Resumo
O artigo tem por objetivo contribuir para o mapeamento das disputas em torno da regulação do trabalho remoto no Brasil contemporâneo, num contexto em que o distanciamento social provocado pela pandemia de Covid-19 deu ensejo a que a adoção desse tipo de trabalho ganhasse maior vulto. Buscamos compreender que demandas laborais surgiram em decorrência da adoção do trabalho remoto, as mudanças promovidas no âmbito do Direito do Trabalho em virtude das medidas de distanciamento social durante a pandemia e, em especial, como novos arranjos foram implementados nas negociações coletivas a respeito do trabalho remoto nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Que normatividade resulta das regras heterônomas e autônomas adotadas no período excepcional pandêmico? Os achados da pesquisa e a problematização das regras provenientes de medidas provisórias e de negociações coletivas sobre trabalho remoto evidenciam os limites e as tendências da normatização que emerge em contexto de calamidade sanitária.
Palavras-chave:
Trabalho remoto; Direito do Trabalho; Negociação coletiva; Disputas jurídicas; Pandemia de Covid-19
Abstract
The article aims to contribute to the mapping of disputes around the regulation of remote work in contemporary Brazil, in a context in which the social distance caused by the Covid-19 pandemic gave rise to the adoption of this type of work to gain greater importance. We seek to understand what labor claims emerged as a result of the adoption of remote work, the changes promoted within the scope of Labor Law due to social distancing measures during the pandemic and, in particular, how new arrangements were implemented in collective bargaining regarding work remote in the states of Rio de Janeiro and São Paulo. What normativity results from the heteronomous and autonomous rules adopted in the exceptional pandemic period? The research findings and the problematization of the rules arising from provisional measures and collective bargaining on remote work highlight the limits and trends of the regulation that emerges in the context of a health calamity.
Keywords:
Remote work; Labor Law; Collective bargaining; Legal disputes; Covid-19 pandemic
1. Introdução
A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) resultou num grande incentivo à adoção das modalidades de trabalho remoto. No Brasil, o estado de emergência de saúde pública decorrente da pandemia teve como um de seus marcos iniciais a sanção da Lei nº 13.979/2020, de 06 de fevereiro de 2020, que dispôs sobre medidas para conter a disseminação do vírus. Dentre essas medidas se previa a possibilidade de adoção do isolamento e da quarentena, uma vez que o vírus se propaga por meio do contato entre humanos. Deu-se ensejo, assim, à adoção do trabalho realizado a partir de casa.
Com efeito, medidas de distanciamento social, mudanças na organização da força de trabalho e outras políticas públicas vieram a ser adotadas de modo emergencial. Nesse contexto, o trabalho remoto tornou-se uma realidade para um contingente muito maior de trabalhadores. Não apenas como uma possibilidade de administração laboral a ser adotada por empresas e outras organizações, tal como já vinha se dando no mundo pré-pandemia, mas como uma necessidade imperiosa para reduzir os movimentos de deslocamento casa-trabalho. Assim, se em 2019 havia no Brasil cerca de 4,6 milhões de trabalhadores em regime remoto, em 2020, durante a pandemia, esse contingente chegou-se ao patamar de 8,9 milhões de trabalhadores, no momento de maior adesão (IBGE, 2020).
O cenário de crise levou pesquisadores e intérpretes do direito no Brasil a se questionarem a respeito dos impactos para o Direito do Trabalho decorrentes não apenas das medidas de isolamento social e da ampliação do uso do trabalho remoto em si, mas também da criação de uma normatividade laboral frente à ameaça do novo coronavírus. Que normatividade resulta das regras heterônomas e autônomas adotadas no período excepcional pandêmico?
O trabalho remoto, por sua própria natureza que rearranja as atividades laborais no tempo e no espaço, desestabiliza direitos instituídos para a atividade realizada no estabelecimento patronal e traz incertezas quanto à regulação do trabalho e aos deveres empresariais quando realizado a distância. Some-se a isso as muitas adversidades e dilemas para o Direito do Trabalho advindos de uma rápida adaptação de grandes contingentes de trabalhadores ao home-office. As medidas de enfrentamento à pandemia resultaram na produção de diversas normas de caráter emergencial. As normas incidentes sobre a esfera trabalhista deveriam traçar diretrizes suficientes para que empresas, empregados e instituições públicas fizessem a mudança do trabalho presencial para o realizado a distância, com segurança jurídica. Contudo, as medidas provisórias e leis resultantes deixaram omissões e alimentaram uma miríade de disputas jurídico-políticas, seja nas relações diretas e conflituosas entre empregadores e trabalhadores; seja no Poder Legislativo, com a multiplicação de projetos de lei; ou ainda, no âmbito do Poder Judiciário, chamado a decidir inúmeras demandas e ações.
O presente artigo, desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “Direito do Trabalho e Pandemia”1 1 A pesquisa “Direito do Trabalho e Pandemia” realiza-se no âmbito do grupo de pesquisa CIRT - Configurações Institucionais e Relações de Trabalho, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ). Os autores agradecem às alunas Marina Muller Unser e Alice Maciel Domingues, bolsistas vinculadas ao programa de iniciação científica PIBIC CNPQ/UFRJ, pela coleta e sistematização de dados extraídos do Sistema Mediador do Ministério do Trabalho e Emprego. , tem por objetivo contribuir para o mapeamento das concepções jurídicas em disputa em torno da regulação do trabalho remoto no Brasil durante a pandemia da Covid-19. Buscamos compreender que demandas laborais surgiram em decorrência da adoção do trabalho remoto, as mudanças promovidas no âmbito do Direito do Trabalho em virtude das medidas de distanciamento social e, em especial, como novos arranjos foram implementados nas negociações coletivas a respeito do trabalho remoto nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, estados escolhidos considerando a maior incidência do trabalho remoto na região sudeste.
Para tanto, catalogamos e analisamos convenções e acordos coletivos de trabalho negociados entre empresas e sindicatos no ano de 2020; e normas trabalhistas sobre trabalho remoto sancionadas antes e durante a pandemia de Covid-19, dentre as quais as recentes Medidas Provisórias nº 1.108 e nº 1.109.
O artigo está dividido em três partes, além desta introdução. Na próxima seção, buscamos definir o conceito de trabalho remoto e congêneres (teletrabalho, home office etc.) e contextualizar o fenômeno. Em seguida, apresentamos os dispositivos da legislação trabalhista que regulam o trabalho remoto, em especial os instituídos durante a pandemia. A última seção é reservada para a apresentação dos arranjos jurídicos acerca do trabalho remoto dispostos nos instrumentos coletivos de trabalho negociados nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
2. Trabalho remoto: contextualização, conceito e espécies congêneres
O modo de organização do trabalho humano e o local de sua realização variam no tempo consoante a modificação dos processos produtivos e de modelos de acumulação do capital. Desde a revolução industrial até a consolidação do processo de industrialização e emergência das grandes fábricas e concentrações operárias, a produção artesanal, realizada em pequenas oficinas por artífices, fez do trabalho em domicílio uma prática usual. Isso se altera com a segunda revolução industrial. O estabelecimento empresarial como espaço hegemônico para a consecução das atividades laborais se dissemina entre o final do século XIX e XX, consolidando-se com o fordismo. Contudo, desde suas origens, o Direito do Trabalho esteve atento ao fato de que o poder empregatício, de direção, comando e apropriação do labor, poderia se estender para outros locais, inclusive os residenciais, onde comumente realizavam-se trabalhos por produção em diversos setores econômicos.
Os debates jurídicos tradicionais estiveram centrados na natureza jurídica do trabalho remoto, em especial na existência ou não de subordinação, dado que esta última consiste numa linha divisória da inclusão da relação de trabalho no âmbito das proteções estabelecidas para o emprego. Parte da doutrina pressupunha que, tendo o trabalhador possibilidade de executar suas tarefas em local de sua escolha, gozaria de disposição sobre sua força de trabalho, o que refutaria o liame empregatício (cf. VILHENA, 2005VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de Emprego: estrutura legal e supostos. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2005.). Atenta a tal debate, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabeleceu, desde sua edição, em 1943, em seu artigo 6º, a equivalência jurídica entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, quando estiver caracterizada a relação de emprego. Sendo o ambiente empresarial a referência padrão, tem-se em tal regra a explicitação de uma espécie normativa do gênero que denominamos trabalho remoto, qual seja, o executado fora do ambiente empresarial, em outro espaço definido pelo empregado.
As transformações pós-fordistas no fim do século XX - como a ascensão do regime de acumulação flexível, a exteriorização de serviços, a terceirização de setores empresariais e a formação de estruturas empresariais reticulares - possibilitaram múltiplas formas de desterritorialização do trabalho. O avanço tecnológico promovido pela terceira revolução industrial e o desenvolvimento das técnicas informacionais e de telecomunicação multiplicaram os locais de trabalho. As novas dinâmicas de reestruturação do trabalho aliadas às tecnologias da microeletrônica e de informação permitiram a realocação de parte do trabalho, no âmbito de uma “sociedade cabeada”, do escritório para o lar (HUWS, 2017HUWS, Ursula. A formação do cibertariado. Trabalho virtual em um mundo real. Campinas: Unicamp, 2017.). A disseminação destas reconfigurações produtivas gerou novas formas de realização da prestação laboral e a doutrina jurídica passou a se dedicar ao estudo de uma nova figura jurídica emergente: a do teletrabalho (cf. SILVA, 2000SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O teletrabalho. Revista LTr, vol. 64, nº 5, p. 583, mai. 2000.; SILVA; GARCIA, 2015).
Segundo Trillo Párraga (2021), há quatro momentos de impulso para a modalidade contratual do teletrabalho: primeiramente, nos anos 1980, estimulada pela crise do petróleo e tendo relação direta com temas energéticos e ambientais; o segundo momento é marcado pela introdução das tecnologias de informação e comunicação (TICs), pela generalização dos computadores portáteis e da telefonia móvel e o início dos processos de descentralização produtiva; no terceiro momento o impulso se deve à globalização econômica, ao surgimento da internet, à privatização dos serviços de telecomunicações e à flexibilização de processos produtivos; por fim, há a quarta e atual fase, desenvolvida a partir da pandemia e da calamidade sanitária, que se caracteriza pela generalização da possibilidade de trabalho a distância e com alternância de locais de prestação ou de regimes de trabalho.
O significativo deslocamento do trabalho para fora dos centros empresariais convencionais não passou despercebido na esfera do Direito Internacional do Trabalho. Em 1996, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a Convenção 177, que contém diretrizes a respeito dos trabalhadores que exercem atividades em seu domicílio ou em outros locais de sua escolha, distintos dos espaços patronais (OIT, 1996).
A fattispecie configurada na categoria de trabalhadores em domicílio, consoante conceituação normativa contida na Convenção 177 da OIT, guarda correspondência com a categoria trabalho remoto. A Convenção institui regras incidentes a pessoas que laboram em locais de trabalho distintos do empregador, sob retribuição e “con el fin de elaborar un producto o prestar un servicio conforme a las especificaciones del empleador, independientemente de quién proporcione el equipo, los materiales u otros elementos utilizados para ello”. Excluem-se de tal norma e definição apenas as pessoas cujo grau de independência econômica e autonomia seja suficiente para que possam ser enquadradas como trabalhadores autônomos, nos termos fixados pela legislação e jurisprudência nacionais. A amplitude conceitual adotada pela OIT para trabalhadores em domicílio e sua definição a partir de uma localização distinta do empregador denota que se trata da figura jurídica que se disseminou como trabalho remoto, não se confundindo com empregados domésticos, cujo labor ocorre nas residências ou locais em que o empregador se mantém.2 2 Somente em 2011 a OIT aprovou a Convenção 189 sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, ratificada pelo Brasil em 2018.
Embora tenha baixa taxa de ratificação3 3 Apenas 12 países ratificaram a Convenção 177 da OIT, a saber: Argentina, Albânia, Antígua e Barbuda, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Eslovênia, Finlândia, Irlanda, Macedônia do Norte, Países Baixos e Tajiquistão. O Brasil, além de não ratificar a Convenção 177, distanciou-se das diretrizes nela estabelecidas por ocasião da aprovação da Lei nº 13.467/2017, bem como com a edição da legislação trabalhista de emergência sanitária. , a Convenção 177 determina a adoção de políticas nacionais destinadas a melhorar as condições de vida e emprego dos trabalhadores em domicílio (ou trabalhadores remotos) e a promover a igualdade de tratamento entre estes e os demais assalariados. A isonomia entre empregados que executam suas atividades de maneira remota e os que laboram nos centros de trabalho mantidos pelo empregador envolve o exercício dos direitos sindicais, a proteção contra discriminação em matéria de ocupação e emprego, remunerações equitativas, acesso à formação profissional, proteção à maternidade, vedação de trabalho infantil e proteção em matéria de segurança e saúde.
Os termos “trabalho remoto”, “trabalho à distância”, “home office”, “teletrabalho”, dentre outros, são utilizados nos textos legais para se referir a uma multiplicidade de formas de trabalho que são realizadas fora do espaço físico do empregador. Não há, contudo, consenso quanto à definição exata de cada um desses conceitos. É fato notório que eles assumem distintas acepções, não apenas nas leis, mas em discursos políticos, publicações acadêmicas, contratos coletivos e ações judiciais. A fim de evitar imprecisões conceituais, faz-se necessário apresentar aqui algumas definições e distinções, o que reputamos ser importante tanto para fins analíticos, quanto para disputas jurídico-políticas.
Em 2020, primeiro ano da pandemia, a OIT publicou uma nota técnica para definir conceitos a respeito dessas modalidades de trabalho. De forma geral, as distinções parecem ter sido definidas a partir de três critérios principais: o modo de organização, o lugar de execução das tarefas e a tecnologia utilizada. O lugar de execução das tarefas oscila entre a residência ou outro local alternativo ao estabelecimento do empregador, podendo ser realizado total ou parcialmente no local alterativo. A execução das tarefas pode ou não exigir a utilização de meios telemáticos ou informatizados para comunicação ou processamento (TICs).
Assim, o “trabalho remoto” (remote work) foi definido como “situações em que o trabalho é total ou parcialmente realizado em um local alternativo, diferente do local de trabalho padrão” (OIT, 2020, p. 5). Note-se que esse é o termo mais abrangente de todos. Entendemo-lo como um sinônimo de “trabalho a distância”. Ele remete a uma variedade de locais possíveis, todos servindo como alternativas ao estabelecimento padrão do empregador, levando-se em conta a profissão e a situação no emprego. Ademais, a execução das tarefas laborais pode-se se dar com ou sem o uso de TICs.
O “teletrabalho” (telework) foi definido como uma subcategoria do conceito de trabalho remoto. Semelhante a este último, o teletrabalho pode ser realizado em diferentes locais, fora do local de trabalho padrão. O que faz dele uma categoria específica é que se trata de um trabalho realizado remotamente com uso de TICs, como um computador, um tablet ou mesmo um telefone, seja ele móvel ou fixo.
Já o “trabalho em domicílio” (work at home) é aquele que ocorre total ou parcialmente na residência do trabalhador, podendo utilizar as TICs ou não. Entendemo-lo como um sinônimo de home office, termo mais comumente utilizado, ao menos no Brasil. Essa modalidade de trabalho se distingue daquela em que as tarefas são realizadas exclusivamente no estabelecimento empresarial padrão, mas pode se sobrepor a ela, quando a casa do trabalhador representa tanto o local onde as tarefas são realizadas quanto a sede da unidade econômica (por exemplo, caso o trabalhador independente tenha um escritório em casa).
Estes conceitos podem não apenas se sobrepor (por exemplo, como dito acima, o teletrabalho e o trabalho em domicílio são subcategorias do trabalho remoto), mas também ser combinados, gerando conceitos adicionais. Assim, o trabalho remoto realizado na residência do trabalhador configura, segundo a perspectiva da OIT, o “trabalho remoto em domicílio” (remote work from home); ou ainda, o teletrabalho realizado na casa do trabalhador pode ser definido como um “teletrabalho em domicílio” (telework from home).
3. Disposições normativas do trabalho remoto na legislação brasileira, antes e durante a pandemia da Covid-19
Os debates sobre o trabalho remoto e sua significação jurídica e sociológica permanecem mesmo após a relativa contenção dos graves efeitos da pandemia. O processo de digitalização da sociedade, as transformações econômico-produtivas da 4ª Revolução Industrial e o capitalismo de plataforma (SRNICEK, 2018SRNICEK, Nick. Capitalismo de Plataformas. Buenos Aires: Caja Negra, 2018.) sugerem que a disseminação do trabalho remoto, integral ou parcialmente, será mais que um fenômeno conjuntural, se ampliando para o período pós-pandêmico. Cabe, então, indagar sobre a sua normatividade, em especial aquela que emergiu na pandemia.
Como dito acima, para fins do Direito do Trabalho brasileiro, a equiparação entre o labor no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado já estava estabelecida desde a promulgação da CLT. Mas o surgimento do teletrabalho, o crescimento do trabalho à distância e o recrudescimento dos debates jurídicos sobre a (in)existência de controle empregatício sobre tais trabalhadores - com retração das fronteiras do Direito do Trabalho pela afirmação da autonomia laboral, encobrimento do vínculo empregatício e exclusão dos controles sobre a jornada - impulsionaram uma reforma pontual para atualização da CLT, sem retração nas características clássicas e expansionistas deste ramo jurídico in fieri (MORAES FILHO, 1994MORAES FILHO, Evaristo de. Trabalho a domicílio e contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 1994. Disponível em: https://bvemf.wordpress.com/livros/. Acesso em: 21 jan. 2020.
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). Em 2011, a Lei nº 12.551 alterou o Art. 6º para afirmar a não distinção “entre trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância” (BRASIL, 2022a). Ademais, a Lei nº 12.551 trouxe um Parágrafo Único, reafirmando a equivalência jurídica ainda que o trabalho seja realizado por “meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão”. Reconhece-se que a subordinação jurídica se exerce também por meio das TICs e meios análogos capazes de distribuir, dirigir e controlar o trabalho ou por propiciar um estado de disponibilidade do trabalhador ao empregador, independentemente de sua localização.
A Reforma Trabalhista promovida por meio da Lei nº 13.467/2017 introduziu na CLT regras que conferiram contornos mais complexos à regulação jurídica do trabalho remoto. Elas apresentaram uma definição para o que seja teletrabalho, afirmaram a necessidade de pactuação expressa desta modalidade laboral no contrato individual de trabalho, indicaram direitos e obrigações na relação de emprego (inclusive que os teletrabalhadores não são abrangidos pelo capítulo que estabelece os preceitos sobre jornada de trabalho, resultando, na prática, na exclusão do direito a horas extraordinárias e a intervalo intrajornada) e incluíram o teletrabalho no rol dos temas passíveis de negociação coletiva com eficácia superior à lei, inovação controversa, de duvidosa constitucionalidade.
Até o início da situação de calamidade pública no Brasil causada pela Covid-19, os dispositivos da legislação trabalhista que regulavam o trabalho remoto eram os fixados pela CLT com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017. A regulação resultante da reforma trabalhista caracterizou-se pela unilateralidade, ao passo que individualizava a disciplina de questões relevantes sobre o teletrabalho, desresponsabilizava o empregador pelo controle de jornada e deixava em aberto o financiamento de equipamentos e infraestrutura.
Durante a pandemia, o governo federal editou diversas medidas provisórias com o intuito de enfrentar os efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública, dentre as quais as MPs nº 927/2020, nº 1046/2021, nº 1108/2022 e nº 1109/2022, que possuem dispositivos sobre o trabalho remoto. Essas MPs flexibilizaram as regras relativas ao trabalho remoto, permitindo aos empregadores alterar o regime de trabalho presencial para o remoto quando assim desejassem enquanto durasse o estado de calamidade pública, e trouxeram dispositivos relativos à jornada de trabalho e ao custeio de equipamentos e da infraestrutura (ver Tabela 1). Não obstante a escassa proteção, a CLT exigia mútuo acordo entre empregadores e empregados e prazo mínimo para a mudança de local de execução contratual, o que foi afastado pelas medidas provisórias.
As duas primeiras medidas provisórias tiveram vigência curta (a MP 927, entre março e julho de 2020; a MP 1046, entre abril e agosto de 2021), uma vez que não foram convertidas em lei ordinária pelo Congresso Nacional, mas com fortes efeitos sobre o uso do trabalho remoto no contexto pandêmico. Não tanto por sua capacidade regulatória ou protetiva, pois as normas de emergência não resultaram numa regulamentação mais sólida para o trabalho remoto. As medidas serviram, com efeito, para o empresariado ter um pouco mais de segurança jurídica para desenvolver suas estratégias lucrativas em momentos críticos do ponto de vista econômico. Sua importância (e insuficiência) pode ser inferida pelo fato de uma parcela significativa dos instrumentos coletivos negociados durante a vigência das MPs citá-las ou reproduzir seus termos.
Em março de 2022, a edição das MPs nº 1108/2022 e nº 1109/2022 reafirmou o caráter de unilateralismo patronal no Direito do Trabalho brasileiro, típico no quadriênio 2019-2022, ao reduzir os espaços de contestação judicial às determinações empresariais de retorno aos centros laborais e encerramento do trabalho remoto. A Medida Provisória 1109 foi convertida na Lei 14.437/2022, sancionada em 15 de agosto de 2022, enquanto a MP 1108, que alterou a CLT, foi convertida na Lei 14.442, de 2 de setembro de 2022.
Se o fundamento para o reforço do jus variandi patronal, com a imposição do regime remoto no início de 2020, se relacionava à prevenção dos riscos ambientais e sanitários, a edição da MP 1109 (Lei 14.437) reafirma o poder unilateral do empregador em impor um retorno ao trabalho presencial, ao novamente afastar a exigência de acordo entre as partes para mudança do local de prestação, suspendendo a aplicação da regra contida no Artigo 75-C, §1°, CLT.
Já a MP 1108, convertida em 2 de setembro na Lei 14.442/2022, em seu Art. 6º, promoveu sensíveis alterações no regime de trabalho remoto e teletrabalho previsto na CLT (ver Tabela 2). Seus dispositivos favoreceram a ideia de regime híbrido de trabalho e instituíram a diferenciação do regime de trabalho remoto, consoante o modo retributivo, por unidade de tempo (por jornada) e variável (por prestação de serviço por produção ou tarefa). Além disso, diminuiu o rol de trabalhadores excepcionados do capítulo de duração de trabalho, assegurando o pagamento de horas extraordinárias em teletrabalho com regime de jornada; facultou a limitação dos horários de comunicação entre empregadores e empregados de modo a preservar os repousos; e estabeleceu a preferência para os trabalhadores com deficiência e pessoas com filhos de até 4 (quatro) anos para a alocação em tarefas que comportam o regime do trabalho remoto.
A MP 1108 reduziu o grau de incerteza normativa sobre a disciplina do trabalho remoto ao fixar que as regras legais e convencionais aplicáveis a tais trabalhadores são as dos locais do estabelecimento patronal a que tiverem alocados e não a de prestação de serviços, inclusive quando os empregados contratados no Brasil residem em outros países. Porém, permaneceu sem garantir o pagamento das horas extraordinárias para os empregados contratados para prestar serviços por produção ou tarefa, o que se distancia das regras constitucionais de duração máxima de trabalho e alimenta insegurança jurídica mormente quando há controle da atividade pelo empregador.
A despeito da legislação supracitada, a regulamentação jurídica do trabalho remoto no Brasil permanece apresentando fragilidades e insuficiências. A realidade fática e o cotidiano empresarial há muito apontam a existência do labor a distância e, por conseguinte, a necessidade de regulamentação mais adequada. Mas não há uma legislação específica que regulamente a prática laboral em sua inteireza, com diretrizes mais completas a respeito dos direitos e das obrigações existentes entre patrões e empregados. São muitas as incertezas: quanto às possibilidades de controle da jornada e do recebimento de horas extras; quanto aos direitos e responsabilidades relacionados à segurança e à saúde dos trabalhadores; quanto à fiscalização do trabalho remoto; quanto a quem cabe arcar com as despesas com equipamentos e infraestrutura necessários para a realização do “trabalho em casa”; quanto ao comparecimento às dependências da empresa etc. Por outro lado, permanece a tendência a remeter para a contração individual questões relevantes sobre o trabalho remoto.
As omissões legais resultaram em insegurança jurídica e alimentaram a produção de instrumentos coletivos de trabalho autonomamente negociados e de projetos de lei (SOARES, 2021SOARES, José Luiz. O trabalho remoto nos processos legislativos e nas negociações coletivas: um balanço de disputas jurídicas trabalhistas em tempos de Covid-19. Teoria Jurídica Contemporânea, Rio de Janeiro, vol. 06, 2021.; DIEESE, 2021). As disputas jurídicas em ambas as esferas de ação foram significativas sobretudo durante a pandemia. O número de instrumentos coletivos com cláusulas sobre trabalho remoto registrados no Sistema Mediador foi muitas vezes maior após 2020. Da mesma forma, multiplicaram-se os projetos de lei no Congresso Nacional com o intuito de melhor regular essas modalidades de trabalho.
4. Negociações coletivas do trabalho remoto no Rio de Janeiro e em São Paulo: novos arranjos jurídicos
Em meados de 2020, os estados brasileiros com a maior proporção de trabalhadores ocupados em modo remoto eram Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo (GÓES et al., 2020GÓES, Geraldo Sandoval et al. O trabalho remoto e a massa de rendimentos na pandemia. Carta de Conjuntura IPEA, nº 46, nota de conjuntura nº 18, 4º trimestre 2020.). Desprezamos o Distrito Federal tendo em vista que a composição da força de trabalho no setor público do Distrito Federal tem forte incidência do funcionalismo federal, submetido ao Regime Jurídico Único (Lei 8.112/90), excluído do direito à contratação coletiva mediante acordos e convenções coletivas. Considerando essa distribuição espacial, ao realizarmos levantamento de instrumentos coletivos de trabalho (convenções e acordos) a respeito do trabalho remoto (CIRT, 2021), nos concentramos naqueles registrados nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, pois como há uma incidência do trabalho remoto no sudeste, entendemos que uma maior representatividade do universo das negociações e da regulação autocompositiva do trabalho remoto adviria do levantamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, excluindo Brasília.4 4 Considerando-se que a composição da força de trabalho no setor público do Distrito Federal tem forte incidência do funcionalismo federal, submetido ao Regime Jurídico Único (Lei 8.112/90), excluído do direito à contratação coletiva mediante acordos e convenções coletivas, bem como a maior incidência do trabalho remoto no sudeste, entendemos que uma maior representatividade do universo das negociações e da regulação autocompositiva do trabalho remoto adviria do levantamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, desprezando o Distrito Federal.
Para averiguar o que a contratação coletiva autonomamente negociada informa a respeito das disputas jurídicas em torno do trabalho remoto, e qual a regulação proveniente, realizamos buscas por instrumentos coletivos no Sistema Mediador5 5 O Sistema Mediador está disponível no link: http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador. que tivessem ao menos uma cláusula referente ao tema utilizando-se dos seguintes critérios: 1) instrumentos coletivos de todos os tipos; 2) vigentes e não vigentes; 3) registrados no RJ e em SP; 4) com período de vigência iniciado entre 11/03/2020 (dia que a OMS caracterizou a Covid-19 como uma pandemia) e 31/12/2020; 5) com todas as abrangências possíveis (municipal, estadual, interestadual e nacional); e 6) que contivessem as seguintes palavras-chave: “teletrabalho”, “home office”, “trabalho à distância” e “trabalho remoto”. Adotando-se esses critérios, foram encontrados 385 instrumentos coletivos que contenham ao menos uma cláusula relativa ao trabalho remoto, dos quais 52 no RJ e 333 em SP.
As cláusulas foram agrupadas nas seguintes categorias, de acordo com o seu objeto: “Jornada de Trabalho”; “Equipamentos e Infraestrutura”; “Segurança e Saúde”; “Salários, Gratificações, Auxílios e Outros”; “Definição de Trabalho Remoto e Congêneres”; e “Condições de Trabalho e Normas de Pessoal”. Essas classificações já representam, por si só, indícios a respeito do perfil das demandas laborais frente ao trabalho remoto. O Gráfico 1 apresenta a proporção em cada um desses tipos de cláusulas sobre trabalho remoto aparece nos contratos coletivos, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Proporção de contratos coletivos com cláusulas sobre trabalho remoto, por tipos de cláusula - SP e RJ, 2020
O tipo de cláusula presente no maior número de instrumentos coletivos de 2020, tanto no Rio de Janeiro (em 98% deles) quanto em São Paulo (em 99%), é aquele relativo às “Condições de Trabalho e Normas de Pessoal”. Seu objeto é, de um lado, a autorização legal para a implementação do trabalho remoto, conforme os termos dos artigos 62, III e 75-A a 75-E da CLT e/ou conforme os termos da MP 927; e, de outro, definir as políticas e os procedimentos internos da empresa para sua execução, tais como: especificar os departamentos ou setores da empresa nos quais será implementado o trabalho remoto; alterar temporariamente as tarefas ou funções dos empregados para que possam ser realizadas em suas residências; suspender serviços ou reduzir suas cargas horárias; prever situações especiais em que o empregado pode ser solicitado a realizar trabalhos presenciais etc. Em vários dos instrumentos coletivos é especificado que as medidas se estendem aos aprendizes e estagiários das empresas, repetindo os termos do Art. 5 da MP 927.
O segundo tipo de cláusula mais comum é o relativo à “Jornada de Trabalho”, que desponta em 77% dos instrumentos coletivos no Rio de Janeiro e em 65% em São Paulo. Objetos de intensas disputas, os temas relacionados à jornada de trabalho despontam em diferentes proposições. À parte uma minoria de cláusulas que se resumem a determinar qual será a jornada no regime de trabalho remoto, que tratam de possibilidades de escala de trabalho ou interrupções da jornada por problemas de infraestrutura, na maioria das vezes elas se referem ao controle, registro e respeito às jornadas de trabalho, que ora estão em consonância com o regramento da CLT e da MP 927, enquanto esta última teve validade, ora estabelecem novos arranjos jurídicos.
Assim, em consonância com o Art. 62, III da CLT, diversas cláusulas (re)afirmam que o empregador está desobrigado a controlar a jornada de trabalho durante a vigência do trabalho remoto, cabendo apenas ao empregado respeitar sua jornada definida em contrato para o regime presencial. De forma semelhante, há inúmeras cláusulas reproduzindo os termos do Art. 4º, §5º da MP 927, indicando que os empregadores buscaram segurança jurídica por meio de acordos e convenções coletivas para definir que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho contratual não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso. Com isto as regras permaneceram validadas durante toda a vigência dos instrumentos coletivos negociados (um ou dois anos), apesar da não conversão da medida provisória em lei. Ademais, os empregadores reforçam seus argumentos em eventuais litígios judiciais envolvendo horas extraordinárias, ao invocar a prevalência das normas coletivas e os termos dos artigos 611-A, I, VIII e X da CLT e 7º, incisos XXVI da Constituição.
Em contrapartida, também é possível encontrar “novos arranjos” nessa mesma seara jurídica. Por exemplo, nos instrumentos coletivos com cláusulas que não apenas dispensam o controle de frequência, como também expressamente aludem que o sistema “login / logout”, ligações telefônicas ou envio de e-mails não são provas suficientes para o recebimento de horas extras.6 6 SP010398/2020: “Ao empregado que trabalha nestas condições (a distância, remoto, teletrabalho ou home office) é permitido flexibilizar seus horários de trabalho, desde que desempenhe suas atividades de acordo com as atribuições ajustadas com o empregador. Porém, não estará sujeito a controle de frequência, não sendo o “login” e “logout” provas suficientes para o recebimento de horas extras”.
Outro tipo de regra determina, inversamente, que o empregador realizará controle da jornada do trabalho remoto por meio de login / logout no sistema da empresa, reconhecimento facial, geolocalização etc.; ou ainda que, caso o empregador opte pelo controle de jornada, o uso de instrumentos telemáticos ou informatizados após o horário de expediente caracterizará o regime aludido no Art. 244, §2º da CLT. Proposições como essas possuem termos mais favoráveis aos trabalhadores do que os dispostos na CLT, considerando-se que reconhecem alguma possibilidade de controle da jornada de trabalho, por vezes associada a uma proibição explícita de que sejam realizadas horas extras. Algumas delas consistem em “novos arranjos” que fazem menção expressa ao direito à desconexão, vedando a realização de atividades laborais durante intervalos e períodos de descanso.7 7 RJ000787/2020: “PARÁGRAFO TERCEIRO: O empregado fica obrigado a realizar o controle de sua jornada, mediante login e senha no sistema da Empresa, medida esta que assegura a marcação do ponto eletrônico, inclusive sendo sua obrigação observar, adequadamente, os intervalos intrajornada e interjornada, para que sejam adequadamente usufruídos dentro do mínimo legal. PARÁGRAFO QUARTO: O empregado fica proibido de realizar horas extraordinárias durante o período de home office/teletrabalho”. SP001202/2021: “A frequência, do empregado em teletrabalho, será controlada por meio de login remoto, feito no equipamento onde o empregado estiver trabalhando, garantido o direito à desconexão quando cumprida a jornada de trabalho prevista neste acordo”.
Ainda a respeito da jornada de trabalho, há também as proposições que estabelecem que o empregado deve respeitar sua jornada e intervalos, mas sem disposições específicas a respeito do controle ou registro da jornada de trabalho, e as que aludem exclusivamente às horas extraordinárias, seja vedando a sua execução, permitindo a sua realização ou vinculando-a à autorização prévia. Nesse ínterim, algumas cláusulas fazem alusão à compensação de horas extras ou à compensação do período de afastamento do trabalho na forma do banco de horas especial autorizado pela MP 927.8 8 SRT00179/2020: “O empregado em regime de teletrabalho ou home office deverá respeitar os limites de jornada determinados pela legislação e em seu contrato de trabalho, respeitando os intervalos de intrajornada e interjornada, visando a saúde e segurança do trabalhador”. SP003128/2020: “Caso algum Empregado mantenha o controle de jornada, tal medida não descaracteriza o regime de teletrabalho, bem como o eventual saldo de horas extras ou débito de horas serão compensados na forma do banco de horas especial autorizado pela Medida Provisória nº 927/2020, no prazo de 18 (dezoito) meses após o fim do estado de calamidade pública, mediante determinação das EMPRESAS.”
Por fim, cumpre mencionar que, à parte dos temas relativos ao controle, registro e respeito às jornadas de trabalho, diversos instrumentos coletivos analisados possuíam cláusulas que buscavam compatibilizar o regime de trabalho remoto com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, previsto pela MP 936/2020, depois convertida na Lei 14.020/2020. Nesses casos, as referidas cláusulas autorizavam ou, inversamente, impediam a redução de jornada de trabalho e de salário.9 9 O chamado “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” foi uma política governamental de enfrentamento das consequências da pandemia de Covid-19. Dentre seus dispositivos estava a possibilidade de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários.
O terceiro tipo de cláusula mais frequente diz respeito ao custeio de “Equipamentos e Infraestrutura”, que aparecem em 71% dos instrumentos coletivos no Rio de Janeiro e em 66% em São Paulo (Gráfico 1).
São muito comuns as cláusulas que tematizam o custeio de equipamentos e infraestrutura do trabalho remoto reiterando os termos do Art. 75-D da CLT e/ou dos §3º e §4º do Art. 4 da MP 927/2020. Isto é, são cláusulas que reafirmam que as condições de custeio de equipamento e infraestrutura serão previstas em contrato individual escrito, a ser negociado entre empregador e empregado; ou que reiteram que um eventual fornecimento de equipamentos ou pagamento de despesas de infraestrutura não caracteriza verba de natureza salarial. Entretanto, a transposição de enunciados legais que estabelecem garantias para os empregadores ou legitimam as pactuações individuais em normas coletivas é uma característica coerente com a eficácia jurídica ampla asseguradas aos acordos e convenções coletivas de trabalho sobre teletrabalho que prevalecem sobre a lei (Art. 611-A, CLT). Assim, não se trata de mera reprodução textual, mas de reenvio das regras heterônomas para normas autônomas que lhe suplantam, não apenas complementam.
Por outro lado, as cláusulas sobre “Equipamentos e Infraestrutura” também podem representar “novos arranjos”, estabelecendo condições mais ou menos protetivas para os trabalhadores. Nesse sentido, diversos instrumentos coletivos preveem que as empresas devem assumir todos os custos referentes à aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como por reembolsar os empregados que eventualmente arcarem com alguma despesa nesse sentido. Esse tipo de cláusula pode ser entendido como uma conquista dos trabalhadores nas negociações coletivas, haja vista que a legislação apenas especifica que o referido custeio deve ser negociado entre as partes e formalizado em contrato.10 10 RJ000882/2020: “A empresa fica inteiramente responsável pela aquisição, manutenção e pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância, bem como pelo reembolso de despesas arcadas pelo empregado, quando necessário”.
Outras cláusulas determinam que o empregador deve assumir apenas parte dos custos, os quais, para todos os efeitos, não se caracterizaram como verba de natureza salarial. A definição do que deve ou não ser custeado seguiu dois padrões gerais: ou a empresa custeia o aparato tecnológico necessário para o empregado atuar de forma remota, mas sem arcar com outros custos (como os com a compra de mobiliário, despesas com eletricidade, telefonia etc.); ou fica determinado que a empresa deve pagar aos empregados uma ajuda de custo, com valor prefixado, em contrapartida às despesas arcadas pelo trabalhador com infraestrutura e aquisição de equipamentos ou em compensação à utilização de seus próprios equipamentos.11 11 RJ000636/2020: “As Partes convencionam que a GBPART fornecerá todo o aparato tecnológico para o empregado atuar de forma remota, sem que haja a necessidade de a empresa custear compra de mobiliário, despesas de telefonia, luz, mais nada”. SP003830/2020: “No que tange ao teletrabalho, considerando que se trata de uma situação e períodos excepcionais (calamidade pública), os benefícios percebidos pelo empregado, tais como ajuda de custo ou demais valores, serão mantidos em contrapartida à utilização de equipamentos do empregado, que dar-se-á em regime de comodato e ainda, por serviços de infraestrutura (internet, computador, energia, etc.), não caracterizadas, portanto, como verbas de natureza salarial”.
Em uma versão ainda menos vantajosa para os trabalhadores, há cláusulas que imputam exclusivamente ao empregado a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos, bem como pela infraestrutura necessária e adequada para a realização do trabalho na modalidade remota, desconsiderando que o conceito de empregador envolve alteridade e assunção dos ônus do negócio.12 12 SP005090/2020: “A empresa não se responsabilizará pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos, nem pela infraestrutura necessária, nem mesmo internet sem fio e/ou novos equipamentos, tampouco se responsabilizará pelo reembolso de tais despesas, em nenhuma hipótese, por se tratar de um benefício facultativo aos empregados”.
Ainda entre os “novos arranjos” relativos a “Equipamentos e Infraestrutura” encontrados no levantamento, cumpre destacar a existência de cláusulas que estabelecem disposições específicas quanto à retirada e devolução dos equipamentos eventualmente fornecidos, ou quanto à supervisão e responsabilidade pelo seu uso e conservação - incluindo, por exemplo, a vedação expressa do uso por terceiros.13 13 SP010450/2020: “PARÁGRAFO TERCEIRO: Os Empregados nas funções de Agentes de Atendimento, Central de Reservas, Relacionamento, GTF, farão uso dos equipamentos cedidos pela Empresa, que se responsabiliza pela entrega do material descrito neste paragrafo no domicílio do Empregado, a título de empréstimo, a seguir descritos: (i) HEADSET; (ii) MONITOR; (iii) MOUSE; (iv) TECLADO; (v) CPU; (vi) CABO DE REDE; (vii) MESA; (viii) CADEIRA; (ix) WEBCAM; (x) SOFTWARES e (xi) NOTEBOOK, além das ferramentas de tecnologia da informação e comunicação necessárias à realização de suas atividades. PARÁGRAFO QUARTO: O Empregado se responsabiliza pela guarda, manutenção e segurança dos referidos equipamentos e sistemas, se comprometendo a utilizá-los exclusivamente para desempenhar as atividades relativas ao trabalho. Os equipamentos não podem em nenhuma hipótese serem utilizados por terceiros, incluindo os moradores da residência, independentemente do período de uso, mesmo que o mesmo não esteja sendo utilizado pelo Empregado em seu período de descanso”.
O quarto tipo de cláusula mais comum refere-se a “Salários, Gratificações, Auxílios e Outros”, que aparecem em 50% dos instrumentos coletivos no Rio de Janeiro e em 61% em São Paulo (Gráfico 1). Em geral, esse tipo de cláusula diz respeito à manutenção ou suspensão de auxílios e benefícios regularmente concedidos aos trabalhadores em regime presencial. Cumpre ressaltar que a legislação trabalhista brasileira é omissa com relação ao pagamento dos mesmos a trabalhadores que atuem na modalidade remota e que a contratação coletiva direta entre as partes busca justamente responder a esse vazio ou reduzir os espaços de interpretação das normas existentes pela Justiça do Trabalho, em controvérsias judicializadas sob fundamento na inalterabilidade, em prejuízo aos trabalhadores, das condições laborais (Art. 468 CLT).
No levantamento, foram encontrados instrumentos coletivos com cláusulas que asseguraram aos empregados em regime remoto a manutenção de todos os auxílios e benefícios previstos para os empregados em regime presencial, ficando vedadas eventuais diferenciações. Outros instrumentos desobrigaram o empregador de conceder tais direitos pelo período em que durasse o regime de trabalho remoto. De maneira alternativa, alguns instrumentos coletivos definiram que os auxílios e benefícios não eram devidos caso os empregados possuíssem uma jornada de trabalho inferior a 6 horas diárias; ou estipularam expressamente o pagamento de ajuda de custo em compensação à supressão dos direitos.14 14 SRT00179/2020: “Os empregados em regime de teletrabalho continuarão tendo direito a todos os Benefícios Convencionais, inclusive vale refeição e vale alimentação, quando esse benefício já lhe for concedido, não poderá haver a descontinuidade durante o período que a Instituição Empregadora alterar o regime presencial de trabalho para o teletrabalho”. SP000528/2021: “O trabalhador que estiver atuando em home office, não perceberá VT (vale transporte), VR (Vale refeição) ou VA (Vale alimentação), para tanto, será concedido pela empresa uma ajuda de custo no importe de R$ 100,00 (cem reais)”.
Também foram encontrados instrumentos coletivos que mantiveram o pagamento de auxílios e benefícios apenas em parte. Assim, por exemplo, determina-se a suspensão ou redução dos valores pagos a título de vale transporte, mas prevê-se a continuidade do pagamento de outros benefícios, como o vale alimentação e o auxílio creche. Em parte desses casos fica estabelecido que, se houver deslocamento para o trabalho, o direito do empregado será reconhecido, por exemplo, com o pagamento do vale transporte ou o reembolso dos valores gastos.15 15 RJ001393/2020: “Parágrafo Nono - Fica garantida a manutenção de todos os benefícios previstos em norma coletiva ou concedidos habitualmente pelo empregador para os empregados em regime de teletrabalho. Parágrafo Décimo - Para os funcionários que estiverem integralmente em regime de teletrabalho ou home office, fica suspensa a concessão do vale transporte determinado pelo decreto nº 95.247/87, abstendo-se o empregador de proceder ao desconto do percentual que compete ao empregado no custeio do benefício”.
As cláusulas sobre “Segurança e Saúde” foram encontradas em 46% dos instrumentos coletivos no estado do Rio de Janeiro e em 56% deles no estado de São Paulo (Gráfico 1). Boa parte delas se resume a reiterar os termos da CLT, mais especificamente o Art. 75-E e seu Parágrafo único. Contudo, esses dispositivos da CLT não esclarecem quais são propriamente os direitos e as obrigações do empregador quando é determinado que ele “deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”; e nem do empregado, quando se diz que “deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador” (BRASIL, 2022a). Como a legislação previdenciária equipara os acidentes de trabalho e doenças profissionais ocorridos dentro e fora dos estabelecimentos empresariais e os mobiliários residenciais não seguem as normas regulamentares sobre ergonomia, o tema dos danos à saúde e acidentes ocorridos no trabalho remoto é bastante sensível para empresas e trabalhadores. Como a legislação trabalhista permanece silente sobre regras de prevenção de lesões, abre-se espaço para a criação de novos arranjos jurídicos nas contratações coletivas.
Com efeito, diversos instrumentos coletivos possuem dispositivos mais específicos quanto a deveres e direitos no que se refere aos temas de “Segurança e Saúde”. A se começar pelas cláusulas que apresentam, de maneira mais detalhada do que consta na CLT, a questão da instrução dos empregados quanto às precauções a serem tomadas para evitar doenças e acidentes de trabalho. Assim, por exemplo, determinados dispositivos estipulam que o empregador fica obrigado a esclarecer as precauções a serem adotadas pelo trabalhador fornecendo cartilhas, encaminhando comunicados internos, promovendo treinamentos de segurança ou laudos ergonômicos de profissionais técnicos capacitados.16 16 SP000049/2021: “A empresa deverá providenciar, com a prévia comunicação ao empregado, laudo ergonômico de profissional técnico capacitado, o qual poderá ser acompanhado pelo SINDICATO ou CIPA, quando requerido à empresa”. Há casos em que são exigidas controversas declarações expressas de treinamentos ou recebimento de instruções pelos empregados17 17 SP003761/2021: “Nos termos do artigo 75-E, da CLT, o Empregado deverá declarar expressamente que foi instruído pela Empresa de maneira expressa ostensiva, quanto as medidas e precauções a serem tomadas para prevenir e evitar doenças e acidentes de trabalho. A Empresa se compromete, entregar ao empregado uma Cartilha, após realizar e certificar o empregado para o exercício das funções que são objeto do presente instrumento, contendo todas as orientações e/ou instruções sobre saúde e segurança do trabalho, de acordo com as respectivas NRs que tratam da matéria”. ; ou que é presumida a ausência de responsabilidade patronal por danos sofridos.18 18 RJ001650/2020: “A empresa deverá orientar os empregados quanto as condições de trabalho, tais como mobília, iluminação e ventilação, podendo solicitar periodicamente ao empregado informações quanto às condições dos equipamentos, fazendo a adequação quando estiverem em desconformidade com as normas de segurança e saúde do trabalho, a fim de evitar acidentes e doenças ocupacionais. Se houver descumprimento da regra por parte do empregado em teletrabalho a empresa estará desobrigada por eventuais acidentes”.
As instruções e medidas práticas a serem promovidas pelos empregadores dizem respeito a temas diversos, tais como: ergonomia, equipamentos adequados às normas reguladoras de saúde e segurança no trabalho e outras condições para um ambiente de trabalho saudável; respeito à jornada de trabalho, com pausas destinadas ao descanso e equilíbrio entre vida pessoal e profissional; o isolamento e seus reflexos para a saúde mental; adequação do trabalho remoto à Lei Geral de Proteção de Dados e privacidade dos dados acessados remotamente associados a configurações de faltas funcionais etc. Destacamos que além destas cláusulas envolverem o meio ambiente de trabalho remoto, os temas relativos à saúde e segurança dos trabalhadores aparecerem associados, transversalmente, às questões relativas à jornada de trabalho e ao financiamento de equipamentos e infraestrutura.
Outros aspectos que chamam a atenção, pela novidade que representam, são os dispositivos que buscam limitar as hipóteses nas quais os acidentes ocorridos durante o trabalho remoto podem ser considerados acidentes de trabalho; e os que preveem a possibilidade de inspeção no local onde é realizado o trabalho remoto, estendendo o poder empregatício para além do controle telemático.19 19 RJ001348/2020: “PARAGRÁFO VIGÉSIMO TERCEIRO: Os acidentes ocorridos no local da prestação de serviços serão avaliados pela área de segurança de trabalho da EMPRESA e somente serão considerados decorrentes do trabalho, quando comprovadamente for estabelecido seu nexo com a execução das atividades. PARAGRÁFO VIGÉSIMO QUARTO: Visando o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, a EMPRESA poderá realizar inspeções periódicas nos locais em que o Teletrabalho é desenvolvido nas seguintes condições: a) em horário comercial; b) mediante aviso prévio de no mínimo 10 dias; c) concordância expressa, presença e acompanhamento do(a) EMPREGADO(A); d) com controle apenas da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho, podendo ainda ser adotada de modo remoto quando possível do devido acompanhamento técnico necessário”.
Por fim, cumpre destacar as cláusulas que estabelecem que o empregador deve promover cuidados para coibir a propagação do novo coronavírus entre os empregados; ou, de maneira mais específica, que promovem medidas de prevenção e proteção aos trabalhadores em grupo de risco.
O último tipo de cláusulas remete à “Definição de Trabalho Remoto e Congêneres”, encontradas em 46% dos instrumentos coletivos no estado do Rio de Janeiro e em 42% dos instrumentos no estado de São Paulo. Elas se destinam a definir a natureza do que seja “trabalho remoto”, “teletrabalho”, “home office” etc. Na maioria dos casos, todos esses conceitos são tomados como sinônimos e sua acepção reproduz de forma bastante semelhante a definição de teletrabalho presente no Art. 75-B da CLT. Contudo, em vários casos busca-se um aval para a impossibilidade de controle de jornada, distanciando-se da previsão contida no artigo 6º parágrafo único da CLT20 20 RJ001722/2020: “Considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação, acarretando na impossibilidade de controle presencial da jornada de trabalho por parte da Empresa”. , e dificultando a judicialização das demandas individuais sobre horas extraordinárias no trabalho remoto.
Eventualmente essas cláusulas apresentam definições e critérios mais detalhados. É o caso, por exemplo, quando afirma-se ser “aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho” (SRT00179/2020); ou que “o comparecimento às dependências da EMPRESA para realização de atividades, desde que não supere 03 (três) dias por semana, não descaracteriza o regime de teletrabalho” (SRT00174/2020).
5. Considerações finais
A abrangência e abundância de normas autônomas negociadas durante o primeiro ano de pandemia pelas empresas, sindicatos patronais e sindicatos representativos de diversas categorias profissionais sobre trabalho remoto, por um lado indicam a importância da autonormação e da autonomia coletiva para a regulação laboral. Por outro, evidenciam as insuficiências das regras legais que remetem para o ajuste individual a disciplina sobre o tema, bem como as consequências do amplo espaço concedido aos acordos e convenções coletivas para regular o trabalho remoto, com hierarquia equivalente à lei. Em todos os sentidos, demonstram o esforço dos sindicatos para obter uma normatização geral para o conjunto de trabalhadores representados, bem como a busca por parte de empresas em obter instrumentos normativos mais eficazes para a redução das incertezas e riscos jurídicos. Ambos os atores sociais buscaram por dispositivos que se mostrassem mais seguros que as instáveis medidas provisórias editadas pelo governo federal.
Os achados da pesquisa e a problematização das regras provenientes de medidas provisórias e de negociações coletivas sobre trabalho remoto evidenciam os limites e tendências da normatização que emerge em contexto de legalidade autoritária e calamidade sanitária, sem autonomia coletiva plena.
O Direito do Trabalho brasileiro não estimula que a esfera da autonomia coletiva realize uma adequação setorial negociada qualitativa e protetiva voltada para a precaução contra os riscos envolvidos no trabalho remoto. Embora alguns instrumentos coletivos contenham regras que atenuam alguns efeitos nocivos do trabalho remoto, assegurando garantias para mantê-lo como um regime laboral saudável e adequado, em um contexto político particularmente difícil para os sindicatos, com alto desemprego, redução da capacidade de ação pelas transformações recentes do trabalho e de seu direito, pela pandemia e pela crise econômica, a negociação coletiva também não foi suficiente para assegurar a desconexão digital e obstaculizar que o tempo de trabalho invada todos os tempos de vida nos domicílios. Por sua vez, a Lei 14.442/2022, que converteu a Medida Provisória nº 1.108/2022 e alterou a CLT, se distancia das diretrizes constitucionais que estabelecem como direitos fundamentais dos trabalhadores o respeito à duração máxima semanal do trabalho, ao pagamento por trabalho realizado em horas extraordinárias e a redução dos riscos inerentes ao trabalho. A regulação existente permanece omissa em estabelecer deveres aos empregadores, em temas relevantes, negligenciando regras a respeito do direito à desconexão, o dever de respeitar os repousos semanais, relegando a necessária conciliação entre vida familiar e profissional à esfera individual.
Aspectos candentes sobre direitos digitais, proteção de dados pessoais, prevenção ao estresse laboral, principalmente os decorrentes do tecnoestresse e da fadiga informática resultante da hiperconectividade, o reconhecimento do direito à desconexão digital, temas presentes em recentes regulações estrangeiras sobre o trabalho remoto são desconsiderados. No Brasil, o mapeamento sobre a regulamentação evidencia a distância para que o trabalho remoto se conecte à contemporaneidade do Direito do Trabalho.
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A pesquisa “Direito do Trabalho e Pandemia” realiza-se no âmbito do grupo de pesquisa CIRT - Configurações Institucionais e Relações de Trabalho, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ). Os autores agradecem às alunas Marina Muller Unser e Alice Maciel Domingues, bolsistas vinculadas ao programa de iniciação científica PIBIC CNPQ/UFRJ, pela coleta e sistematização de dados extraídos do Sistema Mediador do Ministério do Trabalho e Emprego.
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Somente em 2011 a OIT aprovou a Convenção 189 sobre Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos, ratificada pelo Brasil em 2018.
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Apenas 12 países ratificaram a Convenção 177 da OIT, a saber: Argentina, Albânia, Antígua e Barbuda, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Eslovênia, Finlândia, Irlanda, Macedônia do Norte, Países Baixos e Tajiquistão. O Brasil, além de não ratificar a Convenção 177, distanciou-se das diretrizes nela estabelecidas por ocasião da aprovação da Lei nº 13.467/2017, bem como com a edição da legislação trabalhista de emergência sanitária.
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Considerando-se que a composição da força de trabalho no setor público do Distrito Federal tem forte incidência do funcionalismo federal, submetido ao Regime Jurídico Único (Lei 8.112/90), excluído do direito à contratação coletiva mediante acordos e convenções coletivas, bem como a maior incidência do trabalho remoto no sudeste, entendemos que uma maior representatividade do universo das negociações e da regulação autocompositiva do trabalho remoto adviria do levantamento no Rio de Janeiro e em São Paulo, desprezando o Distrito Federal.
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O Sistema Mediador está disponível no link: http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador.
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SP010398/2020: “Ao empregado que trabalha nestas condições (a distância, remoto, teletrabalho ou home office) é permitido flexibilizar seus horários de trabalho, desde que desempenhe suas atividades de acordo com as atribuições ajustadas com o empregador. Porém, não estará sujeito a controle de frequência, não sendo o “login” e “logout” provas suficientes para o recebimento de horas extras”.
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RJ000787/2020: “PARÁGRAFO TERCEIRO: O empregado fica obrigado a realizar o controle de sua jornada, mediante login e senha no sistema da Empresa, medida esta que assegura a marcação do ponto eletrônico, inclusive sendo sua obrigação observar, adequadamente, os intervalos intrajornada e interjornada, para que sejam adequadamente usufruídos dentro do mínimo legal. PARÁGRAFO QUARTO: O empregado fica proibido de realizar horas extraordinárias durante o período de home office/teletrabalho”. SP001202/2021: “A frequência, do empregado em teletrabalho, será controlada por meio de login remoto, feito no equipamento onde o empregado estiver trabalhando, garantido o direito à desconexão quando cumprida a jornada de trabalho prevista neste acordo”.
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SRT00179/2020: “O empregado em regime de teletrabalho ou home office deverá respeitar os limites de jornada determinados pela legislação e em seu contrato de trabalho, respeitando os intervalos de intrajornada e interjornada, visando a saúde e segurança do trabalhador”. SP003128/2020: “Caso algum Empregado mantenha o controle de jornada, tal medida não descaracteriza o regime de teletrabalho, bem como o eventual saldo de horas extras ou débito de horas serão compensados na forma do banco de horas especial autorizado pela Medida Provisória nº 927/2020, no prazo de 18 (dezoito) meses após o fim do estado de calamidade pública, mediante determinação das EMPRESAS.”
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O chamado “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” foi uma política governamental de enfrentamento das consequências da pandemia de Covid-19. Dentre seus dispositivos estava a possibilidade de redução proporcional de jornada de trabalho e de salários.
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RJ000882/2020: “A empresa fica inteiramente responsável pela aquisição, manutenção e pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância, bem como pelo reembolso de despesas arcadas pelo empregado, quando necessário”.
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RJ000636/2020: “As Partes convencionam que a GBPART fornecerá todo o aparato tecnológico para o empregado atuar de forma remota, sem que haja a necessidade de a empresa custear compra de mobiliário, despesas de telefonia, luz, mais nada”. SP003830/2020: “No que tange ao teletrabalho, considerando que se trata de uma situação e períodos excepcionais (calamidade pública), os benefícios percebidos pelo empregado, tais como ajuda de custo ou demais valores, serão mantidos em contrapartida à utilização de equipamentos do empregado, que dar-se-á em regime de comodato e ainda, por serviços de infraestrutura (internet, computador, energia, etc.), não caracterizadas, portanto, como verbas de natureza salarial”.
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SP005090/2020: “A empresa não se responsabilizará pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos, nem pela infraestrutura necessária, nem mesmo internet sem fio e/ou novos equipamentos, tampouco se responsabilizará pelo reembolso de tais despesas, em nenhuma hipótese, por se tratar de um benefício facultativo aos empregados”.
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SP010450/2020: “PARÁGRAFO TERCEIRO: Os Empregados nas funções de Agentes de Atendimento, Central de Reservas, Relacionamento, GTF, farão uso dos equipamentos cedidos pela Empresa, que se responsabiliza pela entrega do material descrito neste paragrafo no domicílio do Empregado, a título de empréstimo, a seguir descritos: (i) HEADSET; (ii) MONITOR; (iii) MOUSE; (iv) TECLADO; (v) CPU; (vi) CABO DE REDE; (vii) MESA; (viii) CADEIRA; (ix) WEBCAM; (x) SOFTWARES e (xi) NOTEBOOK, além das ferramentas de tecnologia da informação e comunicação necessárias à realização de suas atividades. PARÁGRAFO QUARTO: O Empregado se responsabiliza pela guarda, manutenção e segurança dos referidos equipamentos e sistemas, se comprometendo a utilizá-los exclusivamente para desempenhar as atividades relativas ao trabalho. Os equipamentos não podem em nenhuma hipótese serem utilizados por terceiros, incluindo os moradores da residência, independentemente do período de uso, mesmo que o mesmo não esteja sendo utilizado pelo Empregado em seu período de descanso”.
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SRT00179/2020: “Os empregados em regime de teletrabalho continuarão tendo direito a todos os Benefícios Convencionais, inclusive vale refeição e vale alimentação, quando esse benefício já lhe for concedido, não poderá haver a descontinuidade durante o período que a Instituição Empregadora alterar o regime presencial de trabalho para o teletrabalho”. SP000528/2021: “O trabalhador que estiver atuando em home office, não perceberá VT (vale transporte), VR (Vale refeição) ou VA (Vale alimentação), para tanto, será concedido pela empresa uma ajuda de custo no importe de R$ 100,00 (cem reais)”.
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RJ001393/2020: “Parágrafo Nono - Fica garantida a manutenção de todos os benefícios previstos em norma coletiva ou concedidos habitualmente pelo empregador para os empregados em regime de teletrabalho. Parágrafo Décimo - Para os funcionários que estiverem integralmente em regime de teletrabalho ou home office, fica suspensa a concessão do vale transporte determinado pelo decreto nº 95.247/87, abstendo-se o empregador de proceder ao desconto do percentual que compete ao empregado no custeio do benefício”.
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SP000049/2021: “A empresa deverá providenciar, com a prévia comunicação ao empregado, laudo ergonômico de profissional técnico capacitado, o qual poderá ser acompanhado pelo SINDICATO ou CIPA, quando requerido à empresa”.
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SP003761/2021: “Nos termos do artigo 75-E, da CLT, o Empregado deverá declarar expressamente que foi instruído pela Empresa de maneira expressa ostensiva, quanto as medidas e precauções a serem tomadas para prevenir e evitar doenças e acidentes de trabalho. A Empresa se compromete, entregar ao empregado uma Cartilha, após realizar e certificar o empregado para o exercício das funções que são objeto do presente instrumento, contendo todas as orientações e/ou instruções sobre saúde e segurança do trabalho, de acordo com as respectivas NRs que tratam da matéria”.
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RJ001650/2020: “A empresa deverá orientar os empregados quanto as condições de trabalho, tais como mobília, iluminação e ventilação, podendo solicitar periodicamente ao empregado informações quanto às condições dos equipamentos, fazendo a adequação quando estiverem em desconformidade com as normas de segurança e saúde do trabalho, a fim de evitar acidentes e doenças ocupacionais. Se houver descumprimento da regra por parte do empregado em teletrabalho a empresa estará desobrigada por eventuais acidentes”.
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RJ001348/2020: “PARAGRÁFO VIGÉSIMO TERCEIRO: Os acidentes ocorridos no local da prestação de serviços serão avaliados pela área de segurança de trabalho da EMPRESA e somente serão considerados decorrentes do trabalho, quando comprovadamente for estabelecido seu nexo com a execução das atividades. PARAGRÁFO VIGÉSIMO QUARTO: Visando o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, a EMPRESA poderá realizar inspeções periódicas nos locais em que o Teletrabalho é desenvolvido nas seguintes condições: a) em horário comercial; b) mediante aviso prévio de no mínimo 10 dias; c) concordância expressa, presença e acompanhamento do(a) EMPREGADO(A); d) com controle apenas da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho, podendo ainda ser adotada de modo remoto quando possível do devido acompanhamento técnico necessário”.
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RJ001722/2020: “Considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação, acarretando na impossibilidade de controle presencial da jornada de trabalho por parte da Empresa”.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Abr 2024 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2024
Histórico
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Recebido
06 Set 2022 -
Aceito
12 Mar 2023