Resumo
Quando define a pauta de julgamento, o presidente do STF também seleciona qual caso julgar. Este artigo argumenta que a escolha entre selecionar uma controvérsia concreta ou um julgamento de uma lei em tese, quando questões constitucionais idênticas estão em jogo, poderia gerar problemas de inconsistência e incoerência nos julgamentos. Nessas situações, o resultado do julgamento poderia não ser fruto de uma empreitada colegiada, mas sim da regra de seleção de casos. A solução seria uma deliberação sobre qual caso julgar.
Palavras-chave: Pauta de julgamento; Seleção de casos; Paradoxo doutrinário
Abstract
In Brazilian Supreme Court, the chief justice has the power of agenda-setting. By doing that, he also has the power of case selection. Through case selection, the chief justice is able to prioritize a concrete case instead of an abstract judicial review regarding the same constitutional issue. In situations like that, this paper argues that case selection could entail problems of inconsistency and incoherence. The result of the judgement turns out to be a mere consequence of the case selection rules, instead of a truly collegiate decision. In those cases, the court should deliberate on the case selection through the so-called meta-vote.
Keywords: Agenda-setting; Case selection; Doctrinal paradox
Introdução1
Nos últimos anos, a execução provisória da pena após condenação em segunda instância foi tema recorrente na pauta do plenário do Supremo Tribunal Federal. No auge da operação Lava-Jato, a discussão adquiriu carga política, mobilizou a opinião pública e expôs uma corte dividida.
Em 2016, o tribunal alterou uma jurisprudência consolidada há sete anos, e passou a entender possível a execução provisória da pena após condenação em segunda instância. Em 2018, após notícias de bastidores indicando uma nova alteração no placar que garantiria o retorno à jurisprudência anterior, iniciou-se uma tensão interna. Para rediscutir a matéria, existiam duas opções disponíveis: a ADC 43, ação de controle abstrato que discutiria a questão em tese, ou o HC 152.752, que discutia o caso concreto da prisão do ex-presidente Lula após decisão do TRF-4 que confirmou sua condenação. Após demonstrar resistência em rediscutir o caso, a presidente do tribunal optou por pautar o habeas corpus. Precisamente por se tratar de uma discussão concreta, o voto decisivo para a questão, da ministra Rosa Weber, logrou a manutenção da jurisprudência predominante até então, pela constitucionalidade da execução provisória da pena.
Duas ações, com temas de fundo idênticos, aguardavam julgamento do tribunal. Uma delas discutia a questão em tese. A outra, um caso concreto. A seleção de qual caso julgar teve implicações para o resultado do julgamento e, consequentemente, para a consistência decisória. Este artigo propõe uma solução institucional para evitar ou mitigar os efeitos desse tipo de problema: situações nas quais uma escolha relativa ao processo decisório determina o resultado do julgamento de cortes colegiadas.
Guardadas as devidas proporções, os efeitos desse tipo de situação podem ser aproximados do que Kornhauser e Sager (1993) denominam “paradoxo doutrinário”. O termo indica situações nas quais, a depender do protocolo de votação adotado, o colegiado possa chegar a resultados distintos. Em uma corte colegiada, é necessário estabelecer algum método para transformar o conjunto de posições individuais em uma posição da corte, como órgão coletivo. Nesse processo, diversos desafios podem fazer com que essa agregação de votos individuais reflita com menos exatidão uma empreitada coletiva. Se isso ocorre, o julgamento padece de inconsistência coletiva. Quando a soma de votos individuais puder chegar a resultados distintos, a depender do modo como esses votos são agregados, é a forma de contagem de cabeças que resolve o julgamento.
Assim como a definição do protocolo de votação, a seleção de casos pode levar a situações similares: a depender do caso selecionado, o resultado pode ser distinto. Em situações como essas, o produto da atividade do tribunal reflete com menos exatidão uma empreitada coletiva. Esse pode ser um problema para a legitimidade democrática do tribunal e para a construção de precedentes sólidos.
A solução é que o colegiado delibere previamente sobre qual regra adotar, por meio do que Kornhauser e Sager (1993) denominam meta-voto. Argumento que, em situações nas quais existam ações de controle abstrato e concreto com temas de fundo idênticos, ambas aguardando julgamento, a adoção de um meta-voto poderia mitigar problemas de incoerência e estimular que o resultado do julgamento reflita com mais exatidão uma empreitada coletiva.
O artigo será dividido em quatro partes. Na primeira seção, discorro sobre os desafios de julgamentos colegiados e apresento o problema que ficou conhecido como paradoxo doutrinário. Nas seções 2 e 3, aproximo a escolha do procedimento para agregar os votos dos membros do colegiado à seleção a respeito de qual caso julgar, indicando como a seleção do caso a ser julgado pode ter implicações para seu resultado. Por fim, a seção 4 apresenta como a adoção do meta-voto, em determinadas circunstâncias, poderia ser virtuosa ao funcionamento do STF.
1. Desafios em julgamentos colegiados
Existem boas razões para que tribunais e, de modo especial, cortes constitucionais sejam órgãos colegiados. A literatura aponta que cortes colegiadas têm maior probabilidade de chegar a decisões corretas (KORNHAUSER; SAGER, 1986)2. A estrutura colegiada permite a adoção do método decisório da deliberação, que é visto como uma virtude por ampliar a qualidade das razões fornecidas pelo tribunal (KORNHAUSER, 1992; MENDES, 2013, p. 66). Quando a corte é composta por mais de um membro, a responsabilidade da decisão é diluída em diversos atores, o que pode ser bom para a construção da reputação do tribunal como instituição (BOLONHA et. al., 2017).
Apesar das virtudes, julgar colegiadamente traz diversos desafios. Se a corte é colegiada, o resultado do julgamento precisa refletir uma empreitada coletiva. Uma decisão colegiada não equivale à mera agregação de posições individuais. Quando um julgamento reflete uma empreitada coletiva, ele é capaz de construir uma posição do órgão colegiado, que independe de cada uma das posições individuais que a compõem. E isso depende de (i) como os membros do tribunal interagem entre si, (ii) de como essa interação é transformada na posição da corte, e (iii) como ela é endereçada aos interlocutores.
Tanto as regras do processo decisório quanto o comportamento dos membros do tribunal podem afetar essa empreitada coletiva. Neste artigo, darei especial atenção a uma regra: o modo de agregação de posições dos membros do tribunal.
Quando um caso é decidido por um juiz individual, não há problemas neste raciocínio lógico: após identificar qual é a questão Q a ser respondida, as premissas X e Y sempre levarão à conclusão Z. Em cortes colegiadas, contudo, isso nem sempre ocorre. Kornhauser e Sager (1993) apresentam o seguinte exemplo hipotético para ilustrar essa complexidade:
Suponha que P processe D por danos morais decorrentes da quebra de contrato. D, em sua defesa, afirma que jamais celebrou um contrato vinculante, mas, ainda que tivesse celebrado, cumpriu com todos seus compromissos (KORNHAUSER; SAGER, 1993, p. 11, tradução livre).
No caso hipotético mencionado pelos autores, a questão Q a ser respondida é: P deve ressarcir D por perdas e danos? Para responder a essa questão, é necessário passar por duas premissas. A primeira delas é (i) houve a celebração de um contrato? A segunda é (ii) D cumpriu com seus deveres? É dessas duas premissas X e Y que decorre a conclusão Z.
Cabe ao tribunal estruturar um raciocínio que leve à conclusão de procedência ou improcedência. Esse raciocínio pode ser cindido, simplificadamente, nas seguintes etapas: (i) qual é a questão Q a ser respondida pelo tribunal, (ii) quais são as razões X e Y que permitem responder à questão, e (iii) qual é a conclusão Z, adotada a partir das razões X e Y.
Existem diversas combinações para as premissas X e Y. No exemplo hipotético, a premissa X pode ser respondida de dois modos: houve um contrato ou não houve um contrato. Também a premissa Y pode ser respondida de dois modos: D cumpriu ou não cumpriu com seus deveres. Se a resposta à premissa X for negativa, a conclusão Z será pela inexistência de responsabilidade. Se for positiva, a conclusão Z dependerá de seu juízo sobre a premissa Y: se D cumpriu com seus deveres, não há obrigação de ressarcimento; se não cumpriu, há dever de indenizar.
Quando um juiz individual decide um caso, isso não é um problema. Haverá uma única resposta a cada uma das premissas X e Y, e esse raciocínio sempre levará a um resultado Z coerente. Um juiz individual poderia entender, por exemplo, que houve a celebração de um contrato, mas D não cumpriu com seus deveres. A conclusão Z seria que há dever de reparação.
Em cortes colegiadas, contudo, cada membro do tribunal pode adotar uma combinação diversa. Cada voto individual irá enunciar o caso de determinada forma, estabelecer as premissas, fornecer uma resposta para cada uma das premissas e, a partir delas, chegar ao resultado. A existência de múltiplas combinações em distintos votos pode dificultar a contabilização do resultado do julgamento. Aplicando o exemplo hipotético para um tribunal de 11 ministros, a existência de múltiplas combinações poderia levar a correntes distintas, nenhuma delas atingindo a maioria de votos:
Exemplo hipotético de ocorrência de paradoxo doutrinário. Fonte: Elaboração própria, a partir do modelo de Kornhauser e Sager (1993)
Em casos como esse, o método de contabilização dos votos ganha ainda mais importância. Kornhauser e Sager (1993) identificam que há duas formas de agregar os votos, denominadas “protocolos de votação”. A primeira contabiliza separadamente as respostas para cada uma das premissas X e Y presentes em cada voto. A partir da resposta para cada uma dessas premissas, se infere o resultado.
No exemplo hipotético, esse protocolo de votação contabilizaria primeiro todas os votos a respeito da existência ou não de um contrato. Na premissa, X, 8 dos 11 ministros entendem que houve a celebração de um contrato. A segunda etapa seria responder a premissa Y, isto é, se D cumpriu ou não com seus deveres. Na premissa Y, a maior parte desses ministros (5 de 8) entende que D não cumpriu com seus deveres. A partir da resposta às premissas, a conclusão seria pela existência de dever de ressarcimento. Esse protocolo de votação, que contabiliza as premissas, é denominado pelos autores questão-por-questão (issue-by-issue).
A segunda forma de agregar votos, que os autores denominam caso-por-caso (case-by-case), contabiliza diretamente a conclusão Z de cada membro do colegiado a respeito da questão jurídica. No exemplo hipotético, esse protocolo de votação contabilizaria a resposta que cada membro do colegiado daria à questão “P deve ser ressarcido por perdas e danos?”. A contabilização direta do resultado indicaria a existência de 6 votos entendendo que não há dever de ressarcimento.
O exemplo hipotético da Tabela 1 mostra que, em algumas circunstâncias, a escolha do protocolo de votação pode levar a resultados diferentes. Caso o tribunal adote o protocolo de votação questão-por-questão, concluirá que há dever de ressarcimento; caso adote o protocolo de votação caso-por-caso, concluirá pela não há dever de ressarcimento. Kornhauser e Sager (1993) denominam essa situação “paradoxo doutrinário”. Se, a depender do protocolo, chega-se a decisões distintas, o produto da empreitada colegiada padece de um problema de consistência e coerência.
Os atributos da coerência e consistência são virtudes que deveriam ser almejadas por órgãos judiciais porque atendem ao objetivo de tratar os sujeitos do processo de modo justo, o que depende de permitir que as pessoas antecipem os resultados e seus julgamentos (KORNHAUSER; SAGER, 1986). Uma decisão é consistente quando atende ao estado de não-contradição. Isso depende de que ela (i) enuncie uma construção lógica com argumentos e regras que apontam para um único resultado e (ii) não entre em contradição com o corpo de decisões tomadas ao longo do tempo, salvo se para corrigir uma posição considerada incorreta3. Já a coerência seria um atributo do sistema jurídico. Ela está presente quando as decisões refletem uma mesma concepção sobre o direito em questão, a teoria da decisão e o desenvolvimento do sistema jurídico (KORNHAUSER; SAGER, 1986).
Caso o paradoxo doutrinário ocorra, a decisão colegiada terá dois problemas. Em primeiro lugar, (a) o resultado do julgamento não será reflexo de uma empreitada coletiva, mas sim decorrência do modo como os votos foram contabilizados. A corte, como entidade coletiva, não ofereceu uma justificativa para o resultado. Os votos trazem uma determinada fundamentação e, quando contabilizados, apontam para um resultado que vai no sentido oposto. Em segundo lugar, (b) caso a comunicação da decisão espelhe essa confusão, há uma dissonância entre a fundamentação e a decisão. Consequentemente, pode existir uma dificuldade de mobilizar este julgamento como fonte de autoridade para decisões futuras (KORNHAUSER; SAGER, 1986 p. 57). Esses problemas afetam a consistência do julgamento e a coerência na concepção que a corte constitucional possui sobre o significado da empreitada coletiva de julgar
Se o julgamento não for resultado de uma empreitada coletiva, isso pode ser um problema para a legitimidade democrática do tribunal. A teoria entende que processos colegiados de tomada de decisão chegam a decisões melhores, desde que o julgamento reflita uma empreitada coletiva. Se isso não ocorre, a atividade do tribunal tem falhas, porque não goza das virtudes de um julgamento colegiado: não maximiza seu potencial deliberativo e tem menos chances de chegar a um resultado correto.
Todo processo de tomada de decisão coletiva corre o risco de enfrentar esse problema. A situação pode ser ainda mais complexa do que o exemplo hipotético. Quanto maior o número de premissas envolvidas na resolução do caso, maior a quantidade de possíveis combinações e, portanto, maior a complexidade da decisão. No extremo, seria possível que cada um dos votos adotasse uma premissa diferente, o que levaria a várias posições distintas. A situação também fica mais complexa se os membros do tribunal encararem o caso como uma questão Q distinta.
O desenho das regras de elaboração do acórdão pode potencializar problemas na agregação de votos. Essas regras estabelecem como ocorrerá a comunicação da decisão aos interlocutores. A depender de como o acórdão é elaborado, a inconsistência do julgamento pode se refletir no documento escrito do qual decorre a decisão. Decisões prévias são consideradas fonte de autoridade porque foram tomadas pelo tribunal como instituição. Porém, para que uma decisão vincule os tomadores de decisão futuros, é necessário ter clareza a respeito do que foi decidido, e por qual razão. É dizer: em razão das premissas X e Y, o tribunal chegou, naquele caso, ao resultado Z.
A literatura brasileira já diagnosticou que, mesmo em uma decisão unânime, pode ser difícil identificar qual foi a razão de decidir do tribunal. Isso ocorre porque os votos podem ter fundamentações distintas, apesar de chegarem em um mesmo resultado. O acórdão somará diversos votos que convergem em um resultado, mas não em suas fundamentações. A dificuldade de identificar o que o tribunal decidiu tem implicações para sua atividade. Se não é possível saber a razão pela qual o tribunal, como instituição, chegou a determinada decisão, é difícil saber qual é a orientação fornecida por aquele precedente para casos futuros (VOJVODIC et. al., 2009).
Como o STF também padece de patologias na comunicação da decisão, a ocorrência de um paradoxo doutrinário será prejudicial tanto para a legitimidade democrática do tribunal quanto para a construção de precedentes sólidos.
Os autores apresentam uma solução ao problema do paradoxo doutrinário. Em situações nas quais se verificasse um risco de resultado distinto, a depender do protocolo de votação adotado, o tribunal deveria realizar uma deliberação prévia a respeito de qual o melhor método de agregação de votos. A essa deliberação prévia os autores dão o nome de “meta-voto”. O meta-voto possibilitaria que os juízes debatessem sobre as consequências das regras de tomada de decisão e o significado da empreitada coletiva de julgar. Ele evitaria os problemas de coordenação descritos e prestigiaria a coerência e a consistência (KORNHAUSER; SAGER, 1993, p. 58).
Para que o resultado dos julgamentos seja uma empreitada efetivamente coletiva, seria necessário, em circunstâncias de paradoxo doutrinário, deliberar e refletir sobre os impactos deste protocolo de votação.
2. Protocolos de votação e seleção de casos
O paradoxo doutrinário, da forma como acima conceituado, é causado pela multiplicidade de protocolos de votação. É possível enunciá-lo de um modo mais genérico: ele é um problema de coordenação em julgamentos coletivos, que ocorre em razão do desenho institucional do processo decisório do tribunal. Em razão do modo como o grupo de juízes decide, o julgamento torna-se inconsistente e pode ser arbitrário, a não ser que esses juízes deliberem previamente sobre qual é a regra mais adequada para reger o processo de tomada de decisão no caso concreto. O paradoxo doutrinário mostra que o desenho das regras de funcionamento do colegiado pode ter implicações para o resultado dos casos. Nessa hipótese, o mais prudente é decidir como decidir para, em seguida, deliberar sobre o mérito do caso.
Generalizar o conceito do paradoxo doutrinário pode ser útil para revelar que outras regras do processo decisório também podem ter implicações para seu resultado. Neste artigo, argumento que uma regra específica pode, no desenho institucional do STF, ter efeitos similares àquele identificado no paradoxo doutrinário: a seleção de casos por meio da definição da pauta de julgamento.
Compete ao presidente do tribunal determinar a pauta de julgamento de cada sessão do plenário físico, a partir dos casos que aguardam julgamento. Só podem ser selecionados os casos já liberados para julgamento pelo relator ou com vistas devolvidas por qualquer ministro que tenha interrompido o julgamento (BARBOSA, 2020).
De acordo com o Regimento Interno do STF (RISTF), o presidente do tribunal é eleito pelos seus pares para mandato de dois anos, em escrutínio. Apesar das previsões regimentais, a prática institucional consolidada no tribunal é de que sejam eleitos para os cargos de presidente e vice-presidente os ministros mais antigos no tribunal que ainda não tiverem exercido os cargos4. O poder de selecionar quais casos serão julgados pelo plenário físico é discricionário e concentrado nas mãos do ministro que ocupa a presidência do tribunal5.
O RISTF prevê que as deliberações no tribunal ocorrem em sessões de julgamento abertas. Os votos são, em regra, tomados sequencialmente, em ordem decrescente de antiguidade, com exceção do relator, que vota sempre primeiro, e do presidente do tribunal, que vota sempre por último. O resultado dessa deliberação é o acórdão, documento escrito que não é a transcrição exata da sessão de julgamento, mas ilustra o que nela foi decidido (KLAFKE, 2015). Em razão da prática do tribunal, é frequente que cada ministro elabore e junte seu voto, ainda que pretenda simplesmente acompanhar o voto do relator (SILVA, 2013). Caso não junte seu voto, o extrato da ata indicará que o ministro votou, acompanhando uma das correntes (KLAFKE; PRETZEL, 2014). O protocolo de votação do STF é, como regra fixa, orientado pelo resultado (case-by-case).
Em razão de sua ampla jurisdição, o STF congrega distintas competências, e aglutina funções de foro judicial especializado, tribunal de última instância e corte constitucional (VIEIRA, 2008). Seu modelo de controle de constitucionalidade é classificado como misto, por congregar o controle abstrato com o controle concreto de constitucionalidade (ARANTES; KERCHE, 1999).
No primeiro tipo de controle, a constitucionalidade é discutida em tese, sem que exista um caso concreto, e com partes, subjacente. No segundo, a discussão sobre a constitucionalidade é uma premissa essencial à decisão de um caso concreto. É necessário decidir se a norma em questão fere a Constituição para definir o resultado da lide e, com isso, o destino das partes envolvidas no caso (CAPPELLETTI et. al, 1999).
Em razão da convivência entre o modelo abstrato e concreto, é possível que uma mesma questão jurídica chegue ao tribunal a partir de espécies distintas de controle de constitucionalidade.
A escolha entre julgar a ação de controle abstrato ou a ação de controle concreto pode, assim como no caso do protocolo de votação, ter implicações para o resultado. O seguinte caso hipotético pode ilustrar essa distinção. Imagine que uma lei estadual estabelece condições para o exercício da liberdade de reunião, exigindo o pedido de autorização sempre que se pretender a realização de uma manifestação, sob pena de multa. Determinado grupo tem o pedido de autorização negado, mas decide realizar manifestação ainda assim. Posteriormente, os organizadores da manifestação recebem a cobrança de multa em razão do descumprimento da lei.
Diante desse cenário, uma associação de classe de âmbito nacional ajuíza uma ação direta de inconstitucionalidade em face da lei estadual (ADI), argumentando violação ao direito de liberdade de reunião previsto na Constituição Federal. Simultaneamente, os organizadores multados em razão do descumprimento da lei estadual questionam judicialmente a obrigação de pagar a multa em razão do descumprimento da lei estadual. Eles argumentam que a lei viola sua liberdade de reunião e, por ser inconstitucional, a multa seria indevida e abusiva. Após decisões do juízo de primeiro grau e do tribunal, o caso chega ao Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário (RE) 6. A opção entre julgar a controvérsia constitucional da ADI ou do RE pode levar a resultados diferentes.
No caso da ação de controle abstrato, o tribunal deve responder se as restrições impostas pela lei estadual violam a liberdade de reunião. Essa questão pode ser cindida em mais de uma premissa, tais como (a) se lei pode estabelecer restrições à liberdade de reunião, (b) caso possa estabelecer restrições à liberdade de reunião, se a lei pode condicionar a realização da manifestação a uma autorização prévia, e (c) caso possa condicionar a realização da manifestação a uma autorização prévia, se a sanção de multa é razoável, ou se fere o direito à liberdade de reunião.
No caso da ação de controle incidental, o tribunal deve responder se os organizadores da manifestação devem pagar a multa. A resposta a essa questão depende do juízo de constitucionalidade da lei, o qual, por sua vez, depende das mesmas premissas descritas no parágrafo anterior. Contudo, além dessas premissas, diversas questões relativas ao caso concreto podem afetar o resultado. É possível que o governo estadual não tenha impedido a manifestação, mas sim condicionado à realização em outro local ou em data distinta, e que a sugestão tenha sido ignorada pelos organizadores. A depender do raciocínio, esse ou quaisquer outros elementos relacionados ao caso concreto podem afetar o resultado.
Em situações como essas, a seleção do caso a ser julgado pode ter implicações para o resultado. O exemplo hipotético envolvendo multa por realização da manifestação, discutido acima, mostrou que tanto ações de controle abstrato quanto ações de controle concreto podem depender de múltiplas premissas para a obtenção do resultado. Contudo, a ação de controle concreto sempre dependerá de mais premissas do que a ação de controle abstrato: para além dos elementos necessários ao deslinde da questão abstrata de constitucionalidade, será necessário avaliar as particularidades do caso concreto para verificar como ele se amolda à questão jurídica.
Elementos do caso concreto podem não apenas ampliar a complexidade do julgamento como também influenciar na resposta que o tribunal confere à própria questão jurídica. O caso concreto pode fazer com que o tribunal interprete o direito de modo diferente daquele como interpretaria se estivesse julgando o caso em tese, sem um caso concreto por trás e sem partes envolvidas.
Quando o tribunal julga uma questão constitucional, nem sempre enuncia com clareza as questões constitucionais que lhe são colocadas. Nem sempre coloca expressamente as premissas por trás do raciocínio (VOJVODIC et. al., 2009). É possível, por exemplo, que um voto se limite a indicar, no RE, que a multa não deve ser cobrada, enunciando diretamente a conclusão. A partir deste raciocínio, não fica claro como o voto responde a cada uma das premissas necessárias à conclusão do caso. É possível que esse voto tenha partido da premissa de que toda limitação à liberdade de reunião seria inconstitucional. Esse mesmo voto pode, contudo, ter partido da premissa de que é constitucional estabelecer restrições à liberdade de reunião, mas essa restrição, especificamente, seria desproporcional. Não fica claro, em outras palavras, até que ponto os elementos do caso concreto influenciaram o juízo constitucional. Consequentemente, não fica claro qual é a orientação que esse entendimento fornece para decisões futuras do tribunal. A ação de controle concreto permite que juízes confundam as premissas ou propositalmente evadam a resposta de parte da questão constitucional7. Na ação de controle abstrato de constitucionalidade, é mais difícil fugir: os votos terão a obrigatoriedade de enfrentar a questão constitucional.
Ainda que o tribunal enuncie com clareza as questões constitucionais que são premissas à resolução do caso, persistirá o problema da agregação das opiniões. No caso da ação de controle concreto, há um maior número de premissas: além dos elementos relacionados às questões constitucionais, o tribunal deve seguir na análise dos elementos concretos para só então inferir o resultado. Cada voto pode resolver premissas de modo distinto. Há ainda mais combinações possíveis para a obtenção da opinião da corte. A depender do modo como as premissas são combinadas, o resultado do caso poderá ser distinto. Consequentemente, há ainda mais riscos de ocorrência de um paradoxo doutrinário.
Em verdade, não é incomum que, ao julgar a lei em tese, um tribunal chegue a decisões distintas daquelas às quais chegaria caso julgasse um caso concreto. Também é verdade que a formatação do procedimento decisório sempre afetará, em algum nível, o resultado do julgamento, e poderá ser mobilizada estrategicamente pelo tribunal.
Na Suprema Corte norte-americana, por exemplo, a doutrina “case or controversy” exige que todos os casos apreciados pela corte envolvam uma lide e tenham consequências imediatas para as partes envolvidas (BICKEL, 1986, p. 115). Ao vedar a apreciação de casos em abstrato, essa doutrina também assegura que o julgamento de questões constitucionais ocorra somente depois que a legislação impugnada já foi testada na realidade, e quando já é possível ter ciência de boa parte dos litígios que dela podem surgir. Essa doutrina é uma das ferramentas que podem ser utilizadas para evitar a apreciação de questões controversas e facilitar a aceitação da decisão pelos outros poderes e pela sociedade (BICKEL, 1986, p. 116).
No conteúdo de uma decisão de mérito, a dosagem da profundidade com a qual a corte trata a questão constitucional e o caso concreto também pode ser utilizada como ferramenta para propositalmente deixar questões constitucionais em aberto. Esse manejo permitiria que o tema continuasse em debate na sociedade e nos poderes eleitos pelo povo, o que, segundo parte da literatura, prestigiaria a democracia deliberativa (SUNSTEIN, 2001). Em razão da possibilidade de restringir-se ao caso concreto e evitar a apreciação de controvérsias quando assim desejar, há quem argumente que supremas corte caracterizadas pelo controle concreto de constitucionalidade conseguiriam evitar com mais sucesso a exposição à política do que cortes constitucionais, que realizam o controle abstrato de constitucionalidade (COMELLA, 2003; SCHEPPELE, 2006).
A existência de resultados dissonantes não é um problema. O problema ocorre somente quando estão preenchidas três condições: (i) uma suprema corte possui um modelo de controle de constitucionalidade no qual convivem o controle abstrato e concreto; (ii) uma mesma questão constitucional chega à corte por meio da interpretação da lei em tese e de uma controvérsia concreta e (iii) a corte constata uma possível dissonância de resultados, a depender do caso selecionado. Caso presentes esses três requisitos, o colegiado deveria deliberar e decidir se é melhor julgar o caso concreto ou a lei em tese. A corte continua tendo a possibilidade de, se assim desejar, utilizar ferramentas para evitar decidir. O importante, contudo, é que essa seja uma decisão proposital do colegiado, e não fruto de uma regra regimental ou de uma escolha não externalizada.
O exemplo hipotético desta seção mostra como a seleção de um caso, na hipótese de convivência entre ações de controle abstrato e de controle concreto com temas idênticos, pode ter implicações para o resultado do caso. A seleção de casos é, assim como o protocolo de votação, um elemento do desenho institucional do processo decisório do tribunal que pode afetar o resultado dos julgamentos. Em razão do processo de seleção de um caso, o produto da atividade do tribunal pode ser inconsistente. Na seção 3, ilustro, a partir de um exemplo concreto, como isso pode ocorrer.
3. A seleção de casos e o paradoxo doutrinário
O Supremo Tribunal Federal tem fartos exemplos de casos com temas idênticos que chegam ao tribunal tanto em ações de controle concreto quanto em ações de controle abstrato. A discussão sobre criminalização da homofobia, por exemplo chegou ao tribunal por meio do MI 4733 e da ADO 26; a discussão sobre constitucionalidade do transporte individual de passageiros por de aplicativos chegou por meio da ADPF 449 e do RE 1054110. Nesses dois exemplos, as ações foram julgadas conjuntamente pelo tribunal. Contudo, o exemplo desta seção mostrará que isso nem sempre ocorre.
A seleção de uma espécie de controle de constitucionalidade em detrimento de outra pode produzir consequências para o resultado, tal qual ocorreria com a seleção do protocolo de votação. Foi o que ocorreu na discussão a respeito da constitucionalidade da execução provisória da pena após condenação em segunda instância. Nela, o tribunal teve que decidir se a execução de pena após a condenação em segunda instância violava o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
A execução provisória da pena consiste na determinação de prisão imediata do réu após condenação em segunda instância, mesmo sem o trânsito em julgado. O precedente mais remoto do plenário que discutiu o tema era da década de 1990. Até 2009, o tribunal entendia possível iniciar a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado. Em 2009, no HC 84.078, o plenário do STF passou a entender que a execução provisória da pena violava o princípio da presunção de inocência.
Sete anos após essa decisão, e no auge da operação Lava-Jato, a questão foi ressignificada e passou a ser uma agenda dos defensores do recrudescimento da legislação penal para o combate à corrupção (RODRIGUES; ARANTES, 2020). Nesse contexto, o Tribunal voltou a analisar a questão da execução provisória da pena, no HC 126.292, julgado em 17.02.2016. Por maioria de cinco votos a quatro, o tribunal alterou a jurisprudência e passou a entender possível a execução provisória da pena.
Em 2017, a imprensa começou a noticiar nova mudança na maioria do tribunal. Especulava-se que o entendimento seria alterado, em grande medida por conta de mudança espontânea no posicionamento do ministro Gilmar Mendes. Nessa época, o ministro Marco Aurélio identificou oportunidade para liberar para julgamento o mérito de uma ação de controle abstrato (ADC 43), de sua relatoria. A ação trazia uma nova possibilidade de rediscutir o tema, desta vez com efeitos vinculantes. Ela havia sido ajuizada pouco depois do julgamento do HC 126.292, em 2016, e chegou a ter a liminar indeferida colegiadamente em outubro do mesmo ano, confirmando o entendimento do HC 126.292.
Apesar de ter sido liberada para julgamento no final de 2017, a ação não foi pautada pela então presidente, ministra Cármen Lúcia. A opção por não pautar gerou tensão dentro do tribunal, com pressão de alguns ministros para a rediscussão do caso (PUPO, 2018a; ESTADÃO, 2018). A ministra presidente, Cármen Lúcia, se recusava a pautar novamente a discussão (COLON, 2018), apoiada por parte dos colegas (PUPO, 2018b; G1, 2018; KRAKOVICS, 2018).
Em janeiro de 2018, o ex-presidente Lula foi condenado no TRF-4 por corrupção passiva, confirmando sentença do então juiz Sérgio Moro (VENAGLIA, 2018). Era ano de eleições e, com isso, a condenação em segunda instância implicaria não apenas na prisão imediata, como também significaria um obstáculo à sua participação na campanha. Nesse contexto, em fevereiro de 2018, a defesa de Lula impetrou habeas corpus no STF, argumentando a inconstitucionalidade da execução provisória da pena (HC 152.752).
Existia, portanto, uma ação de controle abstrato (ADC 43) e uma ação de controle concreto (HC 152.752) aguardando julgamento. Ambas as ações envolviam a mesma questão constitucional. Nelas, o tribunal deveria responder se a execução provisória da pena violava a Constituição Federal.
Na ação de controle abstrato, essa questão era essencial para reconhecer se o art. 283 do Código de Processo Penal seria constitucional. No habeas corpus, a questão era uma premissa para responder se havia ilegalidade na decisão do tribunal de segundo grau que determinou a prisão imediata do ex-presidente Lula, após condenação em segunda instância. A ação de controle concreto, contudo, envolvia outras premissas inexistentes na ADC. Uma dessas premissas foi essencial para, no caso, determinar um resultado distinto: a existência ou não de ilegalidade na decisão atacada.
Diante da multiplicidade de ações discutindo o mesmo tema, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, optou por selecionar para julgamento apenas o habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula, deixando de lado a ação de controle abstrato. A tão solicitada rediscussão do tema ocorreu em sede da ação de controle concreto.
Seis ministros concordavam que a execução provisória da pena violava a presunção de inocência prevista na Constituição Federal. Contudo, apenas cinco ministros verificavam a existência de ilegalidade apta a, no caso concreto, ensejar a concessão da ordem de habeas corpus.
O voto decisivo para a manutenção do posicionamento foi da ministra Rosa Weber. Para a ministra, o posicionamento do STF era consolidado desde 2016, no sentido de impedir a execução provisória da pena. Seu posicionamento pessoal era pela existência de violação ao princípio da presunção de inocência, mas essa não era, desde 2016, a posição do tribunal. Logo, não seria possível falar em ilegalidade flagrante, pois a decisão do tribunal de origem teria sido proferida com respaldo na jurisprudência dominante do tribunal. Por essa razão, a ministra concluiu pela denegação da ordem de habeas corpus. Ela fez questão de indicar que, se estivesse em jogo a ação declaratória de constitucionalidade, seguiria seu posicionamento pessoal e votaria pela mudança na jurisprudência8. Em decorrência deste voto, o tribunal manteve sua jurisprudência inalterada.
A ADC 43 foi julgada apenas em novembro de 2019. Na ocasião, o STF alterou sua jurisprudência, e passou a entender que a execução provisória da pena viola a presunção de inocência.
Os eventos ocorridos no julgamento da execução provisória da pena exemplificam como a seleção de um caso pode gerar efeitos similares àqueles decorrentes da escolha por um protocolo de votação: são escolhas que afetam o modo como os votos são contabilizados e, consequentemente, o resultado. É verdade que essa situação é muito distinta daquela que os autores tinham em mente, e que o STF possui muitos outros problemas na forma como tratam precedentes e trocam razões que, por si só, colaboram para a inconsistência da forma como descrita por Kornhauser e Sager. Ainda assim, argumento que a seleção de casos pode ser um elemento que colabora para uma situação de inconsistência de incoerência, de uma forma ainda não adequadamente capturada pela literatura brasileira.
Se o caso citado como exemplo tivesse sido julgado em sede de controle abstrato, a questão constitucional teria sido diretamente enfrentada, independentemente de peculiaridades do caso concreto. Consequentemente, o resultado teria sido outro. Isso não significa que o novo resultado teria sido mais correto do que aquele ao qual o tribunal chegou. Não é uma questão de qual decisão teria sido a mais acertada. O caso tão somente ressalta que uma regra regimental - a seleção de casos -, e não a deliberação do colegiado, foi responsável pela conclusão de um julgamento.
É verdade que a própria questão constitucional poderia ser subdividida em distintas premissas. Seria possível, por exemplo, cindir a questão “a execução provisória da pena viola a presunção de inocência?” nas premissas (a) a prisão imediata do réu após condenação em segunda instância equivale a considerar o réu culpado? (b) ela viola a presunção de inocência? Neste caso, persistiria o problema da agregação de votos e o risco de ocorrência de um paradoxo doutrinário. Seria possível imaginar distintas combinações de respostas para cada premissa, ainda que a obviedade das questões, no exemplo concreto, torne essa tarefa difícil. Alguns ministros poderiam entender que a prisão do réu equivale a considerá-lo culpado, mas que isso não viola a presunção de inocência; outros, que a prisão equivale a considerar o réu culpado, o que viola a presunção de inocência; outros, ainda, que a prisão imediata não equivale a considerá-lo culpado e, logo, não viola a presunção de inocência.
A opção da presidente do tribunal por julgar um caso concreto, contudo, aumenta a complexidade do problema porque acrescenta mais premissas necessárias à resolução do julgamento e, portanto, mais possibilidades de combinações distintas e mais possibilidades de chegar a um resultado inconsistente. No caso, acrescenta a seguinte questão: há flagrante ilegalidade na prisão do ex-presidente Lula após condenação em segunda instância? A resposta a essa terceira premissa, como visto, foi essencial ao resultado do caso. É por isso que, se a ação de controle abstrato tivesse sido selecionada, o resultado seria distinto.
Por trás da opção entre julgar um caso ou outro está o poder de seleção de casos9. A escolha a respeito de qual caso selecionar pode ser responsável por essa inconsistência nos julgamentos. Como lidar com essa consequência da seleção de casos? É possível evitar esse tipo de inconsistência ou garantir que o tribunal tome decisões menos arbitrárias e mais deliberadas quando situações como essas ocorrerem? A literatura responde que sim, e a solução se encontra no que se denomina meta-voto. É o que será discutido na seção 4.
4. O meta-voto para seleção de casos
A seção 3 indicou que, em sistemas nos quais o controle concreto de constitucionalidade convive com o controle abstrato, o poder de selecionar um caso em detrimento de outro pode ter implicações similares àquelas decorrentes da seleção do modo de agregação de votos. Presentes determinadas premissas, a seleção de casos pode afetar o resultado. A depender do caso selecionado, a conclusão do julgamento pode ser distinta. Isso indica que a seleção de casos poderia levar a uma situação de inconsistência que a literatura denomina paradoxo doutrinário.
Para resolver o problema do paradoxo doutrinário, Kornhauser e Sager (1993, p.33) sugerem a adoção do que denominam meta-voto. Na hipótese em que a escolha do modo de agregar os votos pudesse afetar o resultado, o tribunal deveria deliberar sobre qual protocolo de votação deveriam adotar. Enunciado de modo mais genérico: na hipótese em que uma escolha afetasse o produto da atividade do tribunal, essa escolha deveria também ser objeto de deliberação colegiada.
A adoção do meta-voto, para os autores, teria diversas vantagens. Ela possibilitaria o desenvolvimento de uma jurisprudência consistente e capaz de refletir a vontade efetivamente coletiva. Preservaria a autonomia de cada juiz no momento de proferir seu voto, mas ofereceria uma flexibilidade para tomar a melhor decisão, a depender dos elementos do caso concreto. Neste meta-voto, o colegiado deveria deliberar se permanece com o protocolo de votação padrão, caso-por-caso, ou se separa as premissas e adota o protocolo de votação questão-por-questão. (KORNHAUSER; SAGER, p. 57).
Os autores afirmam que, para a logística interna do tribunal, o protocolo de votação caso-por-caso facilita o trabalho e evita eventuais impasses, justificando que ele seja a regra geral. Mas, em circunstâncias nas quais a soma de votos a partir desse protocolo pudesse levar a interpretações pouco precisas, incoerentes ou arbitrárias, o colegiado deveria optar pelo protocolo de votação questão-por-questão (KORNHAUSER; SAGER, 1993, p. 58).
É possível argumentar pela necessidade de aplicar a solução do meta-voto para resolver também os problemas de inconsistência e incoerência trazidos pela seleção de casos. O meta-voto pode ser uma virtuosa ferramenta para solucionar ou ao menos remediar problemas de incoerência que, como visto, são similares àqueles trazidos pelo paradoxo doutrinário. Com esse intuito, há duas opções de mudanças institucionais possíveis.
A primeira delas seria a adoção de um meta-voto a respeito do próprio protocolo de votação. O meta-voto deveria ser deliberado por todos os membros do colegiado e motivado, indicando as razões que favorecem o julgamento de uma ou de outra ação. Identificando a possibilidade de inconsistência ou de decisão arbitrária, seria possível optar pelo protocolo de votação questão-por-questão. A seleção deste protocolo tomaria o voto por premissas, e a resposta do caso seria diferente: o tribunal concluiria que a execução provisória da pena viola o princípio da presunção de inocência.
Esse tipo de solução poderia ser viabilizada por ferramentas que já existem no regimento interno, como a formulação de uma questão de ordem antes da discussão do mérito do caso. Foi por meio de uma questão de ordem em um caso concreto que, em 2016, o relator do HC 126.292 suscitou a primeira alteração jurisprudencial, por meio da qual o tribunal passou a entender possível a execução provisória da pena.
Como visto, contudo, essa solução pode não resolver o problema da seleção de casos em sua totalidade. A possibilidade de optar por uma ação de controle abstrato ou uma ação de controle incidental não apenas potencializa problemas decorrentes das regras de agregação de opiniões individuais em uma corte colegiada. A seleção de casos também tem problemas próprios, com consequências similares: o caso concreto pode afetar o juízo sobre a questão constitucional. Por isso, é mais efetivo adotar uma segunda solução: o meta-voto sobre qual caso selecionar. Nas situações em que a seleção do caso a ser julgado tem implicações para o resultado, com risco de inconsistência, o tribunal deveria deliberar sobre qual caso selecionar: a ação de controle abstrato ou a ação de controle concreto.
No exemplo da execução provisória da pena, trazido na seção 3, a raiz da inconsistência foi justamente a opção por julgar o habeas corpus, em detrimento da ação de controle abstrato. A possibilidade de uma deliberação colegiada sobre qual caso julgar poderia evitar essa inconsistência. No caso citado como exemplo, um meta-voto teria levado à opção pelo julgamento da questão abstrata.
Pelo desenho institucional e a prática do STF, compete ao presidente do tribunal selecionar quais casos comporão a agenda de julgamentos do STF. A decisão é individual, imotivada e discricionária. O presidente pode selecionar a ação que desejar, dentre aquelas que aguardam julgamento. A solução institucional de adoção do meta-voto não retiraria esse poder das mãos do presidente. O desenho institucional dos poderes de agenda, sem dúvida, deve ser objeto de revisão, mas uma reforma global é complexa e demanda reflexão a respeito de todas as possíveis implicações das regras que ditam o que será julgado pelo tribunal e, igualmente importante, quando (BARBOSA, 2020).
A proposta do meta-voto pretende remediar apenas um dos problemas que decorrem da discricionariedade na seleção de casos: os efeitos da seleção de casos para o resultado, em hipóteses nas quais aguardam julgamento ações de controle abstrato e controle incidental com temas idênticos. Essa proposta tem, contudo, vantagens. Ela poderia ser operacionalizada por mera alteração regimental - ou até mesmo pela simples alteração na prática do colegiado em casos como o descrito, e não afetaria em grande escala a atividade do tribunal.
Essa alteração institucional teria que conviver com outros problemas que já existem no desenho institucional do STF. O principal deles é a existência de outras ferramentas capazes de adiar decisões e, com isso, controlar o tempo dos julgamentos, como a prerrogativa de liberação para julgamento e a possibilidade de interrompê-los por meio de pedido de vista.
Pode ocorrer um problema logístico na hipótese em que ações de controle abstrato e incidental aguardem julgamento, mas uma delas ainda dependa da liberação para julgamento pelo relator. Por meio do ato de liberação para julgamento, o relator indica que o caso está devidamente instruído, o relatório está finalizado e ele está pronto para proferir seu voto. A etapa de liberação para julgamento é essencial para que o caso esteja disponível para inclusão em pauta. Apesar de competir ao presidente selecionar quais ações comporão a pauta de julgamento, ele seleciona as ações a partir do universo de casos disponíveis para julgamento.
É possível que apenas uma das ações sobre o tema esteja aguardando julgamento e, portanto, apta à inclusão em pauta. No exemplo citado na seção 3, isso ocorreria caso o ministro Marco Aurélio não tivesse liberado a ADC 43 para julgamento. Nessa hipótese, existiria apenas uma ação disponível para julgamento - o habeas corpus, de controle incidental. Há duas formas de lidar com essa realidade: a primeira é determinar que apenas ações plenamente instruídas e disponíveis para julgamento sejam objeto de um meta-voto. Nessa hipótese, se um dos casos não estivesse disponível para julgamento, não haveria um meta-voto, e a corte julgaria a ação que se encontra disponível - no caso exemplo, o habeas corpus.
A segunda solução é que o meta-voto seja possível em qualquer circunstância, inclusive com relação a ações ainda não liberadas para julgamento. Nesse caso, na deliberação do meta-voto, o tribunal poderia optar por julgar a ação que ainda aguarda liberação para julgamento, tão logo o relator cumprisse com sua obrigação e a liberasse.
Ambas as soluções não são ideais porque a ausência de limites para a liberação para julgamento é um problema por si só. Caso o meta-voto se destine apenas a ações disponíveis para julgamento, os relatores passam a deter a prerrogativa de evitar um meta-voto. No exemplo citado na seção 3, isso ocorreria se o relator da ADC, sabendo que o meta-voto teria que ocorrer caso a ação estivesse liberada para julgamento, deixasse de liberá-la. Em consequência, o habeas corpus seria a única ação disponível para julgamento, e não haveria a necessidade de um meta-voto. Com isso, um único ministro evitaria a deliberação do meta-voto e decidiria, sozinho, qual ação será julgada.
Caso o meta-voto possa abarcar todas as ações ajuizadas perante o tribunal, inclusive aquelas que não foram liberadas para julgamento, um meta-voto pode atrasar o julgamento da questão constitucional. No exemplo citado, é o que ocorreria se o tribunal optasse por julgar a ADC 43, e ela ainda não tivesse sido liberada para julgamento. Nessa hipótese, o tribunal também não julgaria o habeas corpus. O julgamento da questão constitucional dependeria da opção do relator por liberar o caso para julgamento. Até que o relator liberasse o caso para julgamento, nenhum dos dois casos seria julgado.
Entre ambas as soluções, talvez a melhor alternativa seja restringir a aplicação do meta-voto apenas a casos plenamente instruídos e, como tal, disponíveis para julgamento. Ainda que isso dê aos relatores o poder de evitar a ocorrência de um meta-voto, essa solução evita atrasar a prestação jurisdicional em uma ação plenamente instruída e pronta para julgamento, tão somente para aguardar uma ação cujo julgamento poderá ocorrer em momento futuro e incerto.
De qualquer modo, não há solução ideal, porque essa dificuldade expõe outro problema: os efeitos que o uso do tempo produz para o resultado dos casos (ARGUELHES; HARTMANN, 2017). Por meio de ferramentas como a liberação para julgamento pelo relator, inclusão em pauta pelo presidente ou pedido de vista, qualquer ministro consegue impedir a ocorrência de julgamentos e, com isso, adiá-los indefinidamente (ARGUELHES; RIBEIRO, 2018a; ESTEVES, 2020). Esse é um problema mais complexo que traz diversos prejuízos à legitimidade democrática do tribunal (ARGUELHES; RIBEIRO, 2018b; BARBOSA,2020). Ainda assim, a adoção do meta-voto para seleção de casos, nas circunstâncias narradas, já avança porque propõe uma deliberação e resolve problemas de incoerência em casos disponíveis para julgamento. Essa deliberação pode também aumentar o ônus imposto ao ministro que impede ou atrasa o julgamento.
É possível argumentar, ainda, que essa solução prejudicaria a dinâmica das atividades do tribunal, trancando a pauta apenas com meta-votos. Isso não procede, contudo, porque poucos são os casos nos quais verifica-se a situação de paradoxo narrada no exemplo da seção 3. Além disso, o recurso ao expediente de fatiar votações a partir das questões constitucionais não é algo novo no tribunal. Isso já foi adotado, por exemplo, durante o julgamento do mensalão (COSTA, 2012; FALCÃO et. al., 2013).
Não seria possível, por fim, obter as mesmas vantagens do meta-voto com um julgamento conjunto das ações, tal qual já ocorreu com diversas ações de temas idênticos julgadas pelo tribunal. Os exemplos deste artigo mostraram que as situações de inconsistência decorrem da seleção de uma regra em detrimento de outra, com implicações para o resultado dos julgamentos.
Julgar os casos conjuntamente não resolveria o problema porque a opção por julgamentos conjuntos não é ocasional e também tem por trás uma escolha (CANI, 2020). Quando casos são julgados conjuntamente, é usual que se decida apenas uma das ações e, com base no resultado desse juízo, se aplique o mesmo raciocínio para as demais. Isso mostra que o julgamento conjunto mascara uma opção: a opção por julgar uma das ações em detrimento da ação das outras. Essa escolha não é deliberada e muito menos colocada de modo expresso. Melhor que isso é, de fato, adotar o meta-voto e deliberar sobre qual caso julgar.
A adoção de um meta-voto não deixaria a decisão imune à ocorrência de votos estratégicos. É inevitável que juízes levem outros elementos em consideração, para além de sua preferência sincera para a resolução do caso (GIBSON, 1983). O objetivo dessa proposta institucional não é evitar a estratégia, mas sim aumentar a transparência e a colegialidade. No exemplo da execução provisória da pena, é possível que o tribunal realizasse o meta-voto a respeito de qual ação julgar e, ainda assim, decidisse prosseguir o julgamento do habeas corpus, ao invés de optar pela ação de controle abstrato. Como consequência, o julgamento continuaria incorrendo em um paradoxo doutrinário. Ainda assim, esse cenário seria melhor, porque o tribunal teria tido a chance de deliberar sobre qual caso julgar. A decisão seria informada e reflexo da vontade do colegiado.
Por fim, a facilidade de ingresso de litigantes no tribunal e a multiplicidade de classes processuais no STF poderia gerar uma segunda discrepância. Ela também decorreria de estratégia, mas, desta vez, por parte dos atores que litigam no tribunal. Seria possível que atores ingressassem com ação de classe processual distinta e tema idêntico, exclusivamente com o intuito de forçar a necessidade de um meta-voto, postergando o julgamento da questão jurídica. É inevitável que os litigantes se comportem estrategicamente. Contudo, esse risco também não seria fator suficiente para desaconselhar a adoção do meta-voto. Ainda assim, seria vantajoso que o tribunal, como colegiado, deliberasse sobre qual caso julgar. A restrição do meta-voto apenas a ações plenamente instruídas e disponíveis para julgamento seria uma forma de evitar a ocorrência desse tipo de estratégia.
O desenho institucional é capaz de incentivar ou desincentivar comportamentos; de forçar uma interação colegiada e motivada. Mas ele não resolve todos os problemas. A qualidade das decisões ainda dependerá da postura dos ministros e do valor que eles dão à interação colegiada (MENDES, 2013, p.145). Ainda assim, um desenho que contém o meta-voto para a seleção de casos, nas circunstâncias narradas neste artigo, tem ganhos por criar mais estímulos para que a decisão reflita uma empreitada coletiva.
Também é verdade, por fim, que o individualismo decisório na determinação da agenda de julgamentos do STF implica em outros problemas para além daquele descrito neste artigo, que já foram muito bem mapeados pela literatura (ARGUELHES; HARTMANN, 2017; ARGUELHES; RIBEIRO, 2018; ESTEVES, 2020). A adoção do meta-voto não é capaz de resolver todos os problemas decorrentes do excesso de poder da presidência e da inconstância na definição da pauta de julgamentos. A solução do meta-voto também não resolveria os históricos problemas de desrespeito a precedentes pelo tribunal (VOJVODIC; MACHADO; CARDOSO, 2009), que, por si só, levam a problemas de inconsistência até mais graves do que aqueles descritos neste artigo. O próprio caso da execução provisória da pena ressalta graves problemas de respeito a precedentes, pois esteve na pauta do STF diversas vezes, em um curto intervalo de tempo, e com resultados distintos. O argumento ora estruturado, contudo, pretendeu enfatizar mais uma faceta da seleção de casos que ainda não havia sido percebida pela literatura.
Conclusão
Decidir coletivamente tem vantagens, mas traz também diversos desafios. Este artigo abordou um desafio decorrente de julgamentos coletivos: o problema de inconsistência, que ocorre quando uma escolha de como orientar o processo decisório afeta o produto da atividade do tribunal. É bom que um tribunal julgue colegiadamente, mas é importante ter consciência sobre como o tribunal julga. As regras que regulam essa empreitada coletiva são importantes. Elas podem colaborar para a clareza e coerência dos julgamentos, ou perpetuar inconsistências e problemas decorrentes da tomada de decisão coletiva.
Quando uma escolha sobre o procedimento decisório tiver consequências para o resultado do caso que é objeto de julgamento, o tribunal deve deliberar sobre essa escolha. Ciente das consequências que cada uma das opções traz, o colegiado deve fazer sua opção, informada e motivada. A literatura norte-americana denomina esse tipo de situação paradoxo doutrinário, e denomina essa solução de meta-voto. Cita como exemplo o julgamento de casos cuja resolução dependa de mais de uma premissa. São casos nos quais o raciocínio é realizado em etapas, e distintos votos individuais podem combinar cada uma dessas etapas do raciocínio de modos distintos. Isso poderia levar a uma situação de inconsistência que prejudicaria tanto a coerência da decisão quanto a construção de uma jurisprudência consistente para orientar casos futuros.
A experiência brasileira mostra que a seleção de qual caso julgar, fruto do poder de pauta, pode trazer problemas de inconsistência similares àqueles trazidos pela seleção de um método de transformação dos votos individuais em uma posição coletiva. Assim como no caso da escolha do protocolo de votação, também a seleção de casos pode levar à situação de incoerência decorrente de um paradoxo doutrinário.
O paralelismo entre o poder de seleção de casos e a escolha do protocolo de votação aponta para a possibilidade de uma mudança institucional singela, que traria muitos benefícios à atividade do Supremo Tribunal Federal: a adoção do meta-voto na hipótese em que a opção por selecionar uma ação de controle abstrato ou uma ação de controle incidental criasse o risco de afetar o resultado do julgamento. Essa solução está longe de resolver todos os problemas decorrentes dos poderes de agenda, mas seria uma alteração factível, benéfica e pouco custosa.
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Agradeço aos colegas do grupo Constituição, Política e Instituições por seus comentários a uma versão preliminar deste artigo, que em muito colaboraram para seu aprimoramento. Um agradecimento especial ao Luiz Fernando Gomes Esteves, pela leitura das tantas versões deste artigo e discussões sobre seu conteúdo.
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Nas palavras dos autores, “o fato de que existem mais juízes em um colegiado implica que o órgão ganha em precisão, isto é, que tem maior probabilidade de atingir a decisão correta” (KORNHAUSER; SAGER, 1986, p. 98, tradução livre). O argumento de que decisões colegiadas teriam mais probabilidade de chegar a resultados corretos parte de um modelo matemático de adjudicação, inspirado no Teorema de Condorcet. Este teorema parte da premissa de que uma escolha racional é superior a uma escolha aleatória. Por isso, em cenários nos quais há duas respostas possíveis, as chances matemáticas de que um indivíduo esteja correto são sutilmente superiores às suas chances de estar errado. Esta lógica é utilizada para argumentar que o mero aumento de tomadores de decisão já ampliaria a probabilidade de que o colegiado a resultados corretos. Trata-se de argumento endereçado ao desenho institucional, para defender que é melhor estruturar um órgão judicial colegiado do que atribuir a decisão a juízes individuais. Isso não significa afirmar que seria possível identificar objetiva e inequivocamente o que é uma decisão correta em cada caso, e tampouco que um órgão colegiado sempre chegaria a resultados objetivamente corretos tão somente por conta da forma como estruturado.
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Como escrevem a partir de um sistema calcado na doutrina do stare decisis, esses dois elementos se confundem: um raciocínio será logicamente consistente caso traga precedentes que apontam para um mesmo sentido. A distinção entre esses dois elementos de consistência trazida neste artigo foi um esforço para adaptar o conceito de Kornhauser e Sager (1986) ao civil law.
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A ordem de antiguidade é mencionada no regimento interno como o critério definitivo de desempate para as votações (art. 12, §6º, RISTF). Contudo, existe certa previsibilidade decorrente da prática tradicional quanto ao fato de que a ordem decrescente de antiguidade seja respeitada na definição do presidente. A eleição prevista no regimento, com isso, acaba sendo meramente protocolar.
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No plenário virtual, a pauta de julgamentos não é definida pelo presidente, mas sim de forma cronológica. Essa ressalva é importante pois a Resolução 669/20 equiparou as competências dos ambientes físico e virtual.
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O exemplo hipotético foi inspirado no caso concreto por trás do RE 806.339. A questão jurídica, contudo, só é objeto de ação de controle incidental: não há ação de controle abstrato com tema idêntico aguardando julgamento. Os números das ações são fictícios e destinam-se apenas a facilitar a compreensão do exemplo hipotético.
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Há quem defenda esse tipo de postura como uma virtude de decisões. Trata-se da tese do minimalismo judicial. (cf. SUNSTEIN, 2001)
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É o que pode ser inferido do seguinte trecho de seu voto: “Senhora Presidente, enfrento este habeas corpus nos exatos termos como fiz todos os outros que desde 2016 me foram submetidos, reafirmando que o tema de fundo, para quem pensa como eu, há de ser sim revisitado no exercício do controle abstrato de constitucionalidade, vale dizer, nas ADCs da relatoria do Min. Marco Aurélio, em que esta Suprema Corte, em atenção ao princípio da segurança jurídica, em prol da sociedade brasileira, há de expressar, como voz coletiva, enquanto guardião da Constituição, se o caso, outra leitura do art. 5º, LVII, da Lei Fundamental. Tal preceito, com clareza meridiana, consagra o princípio da presunção de inocência, ninguém o nega, situadas no seu termo final - o momento do trânsito em julgado - sentido e alcance, pontos de candentes divergências, as disputas hermenêuticas." (HC 152752, rel. min. Edson Fachin, julg. 04/04/2018. p. 212)
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É verdade que o caso envolve muitas outras estratégias na definição da agenda de julgamentos: o caso só foi julgado pelo plenário porque o ministro Edson Fachin, relator, optou por liberá-lo para julgamento para o plenário ao invés de remetê-lo à turma. Também o relator, ministro Marco Aurélio, optou por inicialmente remeter ao julgamento do tribunal a medida cautelar das Ações Declaratórias de Constitucionalidade, ao invés de submeter ao julgamento diretamente a apreciação do mérito. Nada disso excluir o fato de que a opção pelo caso concreto ao invés da análise da lei em tese, no momento de definição da pauta de julgamento pela presidente, teve implicações para o resultado.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Jun 2023 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2023
Histórico
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Recebido
22 Jan 2021 -
Aceito
07 Nov 2021