Resumo
A crescente complexidade das questões positivadas demanda a construção de argumentos heterorreferentes pelo sistema jurídico, o que supõe observar as comunicações produzidas pelos subsistemas científicos. Inspirado pela proposta epistemológica de uma sociologia do direito “com o direito”, este artigo tem por objetivo apresentar e descrever novas possibilidades de abertura cognitiva do sistema jurídico aos saberes das ciências sociais (saberes criminológicos). A reflexão tem como base material empírico produzido em pesquisa sobre as representações sociais de servidores públicos, magistrados e promotores de justiça sobre a suspensão condicional do processo na Lei Maria da Penha no Distrito Federal. Apesar dos precedentes dos tribunais superiores que vedam a aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/1995, a medida é aplicada em algumas das varas especializadas na violência contra a mulher. Ao conhecer as representações sociais dos sujeitos da pesquisa, discutimos possíveis irritações que o tema sugere para o sistema jurídico e os subsistemas criminológicos (tradição sociológica).
Palavras-chave: Sociologia do direito; Racionalidade penal; Criminologias concorrentes; Suspensão condicional do processo; Lei Maria da Penha
Abstract
The growing complexity of the juridical matters demands heteroreferent arguments of the Law system, what supposes the observation of the communications of the scientific subsystems. Inspired by the epistemological approach of a described sociology of law “with Law”, this article intends to present and to describe new possibilities of cognitive openness of the Law System to the knowledge of the social sciences. This reflection is based on the empirical work of a research of the social representations of judges and prosecutors about the procedural sursis applied to the Maria da Penha Law, in the Federal District. Despite the precedents of the Superior Courts that prohibit the application of the institutes of the Law 9.099/1995, the measure continues to be applied by some judges. After getting to know the social representations of the actors involved, we discuss some possible irritations that it suggests to think the Law system and the concurrent criminology subsystems.
Keywords: Sociology of law; Penal rationality; Concurrent criminology subsystems; Procedural sursis; Maria da Penha law
Introdução
As transformações sociais e os novos desafios enfrentados pela sociedade contemporânea conformam o cenário para observação da faticidade dos novos âmbitos de regulação jurídica e, particularmente, de intervenção penal. A crescente complexidade das questões positivadas demanda a construção de argumentos heterorreferentes pelo sistema jurídico1, o que supõe observar as comunicações produzidas pelos subsistemas científicos. Inspirado pela proposta epistemológica de uma sociologia do direito “com o direito”, nosso objetivo é apresentar e descrever novas possibilidades de abertura cognitiva do sistema jurídico aos saberes das ciências sociais. Neste estudo, particularmente os saberes criminológicos de tradição sociológica (GARCIA, 2014; LUHMANN, 1985 e 2005; PIRES, 2004b).
Este artigo fundamenta-se em material empírico produzido em pesquisa sobre as representações sociais de servidores públicos, magistrados e promotores de justiça sobre a suspensão condicional do processo na Lei Maria da Penha no Distrito Federal. Na análise, consideramos as impressões obtidas durante o trabalho de campo, a partir das entrevistas exploratórias com acadêmicos e profissionais do direito (servidores do Judiciário, advogados, promotores de justiça e magistrados), bem como pela observação da forma como comunicam as organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (MACHADO, 2014, p. 49-51)2. Notamos, nos últimos anos, intensa discussão sobre a validade jurídica da aplicação do sursis processual em casos de violência contra a mulher. A experiência negativa advinda da prática das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/1995, como a conciliação e a transação penal, foi relevante na idealização do projeto que originou a Lei Maria da Penha.
A vedação expressa à aplicação dos institutos da Lei 9.099/1995 gerou, contudo, debates sobre a incidência dos institutos e, em especial, do sursis processual. Os argumentos contrários identificam não apenas afronta expressa ao texto legal, mas prejuízos aos interesses das vítimas. De outro lado, argumentam-se a ineficácia da solução punitiva e a necessidade de flexibilizar o comando legal a fim de contemplar os interesses de todos os atores envolvidos no ciclo da violência, e de inserir soluções criativas para afrontar o problema desde o início da intervenção processual.
Apesar dos precedentes do STF e do STJ que vedam a aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/1995, a medida é aplicada em algumas das varas especializadas na violência contra a mulher. Qual o significado da prática judicial divergente da orientação dos tribunais superiores e que impacto ela produz para pensarmos a comunicação jurídico-penal, bem como as estruturas organizacionais instituídas para a política pública idealizada a fim de enfrentar a violência contra a mulher? Ao conhecer as representações sociais dos sujeitos da pesquisa e as comunicações (decisões) das organizações envolvidas, discutimos possíveis irritações3 para o sistema jurídico e os subsistemas criminológicos de tradição sociológica.
1. Pesquisa empírica e a sociologia do direito “com o direito”
Este artigo inspira-se em debate epistemológico sobre a pesquisa sociojurídica. As pesquisas empíricas podem não apenas suscitar questões relevantes sobre a eficácia normativa e mapear cartografias para uma análise externa do direito, mas também podem ser pertinentes para o debate teórico e para a atuação dos atores inseridos em distintas instituições jurídicas (GARCIA, 2014; PIRES, 2004b, NELKEN, 1996; TEUBNER, PATERSON, 1998).
O foco orienta-se a partir da distinção proposta por Luhmann entre uma sociologia do direito “sem o direito” e outra sociologia “com o direito”. A primeira notabiliza-se pela análise do funcionamento do sistema jurídico e negligencia as categorias e abordagens teóricas do direito. A última, diferentemente, contempla o repertório de conceitos e argumentos por meio do qual o sistema jurídico se descreve e se observa. A evolução das tradições jurídicas, dos institutos e das ideias são úteis, pois conformam a linguagem do direito. Constituem-se no arsenal semântico que permite observar a comunicação jurídica (LUHMANN, 1985). Em monografia sobre o direito na sociedade, Luhmann adverte que a análise externa do direito pode partir de perspectivas incongruentes. Uma teoria sociológica do direito deve descrevê-lo da forma como entendem os juristas. Trata-se de um objeto que se observa e descreve a si mesmo (LUHMANN, 2005, p. 69-70).
A pertinência do enfoque aparece em recente análise de Garcia (2014). Segundo a autora, o potencial não se limita à capacidade de despertar o interesse de juristas teóricos para as análises externas do direito, mas especialmente porque problematiza a relação entre direito e ciências sociais. Garcia propõe três estratégicas epistemológicas, úteis aos nossos objetivos, para o itinerário de sua análise centrada nas representações sociais sobre os direitos humanos do sistema penal: a. O processo de descentralizar o foco de análise do sujeito enseja capturar o distanciamento entre as representações sociais dos atores e a comunicação do sistema pertinente aos sujeitos da pesquisa; b. A entrevista qualitativa é concebida como mecanismo reflexivo com o sistema4, e a comunicação jurídica apresenta-se como categoria para observar as manifestações empíricas do sistema jurídico. c. A análise deve distanciar-se das categorias jurídicas naturalizadas dentro do sistema jurídico, a fim de possibilitar a observação externa do direito e as implicações tanto para a pesquisa multidisciplinar quanto para a teoria jurídica (GARCIA, 2014, p. 185-186). Sugerimos um passo a mais na proposta. A análise ganha em densidade se contempla não apenas o sistema jurídico (no caso o direito penal), mas também os sistemas organizacionais que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (Polícias, Ministérios Públicos e Judiciários). Se considerarmos que as organizações comunicam por meio de decisões, o estudo das premissas decisórias (condicionais, finalísticas, cultura organizacional) remete a um campo relevante para observar as formas de interpenetração entre o sistema jurídico, as organizações e os sistemas psíquicos (via linguagens) (MACHADO, 2014, p. 36-47). Nem todas as decisões orientam-se pela comunicação jurídica. Conhecer a cultura organizacional permite identificar rotinas cognitivas que conduzem os processos decisórios. Nesse sentido, propomos: d. Entrevistar o sistema supõe contemplar como parte do objeto de estudo as constrições impostas também pelas estruturas organizacionais, presentes nas falas dos sujeitos da pesquisa (MACHADO, 2014, p. 39-44).
A análise de Garcia deixa algumas pistas relevantes para os nossos argumentos. Se a semântica dos direitos humanos, aponta Garcia, pode ser observada como “recurso cognitivo e normativo potente, suscetível de fazer evoluir as estruturas e as ideias que circundam o direito de punir”, o que explica o bloqueio de interpretações inovadoras sobre as formas de intervenção penal? Ou ainda: como observar a formulação de direitos que defendem alguns das ofensas de outros e movimentos de defesa dos direitos humanos que demandam penas geradoras de exclusão social? A hipótese anunciada, e que pretendemos explorar no nosso texto: a inserção dos discursos dos direitos humanos no direito penal orienta o sistema penal em direções contrapostas, oscilando entre a “normatividade crítica” e a “razão punitiva” (GARCIA, 2014, p. 188-189).
2. Racionalidade penal moderna e semânticas criminológicas concorrentes
Entre as diversas abordagens sobre a evolução do direito penal, interessa-nos, neste texto, a proposta de Pires (2004a), descrita como racionalidade penal moderna. Ao resgatar a história das ideias penais, o autor sistematiza as diferentes teorias das penas (retributivas, preventivas, reintegradoras, inocuizadoras) e sugere que todas apresentam um ponto em comum: a pena como poder-dever de punir do Estado. O consenso sobre penas aflitivas e sobre o caráter impositivo do poder punitivo conforma o que Pires descreve como retrato identitário do direito penal moderno. Nesse cenário, bastante simplificado devemos admitir, estabiliza-se a pena privativa de liberdade como forma por excelência do castigo institucionalizado (PIRES, 2004a, p. 39-48).
No objeto proposto por Pires, a história das ideias em um dado sistema constitui-se na metodologia mais adequada. No sistema penal, as filosofias penais, as doutrinas jurídico-penais, os discursos das comissões de juristas para a reforma legal, manuais de direito e decisões dos tribunais de justiça constituem-se nas fontes documentais para a investigação (PIRES, 2004b, p. 22). O autor explicita sua tese: a partir da teoria sistêmica e da categoria sistema de pensamento (Foucault), argumenta que determinadas organizações e subsistemas sociais que observam a si mesmos e a seus respectivos entornos, possuem um sistema de pensamento e uma imagem identitária própria. Os sistemas de pensamento englobam todos os discursos teóricos selecionados e estabilizados por um sistema social. Os autorretratos identitários de um dado sistema fazem parte de seu sistema de pensamento (PIRES, 2004b, p. 17-18). A observação empírica de um sistema complexo como o penal permite identificar ao menos quatro tipos de comunicação: os discursos hegemônicos, os alternativos (em regra marginalizados ou desvalorizados), os quais também remetem a um retrato identitário, os discursos regressivos e aqueles que não se ajustam a nenhum dos anteriores. Pires adverte que, com o tempo e conforme as decisões internas do sistema, o discurso alternativo pode assumir um papel significativo, o que se constitui em questão empírica a ser investigada. Podem, também, ocorrer situações paradoxais, como a presença de um duplo discurso identitário. A existência de tensão interna entre as teorias confere plasticidade ao sistema, bifurcações e germes de mutação (PIRES, 2004b, p. 19-20).
Outra trilha sugere observar como o direito penal se abre cognitivamente aos saberes criminológicos. Em pesquisa anterior propusemos leitura distinta da abordagem sistêmica para o que identificamos como evolução dos subsistemas criminológicos e suas diferentes formas de observação do crime, de suas causas e de propostas de intervenção (MACHADO, 2012, p. 77-116). O enfoque sistêmico sugere instrumental para análise da evolução dos sistemas sociais5. Não se distinguem épocas, mas variação (comunicação desviante, inesperada), seleção (resposta a perturbações; expectativas que guiam a comunicação ou referências de sentido idôneas a conduzir expectativas) e re-estabilização (estado do sistema após a seleção). Tanto a variação quanto a seleção designam acontecimentos. A re-estabilização refere-se à auto-organização dos sistemas (LUHMANN, 2007, p. 335-336). O modelo não se confunde com uma teoria do progresso, visto que não está associado necessariamente à melhoria de condições, pois o entorno muda constantemente. E desencadeia novas adaptações. Assim, a evolução pode ser definida como mudança estrutural (LUHMANN, 2007, p. 337-342).
Os discursos criminológicos, codificados pelo verdadeiro/falso (ciência), apresentam inserção assimétrica na conformação do retrato identitário do direito penal. Se assumirmos a proposta de Pires, as soluções aflitivas originadas da comunicação científica sobre o crime denotam potencial para a tradução (e seleção da informação) aos códigos e programas do direito penal. Em outras palavras, o sistema de pensamento (núcleo do sistema do direito penal) abre-se cognitivamente aos discursos criminológicos. Argumentamos que os paradigmas criminológicos podem ser observados como subsistemas concorrentes, diferenciados funcionalmente em diferentes disciplinas e áreas da ciência (MACHADO, 2012, p. 77-92). Algumas das conclusões que apresentamos naquele estudo merecem ser problematizadas. Notamos fronteiras bem definidas entre os subsistemas criminológicos que evoluíram a partir das ciências biológicas e psicológicas, como a psiquiatria, a neurociência e a genética criminal e as tradições estabilizadas nas ciências sociais, descritas como criminologias de linhagens sociológicas (EYSENCK, 1993; JALAVA, 2006, p. 416-432; SARNOFF, GABRIELLI & HUTCHINGS, 1993, p. 77-90; WALBY & CARRIER, 2010, p. 261-285).
Interessa-nos, sobretudo, focalizar as transformações semânticas das criminologias sociológicas a partir da década de 1970 (evolução), quando foram inseridos novos parâmetros (estruturas) para a observação da criminalidade e propostas de intervenção penal. Em suas primeiras manifestações, a criminologia crítica selecionou variação inserida pelo Labelling Approach (das causas aos processos de rotulação) (BECKER, 2008; LEMERT, 1951), em projeto mais amplo e ambicioso de enfoque do crime e do direito penal, reinserido em macroanálises das estruturas econômicas e das funções instrumentais/ ideológicas da intervenção penal (BARATTA, 1999; YOUNG, WALTON, TAYLOR, 2001; VAN SWAANINGEN, 1997)6. A profunda irritação do direito penal moderno à provocação da semântica criminológica crítica gerou artefatos semânticos que colocaram no centro do debate o que Pires propõe como o retrato identitário estabilizado do direito penal moderno. O surgimento do abolicionismo, do realismo criminológico e das criminologias orientadas pelos direitos humanos (política criminal alternativa) são algumas das manifestações do fenômeno (MATTHEWS &YOUNG, 1992; LEA, 2002).
As múltiplas variações da crítica penal e criminológica podem ser observadas a partir da seleção do discurso dos direitos humanos como estrutura comunicativa que também orienta as propostas de intervenção penal. É possível mapear o encontro entre a razão punitiva e a crítica radical à intervenção penal? Em uma rápida e parcial descrição: na década de 1980, grupos próximos ao movimento crítico aproximaram-se das posições que reivindicavam o uso do direito penal como parte da estratégia de luta e reafirmação de direitos. A história sugere variações espaciais peculiares. No contexto latino-americano, com a transição democrática, demandou-se a punição de crimes praticados pelas ditaduras militares. A punição às violações dos direitos humanos apresentava-se como parte do processo de recuperação da memória coletiva (BERGALLI, 1987, p. 260-290; RIVERA BEIRAS, 2011, p. 33-43). Na Europa, parte dos movimentos sociais (correntes feministas, inclusive) selecionou, em suas estratégias de luta por direitos, o discurso punitivo. O fenômeno foi criticado e descrito como “empresa moral atípica” (SCHEERER, 1986).
O impacto (irritação) dos novos movimentos sociais nos pensamentos criminológicos é complexo e supõe a análise de trajetórias diferenciadas. Laclau e Mouffe aportam reflexão instigante ao descrever a novidade dos movimentos sociais não classistas. As mudanças na forma de dominação política, na estrutura das burocracias e na distribuição de poder estatal, bem como nas relações de trabalho e nas manifestações culturais, na segunda metade do século XX, levaram à diversificação das relações sociais e a novos conflitos. A expressão contempla lutas distintas, como a “ecológica, anti-autoritária, feministas, regionais, ou das minorias sexuais” (LACLAU, MOUFFE, 1985, p. 159). A diferenciação das novas semânticas criminológicas com a seleção de demandas dos novos movimentos sociais requer análise detida que foge do objetivo deste artigo. É suficiente mencionar que o pressuposto classista do direito penal, na versão hegemônica da criminologia crítica da primeira metade da década de 1970, foi reconstruído segundo clivagens que não podem mais ser compreendidas de forma linear.
O surgimento das criminologias feministas deve ser contextualizado a partir da crítica epistemológica à produção do conhecimento fundado em bases masculinas. Entre os estudos seminais, Harding destaca-se ao propor a definição do paradigma de gênero, contrapondo-se ao modelo biológico. A linguagem e as instituições estão imbricadas pela dicotomia masculino/feminino. Os gêneros são construídos socialmente; não são a simples e mera transposição do sexo biológico. Os pares de qualidades e respectivas debilidades configuram mecanismos simbólicos que afetam as relações de poder. Delineia-se forte crítica ao modelo androcêntrico da ciência; assim, a proposta de uma teoria feminista da consciência contrapõe-se aos pares binários masculino/ feminino, transpostos em lente epistemológica: sujeito/ objeto, razão/ emoção, espírito/ corpo (HARDING, 1996). Ao longo das últimas três décadas essa perspectiva foi decisiva na reconstrução das mais diversas áreas de pesquisa nas ciências sociais, sendo particularmente relevante o debate sobre a tutela penal em situações de violência contra a mulher (SMAUS, 1999, p. 235-251; SMART, 1976). O campo de interesse foi ampliado e confrontou as diversas correntes do pensamento criminológico. Estudos pioneiros da década de 1970 evidenciaram o viés sexista das teorias criminológicas de matriz etiológica. A crítica feminista também se dirigiu às abordagens inspiradas pelo Labelling Approach e à Criminologia Crítica, negligentes quanto ao gênero e à criminalidade feminina (BELKNAP, 2015; BRITTON, 2000; CHESNEY-LIND, 2013; SMART, 1976; SMAUS, 1999).
Em obra seminal, Butler apresenta proposta inovadora sobre as possibilidades de ressignificação das identidades de gênero na abordagem conhecida como Compulsory Heterosexuality. A autora problematiza os pressupostos de teorias feministas, especialmente o que avalia como ênfase na “identidade de gênero”. Sem a pretensão de romper com as tradições na área, adensa o debate sobre as classificações apresentadas pelas teorias feministas (BUTLER, 1990, p. 3-25 e 35-56). No campo criminológico, as análises de gênero foram submetidas a novas interpretações. E alguns estudos foram marcantes por selecionar enfoques raciais, étnicos e classistas nas experiências vivenciadas pela mulher como vítima ou autora no sistema de justiça criminal (BURGESS-PROCTOR, 2006, p. 27-46). Certamente, o discurso que propõe contemplar elementos distintivos, como “pobre, mulher, negra”, requer empresa teórica não exatamente fácil.
3. Os movimentos sociais e o público: semânticas criminológicas feministas
Especialistas descrevem as transformações das semânticas criminológicas críticas no final da década de 1970. Um dos vetores relevantes nas mudanças é a diversificação dos discursos críticos naquilo que é descrito como “descoberta da vítima”. Além da função instrumental da pena como mecanismo estratégico para a proteção de direitos, ganha terreno a reivindicação da função simbólica do direito penal (LARRAURI, 2000, p. 216-244). A entrada dos direitos humanos nas reflexões criminológicas pode ser observada tanto nas correntes próximas às construções teóricas críticas quanto nas vertentes mais reacionárias e punitivas. Na literatura inglesa esse movimento originou as correntes conhecidas como realismos criminológicos (de direita e de esquerda) (MACHADO, 2012; MATTHEWS &YOUNG, 1992; LEA, 2002). A referência a qualificações pertinentes ao sistema político não é irrelevante para nossa análise, pois indica a incorporação do público como componente que passou a integrar os programas dos diferentes subsistemas criminológicos.
Em análise distinta, Pires argumenta que, a partir dos anos 1960 e 1970, o público foi progressivamente integrado nas operações de reprodução do sistema penal. O fenômeno teria produzido o efeito de “desdiferenciação” do sistema penal em relação ao sistema político (PIRES, 2004a, p. 49). Dois momentos são especificamente selecionados: o envolvimento do público pode ser identificado, de forma crescente, na produção normativa, com a demanda de penas mais severas e restrição de medidas alternativas à prisão. Um segundo momento pode ser observado nas decisões das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal (MACHADO, 2014, p. 49-71). Quando os tribunais se referem “explicitamente ao clamor público, à opinião pública ou à mediatização de um caso” (PIRES 2004a, p. 51). O sistema penal insere novos critérios de validade jurídica da integração do público, e à vítima lhe é atribuído o papel de mensageiro do sofrimento na fase de cominação da pena. Encaminha-se, então, para a seguinte questão: quais as conseqüências da recepção do público se o sistema penal não modifica suas teorias ou “sua estrutura telescópica” (“quem faz X pode ou deve ser punido com Y”)? (PIRES, 2004a, p. 52).
Em esforço de síntese, e para o propósito deste artigo, concentramo-nos no que é descrito como paradoxo das demandas de punição formuladas sob o rótulo dos direitos humanos, os quais podem ser classificados como direitos de proteção, associados à limitação da esfera de ação do estado e de particulares, e direitos de prestação (direitos-à-obtenção), relacionados à promoção social de grupos específicos. Associar a punição à proteção dos direitos humanos apenas se sustenta se amparada pela contestável teoria da prevenção geral negativa (empiricamente frágil). Os programas dos movimentos sociais que articulam a punição em seus ideários e propostas concretas de ação sugerem demandas pelo incremento do sistema penal naquilo que Sack descreve como “distribuição de bens negativos” (sofrimento) (PIRES, 2004a, p. 56-58).
O movimento feminista contempla ampla diversidade interna e requer cuidado na generalização quanto a diferentes temas. Podemos mapear, sem a pretensão de esgotar o campo, a diversidade de demandas em matéria penal7. Uma primeira frente pode ser identificada no modelo proposto em relação a determinados comportamentos. O uso do direito penal pode ser colocado em questão, na medida em que a criminalização é questionada. É o caso paradigmático das demandas pela descriminalização do aborto (MACKINNON, 1991)8. Outras demandas dirigem-se à redução das penas, à abolição das penas mínimas e à melhoria das condições de vida das mulheres na prisão. É o que sugerem recentes pesquisas sobre a espiral crescente do encarceramento de mulheres na política de guerra às drogas (TAVARES, 2015; BOITEUX, PÁDUA, 2013). No caso das condições carcerárias, critica-se a inadequação das instituições penitenciárias, particularmente para gestantes e mães (ZACKSESKI, MACHADO, AZEVEDO, 2016). Outra situação interessa-nos neste texto: quando o movimento reivindica (se de fato) menos garantias e mais sofrimento. Na fórmula proposta por Pires, requer-se a “realização do anti-bem-estar dos outros, ou um direito a participar na realização dessa tarefa” (PIRES, 2004a, p. 59). Como exemplo, as demandas por punições mais severas para a violência machista, como o caso recente da Lei que tipificou o crime de Feminicídio e a restrição às medidas despenalizadoras da Lei 9.099/1995 nos casos de violência de gênero. Nessa leitura, a racionalidade penal moderna seria responsável pela “normalização do direito ao anti-bem-estar social dos outros” no âmbito penal (PIRES, 2004a, p. 59).
Nesse ponto, e para os objetivos deste artigo, propomos moldura para uma hermenêutica da diversidade discursiva das abordagens feministas, que aqui denominamos semânticas criminológicas feministas9, cientes da complexidade com que observam a intervenção penal. De um lado, critica-se que a programação penal historicamente seguiu viés misógino e machista. As formas de controle sobre o corpo feminino também aparecem nas legislações que criminalizam o aborto, bem como em relação às práticas judiciais na instrução dos crimes sexuais (ANDRADE, 1999, p. 105-117 e 2004, p. 260-290; CAMPOS, 2008, p. 244-260). De outro lado, a luta pela criminalização da violência contra a mulher, por razões simbólicas ou instrumentais, conformou arsenal poderoso que movimentou reformas legislativas em diferentes contextos sociais e cenários políticos. A tradução de demandas dos novos movimentos sociais aos códigos da política resultou em legislações complexas, cujos programas contemplam prescrições de políticas públicas que vão além da mera intervenção penal (ÁVILA, 2014; CAMPOS, 2008, p. 244-260; CAMPOS, 2013, p. 314-317)10. Os novos programas condicionais do direito estabelecem parâmetros distintos para as decisões (comunicações) das organizações envolvidas na intervenção jurídica nos casos de violência contra a mulher (MACHADO, 2014, p. 39-43).
4. A suspensão condicional do processo e a Lei Maria da Penha
Ainda que aceitemos a tese do autorretrato punitivo do direito penal moderno, devemos ponderar que a produção legislativa supõe processos complexos orientados pelos programas e códigos da política. A racionalidade instrumental subjacente aos projetos de lei não elimina ou bloqueia a criação de leis simbólicas. A depender de condições estruturais e conjunturas que variam no tempo e no espaço, as lógicas instrumentais e simbólicas coexistem e se sobrepõem nos programas políticos, conforme dinâmicas próprias do governo/ oposição (LUHMANN, 2005, p. 491; MACHADO, 2012, p. 77-116). Nesse sentido, a produção do direito penal positivado não supõe a exata transposição ou tradução dos discursos penais hegemônicos.
A Lei 9.099/1995 inseriu inovação importante no ordenamento jurídico brasileiro, ao prever institutos como a conciliação e a transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo. Inovou, igualmente, por instituir a suspensão condicional do processo (o sursis processual) como benefício para os réus primários e de bons antecedentes, conforme artigo 89, nos crimes cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano (BARROS, 2002, p. 43). Ao diversificar as formas de intervenção penal, uma das questões pertinentes a observar seria a recepção pelo sistema político de discursos alternativos à hegemonia discursiva que orienta a racionalidade penal moderna (PIRES, 2004a, 2004b).
Na segunda metade da década de 1990, a nova legislação foi amplamente difundida e festejada por instituir formas não punitivas para a solução dos conflitos. Anunciava-se que a negociação penal privilegiaria a solução dos conflitos, pois contemplava a reparação do dano causado às vítimas (grandes esquecidas na programação moderna da legislação processual penal) (FOLGADO, 2002, p. 67). Ao longo dos anos, foram aprofundados os estudos, inclusive empíricos, sobre as práticas organizacionais das instituições envolvidas. Pesquisas sugerem que as soluções inseridas pelo novo modelo ampliaram as formas de controle penal (CAÚLA, SILVA, 2007, p. 87).
Estudos no campo da violência de gênero apontaram a inadequação da medida imposta ao agressor em razão do delito cometido (LAVIGNE, 2011, p. 86-87), sob o fundamento de que a violência contra a mulher não poderia ser tratada da mesma forma que uma agressão entre iguais, haja vista que se trata de violência estrutural enraizada nas desigualdades de gênero presentes no âmbito social (BANDEIRA, 2008, p. 196). Advertiu-se que as propostas eram realizadas nos Juizados Criminais sem a presença da mulher, que sequer tomava conhecimento da resposta dada pelo judiciário ao agressor. Havia, também, a realização de transações penais com a prestação de cestas básicas, medidas que viriam a ser vedadas pelo artigo 41 da Lei 11.340/2006 (CAMPOS, 2006, p. 89)
Entre as críticas recorrentes, destacamos a suposta inadequação do modelo para os casos de violência contra a mulher. Argumentou-se, em síntese, que as práticas do sistema de justiça banalizavam a violência de gênero e levavam a soluções iníquas, como o pagamento de cestas básicas ou a suspensão do processo à revelia da vontade da vítima. Os discursos acadêmicos e de membros de movimentos sociais de defesa da mulher ganharam projeção nos meios de comunicação e no âmbito político. Assim, foram relevantes nos intensos debates que antecederam a votação do projeto que originou a Lei 11.340/2006, nesse aspecto especialmente em relação à proposta positivada no artigo 41 do referido diploma legal, que vedou a aplicação dos institutos da Lei 9.099/1995 (CALAZANS; CORTES, 2011, p. 42; CERQUEIRA, 2015, p. 7).
A edição da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha), em 08 de agosto de 2006, permitiu a criação de um sistema de proteção à mulher que contemplou soluções jurídicas como as medidas protetivas de urgência e políticas públicas que excedem o âmbito penal (CAMPOS, CARVALHO, 2011, p. 150). No que se refere ao âmbito de competência judiciária, em um primeiro momento houve a utilização da estrutura dos Juizados Especiais Criminais para o atendimento das mulheres em situação de violência (LAVIGNE, 2011, p. 86-87). Tal adaptação gerou questionamentos sobre a qualidade dos atendimentos e, principalmente, a respeito da aplicação da suspensão condicional do processo nos casos envolvendo o rito da Lei Maria da Penha.
O debate sobre a aplicação de institutos da Lei 9.099/1995, a despeito da regra instituída no artigo 41 da Lei Maria da Penha, foi objeto de questionamento nos tribunais. Alguns precedentes foram determinantes para a compreensão da solução jurídica mais adequada. No julgamento do Habeas Corpus nº 106212/MS (--- BRASIL, 2011b Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 24/03/2011), o paciente pleiteava a aplicação da suspensão condicional do processo à contravenção das vias de fato (artigo 21 do Decreto nº 3.688/1941) e a declaração de inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006, o que restou indeferido, e foi expressamente declarado constitucional o referido artigo. Posteriormente, em fevereiro de 2012, o STF julgou procedente a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4424, possibilitando o ajuizamento de ação penal nos crimes de lesão corporal, independente da representação da vítima, com base nos seguintes argumentos: 1) assimetria de poder entre gêneros decorrente de relações histórico-culturais na sociedade brasileira; 2) caso a mulher tivesse que decidir pela representação na ação penal, esse fato poderia diminuir a sua proteção e dar continuidade ao ciclo de violência, pois poderia ser obrigada a não dar continuidade à persecução penal em razão das relações que poderiam existir com o agressor; e 3) haveria desconsideração com o estado emocional da mulher, pois o fato de exigir a representação a impediria de romper com o estado de submissão. Naquele ano o tribunal também julgou procedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 19, que declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006. A partir desses precedentes, fortaleceu-se a tese de total inaplicabilidade dos instrumentos despenalizadores instituídos pela Lei 9.099/1995 às infrações cometidas contra a mulher, entendimento consolidado com a edição da Súmula nº 536 do STJ, julgada pela terceira seção em 10 de junho de 2015 e publicada em 15 de junho de 2015: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha” (BRASIL, 2015, p. 01)11.
As decisões do STF e do STJ contribuíram para o entendimento de que a suspensão condicional do processo não poderia ser aplicada ao rito previsto na Lei Maria da Penha. Porém, observamos que, na prática judicial, há corrente contrária que sustenta a aplicabilidade do sursis (NICOLITT, 2012, p. 33). A posição é capitaneada especialmente por profissionais que atuam diretamente nos processos que envolvem violência contra a mulher, sendo estes os argumentos mais relevantes: 1) o objeto principal da ADI nº 4424 se limitava a analisar se o crime de lesão corporal seria processado por meio de ação penal pública condicionada ou incondicionada; 2) O objeto da ADC nº 19 seria a análise da constitucionalidade da previsão de retirada dos crimes contra a mulher da alçada do Juizado Especial Criminal; e 3) A proibição em se aplicar a suspensão não foi objeto de decisão específica pelo STF. Argumenta-se, ainda, que suspensão condicional do processo não faz parte do sistema do Juizado Especial Criminal, por mais que esteja prevista na Lei n. 9.099/95, pois encontra-se nos artigos referentes às “disposições finais”. (CAMPOS, 2015, p. 529; COSTA, 2014, p. 37-39).
Nas entrevistas com alguns dos profissionais do sistema de justiça, os relatos indicaram como argumentos favoráveis ao sursis: a celeridade, a possibilidade de um acompanhamento efetivo e a vigilância do Judiciário, apoiado por equipe multidisciplinar no período da suspensão. Durante o trabalho de campo, notamos constantes referências a pesquisa realizada no TJDFT pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS). No estudo, foram analisados 318 processos selecionados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), no período compreendido entre os anos de 2006 e 2012. Os processos foram divididos em dois grupos: a. com a aplicação da suspensão condicional do processo, composto por 94 processos; e b. sem a aplicação da suspensão e com prolação de sentença, composto por 224 processos. Verificou-se que a resposta judicial foi mais rápida no grupo a, em que houve a suspensão condicional do processo (média de sete meses entre a denúncia e a suspensão condicional do processo, comparado a 14 meses decorridos entre a denúncia e a prolação da sentença no grupo B, em que não houve a suspensão). E esse seria fator positivo quando se trata de violência contra a mulher, pois a resposta estatal deve ser dada de maneira célere (DINIZ, 2014, p. 30).
Ao longo dos anos, proliferaram também os argumentos contrários à suspensão condicional do processo. No estudo organizado por Leila Barsted (2011, p. 28-29), sobre a violência contra as mulheres no Brasil, concluiu-se que a Lei 9.099/95 apresenta soluções que são céleres e alternativas à prisão. Porém, a aplicação não é recomendada quando o conflito envolve a violência contra a mulher. Reitera-se que a dissimetria de poder nesse tipo de relação ocasiona um número elevado de desistências por parte das mulheres e, nos casos em que há o prosseguimento do processo penal, pode haver a sensação de impunidade quanto às penalidades aplicadas. Na pesquisa realizada por Costa em processos que tramitaram no TJDFT, entre os anos de 2006 e 2012, a autora constatou que, na maioria dos casos, houve a proposta do sursis com o pagamento de cestas básicas e a realização de conciliação, após a vigência da Lei Maria da Penha (COSTA, 2014, p. 37-39). A respeito da aplicação da suspensão condicional do processo após as decisões do STF e do STJ, Campos apresenta os seguintes argumentos contrários ao sursis: 1) não cabe ao Ministério Público descumprir decisão erga omnes do STF e, para a aplicação, haveria a necessidade de alteração legislativa; 2) o sursis apenas beneficia o autor e não a vítima, pois a concessão independe da manifestação da vontade da mulher; 3) a aplicação do sursis sugere a resistência dos profissionais em cumprirem a lei e aceitarem o novo “paradigma legal”; 4) a negativa em se aplicar a lei pode sugerir “uma disputa ideológica entre o feminismo e o tradicionalismo jurídico sobre a violência contra as mulheres”, e essa disputa poderia dificultar a implementação das varas especializadas (CAMPOS, 2015, p. 529).
Tais argumentos são compartilhados por alguns dos integrantes de movimentos feministas e podem ser identificados, com algumas variações, em distintos estudos (ALMEIDA, PEREIRA, 2012, p. 48; BANDEIRA, 2009, p. 427-428; BRASIL, 2016, p. 6-48). Uma das pesquisadoras entrevistadas enumerou as razões pelas quais o sursis não deveria ser aplicado:
Existe uma massificação das decisões durante o deferimento das medidas, não existe uma interpretação adequada para determinado caso. A maior dificuldade consiste na integração de medidas preventivas e punitivas, pois o Judiciário e o Executivo investem pouco na rede de atendimento à mulher, é como se não se levasse a sério a violência contra as mulheres. [...] Atualmente o que tem ajudado de fato são as medidas protetivas e não existe comprovação de que a suspensão condicional do processo seria mais eficaz, assim, não se justifica uma batalha acerca da suspensão, pois haveria a necessidade de se especificar que condições seriam essas, o que na verdade não deveria ser objeto de debate, já que existe uma decisão do STF que diz que veda essa aplicação (Pesquisadora A).
5. Os juizados de violência doméstica e familiar no TJDFT: mapeando o campo
Na condução desta pesquisa, as entrevistas em profundidade foram precedidas de visitas a varas especializadas e de entrevistas exploratórias com acadêmicos, especialistas na Lei Maria da Penha e profissionais que ocupam diferentes posições profissionais (entre 2014 e março de 2015)12. Inicialmente, contatamos os servidores públicos de cada um dos 19 juizados para a obtenção de informações sobre as práticas locais em relação à aplicação dos institutos da Lei 9.099/199513. Posteriormente visitamos quatro circunscrições judiciárias (Brasília, Riacho Fundo, Ceilândia e Samambaia), compostas por 7 juizados. Após, selecionamos duas circunscrições, que serão denominadas de Circunscrição A e Circunscrição B, para a descrição do funcionamento e agendamento das entrevistas.
Logo no início do trabalho de campo deparamo-nos com as dificuldades em se abordar o tema depois das decisões dos tribunais superiores. O receio em se admitir a prática do sursis sugeria desconfiança em relação aos interesses da pesquisa. As conversas com os servidores lotados nos juizados de violência doméstica e familiar permitiram construir um cenário sobre os locais cujo acesso seria dificultado ou mesmo interditado.
Como resultado preliminar da pesquisa exploratória, identificamos que, dos 19 juizados que compõem a estrutura do TJDFT, 14 aplicavam, ainda que eventualmente, a suspensão e 5 não a aplicavam14. Durante o trabalho de campo, observamos que, dependendo dos profissionais em atuação em determinado juízo, pode haver modificação desse cenário. Assim, é importante esclarecer que determinado juizado pode adotar um padrão decisório que é alterado conforme as substituições ao longo do ano.
Após, a fim de compreender as representações sociais dos atores que integram distintas organizações do sistema de justiça em relação ao tema, realizamos entrevistas em profundidade com 14 profissionais (dois analistas, um técnico, dois advogados, dois defensores, cinco promotores e dois juízes) que atuavam nas respectivas varas instaladas: uma que preponderantemente aplicava a suspensão (composta por um juizado, Circunscrição A) (6 entrevistas) e outra que, majoritariamente, não aplicava (composta por 2 juizados, Circunscrição B) (8 entrevistas). Decidimos não identificar os juízos que foram objeto desta pesquisa para proteger os profissionais que se disponibilizaram a participar das entrevistas. Para a compreensão do contexto dos juizados selecionados, esclarecemos que se encontram em comunidades consideradas predominantemente carentes. Os dados obtidos por meio das entrevistas foram divididos de acordo com cada categoria profissional para expor as distintas representações sociais em relação à aplicação do sursis nos casos de violência contra a mulher.
A circunscrição A atende à comunidade de duas regiões administrativas, e possui um juizado (Juizado A). Ele existe desde a criação da lei, no ano de 2006, porém, durante 9 anos, tinha competência também para os crimes de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95). Em 2014, criou-se vara especializada em violência doméstica e familiar naquela jurisdição. Portanto, durante a visita, notamos que os servidores ainda estavam se adaptando a essa nova realidade. No local, atuam 5 promotorias especializadas, criadas entre os anos de 2011 e 2014, um núcleo da Defensoria Pública para atendimento a violências doméstica e familiar e uma Procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos e Minorias – PRODHEM. A Circunscrição B é composta por 2 juizados (Juizado B e Juizado C). Ambos com competência geral entre 2006 e 2012, quando passaram a atuar de forma especializada na violência doméstica. Nessa circunscrição, também existem 5 promotorias especializadas desde o ano de 2012, bem como uma procuradoria de Defesa dos Direitos Humanos e Minorias – PRODHEM. As estruturas organizacionais das varas analisadas são similares.
6. Das representações aos sistemas sociais: desafios da sociologia do direito (e criminologias) “com o direito”
No projeto original que orientou o trabalho de campo, a análise das narrativas dos sujeitos da pesquisa conduziu-se a partir dos dispositivos teóricos propostos pela TRS (Teoria das Representações Sociais). Segundo a TRS, as representações sociais constituem-se em dispositivo metodológico cujo foco é conhecer uma dada realidade a partir da forma como ela é percebida pelos atores sociais (MOSCOVICI, 1978, p. 24). A teoria prevê dois mecanismos básicos que são utilizados na comunicação sócio-cognitiva: a ancoragem e a objetivação. A ancoragem transforma o desconhecido em conhecido, vinculando-o às representações sociais anteriores, com a finalidade de promover a comparação e a interpretação. A objetivação converte o desconhecido em conhecido, transformando-o em algo concreto e perceptível, tornando-o palpável e controlável no universo cognitivo (SÁ, 1995, p. 39). O foco foi compreender os significados da prática do sursis na Lei Maria da Penha.
Neste artigo, a proposta é utilizar o material empírico sob outro ângulo, que consideramos compatível com a TRS. O nosso olhar é redirecionado para o sistema jurídico-penal. As falas dos sujeitos da pesquisa sugerem práticas diferenciadas, nem sempre ajustadas aos discursos teóricos disponibilizados. A diversidade argumentativa supõe interpenetração entre as decisões dos membros das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico e o arsenal semântico (discursos) disponibilizados pelo sistema penal e pelos subsistemas criminológicos (MACHADO, 2014, p. 36-51; MACHADO, 2012, p. 77-107). As teorias podem atuar como redundância, na forma assumida pelo arsenal de conceitos jurídicos aplicáveis em um determinado momento, ou como variação, ou seja, informações novas provenientes, por exemplo, das ciências sociais e, particularmente, dos subsistemas criminológicos (LUHMANN, 2005, p. 411-425). Para o nosso interesse neste artigo, disponibilizam informação relevante para o sistema penal, pois justificam os processos decisórios em relação ao binário: aplicar o sursis processual / não aplicar o sursis processual.
Na leitura que fazemos do modelo apresentado por Pires (2004a, 2004b), a pesquisa empírica permite identificar, nas comunicações organizacionais (decisões jurídicas), discursos penais (sistema jurídico) e criminológicos (ciência), não raramente em concorrência com o senso comum. O que torna complexa a tarefa de mapear o autorretrato punitivo do direito penal, pois envolve outras variáveis relevantes. É o caso, por exemplo, das premissas finalísticas das comunicações organizacionais, como o gerenciamento do volume de trabalho ou as rotinas cognitivas (cultura organizacional), igualmente relevantes para compreender como decidem as organizações (LUHMANN, 2007, p. 655-672; MACHADO, 2014, p. 39-44). Neste artigo, argumentamos que as narrativas e as práticas decisórias (comunicações) sugerem pistas para compreender o fluxo comunicativo dos discursos teóricos selecionados e estabilizados em um determinado sistema social (no caso, o sistema penal).
Inicialmente, decidimos entrevistar os servidores do TJDFT (analistas e técnicos), profissionais que realizam o primeiro atendimento ao público e conhecem a tramitação processual nas Varas de Violência Doméstica e Familiar. Notamos que alguns deles atuam como oficiais de gabinete e colaboram na redação de decisões (despachos e sentenças). Portanto, embora sejam profissionais invisíveis na comunicação do sistema jurídico (espécie de ghost writers), revelam-se fundamentais na engrenagem da organização judicial e relevantes na forma como decidem os magistrados.
No transcorrer das entrevistas como os servidores do TJDFT, a hierarquia organizacional e a posição ocupada pelos sujeitos da pesquisa emergem como fator determinante nas narrativas. O receio em participar apenas era contornado pelo sigilo assegurado aos participantes. Os servidores enfatizavam a ausência de dados para dizer se a suspensão seria mais satisfatória que a decisão de mérito, mas demonstravam insatisfação quanto à impossibilidade de a mulher renunciar nos casos de lesão corporal, descrita nas falas como incongruência instituída pela legislação. A insatisfação objetivou-se na descrição binária do perfil dos atores envolvidos: “mulher incapaz” / “homem capaz” (MARKOVÁ, 2003, p. 186). Embora alguns dos atores demonstrassem receio em manifestar opinião sobre o tema “sem respaldo em dados científicos” (códigos verdadeiro/ falso), no transcorrer das entrevistas evidenciaram preferência pela aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995, e as referências ao sistema penal aparecem acompanhadas de críticas e desconfianças quanto à efetividade de eventuais sentenças condenatórias. A necessidade de punir os agressores cede espaço para o discurso de que devem ser enfrentados os contextos da violência com medidas que o sistema penal não dispõe.
Os magistrados ocupam posição central nos tribunais e a eles cabe decidir pela aplicabilidade ou não do sursis, após a proposta do Ministério Público e a aceitação do acusado. Em relação aos juízes, não buscamos compreender o complexo motivacional mas as representações sociais que configuram argumentos (justificativas jurídicas ou não) para a tomada de decisões. Na perspectiva sistêmica, observamos os padrões decisórios da seguinte forma: orientar-se pelos precedentes de tribunais superiores / não se orientar pelos precedentes dos tribunais superiores. Nos extensos relatos dos magistrados, o léxico utilizado sugere um perfil diferenciado e mais complexo da mulher, vítima da violência doméstica: “mulher com receio de novas agressões”; “mulher que continua o relacionamento conjugal por dependência emocional ou financeira”; “mulher que desiste do processo”. As narrativas sugerem também o perfil do agressor: “homem comum” e “homem sem habitualidade criminosa”. Uma das magistradas, com atuação no TJDFT há 9 anos e nos Juizados de Violência Doméstica há 1 ano, titular do Juizado C, localizado na circunscrição judiciária B (que não aplica majoritariamente a suspensão) explicita sua visão sobre o perfil do acusado:
Ele costuma ser um réu “daquele” processo, e um homem trabalhador nas outras questões da vida dele. Não é um assaltante, um homem que furta, um estelionatário. Ele é um homem que tem um problema no âmbito da família. Normalmente pega a pena mínima, que é aplicada em casos de soco, espancamento, que é de 3 meses em regime aberto, por ser réu primário, de bons antecedentes (Magistrada A).
Ao discorrerem sobre a suspensão condicional do processo, os relatos organizam-se segundo arsenal de conceitos que orientam a comunicação. As penas aplicadas em caso de condenação são consideradas baixas; e a solução penal, inadequada em muitos casos. De outro lado, o período de acompanhamento proporcionado pelo sursis é descrito como “mais efetivo para o contexto familiar”. Muitas vezes, agressor e vítima manteriam o vínculo afetivo, apesar do histórico de violência. Parte da argumentação dos magistrados (e servidores) ancora-se em justificativas que poderiam ser classificadas como pertinentes e afins à criminologia crítica “fiel” às raízes do projeto da década de 1970 (BARATTA, 1999; VAN SWAANINGEN, 1997). Subliminarmente, o direito penal é apresentado como seletivo e com viés ideológico. Uma das falas remete à classificação da ideologia da defesa social, notabilizada no texto de Baratta (BARATTA, 1999, p. 41-48) O discurso punitivo, contudo, não se encontra ausente, pois a condenação seria “essencial para os casos em que existe histórico de agressões”. No transcorrer das entrevistas, aparecem as diferenciações, e outros discursos são selecionados pelos sujeitos da pesquisa. Nos casos mais graves, nas reincidências, o repertório crítico é suplantado pela “necessidade de punição”, pelo suposto potencial pedagógico, exemplar e simbólico. O recurso a penas aflitivas remete à fórmula inscrita na racionalidade penal moderna (PIRES, 2004a). A concorrência de semânticas criminológicas contrapostas sugere o fluxo de discursos classificados por García como variação entre a “normatividade crítica” e a “razão punitiva” (GARCÍA, 2014, p. 188-189).
O material empírico interpela também aos sistemas organizacionais. As constrições da programação jurídico-penal surgem nas narrativas como faceta relevante na forma como decidem os tribunais (MACHADO, 2014, p. 38-40). Os relatos sugerem que as decisões podem levar a conflitos internos, pois o comando normativo nem sempre se ajusta à convicção pessoal. Um dos magistrados manifesta que, muitas vezes, “o sursis pode ser mais efetivo”, mas as decisões devem estar ajustadas à “previsão legal”, o que também sugere a constrição pelos parâmetros estabelecidos pelos tribunais superiores para a tomada de decisões. Apesar de não aplicar o benefício, a Magistrada narra a sua trajetória profissional em relação ao sursis e detalha o que qualifica de “efetivo”:
Já ocorreu, logo que eu cheguei aqui, porque eu ainda estava refletindo. Mas agora, depois de janeiro, da última manifestação do Supremo, tenho seguido a orientação. Em que pese eu achar que a pena é realmente muito baixa, a pena do “grosso” dos casos que acontecem aqui é lesão corporal. Por exemplo, ameaça, uma ameaça de um réu primário e com bons antecedentes, que em casa tem um péssimo relacionamento, comportamento ruim em casa e ameaça a sua esposa. Se você conseguir provar essa ameaça, vai dar um mês, ou um mês e pouco, então é meio aberto. Para você ver, em 5 anos ele já vai estar com o nome limpo de novo. [...] Então, tem [sic] muitos juízes ainda que são recalcitrantes em acompanhar o entendimento do Supremo [Tribunal Federal] por quê?! Porque com a suspensão do processo por dois anos ele não vai sujar o nome, mas, pelo menos, vai ter o desconforto de vir ao tribunal, à Vara, prestar contas, sem viajar, sem se mudar, de dois em dois meses por exemplo. Passar por isso em dois anos (Magistrada A).
O suposto “perfil do acusado” e a existência de um “contexto familiar” aparecem como argumentos recorrentes nas falas dos sujeitos da pesquisa. A descrição estereotipada aparece também nas entrevistas exploratórias com alguns dos servidores das varas contatadas. As falas, ainda quando remetem a formas alternativas de intervenção penal, não estão totalmente dissociadas da racionalidade penal moderna. Nos relatos dos magistrados, a descrição do procedimento do sursis processual remete à idéia de punição. As restrições impostas como condições para homologação dos acordos teriam impacto semelhante ao de punições; em outras palavras, o benefício acabaria sendo, em alguns casos, mais “oneroso” (aflitivo na descrição de Pires) que a própria condenação. O magistrado B, com atuação no TJDFT desde 2011, e lotado como substituto no juizado A (da Circunscrição A, que aplica a suspensão) expõe suas razões:
[...] embora exista a decisão do STF, eu entendo que é possível a utilização da suspensão condicional do processo, porque aquela decisão não é a melhor saída para os casos envolvendo violência doméstica. Quando o Supremo decide a lide de certa forma, não chega a analisar o caso concreto na prática, o que se vê é que a suspensão condicional do processo tem uma eficácia, pois a pessoa tem a ideia de que está sendo processada, de que existe uma punição, uma resposta.[...] Posso citar como exemplo o caso de uma mulher que procurou o juizado para que fosse mantido o processo, argumentando que durante o período em que o processo ficou suspenso houve uma mudança comportamental do agressor da água para o vinho, o que demonstra que o fato de estar sendo processado pode vir a ocasionar uma mudança comportamental (Magistrado B).
Os promotores de justiça também ocupam uma posição fundamental, pois são os profissionais com atribuição legal para apresentar a proposta da suspensão condicional do processo ao acusado. No transcorrer das entrevistas identificamos posições claramente divergentes: promotores favoráveis à proposta do sursis/ promotores contrários ao sursis. Alguns daqueles que se posicionam favoravelmente, amparados naquilo que descrevemos como “semântica ajustada ao pensamento hegemônico na formulação inicial do discurso criminológico crítico”, remetem a uma imagem difundida do direito penal (setores acadêmicos específicos), associada à seletividade da intervenção penal e ao caráter “ideológico” das teorias que legitimam as penas (BARATTA, 1999, p. 147-170; VAN SWAANINGEN, 1997, p. 1-10). Alguns dos relatos distanciam-se do viés criminológico crítico e se ajustam a uma visão pragmática na gestão dos conflitos. A pena aplicada não seria efetiva para a proteção da vítima, o potencial dissuasório das penas é colocado em xeque, e sugerem ser recomendável para a proteção das vítimas a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/1995. As narrativas permitem identificar, assim como em relação aos magistrados e servidores, construção distinta do sursis processual. As condições impostas poderiam trazer o sentimento de responsabilização ao agressor, como forma também aflitiva, “quando previstas condições adequadas para o cumprimento”. A mensagem subliminar sobre a “necessidade de punição” surge como elemento discursivo que remete à razão punitiva, ainda quando enfocados institutos como o sursis processual.
Alguns dos relatos são especialmente críticos em relação à semântica criminológica feminista, que ancora a necessidade de criminalização ao potencial simbólico do direito penal (LARRAURI, 2000, p. 216). Sob o enfoque organizacional, a crítica estende-se ao que é identificado como fundamento das práticas dos tribunais. A posição dos tribunais superiores é descrita como meramente simbólica (direito penal simbólico) e distante da realidade e das situações vivenciadas nas rotinas dos tribunais. A suspensão poderia, com o acompanhamento dos envolvidos e procedimentos terapêuticos, ser muito mais efetiva do que a condenação. Um dos relatos sugere que seria “melhor para todos os envolvidos, mas especialmente para a vítima”, manter o acusado sob a vigilância do Judiciário pelo período de 2 anos a aplicar condenação de 3 meses de detenção (exemplo da lesão corporal) em regime aberto. Nesse sentido:
[...] com a suspensão, você deixa o processo parado por um tempo, a situação fica mais bem fiscalizada, ele não perde o trabalho e tem uma resposta estatal, que na maioria das vezes é bem melhor do que uma condenação. [...] Se tiver a suspensão, fica lá dois anos, ele vai prestar serviço à comunidade. Se necessário, a gente pode colocar as medidas protetivas pra durarem esse tempo todo, o que não acontece se houver a condenação. Acabou a condenação, e ele cumpriu, o processo principal é extinto e as medidas protetivas também vão embora. É por isso que eu acho muito melhor a suspensão. Eu acho melhor pra mulher [sic] e pro autor [sic] também (Promotor C).
Um dos promotores de justiça mostrou-se desfavorável ao sursis, muito embora compartilhasse os perfis dos acusados e vítimas com os colegas de profissão favoráveis à aplicação. Sua justificativa fundamenta-se no ordenamento jurídico (premissa condicional): “É preciso respeitar a decisão proferida pelo STF” (Promotor B). No entanto, com a ressalva de que, em determinados casos, poderiam utilizar esse procedimento. A visão sobre o papel dos tribunais superiores também é objeto de crítica pelo distanciamento da realidade local. O STF surge como “tribunal de matérias constitucionais” e o STJ como o “tribunal de matérias infraconstitucionais”. O relato sugere que acompanha a posição dos magistrados da circunscrição B, contrários ao sursis. Exceto em casos específicos, quando observa que esse procedimento será mais efetivo.
O STF não devia cuidar dessas “coisinhas”, o certo seria o STJ. O nosso Supremo Tribunal Federal é um negócio estranho, ele cuida demais de questões de primeiro grau, quando ele não existe pra isso. O problema levado a ele deve ser constitucional. Bem, o argumento que utilizamos para continuar aplicando a suspensão condicional é dizer que o instituto da suspensão condicional do processo é supralegal, e por acaso está na Lei nº 9.099/95, mas não se aplica só aos crimes de menor potencial ofensivo. E acho que o STF ao dizer que não podia, ele fechou a porta pra uma solução que é muito boa, pra muitos casos (Promotor D).
Mesmo entre os promotores de justiça contrários à aplicação do sursis, há insatisfação quanto à resposta penal. A constrição dos programas jurídicos aparece como premissa (condicional) relevante nas comunicações (MACHADO, 2014, p. 39). Em uma das falas, há preocupação de que eventuais decisões possam ser “questionadas juridicamente e reformadas em caso de recurso”. Por outro lado, pesquisas na área, como a “capitaneada por Diniz (2014) no TJDFT, poderiam sensibilizar os tribunais” quanto à necessidade de se repensar a solução jurídica estabilizada nos precedentes:
O estigma da Lei 9099/95 pesa de tal forma sobre a suspensão condicional que impede as pessoas de verem o quanto esse instituto pode ser, se bem administrado, profundamente eficaz para esse tipo de conflito. Por mais que se busquem argumentos jurídicos para justificar a não aplicação do instituto, o motivo é, a meu ver, meramente simbólico e, até que me mostrem o contrário, sem base em qualquer evidência empírica. A possibilidade de se monitorar o conflito por dois, e em alguns casos até quatro anos, é fantástica se comparada às outras respostas que lhe são alternativas. É o que vejo no dia a dia (Promotor E).
Na fase exploratória da pesquisa, as entrevistas com dois promotores de justiça com longa experiência em promotorias especializadas contra a violência doméstica e familiar permitem adensar o fluxo da racionalidade penal moderna e de semânticas criminológicas concorrentes. Um dos relatos, ancorado em pesquisas empíricas e conhecimento da literatura sociológica, procurou situar o que denominou como movimento de mulheres. As posições contrárias (das feministas) à aplicação da Lei 9.099/1995 decorreriam de anos de experiências negativas nos juizados especiais criminais. O que seria compreensível na avaliação do promotor. A fala remete à gravidade da violência contra a mulher e à “necessidade de punição”: (...) Essas medidas não colaboravam para repressão (punir) e nem para prevenir novas agressões, o que oficializava a omissão do estado em punir todo tipo de agressão (Promotor A). Mas a fala também coloca em questão o discurso contrário ao sursis e diverge do que descrevemos como semântica criminológica “mais dura” ou punitiva. Na descrição da suspensão do processo, a imagem remete à ideia de que ele também pode ser “penoso para o agressor” e “mais efetivo” se as condições são adequadas. Em outras palavras, apesar de previsto como benefício ao acusado, se “aplicado corretamente” traria a “responsabilização ao autor do crime”. O critério de correção é explicitado: durante a suspensão do processo deve haver um acompanhamento efetivo por equipes multidisciplinares com o foco nos contextos de violência.
O relato de outra entrevistada, promotora de justiça com mais de 15 anos de experiência profissional, com atuação nas varas especializadas, revela-se mais duro e crítico ao que descreve “como luta de setores feministas pela hegemonia na condução da política pública de intervenção nos casos de violência contra a mulher”. O relato sugere disputas entre profissionais (acadêmicos) e operadores do direito que atuam diretamente nos casos da Lei Maria da Penha.
(...) A Lei Maria da Penha, por fugir da proposta tradicional de abordagem do conflito, dando voz aos protagonistas, pode sim se revelar um instrumento de intervenção eficaz. Tudo depende de como ela vai ser utilizada. Acho que a Lei Maria da Penha, principalmente com as medidas protetivas de urgência e sua clara indicação dialógica, traz a possibilidade sim de aperfeiçoamento dos instrumentos processuais de forma a adequá-los às necessidades que surgem dos casos concretos (Promotora B).
Uma questão central para este artigo é o papel dos tribunais na comunicação jurídica. Compreender como decidem as organizações supõe percorrer extenso rol de premissas decisórias. As condicionais, forma prototípica do direito/ não direito, as finalísticas, orientadas por fins específicos, e a cultura organizacional. Certamente nem tudo o que decidem os juízes comunica direito/ não direito. Além disso, nem todas as decisões dos tribunais superiores, apesar do papel central que ocupam na organização do judiciário e na diferenciação interna do sistema jurídico, são as decisões mais ajustadas ao direito válido. No caso em foco, podemos argumentar que, após a súmula 536 do STJ e precedentes do STF, restou juridicamente afastada a hipótese de sursis processual, extraindo-se, assim, a norma cuja função é a estabilização de expectativas normativas (LUHMANN, 2005). Outra frente de análise, valiosa para a sociologia do direito (e criminologias) “com o direito”, é identificar se os profissionais da área jurídica consideram os precedentes (e a súmula) como premissa condicional nas suas decisões (organizações comunicam por meio de decisões) ou se premissas finalísticas associadas às peculiaridades dos casos concretos, aos interesses das vítimas, às expectativas quanto às funções das penas, levam a decisões divergentes do comando normativo (MACHADO, 2014, p. 39). Se for assim, deparamo-nos com uma questão central para o enfoque proposto: que efeitos as decisões que aplicam o sursis reverberam na comunicação jurídica (ressonância)?
As narrativas e as comunicações organizacionais (decisões) sugerem aspectos relevantes para a proposta de descentralização dos sujeitos e de reorientação do foco para o sistema penal e os sistemas organizacionais. Sob o enfoque sistêmico, as percepções dos atores e as decisões organizacionais (LUHMANN, 2007, p. 655 e ss) permitem observar o fluxo de comunicações de diferentes sistemas sociais. Nesse caso, as codificações do sistema jurídico-penal (direito/ não direito) e dos subsistemas criminológicos (verdadeiro/ falso) sugerem irritações e formas diferenciadas de construção interna sobre a intervenção penal nos casos de violência de gênero. A peculiaridade das soluções juridicamente instituídas revela a policontextualidade do objeto de pesquisa. A produção normativa (Lei Maria da Penha) pode ser observada como comunicação concreta do sistema político em relação aos institutos da Lei 9.099/1995; particularmente, a sua inadequação para os casos previstos na Lei Maria da Penha. E devemos considerar que a positivação do direito (comunicação) se constitui em “política em ação” (decisão) para o sistema político, tanto instrumental quanto simbólica. Por outro lado, os discursos criminológicos desvelam variações na observação da norma (MACHADO, 2012).
A aceitação da tese de que os institutos da Lei 9.099/1995 não se aplicam aos crimes previstos na Lei Maria da Penha orienta-se por premissa condicional típica do sistema jurídico (programa condicional do direito positivado). A mensagem de que o artigo 41 da Lei Maria da Penha instituiu diferenciação de tratamento para a violência contra a mulher foi validada pela decisão do STF que reconheceu a constitucionalidade da opção legislativa. Alguns dos discursos (emanados de servidores, magistrados, promotores) que justificam as decisões divergentes em relação aos precedentes dos tribunais superiores também se fundamentam na distinção do sursis em relação aos demais institutos da Lei 9.099/1995. A suspensão não se trataria de benefício para crimes de menor potencial ofensivo e, “acidentalmente”, foram inseridos na referida lei.
Nesse ponto, os argumentos formais orientam-se pelo binário controvertido/ não controvertido. A mensagem é de que ainda paira controvérsia e sugere novas distinções, o que traz informação relevante para a redundância do sistema jurídico. As razões substanciais conduzem-se pela heterorreferência: os interesses das vítimas, na forma da razão prática e da “expertise do operador” (LUHMANN, 2005, p. 415-420). Interessante observar, de outro ângulo, que os argumentos que, direta ou implicitamente, rechaçam os saberes criminológicos justificadores da reprimenda penal, não deixam de selecionar o potencial aflitivo do sursis. A observação do fluxo comunicativo sugere a estabilização de mensagem que reafirma a estrutura telescópica do pensamento hegemônico no sistema penal moderno. Na descrição de Pires, a decisão que aplica o sursis também se orienta pela racionalidade penal moderna (PIRES, 2004a, p. 52).
Na leitura que propomos para análise final do material empírico da pesquisa, sugerimos compatibilizar essa visão com as transformações semânticas dos discursos criminológicos críticos. A estabilização da vítima como componente central em algumas análises da criminologia feminista (reconhecidas as variações) sugere um fio condutor para a releitura de propostas que oscilam entre a “normatividade crítica” e a “razão punitiva” (GARCIA, 2014, p. 188-189). Nas transformações das semânticas criminológicas críticas o pretenso potencial dissuasório da pena emerge como vetor relevante na costura discursiva daquilo que um leitor apressado poderia interpretar como binários inconciliáveis (ser crítico e pedir mais punição).
A semântica criminológica feminista que selecionou a inaplicabilidade de medidas despenalizadoras pela assimetria das relações de poder entre agressor e vítima ancora-se em pesquisas empíricas que indicaram a banalização da violência machista, as quais acabariam reforçando a sensação de impunidade e de impotência das vítimas (abertura cognitiva à variação). O discurso construiu-se a partir de reflexões teóricas alicerçadas em pressupostos epistemológicos consistentes (redundância) (LUHMANN, 2005, p. 453 e ss). Por outro lado, em vez da ponderação (imaginação criminológica) sobre formas alternativas e diversificadas de intervenção jurídica, que poderiam contribuir para o aperfeiçoamento das medidas despenalizadoras e a aprendizagem com as experiências, tanto positivas quanto negativas, com as práticas institucionais, o discurso aproxima-se (seleciona) do pensamento hegemônico que configura o autorretrato punitivo do direito penal moderno (penas aflitivas). A estabilização da forma jurídica “intervenção penal sem a possibilidade de aplicação dos institutos da Lei 9.099/1995” operou-se, nesta variante das criminologias feministas, pela seleção dos direitos humanos como componente da razão punitiva. E assim, a crítica ao direito penal foi reconstruída e evoluiu segundo fórmula discursiva dominante no sistema penal moderno (estabilização em semânticas criminológicas diferenciadas).
Conclusões
As decisões que aplicam o sursis processual podem ser criticadas sob diferentes ângulos. De fato, nem sempre são estabelecidas condições que instituam a intervenção social nos casos de violência de gênero e, em alguns casos, as decisões (que oferecem e homologam) podem se orientar por premissas estritamente gerenciais, como a gestão do fluxo e do volume de processos. Além disso, nem todos os juizados contam com o apoio técnico adequado e de equipes multidisciplinares para atuarem sobre os fatores relacionados aos contextos de violência doméstica. E pode e deve ser questionado se as metodologias de intervenção aplicadas (sociais, psicológicas, etc.) são adequadas e se seguem os protocolos dos subsistemas da ciência (verdadeiro/ falso). O que requer a necessidade de constante aperfeiçoamento nas práticas de intervenção penal quando contempla soluções jurídicas diversas. Um ponto, porém, merece destaque (a partir do nosso ângulo de observação – segunda ordem): as decisões que aplicam o sursis constituem-se em comunicações divergentes que podem produzir ressonância e irritação no sistema jurídico, no sistema político e nos subsistemas criminológicos.
Estamos diante de várias possibilidades que apenas podem ser anunciadas para pesquisas futuras, conforme nossa observação (segunda ordem) dos diferentes sistemas sociais. A divergência pode ser relevante se juridicamente problematizada pelos teóricos e profissionais do mundo do direito (promotores, advogados) e reavaliada pelos tribunais. A preocupação com os interesses protegidos e os contextos da violência de gênero podem levar à evolução interpretativa que reconsidere as formas de intervenção penal na Lei Maria da Penha. O que supõe a reconfiguração dos argumentos jurídicos a partir da variação (pesquisas na área) e reconstrução do arsenal de conceitos estabilizado para a tradução do tema à linguagem jurídica. Em outras palavras, novas distinções pelo sistema jurídico.
A ressonância das decisões divergentes (oferecer/ homologar o sursis) nos movimentos sociais de defesa da mulher pode (ou não, segundo contingências sistêmicas) levar à seleção pelos sistemas sociais de novas distinções quanto à intervenção penal divergente da racionalidade penal moderna. Se a variação será selecionada pelo pensamento “hegemônico” (PIRES, 2004b, p. 17-18) que orienta as semânticas criminológicas feministas (verdadeiro/falso) e estabilizará mensagem que contemple medidas despenalizadoras para a violência contra a mulher, em comunicações reelaboradas e reorientadas internamente pela normatividade crítica, apenas o tempo dirá.
O ruído para o sistema político supõe critérios que vão além da mera tradução de mensagens do sistema jurídico (decisões dos tribunais) ou de semânticas criminológicas concorrentes (ciências sociais, de forma geral). A mudança legislativa envolve processos complexos e afinados às mensagens do público, o que supõe ceticismo de observadores atentos quanto à reorientação pela normatividade crítica. As demandas pela criminalização, na atualidade, parecem mais ajustadas aos programas políticos, o que sugere dificuldades em relação a propostas divergentes da racionalidade penal moderna.
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Luhmann distingue entre argumentos formais e argumentos substantivos. Com os primeiros, o sistema aciona a autorreferência; com os últimos, a heterorreferência. A argumentação substantiva evita que o sistema se isole completamente. A heterorreferência remete aos interesses juridicamente protegidos (LUHMANN, 2005, p. 457-458).
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Conforme o enfoque sistêmico, as organizações comunicam por meio de decisões (LUHMANN, 2007, p. 655-672; MACHADO, 2014, p. 36-42).
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O conceito de irritação remete à categoria operacional proposta na abordagem sistêmica. A irritação relaciona-se à forma como as mensagens do entorno são processadas internamente pelos sistemas. Apenas os sistemas definem aquilo que é significativo para as suas operações internas (LUHMANN, 2007, p. 625-635).
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A autora remete à técnica sugerida por Pires (2004, p. 173).
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A diferença meio-forma refere-se ao estado interno dos sistemas. As palavras, acopladas de maneira frouxa, são aglutinadas em orações e adquirem forma temporal. O sistema opera ligando o meio a formas próprias. Estas se conservam com a ajuda de dispositivos próprios como a memória, a escrita, os textos impressos. O uso reiterado condensa o sentido das palavras. Apenas as formas podem acoplar-se aos sistemas e não o substrato medial. As frases, e não as palavras, formam um sentido determinado e que pode ser processado na comunicação (LUHMANN, 2007, p. 150-154).
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Conferir a evolução das semânticas criminológicas críticas no continente europeu, bem como a diversificação dos campos de interesse e objetos de estudos (selecionados e estabilizados), especialmente entre 1970 e 1990 (VAN SWAANINGEN, 1997, P. 74-107).
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E nesse ponto fazemos leitura da proposta de Pires ajustada aos nossos interesses. Redirecionamos o foco para a diversidade do movimento feminista em relação à intervenção penal (PIRES, 2004a, p. 58-60).
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Segundo esse enfoque, a luta contra a descriminalização sexual requer que se estabeleça a proteção à vida da criança após o seu nascimento (MACKINNON, 1991).
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Usamos a expressão para evitar a armadilha que supõe a generalização de assertivas como tais: “a criminologia feminista sustenta” ou “assim pensa a criminologia feminista”. No enfoque sistêmico as organizações, como sistemas sociais, observam e distinguem, diferentemente do que pontua Mary Douglas (MACHADO, 2014, p. 27).
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Uma proposta para contemplar a seleção do enfoque penal pelos movimentos sociais encontra-se na chamada teoria das “equivalências”, apresentada na obra seminal Hegemony and Socialist Strategy (LACLAU, MOUFFE, 1985). O que requer, obviamente, dada a complexidade do tema, um estudo futuro.
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Essa súmula do STJ não possui caráter vinculante e fundamentou-se em alguns julgados já seguidos pelas turmas do tribunal, tais como o Habeas Corpus 173664 MG 2010/0093123-0 (Decisão:28/08/2012; DJe: 12/09/2012) e o Habeas Corpus 198540 MS 2011/0039567-2 (Decisão:19/05/2011; DJe :08/06/2011).
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As entrevistas em profundidade foram realizadas pela pesquisadora Priscila Moraes Rego, sob orientação de Bruno Amaral Machado, e teve como ponto de partida um roteiro com as principais questões para a pesquisa. As entrevistas, cuja duração foi entre 45 minutos e uma hora, foram gravadas com autorização dos sujeitos da pesquisa. Obviamente o guia foi apenas o ponto de partida pois os participantes discorreram sobre muitos outros aspectos do trabalho, todos relevantes para a pesquisa.
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A esse respeito, recordamos algumas falas que desencorajavam as entrevistas: “Entrevista? Nós servidores ou os magistrados não podemos dar entrevista” [Analista C]; “Para poder fazer essa entrevista você terá que solicitar diretamente na corregedoria, porque nós não podemos conceder entrevista” [Analista D].
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A primeira tentativa de mapeamento das decisões (comunicações organizacionais) em relação ao tema foi a pesquisa no sistema informático do TJDF. Como os dados, no período da busca, não estavam completamente disponíveis ou especificados (sursis ou suspensão de outra natureza), essa informação foi obtida nas entrevistas exploratórias com os servidores públicos de todos os juizados especiais em violência doméstica e familiar do TJDF.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul 2017
Histórico
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Recebido
04 Fev 2016 -
Aceito
20 Set 2016