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“O cheiro da vida dos outros”: trabalhadora doméstica insubordinada, justa causa e a politicidade do dano à propriedade do patrão e da patroa

"The smell of other people's lives": insubordinate domestic worker, dismissal and the politically motivated employer's property damage

Resumo

Ana, empregada doméstica, foi dispensada grávida, por justa causa, após ter usado os cosméticos da patroa. A partir desse caso judicial real, o artigo discute as desobediências (i)legítimas praticadas no trabalho doméstico como potenciais formas de resistência à desigualdade e à exploração. Para tanto, o artigo se constituirá na recomposição etnográfica de um processo judicial, buscando, por meio da prosa jurídico-processual, compreender a posição dos atores envolvidos e sua produção discursiva diante do direito. Patrão e patroa, família, trabalhadora, advogados, juízes, desembargadores, ministros. Tudo isso a partir de um trânsito teórico entre autoras que discutem o caráter político da vida doméstica, do trabalho doméstico e da reprodução social; as possibilidades de dano à propriedade por motivação política e o processo de resistência de trabalhadoras domésticas. Concluímos que as insurgências, ainda que silenciosas e individuais, praticadas pelas trabalhadoras domésticas que causaram dano à propriedade dos empregadores são práticas legítimas de autodefesa e significam um momento de pausa na expropriação e na alienação do trabalho.

Palavras-chaves:
Trabalho doméstico; Propriedade; Dano à propriedade; Desobediência; Direito do Trabalho

Abstract

Ana, a domestic worker, pregnant, was dismissed by justified termination after using her employer's cosmetics. Based on this real court case, the article discusses the (il)legitimate disobedience practiced in domestic work, as a potential form of resistance to inequality and exploitation. To this aim, the article will consist of an ethnographic reconstruction of a lawsuit, seeking, through legal-procedural prose, to understand the position of the actors involved and their discursive production in the face of the law. Boss and mistress, family, worker, lawyers, judges, justices. All of this is based on a theoretical transit between authors who discuss the political character of domestic life, domestic work and social reproduction; the possibilities of politically motivated property damage and the resistance process of domestic workers. The conclusion is that the insurgencies, albeit silent and individual, practiced by domestic workers who have caused damage to employers' property are legitimate practices of self-defense and signify a moment of pause in the expropriation and alienation of labor.

Keywords:
Domestic Labor; Property; Property Damage; Disobedience; Labor Law

O mais penoso para uma faxineira, eu acho, é o cheiro da vida dos outros. (Françoise Ega, 2021EGA, Fraçoise. Cartas a uma negra: Narrativa antilhana. 1ª ed. São Paulo: Todavia, 2021.)

1. Introdução

Ana*, empregada doméstica, nordestina, foi dispensada, grávida de cinco meses, por justa causa, após ter usado o creme antirrugas e o perfume “importado e caro” da patroa. Nos termos legais, perdeu seu emprego pela quebra de fidúcia, um “ato de improbidade” e “mau procedimento”, ratificado pelo Judiciário.

A partir da análise desse caso judicial real, por meio da investigação etnográfica do processo, o artigo discute as desobediências (i)legítimas praticadas no trabalho doméstico como potenciais formas de resistência à desigualdade e à exploração. Particularmente por trabalhadoras que fazem parte de uma categoria que é a mais desvalorizada da força de trabalho brasileira (IBGE, 2022) e a que mais dificuldades encontra para se articular coletivamente. Buscamos, por um lado, entender os agenciamentos da defesa da propriedade privada, no contexto mais íntimo, o da casa, para conformar os limites daquilo que pode ou não pode fazer uma empregada doméstica. Por outro, investigar as motivações políticas no dano à propriedade a partir do caso, bem como a simbologia dessa transgressão.

Nesse contexto, algumas perguntas nos movem. Qual bem jurídico merece a salvaguarda do Judiciário: produtos de higiene pessoal ou a integridade física e mental da trabalhadora mãe, grávida, e do nascituro? Quão grave é experimentar os cosméticos da patroa? O que esse gesto quer dizer? Como descolar esse suposto dano à propriedade das desigualdades de gênero, raça e classe que estruturam o trabalho doméstico para justificar a dispensa motivada? É possível perceber algo de político nesse desafio circunscrito à propriedade privada? Que sentidos ele tem no contexto de uma categoria que enfrenta dificuldades particularmente fortes para protestar aos moldes tradicionais? Como esse gesto pode ser interpretado na teorização contemporânea da insubordinação política, da desobediência e dos modos de contestar a propriedade? As perguntas se reportam à cena de uma trabalhadora que ousa utilizar o cosmético da patroa, confrontando o seu lugar na relação de subordinação do emprego doméstico, metonímia do conflito de classes e representativo de um sistema estratificado de gênero e raça.

Ao longo do texto, utilizamos nome fictício para a trabalhadora que ajuizou essa ação judicial, em junho de 2014, perante a Justiça do Trabalho. Apesar de o processo não estar protegido pelo segredo de justiça, por se tratar de um caso extremamente delicado, optamos por não trazer outras referências sobre a ação, como forma de resguardar a trabalhadora.

No artigo, mobilizamos as categorias propriedade privada, desobediência, trabalho, expropriação, casa e confiança, com os objetivos específicos de: resgatar as contribuições do campo do trabalho doméstico e de cuidado para refletir sobre a defesa do direito à propriedade na legislação trabalhista, especialmente quanto aos descontos no salário; investigar as insurgências individuais das trabalhadoras domésticas, por vezes silenciosas e discretas, mas sempre criativas e políticas, como formas de resistência à desigualdade e à exploração. Se o Direito do Trabalho tem suas origens no paradoxal conflito entre a proteção aos trabalhadores(as) e a manutenção da ordem capitalista, questionamos até que ponto chega seu suposto espírito redistributivo diante da salvaguarda da propriedade face ao emprego.

Para tanto, o artigo se constituirá na recomposição etnográfica de um processo judicial (FERREIRA; LOWENKRON, 2020FERREIRA, Letícia; LOWENKRON, Laura (org.). Etnografia de documentos: Pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. 1. ed. - Rio de Janeiro: FAPERJ, E-papers, 2020.), buscando, a partir da prosa jurídico-processual, compreender a posição dos atores envolvidos e sua produção discursiva diante do Direito. Patrão e patroa, família, trabalhadora, advogados, juízes, desembargadores, ministros. Tudo isso a partir de um trânsito teórico entre autoras que discutem o caráter político da vida doméstica (PATEMAN, 1993), do trabalho de cuidado e reprodução social (BHATTACHARYA, 2022BHATTACHARYA, Tithi. Introdução: Mapeando a teoria da reprodução social. In: BHATTACHARYA, Tithi. Teoria da reprodução social: Remapear a classe, recentralizar a opressão. Tradução: Juliana Penna. São Paulo: Editora Elefante, 2022.; VOGEL, 2022VOGEL, Lise. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. Equipe de Tradução do Grupo de Estudos sobre Teoria da Reprodução Social (GE-TRS): Camila Carduz Rocha, Carla Benitez, Clara Saraiva, Gabriela Azevedo, Lívia de Cássia Godoi Moraes, Mariana Shinohara Roncato, Patrícia Cotta, Patrícia Rocha Lemos e Rhaysa Ruas. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2022.; TRONTO, 2005TRONTO, Joan. Care as the work of citizens: a modest proposal. In: FRIEDMAN, Mailyn (ed.). Women and Citizenship. Oxford: Oxford University Press, 2005. p. 130- 145.), as possibilidades de dano à propriedade por motivação política (SCHEUERMAN, 2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/revist...
), o processo de resistência de trabalhadoras domésticas (CARVALHO, 1982CARVALHO, Lenira. Só a gente que vive é que sabe: Depoimento de uma doméstica. In: Cadernos de Educação Popular 4. Petrópolis: Vozes em co-edição com NOVA - Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação, 1982.; BERNADINO-COSTA, 2015BERNADINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Volume 30 Número 1 Janeiro/Abril 2015. Pp. 147 -163.; VIEIRA, 2018VIEIRA, Regina Stela Corrêa. O cuidado como trabalho: uma interpelação do direito do trabalho a partir da perspectiva de gênero. 2018. Tese (Doutorado em Direito ), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.; ACCIARI, 2016ACCIARI, Louisa. “Foi difícil, mas sempre falo que nós somos guerreiras” - o movimento das trabalhadoras domésticas entre a marginalidade e o empoderamento. Mosaico [online], v. 7, n. 11, p. 125-147, 2016.), a formulação de um direito de resistência nas relações de trabalho (VIANA, 1996VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado. São Paulo: LTR, 1996.).

Assim, num primeiro momento, a partir dos relatos presentes nos autos do processo1 1 Fizemos a análise dos autos do processo integralmente, que se encerrou com decisão de Recurso de Revista pelo Tribunal Superior do Trabalho. Chegamos ao caso por meio da repercussão no campo jurídico-trabalhista na época de seu julgamento, pelo inusitado dos termos da decisão, que marcou a memória das pesquisadoras que produziram o texto. Inclusive, foi objeto de notícias em portais especializados (CONJUR, 2017), assim como na grande mídia à época dos julgamentos em diferentes instâncias (VEJA, 2017; UOL, 2017). Pensá-lo a partir da ideia de dano à propriedade como forma de resistência vem, posteriormente, numa revisita de seus elementos. , consultado na íntegra, apresentamos o caso, destrinchando os elementos que constroem as narrativas da trabalhadora e da patroa, bem como seus depoimentos em audiência, para, em seguida, explorar os discursos e fundamentações utilizados pelo Judiciário, presentes na sentença e acórdãos, que validaram ou não a dispensa motivada . Uma vez compreendidas as disputas colocadas no caso em questão, apresentamos a discussão teórica sobre poder, contrato de trabalho, as esferas privada e pública e a reprodução social para entender a politicidade nas relações de trabalho doméstico. Posteriormente, discutimos os danos à propriedade e os descontos previstos na legislação, questionando a defesa do direito à propriedade pelo Direito do Trabalho. No último item, situamos o caso analisado no contexto das resistências políticas praticadas pela categoria de trabalhadoras domésticas e, enfim, apresentamos as considerações finais.

2. Ana, trabalhadora doméstica, na suíte dos patrões: entre cremes, perfumes importados e confiança

Ana trabalhou como empregada doméstica no domicílio de um casal, em uma grande cidade do país, no Centro-Oeste, em bairro de classe alta, entre 2013 e 2014, por praticamente um ano. Com carteira assinada, recebia um salário-mínimo na época, morava na periferia. A distância entre os bairros é de, pelo menos, uma hora de ônibus. Limpava, lavava, cozinhava, cuidava da casa que não era sua, todos os dias. No curso da prestação do trabalho, Ana engravidou.

No quinto mês de gestação foi surpreendida com uma dispensa por justa causa. O comunicado da dispensa entregue pela patroa registrava, além das referências legais, o motivo: “utilização de pertences pessoais da empregadora, tais como perfume, maquiagem, cremes e desodorante; quebra da relação de confiança”2 2 Todas as aspas não referenciadas dizem respeito a expressões e trechos extraídos dos autos do processo analisado, nas exatas mesmas palavras. . Em outras palavras, Ana havia entrado no banheiro da suíte dos patrões não só para se ajoelhar diante do vaso sanitário e limpar as sujeiras, como de costume, mas experimentou os cremes, maquiagem e perfume que ali estavam.

Na narrativa dos patrões, a casa possuía “dependências de empregada (quarto e banheiro)” que já eram utilizadas por Ana, não havendo razão para entrar no banheiro da suíte a não ser para limpá-lo. O uso da suíte era “exclusivo” do casal. A patroa percebeu o uso dos cosméticos pela empregada por um “frasco de perfume importado e caro que nunca havia usado” e “cremes que não utilizava com frequência”. Para eles, a ousadia de Ana em utilizar produtos caros era ainda mais inadmissível porque, quando viajavam, costumavam trazer lembrancinhas para a empregada, como chocolate e um perfume.

Com a desconfiança, os patrões instalaram câmeras no banheiro e verificaram nas imagens que Ana, antes de encerrar a jornada de trabalho, utilizou os cosméticos da patroa. As imagens gravadas da suíte do casal que delataram Ana e constam nos autos do processo foram assim legendadas3 3 Os produtos listados são exatamente as descrições das legendas das capturas da câmera, documento produzido e juntado aos autos do processo pela Reclamada (empregadora). : “Creme no Rosto e Acetona”; “Desodorante Roll On”; “Perfume”; “Pegando Creme”; “Esponja de Pó Compacto”; “Batom”; “Guardando o Batom”; “Pegando Tesoura”; “Escova de Cabelo”. Este foi o passo a passo da “violação” à propriedade da patroa. Após a dispensa, os empregadores chamaram o marido de Ana para pagar o saldo de salário e verbas que entenderam devidas.

Assim, a dispensa por justa causa de uma empregada doméstica grávida foi justificada pelo uso de cosméticos que estão na prateleira de um mercado ou farmácia, ainda que “caros e importados”, mas que não lhe pertenciam. No imaginário dos empregadores, esses produtos sequer podiam lhe pertencer, devendo a trabalhadora satisfazer-se com o “presentinho” de viagem dado por eles, que era um perfume.

Há na história recontada pela patroa, nos autos do processo, uma atribuição de vergonha à trabalhadora, que virava para trás para conferir se não havia ninguém no quarto, o que se constatou pelas imagens da câmera. Se de fato esse sentimento existiu, ele não foi acompanhado por qualquer empatia de quem lhe estava vigiando. Pelo contrário, a decisão da dispensa por justa causa pelos empregadores, de forma imediata, sem qualquer diálogo prévio. O anseio de proteção à sua propriedade privada - os cosméticos - superou toda ponderação e discernimento sobre a gravidade do uso de cremes e perfumes e a necessidade de manutenção do emprego para a trabalhadora grávida. Ironicamente, a própria patroa declarou que elas possuíam um “bom relacionamento”, mas que não deu a ela oportunidade de justificar qualquer conduta.

Com o ajuizamento da ação trabalhista contra a patroa, o enfrentamento mais direto das partes e de classes aconteceu durante a audiência de instrução, mediada e dirigida pela magistrada e procuradores(as). Ana declarou que “não foi proibida de utilizar produtos de higiene adquiridos pela reclamada”, que utilizava o espelho do banheiro da suíte do casal simplesmente por ser maior, mas que “tinha banheiro de seu uso exclusivo”. Sua patroa também afirmou que não proibiu a trabalhadora de utilizar os produtos de higiene pessoal “por considerar desnecessário”, mas que Ana tinha “autorização para adentrar ao banheiro suíte e efetuar a limpeza do mesmo”.

A patroa ainda disse que pagou as verbas da rescisão do contrato que entendia devidas e “que preferiu fazer a rescisão por justa causa com a intervenção do marido da reclamante para preservar a gestação”. Ou seja, ela reconheceu que a dispensa por justa causa poderia comprometer a gestação e optou por rescindir o contrato de trabalho diante do marido da empregada. Ana se viu com um enxoval de bebê para comprar, aluguel para pagar e sem qualquer direito, nem mesmo ao seguro-desemprego.

Esse caso real é ilustrativo do conflito de classes. A história de Ana é uma dentre várias outras presentes na realidade do trabalho doméstico remunerado. Essa ocupação representa 5,9% da força de trabalho no país, equivalente a 5,8 milhões de pessoas, das quais 91,4% eram mulheres e 67,3% eram mulheres negras, segundo dados do 4º trimestre de 2022 da Pnad Contínua do IBGE (2023). Os dados também nos mostram que essas trabalhadoras(es) são majoritariamente responsáveis pelo seu domicílio (52,9%), que sua remuneração média é inferior ao salário-mínimo e que a escolaridade da categoria é baixa (IBGE, 2023), o que não deixa dúvidas sobre a precariedade do trabalho e as condições de vida dessa categoria.

A instalação das câmeras direcionadas ao banheiro denuncia o anseio de controle sobre o corpo e mente da trabalhadora, extrapolando o poder empregatício previsto pelos manuais de Direito do Trabalho. A manifestação do poder pela empregadora revela que o comando não está circunscrito à prestação do serviço - cozinhar, limpar e lavar -, mas se estende ao controle completo de suas ações, na garantia da obediência e submissão. A decisão da patroa de escolher quais valores iria pagar, a título de verbas rescisórias, e não aqueles previstos na lei, é uma marca da posição das classes proprietárias que manipulam a lei. Como se não bastasse, a extrapolação do poder punitivo fica evidente no suposto espírito bondoso da patroa de convocar não sua empregada grávida para comunicar da dispensa por justa causa, mas o marido dela, contando-o como sua esposa teria sido “desonesta” e merecia a penalidade.

Não é por meio do desenrolar de um processo judicial, com todas as suas limitações e contradições, que iremos conhecer a Ana, de onde ela veio, quais seus anseios e desejos. Mas, permitimo-nos deduzir sobre a sua ousadia de ocupar um espaço, ainda que por breves minutos, que não lhe era destinado, a não ser para esfregar o chão, utilizando maquiagens, perfumes e cremes que, possivelmente, ela nunca teria acesso.

Essa face excludente da propriedade e do consumo - de bens caros e importados, até então deixados de lado pela patroa -, negados à classe trabalhadora, é um dos elementos que marca o trabalho doméstico remunerado no Brasil. Realidades tão distantes, desiguais e impositivas são colocadas frente a frente. Há um certo cinismo da classe proprietária que traz "presentinhos" de viagem, mas que não tolera uma trabalhadora que use seus cosméticos. Se o quartinho de empregada e o elevador de serviço continuam nas plantas dos prédios e casas, ainda que mascarados pela “área de serviço”, também persistem as insurgências e desobediências individuais das trabalhadoras domésticas, por vezes discretas, mas sempre criativas e políticas, como formas de resistência à desigualdade e à exploração.

3. Ana na Justiça do Trabalho: empregada doméstica gestante dispensada e a proteção à propriedade privada

Os embates entre dano, propriedade e trabalho, que também se dão na esfera privada do lar pelo emprego doméstico, chegaram para a apreciação da Justiça do Trabalho por meio de ação ajuizada pela trabalhadora. Ali, ganham contornos e categorias jurídicas pelos julgadores(as) que irão validar ou reverter a aplicação da penalidade máxima juslaboral: a dispensa por justa causa. Se é certo que a posição socioeconômica ocupada pelos julgadores está muito mais próxima da patroa, também não temos dúvidas de que estamos lidando com um ramo jurídico que possui suas bases calcadas na proteção da(o) trabalhador(a). Aliás, é justamente a proteção ao trabalhador(a) que diferencia o Direito do Trabalho dos demais ramos e aí reside o seu particularismo (BARBAGELATA, 1996BARBAGELATA, Héctor-Hugo. O particularismo do Direito do Trabalho. Revisão técnica Irany Ferrari; tradução Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: LTr, 1996.).

Colocadas para julgamento a dispensa e a gravidade da atitude de Ana, passamos a analisar, a partir das decisões nas três instâncias, como a Justiça do Trabalho se posicionou acerca das seguintes questões: Qual o valor atribuído ao dano à propriedade de cosméticos pelos julgadores? O uso de perfumes e cremes da patroa é tão grave que justificaria a aplicação da justa causa a uma trabalhadora grávida em período de estabilidade? Em quais parâmetros se assenta a quebra de confiança numa relação de emprego?

Na primeira instância, a juíza relata que assistiu às gravações da patroa e concluiu que Ana realmente usou os cosméticos, não tendo dúvidas da gravidade do seu ato. Ela destacou que a pessoalidade é um elemento fático-jurídico que ganha intensidade no emprego doméstico, por estar inserida na esfera da vida familiar privada, sendo a confiança um sentimento primordial para o exercício do trabalho. Apesar de ponderar que a justa causa é a penalidade máxima que afeta a vida profissional do empregado e que deve ser observada a proporcionalidade entre a falta e a penalidade, a julgadora acatou a tese patronal de que a confiança foi quebrada irreversivelmente, classificando a atitude como “mau procedimento”, hipótese do inciso III do artigo 27 da Lei Complementar nº 150/2015 e no art. 482, b, da CLT.

O uso dos cosméticos da patroa se enquadraria como mau procedimento porque violaria “normas exigidas pelo senso comum do homem médio”, merecendo censura mediante a dispensa justificada da trabalhadora grávida. Em sua fundamentação, a juíza apresentou um raciocínio reverso: se a empregadora utilizasse os objetos pessoais da empregada, enquanto ela estivesse trabalhando, revelaria a quebra das regras sociais de boa conduta; portanto é uma falta grave, classificada pela doutrina como mau procedimento. Quanto à estabilidade provisória da trabalhadora gestante no emprego, garantida pela Constituição, nos termos do artigo 10, inciso II, alínea b do ADCT, limitou-se a dizer que a gravidade da conduta faltosa justificaria a resolução do contrato de trabalho.

A linha de raciocínio apresentada pela sentença inverte os fundamentos basilares do Direito do Trabalho na medida em que coloca a patroa no lugar da empregada, como se estivéssemos diante de uma relação isonômica ou equilibrada. A suposta gravidade do dano à propriedade da patroa pelo uso de seus cosméticos é justificada pela situação inversa e irreal da patroa almejar utilizar um perfume da sua empregada. A hierarquia inerente à relação empregatícia é completamente desconsiderada, bem como as desigualdades que estruturam o emprego doméstico, o que será aprofundado mais à frente.

Tudo isso ganha outra dimensão quando consideramos que o “senso comum do homem médio” é uma ficção, tal como a pretensa universalidade, eis que não existe um “único homem médio” ou parâmetros minimamente objetivos para avaliação a partir dessa premissa. O “homem médio” tem uma cor, classe e trajetórias muito específicas, carregado de uma visão de mundo que não necessariamente condiz com os princípios de proteção do Direito do Trabalho. Isso sem contar o fato de que a empregada estava grávida.

No Tribunal Regional, o caso recebeu outros olhares. A estabilidade provisória da gestante foi trazida desde logo para a análise, sendo colocada a importância não só de garantir o contrato de trabalho, mas também proteger as necessidades da futura mãe e do nascituro. Foram dadas as devidas proporções do dano à propriedade da patroa pelo uso de seus cosméticos e da quebra de confiança entre as partes. A proteção à saúde e à integridade física e mental da empregada gestante e de seu filho foram levadas em consideração, complexificando a discussão jurídica.

A decisão da empregadora pela aplicação da penalidade máxima da justa causa foi posta em questão: poderia optar por “resguardar os seus produtos cosméticos, em detrimento do bem maior juridicamente protegido pelo legislador constituinte”? Ou seja, a propriedade de produtos de beleza mereceria maior proteção jurídica do que o emprego e o sustento da trabalhadora e do nascituro?

Não é demais lembrar que Ana não furtou qualquer produto, apenas os experimentou diante do “espelho grande” do banheiro do casal, e que sequer teve a chance de justificar sua atitude, já sendo sumariamente dispensada. Como colocado no acórdão regional:

Por mais caros sejam os cosméticos, o que apenas atesta a capacidade financeira da reclamada em comprá-los, não é razoável aplicar a pena de justa causa a uma trabalhadora grávida que deles fez uso uma vez ou outra, sem que a reclamada tenha mantido com a obreira uma conversa prévia sobre o assunto ou aplicado qualquer penalidade intermediária.

Assim, na segunda instância, os princípios do Direito do Trabalho foram relembrados e a decisão anterior reformada, privilegiando a proteção da maternidade e preservando o emprego face à propriedade de produtos de beleza. A gravidade da conduta da trabalhadora foi redimensionada, bem como a forma com que o conflito foi resolvido. O fato de Ana ter assumido uma postura que "não se espera" de uma empregada doméstica, por subverter a hierarquia, aproximando-se por breves instantes da realidade da patroa, não poderia justificar o forçoso enquadramento em uma das hipóteses legais da dispensa justificada.

Entretanto, o caso não foi tratado da mesma forma na instância superior. Surpreendentemente, apesar da dificuldade dos recursos no Tribunal Superior do Trabalho serem analisados em seu mérito, em especial quando se está diante de matéria fática, os(as) ministros(as) interpretaram de outro modo. O ato da empregada foi tipificado como mau procedimento, capaz de configurar a quebra de fidúcia, porque “afrontou à privacidade e intimidade da Reclamada”.

A pessoalidade na relação de emprego doméstico e a confiança depositada aparecem como o centro da discussão jurídica e acabam por mascarar a concretude dos fatos e o que realmente deveria ser objeto de proteção pelo Direito. O ordenamento jurídico trabalhista prevê que a prestação do trabalho deve se dar de forma pessoal, o que na concepção clássica diz respeito à infungibilidade da pessoa empregada, ou seja, à impossibilidade de sua substituição. Acontece que, nesse contexto, a pessoalidade é reivindicada para justificar a quebra da confiança da patroa em relação à empregada que cuidava da sua casa há praticamente um ano. Por ser pessoal, dentro do lar, os laços seriam mais estreitos.

A crítica à pessoalidade, enquanto um elemento fático jurídico da relação de emprego, revela que “a adjetivação trabalhista é tanta, tão enfática, que parece quase querer esconder algo. Uma humanidade que se tem de reafirmar mil vezes talvez oculte o seu contrário” (PEREIRA, NICOLI, 2020PEREIRA, Flávia Souza Máximo; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os segredos epistêmicos do direito do trabalho. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2 p.519-544, 2020., p. 533). Complementamos que a defesa da propriedade diante da pessoa, especialmente de pessoas pobres e não-brancas, acaba por corroborar a artificialidade da categoria.

Afinal, não seria a patroa quem quebrou a confiança ao instalar câmeras direcionadas ao banheiro sem o conhecimento da empregada, com quem a própria disse que tinha um bom relacionamento? Ainda, consequentemente, afrontou a privacidade e intimidade da trabalhadora ?

O suposto dano à propriedade cometido por Ana ganhou outras vestes face ao Judiciário: a conduta da empregada foi tipificada como mau procedimento. Essa hipótese prevista na CLT para a dispensa justificada implica a ausência de pagamento das verbas rescisórias e da proteção social via seguro-desemprego. O mau procedimento é conceituado como: “conduta que atinja a moral, sob o ponto de vista geral, excluído o sexual, prejudicando o ambiente laborativo ou as obrigações contratuais do obreiro” (DELGADO, 2019DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: LTr, 2019., p. 1431). Dentre os exemplos estão: utilizar de ilícitos dentro da empresa, pichar paredes, danificar equipamentos. Como há uma amplitude nessa hipótese, juristas comumente destacam a importância de avaliar a efetiva gravidade da conduta (DELGADO, 2019).

O que percebemos no recontar da narrativa processual é como as decisões judiciais revestem os fatos, tipificando condutas de modo a privilegiar os interesses e propriedades patronais. Na dispensa de Ana, o poder punitivo trabalhista ganha evidência na medida em que a perda do emprego é uma reação ao suposto dano à propriedade da patroa, pelo uso de seus cosméticos, isto é, “apresenta-se como castigo e pena, em decorrência da existência de um pacto bilateral de trato sucessivo, quando um dos sujeitos não mais tem interesse em mantê-lo” (COUTINHO, 1997COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. Tese (D outorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Curso de Pós-Graduação em Direito, 1997., p. 26). Ou seja, há um manejo das categorias jurídicas para resguardar a propriedade da empregadora e tirar o foco para o que realmente deveria estar em questão: a proteção da trabalhadora grávida. O dano à propriedade foi considerado mais grave do que o dano à pessoa e a estabilidade provisória da gestante no emprego, assegurada constitucionalmente, não prevaleceu diante da quebra da confiança.

4. Poder e direitos nas relações de trabalho doméstica, entre a produção e reprodução

A relação de emprego é assimétrica e hierárquica por definição, o que fica evidente no caso aqui analisado, motivo pelo qual o Direito do Trabalho, em suas normativas e princípios, busca assegurar proteção específica ao polo hipossuficiente. Nesse movimento paradoxal de proteção ao( à) trabalhador(a) e manutenção da ordem, a desigualdade econômica e social acaba por ser ratificada pelo contrato. O poder de contratar e dispensar a empregada, de instalar câmeras, de controlar o seu trabalho e o seu corpo demonstram a concretude do poder do(a) empregador(a) que remunera e explora o trabalho alheio.

Desde o poder de comando, regulamentação, fiscalização até o poder punitivo, tanto dentro das organizações empresariais, como dentro dos lares. Mesmo que o campo de poder esteja sempre marcado por um lugar de conflito e resistência, é mascarado pelo argumento de colaboração e o poder empregatício é chancelado pelo Estado. Curioso notar que, como coloca Aldacy Rachid Coutinho (1997COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. Tese (D outorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Curso de Pós-Graduação em Direito, 1997., p. 20-21), no âmbito do Direito privado seria inconcebível “imaginar-se um poder sobre a pessoa, mantido sob ameaça de uma punição ou castigo”, mas, de forma geral, há três elementos que sustentam o poder na relação de emprego: autoridade, propriedade dos meios de produção e organização hierárquica, que se manifestam punindo e condicionando à obediência.

A obediência, por sua vez, é caracterizada pelo Direito através do elemento fático-jurídico da subordinação, central para a qualificação da relação de emprego. Isto é, o “empregado deve juridicamente obediência e fidelidade ao seu empregador, ou seja, está em um estado de submissão da sua vontade à determinação do empregador que detém o poder de dirigi-lo, controlá-lo, fiscalizar a sua conduta e vida e, por conseguinte, puni-lo no próprio interesse.” (COUTINHO, 1997COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo trabalhista. Tese (D outorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Curso de Pós-Graduação em Direito, 1997., p. 23). Para a conformação da subordinação e obediência face ao poder empregatício, a dependência e necessidade econômica se colocam concreta e manifestamente no contrato de trabalho doméstico, no qual o poder é personificado na patroa de Ana.

As(os) trabalhadoras(es) dispõem da sua força de trabalho, enquanto “conjunto das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na personalidade viva” (MARX, 2017MARX, Karl. O Capital. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 242), e são juridicamente livres para vendê-la. A liberdade da qual o contrato de trabalho pressupõe é a de um(a) trabalhador(a) livre que dispõe da sua força de trabalho como sua mercadoria, mas que não possui outra mercadoria para vender, a não ser a sua corporeidade viva. De um lado, o capitalista “com um ar de importância, confiante e ávido por negócios”, de outro, o(a) trabalhador(a) “tímido e hesitante, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da… esfola” (MARX, 2017, p. 251).

Estamos diante de uma relação materialmente desigual, na qual a compra e venda da força de trabalho é formalizada e chancelada pelo contrato de trabalho. Nesse contexto, o Direito é mediador das relações de classe, que dizem sobre poder e hegemonia capitalista e colonial em relação à vida. Coloca-se em oposição a propriedade dos meios de produção face à única mercadoria que o(a) trabalhador(a) possui, sua força de trabalho.

Acontece que, na esfera da produção das mercadorias, a exploração do trabalho e a busca pelo aumento da mais-valia pelos patrões é mais facilmente identificável, seja por meio do aumento da jornada, pela redução do tempo de trabalho necessário por meio de inovações tecnológicas, ou seja pelo pagamento de salários menores do que o necessário à reprodução da vida (MARX, 2017MARX, Karl. O Capital. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2017.). No entanto, quando voltamos nosso olhar ao trabalho doméstico, à esfera privada do lar, as relações de poder se complexificam.

Assim, os pressupostos modernos da liberdade e da igualdade, basilares na normativa trabalhista, escondem coação e penúria generalizadas (FEDERICI, 2017FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2017.). É o que crítica marxista do Direito nos ajuda a compreender, e é daí que Carole Pateman (1993) parte para formular uma crítica feminista à liberdade - para vender a força de trabalho - e à igualdade formal entre homens e mulheres: “(…) na teoria do contrato, a liberdade universal é sempre uma hipótese, uma história, uma ficção política. O contrato sempre dá origem a direitos políticos sob a forma de relações de dominação e subordinação” (PATEMAN, 1993, p. 24).

Nesse contexto, a autora compreende o caráter político da vida doméstica, o patriarcado como basilar ao mundo público e, a partir do contrato de casamento, apresenta uma crítica ao contrato sexual: “(...) é sexual no sentido de patriarcal - isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres -, e também sexual no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens aos corpos das mulheres” (PATEMAN, 1993, p. 17). Assim, a esfera pública não pode ser compreendida sem a privada, do mesmo modo que o Direito é conformado pela opressão e exploração das mulheres.

Apesar de, na presente investigação, estarmos lidando com o trabalho doméstico remunerado, no qual há a delegação dos serviços de cuidado pela patroa à empregada, as contribuições de Pateman demonstram como a sujeição das mulheres ficou de fora da crítica ao contratualismo, cristalizando a separação entre as esferas pública e privada: “A dicotomia público/privado, assim como a natural/civil, tomam uma dupla forma e assim mascaram sistematicamente essas relações” (1993, p. 29).

A crítica feminista proposta por Pateman nos auxilia a compreender a politicidade da vida doméstica e a face patriarcal dos direitos, estruturados a partir da noção aparente de liberdade e igualdade para contratar e ser contratado. O que a autora corrobora é que existem contratos que versam não só sobre a propriedade das coisas, dos frutos do trabalho, dos meios de produção, mas também sobre os indivíduos e, especialmente, sobre as mulheres:

Os partidários e os críticos da teoria do contrato tendem a focalizar a propriedade ou como bens materiais, terra e capital, ou como lucro (a propriedade) que se diz que os indivíduos podem ter na liberdade civil. O objeto de todos os contratos em que estou interessada é um tipo muito especial de propriedade, a propriedade que os indivíduos detêm em suas pessoas (PATEMAN, 1993, p. 20).

A relação de emprego pactuada pela patroa e pela trabalhadora doméstica versa sobre a venda da força de trabalho, colocada à disposição de outro, e é ilustrativa da divisão sexual do trabalho que conjuga a sujeição das mulheres à esfera privada, ainda que, nesse caso, outra mulher também seja beneficiária da exploração do trabalho, com a desvalorização do trabalho doméstico. Se as mulheres foram subjugadas ao mundo privado, responsabilizadas pelas tarefas domésticas e de cuidado, algumas conseguem ocupar o dito mundo público somente por meio da delegação desses serviços a outras mulheres, de classes econômicas mais baixas e predominantemente negras (HIRATA, 2009HIRATA, Helena. A precarização e a divisão internacional e sexual do trabalho. Sociologias, Porto Alegre, v. 11, n. 21, p. 24-41, jan./jun. 2009.).

As distinções entre público e privado, produção e reprodução, portanto, acabam por solidificar mais uma relação de poder - capitalista e patriarcal - sobre as mulheres, de acesso sexual e de domínio de seus corpos. Mas, como aponta Pateman (1993, p. 28 ), não existem dois sistemas apartados e sim o capitalismo patriarcal: “A esfera privada, feminina (natural) e a esfera pública, masculina (civil) são contrárias, mas uma adquire significado a partir da outra, e o sentido de liberdade civil da vida pública é ressaltado quando ele é contraposto à sujeição natural que caracteriza o domínio privado” .

Além de compreender que essa divisão retira o caráter político da esfera privada e traz como consequência o apagamento dos serviços domésticos enquanto um trabalho, desvalorizando-o e marginalizando as mulheres, relaciona-se às separações entre os trabalhos classificados como produtivo e reprodutivo. Os âmbitos da produção e reprodução são lidos aparente e politicamente de forma apartada, revelando uma divisão artificial que sujeita as mulheres à domesticidade, sobre a qual incide o poder capitalista. O gênero determina lugares diferentes no que se refere à reprodução social e as mulheres, como outros grupos oprimidos da sociedade capitalista, carecem de plenos direitos democráticos (VOGEL, 2022VOGEL, Lise. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. Equipe de Tradução do Grupo de Estudos sobre Teoria da Reprodução Social (GE-TRS): Camila Carduz Rocha, Carla Benitez, Clara Saraiva, Gabriela Azevedo, Lívia de Cássia Godoi Moraes, Mariana Shinohara Roncato, Patrícia Cotta, Patrícia Rocha Lemos e Rhaysa Ruas. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2022., p. 375).

Não há produção de mercadorias sem o trabalho humano e a exploração da força de trabalho. Isto é, o sistema capitalista funciona por meio da exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, desprovida dos meios de produção e sujeitas à autoridade da figura do empregador. Dentro dos lares, o trabalho doméstico e de cuidado sustenta a força de trabalho, seja de forma delegada e remunerada às empregadas domésticas, seja pelas próprias esposas, mães, avós e filhas. Isso significa que: “Os processos de trabalho não existem isoladamente. Estão inseridos em determinados modos de produção. Além disso, toda produção é, ao mesmo tempo, reprodução” (VOGEL, 2022VOGEL, Lise. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. Equipe de Tradução do Grupo de Estudos sobre Teoria da Reprodução Social (GE-TRS): Camila Carduz Rocha, Carla Benitez, Clara Saraiva, Gabriela Azevedo, Lívia de Cássia Godoi Moraes, Mariana Shinohara Roncato, Patrícia Cotta, Patrícia Rocha Lemos e Rhaysa Ruas. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2022., p. 325).

A reprodução da sociedade e do sistema capitalista exige que haja oferta da força de trabalho que é reproduzida por meio de três processos, que formam a base do capitalismo: 1) atividades cotidianas que “regeneram a trabalhadora fora do processo de produção e que permitem retornar a ele (...) comida, uma cama para dormir, mas também cuidados psíquicos que mantêm uma pessoa íntegra”; 2) atividades cotidianas que “mantêm e regeneram não-trabalhadores que estão fora do processo de produção - isto é, os que são futuros ou antigos trabalhadores, como crianças, adultos que estão fora do mercado de trabalho”; 3) atividade geracional, dar à luz (BHATTACHARYA, 2019BHATTACHARYA, Tithi. O que é a teoria da reprodução social? In: Revista Outubro, n. 32, 1º semestre de 2019. P. 101-121., p. 103).

Entretanto, os processos de reprodução social não ocorrem de forma homogênea na sociedade capitalista, de modo que as unidades familiares da classe proprietária e da classe trabalhadora ocupam posições diferentes entre si e variam de acordo com a raça, sexualidade e localização geográfica. As famílias se apresentam como “a forma social historicamente específica por meio da qual a reposição geracional normalmente ocorre” (VOGEL, 2022VOGEL, Lise. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. Equipe de Tradução do Grupo de Estudos sobre Teoria da Reprodução Social (GE-TRS): Camila Carduz Rocha, Carla Benitez, Clara Saraiva, Gabriela Azevedo, Lívia de Cássia Godoi Moraes, Mariana Shinohara Roncato, Patrícia Cotta, Patrícia Rocha Lemos e Rhaysa Ruas. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2022., p. 311), mas a reposição de novos trabalhadores e trabalhadoras para a força de trabalho também ocorre por meio da escravização ou imigração.

Nesse contexto, sobre mulheres da classe trabalhadora recai uma “responsabilidade desproporcional pelo componente doméstico do trabalho necessário, ou seja, pelas tarefas contínuas envolvidas na manutenção e reposição da força de trabalho” (VOGEL, 2022VOGEL, Lise. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária. Equipe de Tradução do Grupo de Estudos sobre Teoria da Reprodução Social (GE-TRS): Camila Carduz Rocha, Carla Benitez, Clara Saraiva, Gabriela Azevedo, Lívia de Cássia Godoi Moraes, Mariana Shinohara Roncato, Patrícia Cotta, Patrícia Rocha Lemos e Rhaysa Ruas. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2022., p. 375), inclusive porque dão conta não só dos seus próprios lares como dos outros, tal como mostra o caso de Ana.

Portanto, sendo o modo de produção capitalista conformado sistematicamente pelas esferas produtiva e reprodutiva, o poder econômico e patriarcal na relação empregatícia se manifesta pela hierarquia estrutural, pela obediência e necessidade vital de quem vende sua força de trabalho, como o caso de Ana. Compreender a importância de se superar a divisão artificial entre produção e reprodução, trazendo ao centro a reprodução social e o trabalho humano, nos auxilia a desmascarar a desigualdade contratual e necessidade de intervenção protetiva do Direito do Trabalho, bem como a valorizar o trabalho doméstico, redefinir o que é trabalho, quem é a classe trabalhadora e quais os espaços de resistência contra o sistema.

5. Danos e descontos: a legislação trabalhista e a defesa do direito à propriedade

Na balança entre a proteção da trabalhadora e da propriedade privada, no caso real analisado, os mililitros gastos de perfume e desodorante pesaram mais do que a proteção ao trabalho e à vida da empregada. Isso nos revela as nuances do princípio da proteção ao trabalhador e coloca a reflexão de qual o tipo de dano causado à patroa, que deixou de usar parte de seus cosméticos.

A partir dos questionamentos de William Scheuerman (2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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) sobre o papel que o dano à propriedade pode desempenhar, apresentamos as seguintes constatações: o dano causado por Ana, definitivamente, não se desdobrou numa violência contra pessoas, física ou emocionalmente, nem impediu o uso pela proprietária dos produtos ou causou-lhe algum constrangimento concreto. Pelo contrário, sequer pode ser considerado uma apreensão patrimonial. Entretanto, seu ato possui uma dimensão disruptiva importante: o que juridicamente foi interpretado como um avanço individual e ilegítimo contra a propriedade alheia, ganha proporções políticas se pensado como protesto, espécie de sabotagem contra relações sociais injustas simbolizadas pelo objeto inacessível.

Aproxima-se, nesse ponto, da noção de "dano disruptivo à propriedade" de Scheuerman (2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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, p. 14) que visa “a disrupção ou obstrução imediata de algumas práticas que os manifestantes veem como injustas ou ilegítimas, com a propriedade-alvo vista como essencial para a prática disputada”. Apesar de o autor não incorporar em suas reflexões atos individuais, esse gesto de afronta da norma imposta na dinâmica do serviço doméstico, da fronteira que separa patrões e empregada pela via simbólica dos bens de consumo, constitui-se como forma de expressão pluri-individual para uma categoria cuja característica é prestar serviços de forma isolada em diferentes residências, mas que ganha o imaginário e o debate coletivo, incomodando patrões e demandando respostas do Judiciário.

O dano disruptivo à propriedade da patroa causado por Ana é caracterizado como “sabotagem” na medida em que ocorre silenciosamente (SCHEUERMAN, 2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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), até a instalação da câmera, e coloca no centro do protesto a desigualdade social e econômica entre as partes que figuram no contrato de trabalho, tensionando o poder empregatício e os espaços nos quais a circulação da trabalhadora é permitida ou proibida.

Há ainda uma dimensão simbólica do dano cometido, que, na terminologia de Scheuerman (2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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), carrega como pré-condição a posição mais vulnerável de Ana nessa relação, empregada doméstica grávida, e coloca no centro da questão o seu direito de gozar dos espaços que ela mesma limpa e de consumir os mesmos produtos que sua patroa. É uma insurgência contra o lugar social a que a trabalhadora foi delimitada, representado pela proibição do uso do banheiro dos patrões e dos produtos que seu salário seria incapaz de comprar, o que inverte por alguns minutos a hierarquia contratual e confronta momentaneamente com a injustiça simbolizada pela demarcação de espaços e coisas da casa.

Por outro lado, a necessidade de manutenção das estruturas de poder alarma os julgadores que, na ânsia de colocar barreiras à "desobediência" da trabalhadora, desconsideram o princípio protetor - orientador de todo o Direito do Trabalho - e o direito constitucional à estabilidade da gestante ao legitimarem a dispensa por justa causa perpetrada pela patroa.

Acontece que a legislação trabalhista possui dispositivos próprios que garantem a integridade da proteção da propriedade privada do empregador. O clássico exemplo é a possibilidade de desconto salarial em caso de dano à propriedade da empresa e/ou do empregador, desde que não verse sobre as categorias determinadas pelo legislador. A regra normativa é a proibição de o empregador efetuar descontos no salário do(a) empregado(a), mas há exceções para os casos de adiantamento do salário ou de “dano causado pelo empregado desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado”, conforme parágrafo primeiro do artigo 462 da CLT.

Do mesmo modo, a Lei Complementar nº 150/2015, que veio regulamentar tardiamente o emprego doméstico, veda os descontos que abrangem o fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia - caso seja na própria residência do serviço -, despesas com transporte e alimentação em caso de acompanhamento em viagem (art. 18). Se autorizada pela empregada, a dedução a título de planos de assistência médico-hospitalar e odontológica, de seguro e de previdência privada não poderá ser superior a vinte por cento do salário. A jurisprudência consolidou o entendimento, por meio da OJ nº 18 da Seção de Dissídios Coletivos do TST, que os descontos firmados por acordo entre as partes não podem ser superiores a 70% do salário base percebido pelo empregado, como forma de garantir o mínimo necessário à sobrevivência.

Essa preocupação do ordenamento juslaboral com a proteção da propriedade privada é tamanha que o parágrafo 4o do artigo 18 da LC 150/2015 dispõe expressamente que: “O fornecimento de moradia ao empregado doméstico na própria residência ou em morada anexa, de qualquer natureza, não gera ao empregado qualquer direito de posse ou de propriedade sobre a referida moradia”, eliminando qualquer possibilidade do direito à usucapião.

Assim, o sistema de garantias salariais do Direito do Trabalho, apesar de orientado pelos princípios da irredutibilidade e intangibilidade, age paradoxalmente no sentido de salvaguardar a propriedade do empregador, seja para certificar que a trabalhadora apenas terá direito ao seu salário, como contraprestação ao serviço executado, permitindo os descontos, seja para defender a propriedade privada, inclusive de dano cometido pelo(a) empregado(a), para além da garantia da mais-valia.

Como vimos, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que Ana, ao utilizar os cosméticos de sua patroa, causou um dano à propriedade alheia, o que gerou a quebra intransponível da confiança e justificou a sua dispensa motivada. Chama atenção que os cosméticos não deixam de ser produtos de higiene pessoal e, teoricamente, não poderiam sequer ser objeto de desconto no salário de Ana, conforme a LC nº 150/2015. Na pior das hipóteses, a consequência legal do dano causado seria o desconto de seu salário, não a aplicação da punição máxima prevista pelo Direito do Trabalho. Mas, ultrapassada a discussão normativa, até porque não é nossa intenção examinar a natureza dos produtos utilizados pela trabalhadora, o que nos importa é refletir sobre a afronta simbólica à propriedade e os mecanismos jurídicos imediatos de repressão ao ato, validados pela Justiça do Trabalho.

Por isso, a caracterização enquanto um dano disruptivo à propriedade da patroa, cometido na esfera doméstica, que ganha proporções públicas ao exigir uma resposta do Judiciário. Mesmo com a proibição normativa de que produtos de higiene não podem ser descontados do salário e, por outro lado, a existência de uma penalidade específica contra o dano à propriedade, por meio da compensação financeira, a empregadora e a Justiça do Trabalho foram intransigentes na defesa da propriedade. Não se tolerou a ousadia da empregada doméstica grávida, priorizando os cosméticos importados face à espoliação de tempo, trabalho e vida de Ana.

6. Resistências políticas na casa dos outros

O caso analisado, de uso de cosméticos da patroa, não é o primeiro nem único nas relações de emprego doméstico, mas integra uma série de desobediências legítimas ao poder empregatício das trabalhadoras domésticas de forma pluri-individual, ou seja, apesar de os gestos serem executados individualmente, ocorrem simultaneamente em diferentes domicílios. Por isso, essas desobediências podem ser lidas de maneira coletiva, como potenciais formas de resistência à desigualdade, opressão e exploração, logo, como danos disruptivos à propriedade (SCHEUERMAN, 2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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).

Essa leitura particular decorre do sujeito executor, trabalhadoras que fazem parte de uma categoria que é a mais desvalorizada da força de trabalho brasileira (IBGE, 2022) e a que mais dificuldades encontra para se articular coletivamente. Como se não bastassem as condições precárias de trabalho, baixa remuneração e formalização, o que denuncia as marcas de uma abolição não concretizada (BERNADINO-COSTA, 2015BERNADINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Volume 30 Número 1 Janeiro/Abril 2015. Pp. 147 -163.), trabalhadoras domésticas ainda estão sujeitas a uma série de abusos, racismo e tratamentos vexatórios, reduzindo-as à condição de sub-humano, “de valer menos que o cachorro da casa” (ACCIARI, 2016ACCIARI, Louisa. “Foi difícil, mas sempre falo que nós somos guerreiras” - o movimento das trabalhadoras domésticas entre a marginalidade e o empoderamento. Mosaico [online], v. 7, n. 11, p. 125-147, 2016., p. 132).

Para além dos aspectos objetivos na prestação do serviço doméstico, as estórias que demonstram as ambiguidades e tensões entre empregadas e patroas estão presentes no cotidiano e relatadas na literatura sobre o trabalho doméstico remunerado. Alguns exemplos são a “rádio patroa”, o desrespeito às ordens patronais sobre alimentação e ordem espacial (ROJAS SCHEFFER, 2020ROJAS SCHEFFER, Raquel. Physically Close, Socially Distant. Paid Domestic Work and (Dis-)encounters in Latin America’s Private Households. Mecila Working Paper Series, 27. The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies in the Humanities and Social Sciences Conviviality Inequality in Latin America, 2020.); o queimar roupas, salgar a comida e utilizar produtos que não lhes foram destinados (MONTICELLI, 2017MONTICELLI, Thays Almeida.“Eu não trato empregada como empregada”: empregadoras e o desafio do trabalho doméstico remunerado. Tese (Doutorado em Sociologia) Setor de Ciências Humanas, Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2017.); o tratamento ríspido com as empregadas pelas patroas (BRITES, 2000BRITES, Jurema. Afeto, Desigualdade e Rebeldia: Bastidores do Serviço Doméstico. Tese (Doutorado em Antropologia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.; BERNADINO-COSTA, 2015BERNADINO-COSTA, Joaze. Decolonialidade e interseccionalidade emancipadora: a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, Volume 30 Número 1 Janeiro/Abril 2015. Pp. 147 -163.; ACCIARI, 2016ACCIARI, Louisa. “Foi difícil, mas sempre falo que nós somos guerreiras” - o movimento das trabalhadoras domésticas entre a marginalidade e o empoderamento. Mosaico [online], v. 7, n. 11, p. 125-147, 2016.), até as relações afetivas com as crianças que reconhecem a empregada como mãe (CARVALHO, 1982CARVALHO, Lenira. Só a gente que vive é que sabe: Depoimento de uma doméstica. In: Cadernos de Educação Popular 4. Petrópolis: Vozes em co-edição com NOVA - Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação, 1982.).

A dimensão afetiva do trabalho doméstico envolve raiva, cumplicidade, confiança, e representa uma colisão de dois diferentes mundos: das patroas e das empregadas. Essa carga de afetividade não impede a existência de uma relação hierárquica e a reprodução de desigualdades (BRITES, 2007BRITES, Jurema. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, 91-109, 2007.), ultrapassando a esfera privada e alcançando o mundo público. Jurema Brites (2007BRITES, Jurema. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, 91-109, 2007., p. 106) revela o esforço das famílias empregadoras em demarcar de forma clara a separação entre esses mundos, “como didática de uma distância social”: “quarto de empregada”, “banheiro de empregada”, “dependências de serviço”, o uso de uniformes e utensílios separados. O “saber o seu lugar” pelas empregadas inclui não acessar outros espaços da casa, como a “mesa de jantar da família, seus banheiros, a sala de estar ou a piscina” (ROJAS-SCHEFFER, 2020ROJAS SCHEFFER, Raquel. Physically Close, Socially Distant. Paid Domestic Work and (Dis-)encounters in Latin America’s Private Households. Mecila Working Paper Series, 27. The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies in the Humanities and Social Sciences Conviviality Inequality in Latin America, 2020., p. 13).

A proximidade física se contrapõe à distância social no emprego doméstico e a "ambiguidade afetiva" (BRITES, 2007BRITES, Jurema. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, 91-109, 2007.) está colocada nessa relação. Ao mesmo tempo que as trabalhadoras são subordinadas e dependem economicamente de seus empregadores, as patroas dependem delas para conseguirem se liberar do serviço doméstico, historicamente atribuído às mulheres, a fim de se dedicarem a outras atividades mais bem remuneradas e reconhecidas socialmente. Ou seja, “mesmo que a delegação das responsabilidades domésticas seja algo desejado pela empregadora, ter uma estranha em casa também pode ser visto como uma ameaça” (ROJAS-SCHEFFER, 2020ROJAS SCHEFFER, Raquel. Physically Close, Socially Distant. Paid Domestic Work and (Dis-)encounters in Latin America’s Private Households. Mecila Working Paper Series, 27. The Maria Sibylla Merian International Centre for Advanced Studies in the Humanities and Social Sciences Conviviality Inequality in Latin America, 2020., p. 19, tradução nossa). Não à toa, Brites (2007BRITES, Jurema. Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre empregadas domésticas e seus empregadores. Cadernos Pagu, 29, 91-109, 2007., p. 105) registra: “A patroa nos falava do quanto é necessário ‘tratar bem’ as empregadas, sem deixar que as pessoas ‘confundam as coisas’.”

Pelo olhar da patroa e do Judiciário, Ana teria “confundido as coisas”, ultrapassando os limites e as separações dentro do ambiente doméstico, aproximando a sua realidade de sua empregadora pelo uso de produtos em comum. Assim, seu ato se configura como forma de resistência que tensiona o conflito de classes e representativo de um sistema estratificado de gênero e raça, ganhando ainda mais destaque por estar situado no lar dos outros, dos seus empregadores.

A pesquisa de campo desenvolvida por Thays Monticelli (2017MONTICELLI, Thays Almeida.“Eu não trato empregada como empregada”: empregadoras e o desafio do trabalho doméstico remunerado. Tese (Doutorado em Sociologia) Setor de Ciências Humanas, Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2017., p. 200) revela a prática, não só do uso de cosméticos das patroas, mas de furto de alimentos e de produtos inutilizados nas casas, estes que passam a incomodar os empregadores porque seriam “bens considerados, por elas, preciosos, caros ou um símbolo familiar afetivo” . Como no caso de Ana, “uma característica que permeia esse tipo de furto é a sua descoberta tardia pelas patroas, pois normalmente, eram furtados os objetos quase nunca utilizados, que ficavam guardados em armários, gavetas, maleiros que não faziam parte da vida cotidiana da empregadora” (MONTICELLI, 2017MONTICELLI, Thays Almeida.“Eu não trato empregada como empregada”: empregadoras e o desafio do trabalho doméstico remunerado. Tese (Doutorado em Sociologia) Setor de Ciências Humanas, Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2017., p. 200).

Sobre os pequenos furtos cometidos pelas empregadas, Brites (2000BRITES, Jurema. Afeto, Desigualdade e Rebeldia: Bastidores do Serviço Doméstico. Tese (Doutorado em Antropologia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000., p. 126) conclui:

O exame das anedotas sobre "roubo" recolhidas no trabalho de campo, permite ultrapassar os limites da “resistência” de classe, indicando, além do tipo de relação que se estabelece entre subalternos e os superiores, uma configuração histórica de atuação de uma população subalterna que não prescinde nem se submete totalmente da relação com os grupos dominantes. O "roubo" oferece um campo de comunicação entre as classes, nesse sentido podendo ser pensado como expressão performática, espaço pedagógico das relações de poder no país.

Assim, não só o uso dos produtos das patroas, como os próprios furtos no ambiente doméstico, podem ser interpretados como dano disruptivos à propriedade (SCHEUERMAN, 2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
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), que caracterizam uma resistência política e silenciosa, bem como uma transgressão às estruturas desiguais e às normas sociais de submissão e obediência. Ainda que cometidas individualmente, em conjunto demonstram os desdobramentos das ações das trabalhadoras para além das casas, retratando a politicidade do ambiente doméstico, e simbolizam formas de agência das trabalhadoras. Há uma inversão dos poderes de mando e controle do empregador na medida em que esses atos de rebeldia expressam não só a autonomia das empregadas “sobre aquela economia doméstica vigiada” (BRITES, 2000BRITES, Jurema. Afeto, Desigualdade e Rebeldia: Bastidores do Serviço Doméstico. Tese (Doutorado em Antropologia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000., p. 120), mas também o seu amplo conhecimento sobre a casa, inclusive de objetos e produtos que nem as próprias patroas controlam.

Trata-se de uma resistência política criativa e silenciosa que não é revisitada pelo Direito do Trabalho enquanto tal, mas sim sob a figura do dano que gera o desconto salarial ou a grave quebra de confiança entre as partes. Até mesmo porque, tradicionalmente, as discussões em torno do dano à propriedade se localizam no âmbito do movimento grevista, mediante a paralisação da produção, e das resistências coletivas de trabalhadores, que remontam, de imediato, ao ludismo e à quebra de máquinas nas indústrias do início do século XIX.

No entanto, questionando o imaginário comum, ao girarmos o olhar para compreender o ambiente do lar também como um espaço de insurgência, percebemos a consciência de gênero, raça e classe das trabalhadoras. Forjadas em uma realidade material, “as trabalhadoras domésticas são cientes do seu valor e da importância de seu trabalho para economia brasileira” (ACCIARI, 2016ACCIARI, Louisa. “Foi difícil, mas sempre falo que nós somos guerreiras” - o movimento das trabalhadoras domésticas entre a marginalidade e o empoderamento. Mosaico [online], v. 7, n. 11, p. 125-147, 2016., p. 132). Estamos diante de uma categoria marginalizada que, mesmo com as dificuldades inerentes de organização coletiva, desde pelo menos meados dos anos 1930, luta em defesa de seus direitos e para serem reconhecidas como trabalhadoras (VIEIRA, 2018VIEIRA, Regina Stela Corrêa. O cuidado como trabalho: uma interpelação do direito do trabalho a partir da perspectiva de gênero. 2018. Tese (Doutorado em Direito ), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Por isso, defendemos que essas desobediências no trabalho, que causam dano à propriedade, notadamente aquela praticada por Ana em utilizar os produtos de higiene da patroa, são práticas legítimas de autodefesa das trabalhadoras, pois significam um momento de pausa na expropriação e na alienação do trabalho. É um direito de resistência das trabalhadoras (VIANA, 1996VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado. São Paulo: LTR, 1996.) que se constitui como um dano disruptivo à propriedade, que deve ser reinterpretado pelo Direito. Isso porque simboliza uma insurgência de alguém, em vulnerabilidade social, face à exploração do trabalho, às violências de gênero, ao racismo e à pobreza. Como Scheuerman (2023SCHEUERMAN, William. Dano à propriedade por motivação política / Politically motivated property damage. Revista Direito e Práxis, [S. l.], 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/72722. Acesso em: 01 nov. 2023.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/revist...
, p. 25) conclui, as pessoas e suas necessidades devem ser priorizadas, permitindo espaço para o dano à propriedade por motivação política, desde que os atos não resultem em violência contra as pessoas, como é a realidade de todos os que apresentamos.

7. Considerações Finais

O caso de Ana retrata como o Direito do Trabalho, apesar de sua principiologia protetiva à trabalhadora, é aplicado pelo Judiciário para garantir a manutenção da propriedade e da hierarquia do trabalho doméstico, validando a dispensa justificada de uma empregada grávida, que detinha estabilidade, sob as vestes da “quebra da confiança”. Percebemos que há tolerância ao dano contra a pessoa, de uma trabalhadora grávida e seu nascituro, ainda que de forma indireta pela extinção do emprego, face a intolerância ao dano contra a propriedade de produtos de beleza da patroa.

A marginalização, desvalorização e precarização do trabalho doméstico são retrato das divisões de raça, gênero e classe no Brasil. Mas, as tensões e ambiguidades entre patroas e empregadas revelam que essas relações não são caracterizadas só por humilhação e submissão. Nas disputas tácitas dentro das casas dos outros, diante da exploração e opressão, há que investigar as insurgências pluri-individuais, por vezes silenciosas e discretas, mas sempre criativas e políticas, praticadas pelas trabalhadoras.

Essa politicidade do ambiente doméstico é teorizada pelas feministas materialistas e da Reprodução Social, ao demonstrarem a unidade relacional entre as esferas da produção e reprodução, contestando a sujeição das mulheres à dita esfera privada e, a partir daí, reconhecendo que as lutas e resistências em torno dos direitos e do trabalho ocorrem inclusive no ambiente doméstico.

Assim, as desobediências individuais e supostos danos à propriedade dos empregadores no trabalho doméstico, pela conotação política e por serem praticadas pela parte hipossuficiente do contrato de trabalho, comumente em situação de vulnerabilidade social, devem ser lidas como práticas legítimas de autodefesa das trabalhadoras, que vistas em perspectiva, somadas, representam insurgências coletivas contra a exploração e opressão.

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  • 1
    Fizemos a análise dos autos do processo integralmente, que se encerrou com decisão de Recurso de Revista pelo Tribunal Superior do Trabalho. Chegamos ao caso por meio da repercussão no campo jurídico-trabalhista na época de seu julgamento, pelo inusitado dos termos da decisão, que marcou a memória das pesquisadoras que produziram o texto. Inclusive, foi objeto de notícias em portais especializados (CONJUR, 2017), assim como na grande mídia à época dos julgamentos em diferentes instâncias (VEJA, 2017; UOL, 2017). Pensá-lo a partir da ideia de dano à propriedade como forma de resistência vem, posteriormente, numa revisita de seus elementos.
  • 2
    Todas as aspas não referenciadas dizem respeito a expressões e trechos extraídos dos autos do processo analisado, nas exatas mesmas palavras.
  • 3
    Os produtos listados são exatamente as descrições das legendas das capturas da câmera, documento produzido e juntado aos autos do processo pela Reclamada (empregadora).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2024
  • Aceito
    02 Jun 2024
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