uma resposta demasiadamente lenta, inúmeros países decidem acelerar seu passo, admitindo que nenhuma “comunidade democrática pode sobreviver por muito tempo, a menos que confie a seus líderes grandes poderes”.53 53 SIDNEY HOOK, O Heroi na Historia, p. 194–195. Este papel do herói em uma sociedade democrática seria compreensível a partir de dois marcos: (a) primeiro, eles são uma ameaça à democracia, mas às vezes são necessários para sua sobrevivência. E, (b) caberia à sociedade democrática a tarefa de “abolir as distinções injustas entre o herói e as massas ou o homem médio”54 54 Ibid., p. 197. 55 55 HOOK, 1962, p.197. . Contudo, haveria no contexto democrático um elemento cultural e político que estabeleceria seus próprios critérios para seleção da sua figura do herói. Esses critérios seriam estabelecidos, segundo ele56 56 HOOK, 1962, p.24. , com um “olho literal” observando “retratos mais antigos”, e um “olho imaginativo” voltado para “Hollywood”. Haveria ainda, uma desconfiança em relação aos “poderes delegados” ao líder, que precisa ser considerada.57 57 SIDNEY HOOK, O Heroi na Historia, p. 24.

Embora Hook aponte para estes elementos diferenciados na construção do “herói” e do “grande homem” (líder) em um contexto democrático – um olhar para figuras históricas e outro para o cinema – o autor não desenvolve sua reflexão sobre esses elementos. Proponho aqui que em contexto democrático, esses dois olhares propostos por Hook levariam, talvez, à dissociação entre as figuras do “herói” e do “líder político”. Em sociedades democráticas, não seria o “carisma” dos grandes líderes que coincidiria com a “neutralização da lei” como ocorreria no fascismo e no nazismo, no sentido investigado por Agamben; nos contextos democráticos, o poder autoritário-carismático emanaria quase magicamente não do líder político, mas do herói ficcional. Esta seria uma das possíveis explicações para a grande produção de personagens e narrativas heroicas nas diversas formas de arte que permeiam o universo ficcional nas democracias ocidentais: o Estado de Exceção seria personificado não no líder político, mas no herói das narrativas ficcionais.

Então o momento de perigo, emergência e urgência – que representa a indistinção conceitual, subjetiva e temporal dos elementos da máquina jurídico-política –, ocorreria quando as narrativas ficcionais associassem seus heróis ficcionais a seus líderes ou a momentos políticos. Seria este o instante, um “relampejar”58 58 BENJAMIN, Walter, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 110. , no sentido Benjaminiano, da personificação do Estado de Exceção na figura do herói, quando o sistema jurídico-político se transformaria em máquina letal. Além disso, é possível que estes heróis guardem uma relação mais estreita com a construção dos “sujeitos espectrais” de que fala Agamben: os cidadãos não se identificariam com a construção de um sujeito concreto – o líder –, a partir de quem construiriam sua subjetividade; sua identificação e elaboração de sujeito seriam a partir de um herói ficcional, mascarado, com dupla identidade e, nesse sentido, espectral.59 59 AGAMBEN, O que é o contemporâneo?, p. 12.

Nossa abordagem da noção de arquétipo é baseada naquilo que Walter Benjamin chama de “semelhança”: trata-se de uma forma de compreensão e produção de conhecimento baseada no “dom mimético” disponível tanto na “natureza” quanto no homem. O autor aponta para o fato de que este tipo de conhecimento estaria em franca decadência no mundo moderno, um mundo muito menos permeado de características e “correspondências mágicas” do que o mundo antigo – onde, por exemplo, a astrologia e a clarividência eram utilizadas para determinar as ações de governantes. Benjamin sugere que haveria uma transformação nesta “faculdade mimética” dos homens e que o modelo para pensar estas formas antigas de conhecimento seja a astrologia.60 60 BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, p. 109–110. O tipo de conhecimento produzido em antigas tradições levaria a crer que houve em civilizações anteriores “configurações sensíveis” e “características miméticas” das quais “hoje não podemos [sequer] suspeitar”. A interpretação de “processos celestes” por indivíduos ou coletividades requereria uma “irritabilidade” que “contivesse prescrições para o manejo de uma semelhança preexistente”.61 61 Ibid., p. 111–112. Um exemplo da importância deste gênio mimético na vida de povos antigos seria a relação entre o nascimento de crianças e constelações, que revelaria uma particularidade da esfera do semelhante:

O momento do nascimento, que é o decisivo, é apenas um instante (...) Sua percepção, em todos os casos, dá-se num relampejar. Ela perpassa, veloz, e, embora talvez possa ser recuperada, não pode ser fixada, ao contrário de outras percepções. Ela se oferece ao olhar de modo tão efêmero e transitório como uma constelação de astros. A percepção das semelhanças, portanto, parece estar vinculada a uma dimensão temporal. A conjunção de dois astros, que só pode ser vista num momento específico, é observada por um terceiro protagonista, o astrólogo. Apesar de toda a precisão dos seus instrumentos de observação, o astrônomo não consegue igual resultado. [grifo nosso]62 62 Ibid., p. 113.

No entanto, nos resta ainda uma ressalva, antes de prosseguir por este caminho não linear e espinhoso da personificação do estado de exceção no herói contemporâneo a partir da emergência do arquétipo do cavaleiro negro. É necessário dizer como isto funciona. A solução pode ser encontrada em delimitar a relação entre algumas categorias utilizadas até aqui: as mentalidades e semelhanças, o imaginário da cultura política, e o dispositivo midiático que os constitui e conserva. A maior parte das pesquisas que analisamos para compreender a figura do herói moderno trabalha sobre as obras de arte enquanto manifestações culturais mediadas pela comunicação de massas, como fontes mediadoras do imaginário político, que seria um lócus privilegiado de análise, onde seria possível observar representações de ideologias, e a criação de arquétipos de heróis e inimigos. Todavia, não nos interessa trabalhar sobre o conceito de “imaginário” como a maioria destes trabalhos o faz.

Segundo Erick Felinto, na tradição filosófica ocidental, o imaginário foi pensado como “uma faculdade”, ao lado da “percepção” e da “memória”. Por esta razão, o conceito de imaginário permaneceu cercado por certa “névoa de indefinição”.63 63 FELINTO, Erick, Novas tecnologias, antigos mitos: apontamentos para uma definição operatória de imaginário tecnológico, Galáxia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. ISSN 1982-2553, v. 0, n. 6, 2007, p. 166. Não podemos deixar de perceber neste (quase) conceito, certa proximidade da noção de dispositivo que é possível ler em Agamben.64 64 DE MATOS, “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., p. 256–258. Se o imaginário (político) é uma “rede comum de referentes culturais”, ou uma “complexa rede de discursos”, capaz de romper com “as fronteiras do tempo e do espaço” e onde “divindades substantivas (seres humanos divinizados) (...) corporificam ideias, valores e qualidades significativas para a coletividade”, entendemos que parte do conceito está contida na noção de dispositivo.65 65 FELINTO, Novas tecnologias, antigos mitos, p. 174. Com uma significativa diferença: a categoria imaginário não precisaria ter uma dimensão instrumental, relacionada ao poder; na categoria dispositivo estaria implícita uma relação entre saber e poder que se dirige para a governabilidade (Diagrama 2).

Diagrama 2
o dispositivo midiático

Conclusões

Portanto, a partir da análise de nosso objeto empírico, o filme “Tropa de Elite”, é possível demonstrar como ocorre a personificação do dispositivo do Estado de Exceção no herói contemporâneo. No Estado de Exceção da atualidade, os “poderes do mito e do direito” teriam capturado a práxis humana e tornado coincidentes a máquina biopolítica e a própria “possibilidade de distinguir entre vida e direito, anomia e nomos.”66 66 AGAMBEN, Estado de exceção, p. 132–133. No entanto, esta personificação só é perceptível na observação de arquétipos – ponto de encontro do arcaico e do presente, em que está o contemporâneo. O principal argumento levantado neste artigo é de que o arquétipo do cavaleiro negro pode ser apropriado e personificado por múltiplas formas do poder soberano. No entanto, sua forma mais letal, e observável, se revela na autoridade que é exercida sem limites, em um estado de exceção permanente.

O arquétipo do cavaleiro negro se encontra no imaginário de cada um de nós. Ele emerge das sombras, como um duplo, com suas duplas identidades. Esta natureza dupla tem relação direta com os duplos que fundam a soberania e constroem subjetividade e sujeição. A inovação aqui é compreender que este duplo está conectado ao herói de nossas narrativas ficcionais, e não aos líderes históricos. Perceber esse fato só é possível se analisarmos estes elementos for a do tempo linear. Muitas formas de poder soberano foram desenvolvidas a partir deste arquétipo, baseadas em instituições medievais (cavalaria) que foram extintas pelo advento do Estado Moderno. Porém, este arquétipo adquiriu formas modernas, diretamente conectadas ao nacionalismo e ao surgimento do Estado-nação, como ficou demonstrado a partir da análise da literatura portuguesa do século XIX, onde este arquétipo parece que emergiu pela primeira vez na era moderna. Não é, então, por coincidência que este fóssil tenha sido escavado da sua cova pelas ideias liberais que dominaram o Estado Moderno, como uma forma de justificar a existência deste estado.

Mas o arquétipo do cavaleiro negro também pode alimentar sonhos de poder totalitários, personificado nas tropas de elites de regimes de exceção, como foi o caso dos Camisas Negras de Mussolini, e da SS Totenkopf – duas das mais temidas unidades de elite e polícia política do século XX. Assim como os policiais do BOPE em Tropa de Elite, estes são exemplos de como a figura do cavaleiro negro pode nos remeter a este arquétipo de um cavaleiro protetor da sociedade ocidental, a quem nenhum pecado ou transgressão pode ser atribuído. Estas tropas alcançam este status (jurídico) não apenas por servir a seus líderes políticos, mas também através da instituição de regimes estéticos e religiosos, que podem fazer uso de uma abundância de rituais e símbolos.

O cavaleiro negro é a forma personificada do Estado de Exceção, um exercício de poder que não pode ser contido ou limitado no espaço político. Nem espaço, nem tempo, podem ser garantia ou impedimento para sua ressurgência: a (sua) emergência tem um espaço-tempo próprio. O que busquei foi estabelecer paralelos entre tipos possíveis encontrados no cinema popular contemporâneo e na literatura medieval e moderna; ou seja, algo que está e se constitui entre o arcaico e o presente. Trata-se, ainda, de uma busca que só pode ser realizada neste instante, do contemporâneo. Ou seja, apenas no momento em que o cinema passa a dizer algo sobre o instante da urgência ou do perigo – que é também o instante da personificação do estado de exceção no herói – é que seria possível observar esta semelhança.

Os cavaleiros negros são, supostamente, os garantidores da existência do estado. Mas, ao final, se escondem nas sombras, onde buscam anular as diferenças entre o dentro e o fora da ordem jurídica, suprimir a alteridade e habitar o estado de exceção. Denunciá-los é a única alternativa a morrer suplicando diante deles, como faz o traficante Bahiano: “na cara não chefe, para não estragar o velório”.

  • 1
    MARTEL, James, Walter Benjamin, sovereignty and the eschatology of power, in: BARBOUR, Charles; PAVLICH, George (Orgs.), After Sovereignty. On the question of political beginnings., Oxon: Routledge, 2010, p. 181.
  • 2
    KELSEN, Hans, Pure Theory of Law, Clark, N.J.: The Lawbook Exchange, Ltd., 2009, p. 350.
  • 3
    FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 29ª Edição. Editora Vozes: Petrópolis, 2004, p.27.
  • 4
    SCHMITT, Carl, Political Theology. Four Chapters on the Concept of Sovereignty, Cambridge, Massachusetts, and London, England: The MIT Press, 1985.
  • 5
    Refiro-me aqui a estratégia de observar imagens de reis, rainhas, presidentes ministros e juízes que poderiam representar, visualmente, o direito e o poder soberano. Neste sentido, o trabalho recente de Leslie Moran trouxe grande contribuição. Ver, por exemplo: MORAN, Leslie J., Judicial Pictures as Legal Life‐writing Data and a Research Method, Journal of Law and Society, v. 42, n. 1, p. 74–101, 2015.
  • 6
    MIRZOEFF, Nicholas, The right to look: a counterhistory of visuality, Durham, NC: Duke University Press, 2011.
  • 7
    HOBBES, Thomas, Leviathan, The Project Gutenberg, 2009.
  • 8
    LISSOVSKY, Mauricio; DE MATOS, Marcus V. A. B., The Laws of Image-Nation: Brazilian Racial Tropes and the Shadows of the Slave Quarters, Law and Critique, v. 29, 2018..
  • 9
    Stephanie Jones and Stewart Motha, “A New Nomos Offshore and Bodies as Their Own Signs,” Law & Literature 27, no. 2 (May 4, 2015): 253–78, doi:10.1080/1535685X.2015.1034479.
  • 10
    DE MATOS, Marcus V. A. B., What does law “really” want? The current state of law and image theory, in: NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, Juliana et al (Orgs.), Black Mirror Law: o direito em tempos de neoliberalismo, Petrópolis, RJ: Pimore Editora e Distribuidora, 2020, p. 138.
  • 11
    JUNG, C. G., The Archetypes and the Collective Unconscious, [s.l.]: Routledge, 2014, p. 42–43.
  • 12
    DE MATOS, Marcus V. A. B., “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., in: GRUNE, Carmela (Org.), Direito no Cinema Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 257.
  • 13
    AGAMBEN, Giorgio, O que é o contemporâneo? e outros ensaios, Chapecó: Editora Argos, 2009, p. 59.
  • 14
    Ibid., p. 69.
  • 15
    Ibid., p. 70.
  • 16
    Ibid., p. 72.
  • 17
    Para uma discussão detalhada do conceito de dispositivo em Agamben, ver: DE MATOS, Marcus V. A. B., “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., in: GRUNE, Carmela (Org.), Direito no Cinema Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2017
  • 18
    HLIBCHUK, Geoffrey, “The Immense Odds Against the Fossil’s Occurrence”: The Poetry of Christopher Dewdney as Materialist Historiography, Studies in Canadian Literature / Études en littérature canadienne, v. 31, n. 2, 2006, p. 5–6.
  • 19
    CADAVA, Eduardo, Words of Light: Theses on the Photography of History, in: PETRO, Patrice (Org.), Fugitive images: from photography to video, [s.l.]: Indiana University Press, 1995, p. 232.
  • 20
    Ressaltamos aqui que, embora esta proposta seja criativa, ela não é original. Estudos nos campos da história social e da comunicação trabalham com a identificação entre “arquétipos”, “heróis” e, por exemplo, a possibilidade de “personificação” do “espírito da nação” em determinadas personagens. Nesse sentido, ver: BERNARDO, Thiago Monteiro. Supersoldados e Nação: uma análise das representações de heróis e vilões nas histórias do Capitão América, nos EUA da década de 1960. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Monografia. 2004. 50p.
  • 21
    HERCULANO, Alexandre, Eurico, o Prebítero, Belém: Ed. UNAMA, 2009, p. 106.
  • 22
    PITTA, Maria Helena Abrantes., A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., Dissertação de Mestrado em História., Universidade Federal do Rio de Janeiro., Rio de Janeiro, 1992.
  • 23
    Ibid., p. 48–49.
  • 24
    Ibid., p. 5.
  • 25
    PITTA, 1992, p.4 e p.10.
  • 26
    PITTA, A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., p. 11–49. Neste trecho a autora analisa as seguintes obras literárias: A Demanda do Santo Graal, segundo edição baseada no códice 2594 da Biblioteca Nacional de Viena; a Chanson de Roland; e Le Morte d’Arthur, dentre outras. Depois, empreende análise dos seguintes códigos da cavalaria: uma compilação de leis feitas por juristas entre 1256 e1265 a mando de Alfonso X, “El Sabio”, conhecida como Las Siete Partidas – especificamente, a “Partida II”, que trata do comportamento cavaleiresco; e o Libro de la orden de Caballeria, de Ramon Llull, escrito no ano de 1275, que contém um detalhado código de cavalaria.
  • 27
    Ibid., p. 56.
  • 28
    PITTA, 1992, p.58, e p.62-63.
  • 29
    PITTA, A Demanda do Santo Graal: Obediência e Transgressão na Prática Cavaleiresca., p. 58–63.
  • 30
    Ibid., p. 68–69.
  • 31
    Ibid., p. 71.
  • 32
    Ibid., p. 75.
  • 33
    Ibid., p. 155–156.
  • 34
    PADILHA, José, Elite Squad, 2007. Entrevista com ator. Bônus. TROPA DE ELITE – Missão Dada é Missão Cumprida. DVD. 116 min. Universal Pictures, 2008. Para além das possíveis interpretações do posicionamento político do ator na construção da personagem que interpreta no filme, é interessante o fato de o ator fazer parte do Movimento Humanos Direitos (MHuD) e já ter declarado apoio ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em entrevista disponível (audiovisual) no site do MST em: <http://www.mst.org.br/Eu-apoio-o-MST-Wagner-Moura>. Acesso em 30 ago 2010
  • 35
    AGAMBEN, Giorgio, Estado de exceção, 1a. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p.23
  • 36
    Ibid.
  • 37
    Ibid.
  • 38
    BARRIONUEVO, Alexei, A Violent Police Unit, on Film and in Rio’s Streets, The New York Times, 2007.
  • 39
    WEISSBERG, Jay, The Elite Squad - One-note celebration of violence-for-good that plays like a recruitment film for fascist thugs., Variety, 2008.
  • 40
    Neste sentido, cf. WIKIPEDIA. Uniforms and insígnia of the Schutzstaffel. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Uniforms_and_insignia_of_the_Schutzstaffel#cite_note-1. Acesso em: jan 2010. Ver também: HOLOCAUST ENCICLOPEDIA. Concentration camps 1933-1939. United States Holocaust Memorial Museum. Disponível em: http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10005263. Acesso em: 30 ago 2010; HOLOCAUST ENCICLOPEDIA. SS and the camp sistem. United States Holocaust Memorial Museum. Disponível em: http://www.ushmm.org/wlc/en/article.php?ModuleId=10007399. Acesso em: 30 ago 2010; e GERMAN PROPAGANDA ARCHIVE. Nazi Uniforms. Disponível em: http://www.bytwerk.com/gpa/uniforms.htm. Acesso em: 30 ago 2010.
  • 41
    NEUMANN, Franz Leopold, Behemoth: pensamiento y acción en El nacional-socialismo, México: FCE, 1943. “Los S.S. (Schutz Staffel), escuadras de protección, constituyen la polícia y, por ende, el estado em su función doméstica más importante. Sirve como polícia protectora y proporciona miembros a la polícia secreta del estado (Gestapo). Desde que fué estabelecida em 1925 (...), los S.S. han constituído um grupo cerrado que há vivido bajo leyes propias. (...) El elemento principal de la ideologia de sus miembros está constituído por la Fe, el honor y la obediencia incondicional. Su conciencia de elite está robustecida por una ordenaza del 9 de noviembre de 1935, que autoriza y obliga a todo miembro de los S.S. a defender su honor con las armas. (...) Los miembros de la S.S. eran libres de emplear sus armas incluso cuando el ataque podia ser rechazado con otros medios”.
  • 43
    Para outras imagens da fada preta e da caveira utilizadas pela SS, ver: SSTotenkopf, http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/archive/a/aa/20091028220016!SS_Totenkopf.jpg ; e Uniforms and Insignia of the Schutzstaffel: http://en.wikipedia.org/wiki/Uniforms_and_insignia_of_the_Schutzstaffel http://65.160.172.250/repro/r135.html. Conferir, também, o uniforme negro de inspiração “hussarda” utilizado por August von Mackensen, em: http://en.wikipedia.org/wiki/August_von_Mackensen
  • 42
    PADILHA, Elite Squad.
  • 44
    Foreign News: Secret Policeman, Time, 1939. A formação da SS nazista tinha, a princípio, a tarefa de ser a guarda do Füher. Com o tempo, dividiu-se em três comandos e a “Brigada Cabeça da Morte” passou a gerenciar os campos de concentração. Há aqui, talvez, algumas semelhanças com outra instituição da cavalaria e seu possível arquétipo: a elite dos soldados germânicos, conhecida como comitatus. Embora não possamos desenvolver aqui completamente este argumento, ficamos com as palavras de Pitta: “Os chefes de tribos da antiga Germania se cercavam de uma tropa de soldados de elite, o comitatus, para sua segurança pessoal, quer como demonstração de poder ou satisfação íntima. A união dessa tropa era demonstrada não só nos campos de batalha, como também no momento da repartição de pilhagens. Quando invadiram o ocidente Europeu, mantiveram o costume de poder contar sempre com uma guarda audaz e fiel disposta a enfrentar as situações mais adversas.” Cf: PITTA, 1992, p.57.
  • 45
    PADILHA, Elite Squad.
  • 46
    BARRIONUEVO, Alexei. A Violent Police Unit, on Film and in Rio’s Streets. The New York Times. Americas. 14 out 2007. Disponível em: http://www.nytimes.com/2007/10/14/world/americas/14tropa.html?_r=2&ref=americas Acesso em: 20 jun 2009. Tradução livre do autor. A matéria traça ainda paralelo entre a personagem Capitão Nascimento e o agente da CIA Jack Bauer, personagem principal da série de TV “24horas”, que tal qual Nascimento, não teria “barreiras legais em uma sociedade constantemente sob ameaças terroristas”. Ambos as personagens seriam “profundamente perturbados”.
  • 47
    HOOK, Sidney. O herói na história, Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1962, p. 18–19.
  • 48
    Ibid., p. 26.
  • 49
    AGAMBEN, Giorgio, Estado de exceção, 1a. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 129.
  • 50
    Ibid., p. 130.
  • 51
    Ibid., p. 131.
  • 52
    Ibid., p. 16–17.
  • 53
    SIDNEY HOOK, O Heroi na Historia, p. 194–195.
  • 54
    Ibid., p. 197.
  • 55
    HOOK, 1962, p.197.
  • 56
    HOOK, 1962, p.24.
  • 57
    SIDNEY HOOK, O Heroi na Historia, p. 24.
  • 58
    BENJAMIN, Walter, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 110.
  • 59
    AGAMBEN, O que é o contemporâneo?, p. 12.
  • 60
    BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, p. 109–110.
  • 61
    Ibid., p. 111–112.
  • 62
    Ibid., p. 113.
  • 63
    FELINTO, Erick, Novas tecnologias, antigos mitos: apontamentos para uma definição operatória de imaginário tecnológico, Galáxia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. ISSN 1982-2553, v. 0, n. 6, 2007, p. 166.
  • 64
    DE MATOS, “Levanta os braços, olha pra mim e não faz porra nenhuma”: a guerra particular de Tropa de Elite como um dispositivo do Estado de Exceção., p. 256–258.
  • 65
    FELINTO, Novas tecnologias, antigos mitos, p. 174.
  • 66
    AGAMBEN, Estado de exceção, p. 132–133.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    10 Out 2021
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