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O direito à alimentação na perspectiva de Emmanuel Lévinas: aportes para um debate a partir do filme “O Poço”

The right to food from the levianasian perspective: contributions to a debate based on the film “The Plataform”

Resumo

Aborda-se o desenvolvimento das políticas públicas face ao direito fundamental e da personalidade à alimentação, considerando a insegurança alimentar nacional no contexto pandêmico a partir do filme “O Poço”. Destaca-se o problema orientador da pesquisa: a partir do conceito de alteridade de Emmanuel Lévinas, qual crítica ética é possível elaborar diante da insegurança alimentar? A hipótese é a de que o cuidado com o Outro fica em segundo plano perante o Eu, obstando o desenvolvimento de uma sociedade alterística. Objetiva-se entrelaçar a filosofia levinasiana com o direito à alimentação e a democracia para a construção de uma crítica de dimensão ética quanto ao aumento da insegurança alimentar. Especificamente, busca-se: a) analisar as políticas alimentares brasileiras e o direito à alimentação; e b) desenvolver uma crítica ética levinasiana diante do cenário encontrado. A metodologia utilizada é a metafenomenológia levinasiana, a fim de averiguar a representação do fenômeno da fome e do Outro na consciência subjetiva do Eu. Os resultados encontrados evidenciam que a alteridade é condição de possibilidade para uma sociedade ética.

Palavras-Chaves:
Direito à Alimentação; Direitos da personalidade; Fruição; Alteridade

Abstract

Adresses the development of public food policies in Brazil with the fundamental and personality right to food, considering national food insecurity with the pandemic context from the movie “The Plataform”. The question that constitutes the research's guiding problem is raised: from the concept of alterity by Emmanuel Lévinas, which ethical critique can be elaborated in face of food insecurity? The hypothesis is that caring for the Other takes a back seat to the Self, debatehindering the development of an alteristic society. The objective is to intertwine the Levinasian philosophy with the right to food and democracy to build a critique of an ethical dimension to the increase in food insecurity. Specifically, it seeks to: a) to analyze Brazilian food policies and the right to food; and b) to develop a Levinasian ethical critique of the found scenario. The methodology used is levinasian metaphenomenological, in order to investigate the representation of the phenomenon of hunger and the Other in the subjective awareness of the Self. The results found show that alterity is a condition of possibility for an ethical society.

Keywords:
Right to Food; Personality’s rights; Fruition; Otherness

1. Introdução

No final do ano de 2019, foi lançado na plataforma de streaming Netflix, o filme O Poço (2019), que irrompeu muitas discussões acerca do seu conteúdo. O filme retrata o dia a dia numa espécie de prisão com vários andares, em que a comida é servida numa única plataforma, que começa no primeiro e desce de andar em andar, ou seja, os que estão nos andares superiores podem se alimentar livremente enquanto as pessoas no andar abaixo torcem pela existência de comida na sua vez. O processo se repete diariamente até que a plataforma perpasse todos os andares. Uma questão intrigante é que a cada mês os detentos acordam em um andar diferente. As críticas do filme vão desde socioeconômicas a éticas, especialmente porque há comida para todos, mas a ausência de solidariedade faz com que os andares mais baixos não recebam comida alguma, o que permite um paralelo com a insegurança alimentar que permeia a sociedade brasileira no contexto da pandemia da COVID-19, enquanto pessoas buscavam em lixões restos de comida para sua alimentação, ao passo que, neste mesmo cenário, ocorriam festas milionárias clandestinamente1 1 Apesar do enredo e da dramatização cinematográfica, pode-se traçar alguns pontos em comum do filme com a realidade ética atual. De um lado é possível observar pessoas que gastam cerca de R$ 350,00 reais para entrar em festas clandestinas na pandemia (SALGADO, 2021); e, de outro lado, observamos pessoas que buscam ossos em caçambas de descarte do Mercadão de São Paulo, que é um ponto turístico e gastronômico daquela metrópole (PAULO, 2021). .

É justamente esse contraste social, entre a situação daqueles que têm a fartura dos andares mais altos e aqueles que convivem com a extrema pobreza dos andares mais baixos de uma sociedade que, como a brasileira, apresenta uma rígida hierarquização social, o que justifica a pesquisa e marca a pergunta que orienta a construção deste trabalho enquanto problemática a ser respondida: qual crítica ética fundada na alteridade de Emmanuel Lévinas2 2 Na língua original do filósofo, seu nome é grafado como “Emanuelis Levinas”. Na tradução lusitana e alemã, costumeiramente, “Emmanuel Lévinas”. Na tradução americana ou francesa “Emmanuel Levinas”. Neste estudo, optou-se por utilizar a forma “Emmanuel Lévinas”. pode ser elaborada diante da insegurança alimentar? Entende-se que a filosofia levinasiana se mostra oportuna e adequada à análise ora empreendida, considerando que a alteridade é uma categoria central na discussão a respeito da (in)segurança alimentar. A hipótese inicialmente lançada é a de que o Eu é privilegiado, em detrimento do cuidado e a responsabilização com o Outro, contexto que obsta o desenvolvimento de uma sociedade orientada pela alteridade.

O objetivo geral de pesquisa é traçar uma linha de convergência entre as políticas públicas alimentares e o direito à alimentação para o desenvolvimento de uma análise ética a partir de Emmanuel Lévinas. Dessa forma, apresentam-se os seguintes objetivos específicos: a) analisar as políticas alimentares brasileiras e o direito à alimentação como um direito fundamental e da personalidade; e b) explorar uma crítica de dimensão ética levinasiana ao direito de alimentação.

Nesse sentido, buscando-se atender aos objetivos específicos, a primeira seção do artigo, intitulada “Da agenda do comer ao direito da nutrição: a alimentação de coadjuvante à protagonista”, abordará do direito à alimentação e as políticas públicas alimentares brasileiras, traçando um paralelo com a (in)segurança alimentar no contexto pandêmico; já a segunda seção do artigo, intitulada “A refeição da alteridade: ‘o pão do meu prato à boca do Outro’”, procederá à reflexão ética acerca da (in)segurança alimentar contemporânea brasileira à luz da alteridade de Emmanuel Lévinas, tendo em vista a íntima conexão de aspectos alterísticos no histórico das políticas públicas alimentares brasileiras.

Para o desenvolvimento da pesquisa, utiliza-se a metodologia oriunda da filosofia levinasiana, ou seja, a metafenomenologia. Dessa maneira, busca-se a formação subjetiva e da projeção do Eu diante do Outro, não se limitando à análise dos objetos ou de suas aparências na consciência. Coloca-se, nesta perspectiva, a constituição do Outro e do mundo a partir do Eu, e como o fenômeno da alteridade encontra condição de possibilidade. As fontes de pesquisa são essencialmente bibliográficas, escolhidas a partir da linha base da doxografia de Emmanuel Lévinas, bem como trabalhos jurídicos e filosóficos que perscrutem a alteridade, sem prejuízo de textos auxiliares ao tema objeto do trabalho. Ao final da pesquisa desenvolvem-se conceitos de alterísticos, a partir de Emmanuel Lévinas, que permitem pensar a questão atual por uma dimensão ética de alteridade, rompendo com o egoísmo do Eu que marca o pensamento da civilização ocidental, em que o cuidado e a responsabilidade pelo Outro precedem ao interesse do Eu.

2. Da agenda do comer ao direito da nutrição: a alimentação de coadjuvante à protagonista

A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago

(Carolina Maria de Jesus)

A dignidade da pessoa humana é colocada pela Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. A dignidade, estampada no artigo 1º, inciso III, do texto constitucional não apenas constitui um fundamento, mas uma responsabilidade na sua concretização, notavelmente pelos seus objetivos declarados do artigo 3º3 3 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019); V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”; e “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). . Nesse sentido, destaca-se que a fome e a sede compõem os principais óbices para o estatuto mínimo da dignidade da pessoa humana (BEURLEN, 2008BEURLEN, Alexandra. Direito humano à alimentação adequada no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008., p. 19-20).

A preocupação governamental no que tange à fome no Brasil teve maior delineamento a partir da década de 1930, porém a preocupação ética quanto à fome - mesmo tendo ocupado espaço central no bojo de programas governamentais de transferência de renda durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva - encontra, hoje, um espaço de absoluta negligência. O enfrentamento das causas estruturais da fome no cenário nacional somente teve maior prioridade governamental com a redemocratização do país. Dessa maneira, a fim de ilustrar, ainda que de forma muito objetiva e apenas para contextualização, as políticas compensatórias de alimentação e nutrição, destaca-se três momentos. Portanto, adiante pode ser observado que todos os períodos têm a preocupação com o combate à fome, mas os meios e as finalidades últimas perquiridas não são exatamente as mesmas, que devem ser delineadas com as considerações do contexto político, social e econômico nacional.

O primeiro momento do combate à fome teve início no final da década de 1930 até o final da década de 1960. No governo de Getúlio Vargas, a postura do Estado em relação à economia foi reconfigurada, de modo a atender às novas demandas do sistema capitalista, já que a concepção era a de que quanto maior a força de trabalho, maior o lucro. Pontua-se que não houve uma análise pormenorizada das causas e estruturas da fome, mas uma tentativa política de balancear os diversos interesses do desenvolvimento do país. Exemplo ilustrativo das políticas adotadas neste primeiro momento foi o desenvolvimento de restaurantes populares, como o Restaurante para Operário da Indústria, vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1939 (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Maria Leidiana Mendes de. Geografia da fome: expressão dramática da desigualdade sócio-espacial brasileira. 2013. 171 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-12022014-123610/publico/2013_MariaLeidianaMendesDeOliveira_VCorr.pdf. Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 134-135).

O desenvolvimento nacional da nutrição começou com a pauta da higiene alimentar, em 1908. Depois, na década de 1920, as pesquisas focaram nas necessidades energéticas mínimas do organismo. Na década de 1930, desenvolveram-se com mais ênfase os estudos sobre fisiologia da alimentação e foi criada a primeira cadeira especializada em Nutrição, na Universidade do Distrito Federal, que se ocupou de aspectos médicos e higiênicos do problema (CASTRO, 2010CASTRO, Anna Maria. A trajetória do combate à fome no Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 18-25. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 19). Destaca-se que na década de 1930, Josué de Castro (1932CASTRO, Josué. O problema fisiológico da alimentação no Brasil. Recife: Imprensa Industrial, 1932.) inovou e aprofundou a pesquisa sobre alimentação ao analisar as condições de vida das classes operárias no Recife, vinculando pela primeira vez a relação direta entre a produtividade do trabalhador e a sua alimentação.

Esta perspectiva de se privilegiar uma frente de interesse econômica em detrimento da humanística é observada no objetivo declarado no Decreto-Lei nº 2.478, de 5 de agosto de 1940, que tinha por objetivo “melhorar a alimentação do trabalhador e, consequentemente, sua resistência orgânica e capacidade de trabalho, mediante a progressiva nacionalização dos seus hábitos alimentares” (BRASIL, 1940).

Num segundo intervalo, marcado pela irrupção da ditadura civil-militar em 1967, o país ficou cinco anos sem qualquer política alimentar. Em 1972 foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição-INAN, a ser operado como órgão central para uma política nacional de alimentação e nutrição (o PRONAN, subordinado ao INAN, foi criado no ano seguinte). O desenvolvimento da estrutura nacional não foi executado por um planejamento de médio ou longo prazo, as políticas nacionais não buscavam solucionar as causas estruturais da fome, e sim equilibrar a demanda social com outras pautas governamentais (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Maria Leidiana Mendes de. Geografia da fome: expressão dramática da desigualdade sócio-espacial brasileira. 2013. 171 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-12022014-123610/publico/2013_MariaLeidianaMendesDeOliveira_VCorr.pdf. Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 137-138).

O combate à fome teve movimentos mais visíveis pelas atividades desenvolvidas pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), visivelmente promovendo a produtividade do trabalhador brasileiro. Estas atividades foram responsáveis pelo surgimento de muitos programas de assistência alimentar, dentre eles, cabe destacar: a) a criação de restaurantes populares; b) o fornecimento de refeição matinal para os filhos dos trabalhadores (embrião da merenda escolar); c) auxílio alimentar durante o período de trinta dias ao trabalhador enfermo ou desocupado (transformado em auxílio-doença); d) a criação de postos de subsistência para venda, a preço de custo, de produtos de primeira necessidade; e) serviço de visitação domiciliar junto à residência dos trabalhadores; e f) cursos para visitadores e auxiliares técnicos de alimentação (PELIANO, 2010PELIANO, Anna. Lições da história: avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas de combate à fome e à pobreza no Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 26-41. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 28).

No terceiro momento, considerando os necessários recortes e as simplificações do tema para atender aos objetivos desta pesquisa, a pauta da fome é agasalhada pela discussão da segurança alimentar. A pauta tomou nova diretriz especialmente após a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em 1994, na cidade de Brasília. Após 2001, e a tentativa de implementação de diversos programas alimentares anteriores, surgiu o Programa Fome Zero, que foi além das primeiras políticas de distribuição de cupons, contemplando: distribuição alimentar, aumento da renda, fomento de direitos sociais e políticas de ações locais em interlocução com a sociedade civil, visando a reforma agrária.

A fome está intrinsecamente relacionada com as condições macroeconômicas brasileiras. As taxas de pobreza são fortes indicadores das condições de segurança alimentar. Assim, o Programa Fome Zero foi desenvolvido e adaptado para as diversas realidades regionais, urbanas ou rurais, a partir da linha da pobreza de U$$ 1,00 diário de renda estabelecida pelo Banco Mundial. O programa teve grande mérito em agasalhar diversas políticas estruturais como a previdência social universal, a renda mínima, o incentivo à agricultura familiar entre outras frentes (GROSSI, 2010, p. 301-302).

Deve-se ressaltar que a efetividade do Programa Fome Zero dependia da reforma agrária e da participação da sociedade civil organizada. Houve muitas doações de alimentos não perecíveis pelas pessoas em postos de coleta do governo. As doações de menor porte arrecadadas eram distribuídas pelas entidades civis e religiosas locais. O Banco de Alimentos, por exemplo, recolhia as doações em dias úteis pelos estabelecimentos comerciais e os fazia chegar no mesmo dia à mesa de asilos, creches, clínicas de pacientes pobres, população de rua e outros. Já as doações de grande porte, acima de dez toneladas, eram destinadas aos armazéns da CONAB para conversão em dinheiro ou cestas básicas destinadas a situações emergenciais, como aldeias indígenas em estado de subnutrição e acampamentos rurais. Também havia doações em dinheiro que eram direcionadas ao Fundo de Combate à Pobreza. Dessa forma, o Programa foi idealizado e organizado pelo governo, com protagonismo da sociedade civil (BETTO, 2010BETTO, Frei. Fome Zero: ganhos e perdas. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 133-139. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 137)4 4 Pontue-se que, apesar de um primeiro momento de sucesso com a coleta de alimentos pelo Programa brasileiro, inspirado no modelo de prática de países europeus do início do século XX, que estava em conflito e que tinham escassez ou dependência alimentar, nacionalmente sustentavam-se críticas aos programas assistencialistas de frentes de trabalho ou de doação de cestas básicas no plano do Governo Federal e parte da sociedade civil. Doravante, observou-se o programa Food Stamp no sistema norte-americano, que tinha como baliza a ajuda alimentar às famílias carentes durante a crise de 1930, bem como reativar a economia e evitar a queda de preços agrícolas. Por meio deste programa, distribuía-se nos EUA dinheiro por meio de cupons, garantindo-se que a renda transferida seria utilizada para a aquisição de alimentos pelos donatários. O modelo norte-americano chegou a inspirar o Brasil a implementar o breve “ticket do leite”. Por isso, o Programa Fome Zero foi desenhado para superar as diversas críticas aos modelos de programas anteriores, que envolviam instabilidades do setor de agropecuária e do comércio. Por isso, pensou-se na articulação de diversos programas; bem como no aumento de produção e no acesso aos alimentos; considerando-se, neste cenário, as peculiaridades das áreas urbanas e rurais, suas assimetrias e convergências (BELIK, 2010). .

Faz-se uma breve nota aqui acerca da Comunidade Solidária, cujo foco era o combate à pobreza. Sua estrutura consistia em uma Secretaria Executiva e um Conselho composto majoritariamente por membros da sociedade civil, responsáveis por fomentar o diálogo entre a sociedade e o governo. A Secretaria Executiva não executava quaisquer programas ou projetos, mas tão somente realizava a capacitação dos agentes e acompanharia as políticas implementadas por outras entidades. O objetivo era criar um circuito sustentável de combate à pobreza, pois o projeto entendeu que o ciclo vicioso da pobreza somente seria rompido por meio de programas de longo prazo, que compreendessem a fome como um problema estrutural ligado à pobreza (PELIANO, 2010PELIANO, Anna. Lições da história: avanços e retrocessos na trajetória das políticas públicas de combate à fome e à pobreza no Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 26-41. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 38).

O vício sistêmico estaria na raiz dessa evolução negativa da humanidade, diante da adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas estas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização. Esta avaliação se deu antes da atual crise econômica e financeira que ainda aflige o mundo. A defesa do “Estado mínimo” e o abandono de políticas públicas básicas foram agravando a situação precária vivenciada por grande parte da população brasileira, com toda e qualquer manifestação de política inclusiva sendo imediatamente rechaçada e acusada de assistencialista. As acusações são antipodais com quaisquer medidas políticas públicas de dimensão assistencialista, ao menos em seus momentos iniciais (CASTRO, 2010CASTRO, Anna Maria. A trajetória do combate à fome no Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 18-25. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 23).

Em 2003, o Programa Comunidade Solidária foi substituído pelo Programa Fome Zero. Este, posteriormente, teve alguns de seus elementos centrais incorporados pelo Programa Bolsa Família (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Maria Leidiana Mendes de. Geografia da fome: expressão dramática da desigualdade sócio-espacial brasileira. 2013. 171 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-12022014-123610/publico/2013_MariaLeidianaMendesDeOliveira_VCorr.pdf. Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p. 143-144)5 5 Verifica-se, assim, uma mudança na centralidade do Programa Fome Zero na agenda das políticas sociais da época. O Programa Bolsa Família é regulamentado pela Lei n° 10.836/2004 e pelo Decreto n° 5.2019/2004, criado pela unificação de ações de transferência de renda do Governo Federal em 2003, a saber: o Programa Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio-Gás e o Cartão Alimentação. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família incorpora o primeiro eixo da Estratégia Fome Zero, que é o acesso aos alimentos promovido pelo aumento no poder aquisitivo das famílias por meio da transferência de renda. Esta transferência integra a agenda do combate à desnutrição na medida em que a renda direcionada à alimentação não deve prejudicar o acesso às outras necessidades básicas dos beneficiários (LÍCIO; CURRALERO, 2010, p. 75), o que vai ao encontro da Lei n° 11.346/2006. Pontua-se que diferentemente de outros programas de distribuição direta de alimentos, o Programa Bolsa Família promove a transferência de renda condicionada, afastando-se eventuais críticas de assistencialismo ou criação de dependência (PINZANI; RÊGO, 2016, p. 117), que tinham acentuada resistência aos projetos de assistência social pela sociedade civil. Para uma análise mais profunda do tema, indica-se o estudo de Vestena (2016). . O Programa Fome Zero atua na coordenação de diversas políticas públicas, o fomento da atuação comunitária e participativa de uma política nacional de segurança alimentar e nutricional, que envolve também todos os Entes Federativos e todos os Ministérios. Entre 2001 e 2013, o nível de pobreza nacional caiu de 22% para 8%, e a extrema pobreza baixou de 14% para 3,5%; de modo que 98% da população alcançou o acesso a uma alimentação adequada; a renda dos 20% mais pobres se multiplicou por três em relação aos 20% mais ricos. Como consequência desses índices alcançados, em 2014, aproximadamente uma década após o início do Programa, o Brasil saiu do Mapa da Fome e passou a cumprir o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio de reduzir pela metade a fome e a pobreza até 2015, tornando-se exemplo internacional de combate à desnutrição (ONU, 2018, p. 12; IPEA, 2019).

Dessa forma, observa-se, em síntese, que até a década de 1930, a questão da alimentação estava associada à demanda exigida pelo aumento populacional nas metrópoles. Doravante, até o final da década de 1980, a postura governamental para atender ao problema da fome foi o de regulamentar o mercado, do preço à oferta. Com o advento dos anos 1990, as diversas políticas governamentais apostaram no crescimento econômico nacional para conceder mais renda, e assim, emancipar as famílias pobres à cidadania (BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001BELIK, Walter; SILVA, José Graziano da; TAKAGI, Maya. Políticas de combate à fome no Brasil. Revista São Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 4, p. 119-129, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/spp/a/nWXBS3LYccnQHjCbTgq6HHB/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/spp/a/nWXBS3LYcc...
, p. 119), ou seja, nos dois primeiros períodos a fome não foi combatida como um fim em si mesma, ou mesmo como uma demanda humana em si. As políticas de combate à fome nacional inicialmente estavam voltadas ao serviço do sistema capitalista, com o intuito primeiro de produzir mais força de trabalho e, consequentemente, lucro. No terceiro período, foi possível observar que uma política direcionada ao enfrentamento estrutural do problema age de maneira simbiótica com os demais direitos sociais: a distribuição direta de alimentos é paliativa e retroalimenta o problema sem lhe dar uma solução. Nesse sentido, Monteiro destaca que:

Ações que combatam eficientemente a pobreza serão obviamente de enorme valia para a luta contra a desnutrição. Entretanto, a experiência nacional e internacional mostra que a intensificação dos investimentos em educação, saneamento do meio e cuidados básicos de saúde será essencial para se alcançar a erradicação da desnutrição. A luta contra a fome, ou ao que resta deste problema no país, igualmente se beneficiará do combate à pobreza. Contudo, as evidências indicam que ações específicas de combate à fome, em particular ações de distribuição de alimentos (diretamente ou através de cupons), deveriam ser empregadas no Brasil de modo limitado e apenas em condições excepcionais e devidamente justificadas (MONTEIRO, 2003MONTEIRO, Carlos Augusto. Fome, desnutrição e pobreza: além da semântica. Revista Saúde e Sociedade, v. 12, n. 1, p. 7-11, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/mTc9BVfnwCwmx3zxhJtW6dH/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 25 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/mTc9BVf...
, p. 10-11).

Apenas como evidencia de como o direito à alimentação é, muitas vezes, refém de interesses políticos, a Medida Provisória (MP) 870/2019, convertida na Lei nº 13.844, de 2019 (BRASIL, 2019), extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A MP também extinguiu o PAA, que auxiliava pequenos agricultores com o intuito de reduzir a pobreza no campo. A medida coloca os vulneráveis em situação ainda mais fragilizada e sem respaldo para a concretização do direito alimentar.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN, 2021) levantou que a medida implicava no desmonte de políticas públicas consolidadas historicamente e centrais para o combate à fome e às desigualdades sociais brasileiras. Além disso, a entidade ainda critica a grande confusão de conceitos e omissões que dificultam o acesso dos necessitados e vela a ausência de recursos para as políticas públicas sociais.

A medida governamental deve ser observada pela insegurança alimentar brasileira e de todo o contexto das políticas públicas no país. De acordo com o IBGE (BRASIL, 2020, p. 22), entre 2017 e 2018, um contingente de 68,9 milhões de pessoas possuía algum grau de insegurança alimentar. A escala brasileira de insegurança alimentar é classificada em: leve, moderada e grave. Dessa forma, a insegurança alimentar leve é caracterizada pelo receio de passar fome no futuro próximo; a insegurança alimentar moderada é enquadrada pela quantidade restrita de alimentos para a família; e a insegurança alimentar grave representa a ausência de alimento na mesa. Esse contexto é ilustrado na tabela a seguir:

Tabela 1
Descrição dos graus de segurança e insegurança alimentar

Em 2021, a pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN, 2021) chegou à conclusão de que 116,8 milhões de brasileiros não têm acesso pleno ou permanente a alimentos. Em síntese, os dados estimam que 55,2% dos lares brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar, sendo estes classificados em leve, moderada ou grave. Além da preocupante constatação quanto ao aumento da insegurança alimentar, destaca-se que esta última chegou a 9%. Sintetiza-se a contextualização da insegurança alimentar com a tabela a seguir:

Tabela 2
A insegurança alimentar (I.A.) pelos levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), da Pesquisa de Orçamentos familiares (POF) e do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN).

Em um primeiro momento, pode-se pensar que apenas a insegurança alimentar grave é um problema sério, contudo, a insegurança alimentar em si- ou seja, independentemente de seu grau - é um problema sério. Não é necessário apenas comer, mas ter os nutrientes adequados para o desenvolvimento da pessoa, especialmente dos mais vulneráveis, como as crianças. Dessa forma, com o intuito de contextualizar de forma mais concreta a questão, expõe-se o relato de um conselheiro tutelar que estranhou o comportamento violento de uma menina de sete anos sem histórico de violência, e que após investigação, constatou-se que o problema era de alimentação:

Ela havia agredido uma colega, depois desafiou a professora e, por fim, acabou tentando agredir a direção. A escola nos chamou para conversar com essa criança e sua família, para saber se se tratava de uma reprodução de violência (quando uma criança agredida reproduz a violência que sofre). Mas, conversando com essa criança, ela nos relata vontade de comer (CARRANÇA, 2021CARRANÇA, Thais. ‘Minha aluna desmaiou de fome’: professores denunciam crise urgente nas escolas brasileiras. BBC News Brasil, São Paulo, 17 nov. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59215351. Acesso em: 18 nov. 2021.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59...
).

A reportagem jornalística transcrita, publicada no Portal da BBC News Brasil, auxilia na contextualização da conjuntura social e nutricional atual, marcada pelo retorno do Brasil ao Mapa da Fome. O relatório publicado em 2022 pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), o International Fund for Agricultural Development (IFAD), o United Nations Children’s Fund (UNICEF), World Food Programme (WFP) ou World Health Organization (WHO) indicou que 61,3 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar, sendo que 7,3% deste contingente enfrenta uma situação de insegurança alimentar grave; 18,3% moderada; e 74,4% leve (vide Tabela 1). Estes números, como já afirmado, inserem o Brasil novamente no Mapa da Fome (ONU, 2022).

O exemplo ainda valoriza a metodologia levinasiana empregada na construção deste estudo. O filósofo da alteridade entende que o concreto possui uma riqueza sem fim, na medida em que são nas relações intersubjetivas experimentadas que surgem fenômenos que evidenciam a origem de certos conceitos, bem como a situação real da qual emergem. A filosofia Ocidental, que outrora valorizou a paciência do conceito, afastou-se da riqueza da vida cotidiana. Seu retorno, contudo, exige intencionalidade ética, ou seja, um desafio prático de produzir justiça. Assim, “o que tenho de fazer com justiça exige saber, exige uma rigorosa discussão sobre a relação da esfera afetiva, valorativa, volitiva e intersubjetiva com a esfera teórica na qual se move a fundamentação fenomenológica do conhecimento e da ética” (FABRI, 2017FABRI, Marcelo. A essência do tribunal humano segundo Levinas: prolongamento ético da fenomenologia. Revista Ética e Filosofia Política, Juiz de Fora, v. 20, n. 2, p. 135-151, 2017, Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/eticaefilosofia/article/view/17607. Acesso em: 8 out. 2022.
https://periodicos.ufjf.br/index.php/eti...
, p. 147).

Além disso, propondo radicar a discussão ética, a concepção de fome não deve ser superficial, tendo em vista que esta não é apenas falta de alimentos no seu aspecto quantitativo, uma vez que a subnutrição também é mortal. A carência de nutrientes provoca doenças, o mal funcionamento do organismo, afetando o seu desenvolvimento, desagrega o estado mental, entre outros aspectos prejudiciais. Dessa forma, as consequências de uma má alimentação são profundas e afetam as diversas esferas da pessoa, como a capacidade para o trabalho, o estado psicológico, seu desenvolvimento e a própria vida (MAYER, 1984MAYER, André. Prefácio à nona edição. In: CASTRO, Josué. Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984. p. 11-17., p. 12).

Um exemplo grave da falta de ingestão de proteínas no corpo é a Síndrome de Kwashiorkor. Em diversos pontos da América Latina crianças morrem pela deficiência proteica. A síndrome pode causar retardo no crescimento e desenvolvimento, anorexia, anemia, diarreia, entre outros sintomas, devido à sobrecarga de gordura no fígado (SCRIMSHAW et al, 1957SCRIMSHAW, Nevin S. et al. Epidemiology and Prevention of Severe Protein Malnutrition (Kwashiorkor) in Central America. American Journal of Public Health, Washington, v. 47, n. 1, p. 53-62, 1957. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.47.1.53. Acesso em: 3 dez. 2021.
https://ajph.aphapublications.org/doi/10...
, p. 53). Esta síndrome é apenas uma das consequências da deficiência de uma alimentação adequada.

Diante destes pontos, é incontornável a análise da desigualdade social com a fome, e que não afeta a população de forma homogênea, já que características pessoais e regionais influenciam no fenômeno. De acordo com o estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a insegurança alimentar atinge mais pessoas do sexo feminino, de cor preta/parda ou com menor escolaridade. Os domiciliados no Norte e Nordeste do país também foram mais afetados, inclusive por reflexos econômicos e/ou regionais mais severos. Ao final, o estudo aponta a necessidade de ações e políticas públicas que auxiliem os grupos mais vulneráveis e fomentem a segurança alimentar, concomitante de políticas estruturais direcionadas à redução das desigualdades sociais e das iniquidades nacionais (PENSSAN, 2021, p. 10-11).

Quanto às medidas de combate à insegurança alimentar, não se pode pensar que uma mera distribuição de alimentos ou medida congênere será suficiente. A erradicação da fome está intrinsecamente vinculada ao fomento de outros direitos sociais como o trabalho, a educação, a saúde, entre outros, como os exemplificativamente citados no art. 6º da Constituição Federal. Nesse sentido, a insegurança alimentar é o reflexo de distorções econômicas e das desigualdades, possuindo dimensão biológica, de modo que o enfrentamento dessa causa constitui chave para a erradicação da história da fome nacional (CASTRO, 1984CASTRO, Josué. Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares, 1984., p. 293).

Nesse sentido, o estudo realizado pela Oxfam (2021) verificou que a insegurança alimentar é erradicada nos domicílios com renda familiar per capita de um salário mínimo. Também foi verificado que a insegurança alimentar é quatro vezes maior para aqueles que exercem o trabalho informal e seis vezes maior para desempregados. Apenas para pontuar, a questão pandêmica impulsionou a insegurança alimentar que se agravava desde 2014, ou seja, o aumento da insegurança alimentar não foi causado unicamente pelo vírus, mas por um conjunto de escolhas políticas na agenda de proteção social. Portanto, o caminho apontado para a erradicação da pobreza vai ao encontro de medidas que fomentem a geração de renda e emprego.

Nesse sentido, retoma-se a formulação do Programa Fome Zero direcionada pela interpretação dada ao direito humano à alimentação. Enquanto amadurecia-se o conceito da segurança alimentar e nutricional, analisou-se as causas estruturais da fome nacional. Verificaram-se os programas e políticas públicas nacionais e seus graus de efetividade e lacunas para aperfeiçoamento. Dessa forma, política, ciência e direito se entrelaçaram (MENEZES, 2010MENEZES, Francisco. Mobilização social e participação da sociedade civil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, v. 1, 2010, p. 120-132. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 122).

Considerando o contexto do fenômeno da fome até aqui explorado, a pesquisa desloca o foco para breves análises jurídicas, apenas para a complementação do quadro exposto6 6 Para uma análise mais detalhada, sob a perspectiva legislativa e jurídica do direito à alimentação, indica-se a obra de Siqueira (2013). . Dessa forma, diante de uma perspectiva contextual da insegurança alimentar agravada pela COVID-19, passa-se à análise breve do direito à alimentação como um direito da personalidade e fundamental. O direito à alimentação foi agasalhado mais nitidamente como direito fundamental com a Emenda Constitucional nº 64/2010 (BRASIL, 2010)7 7 "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 2010). .

O embraçar do direito à alimentação como direito social de forma expressa, consagra-o como direito fundamental e da personalidade, como um direito que em última consequência atende à tutela da pessoa (SCHREIBER, 2013SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2013., p. 13), sendo a dignidade humana intrinsecamente multidisciplinar (SZANIAWSKI, 2005SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005., p. 140). Este reconhecimento constitucional constitui direito público subjetivo da pessoa frente ao Estado. Dessa forma, a pessoa pode exigir do Estado o atendimento ao seu direito à alimentação, com fundamento no próprio texto constitucional.

A relevância da consagração normativa do direito à alimentação não pode ser desvalorizada na perspectiva de que o direito é uma ferramenta de transformação social. Dessa forma, partindo-se de uma responsabilidade estatal para erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades, o direito não estaria numa superestrutura de manutenção do status quo, mas de efetiva transformação social. O direito - campo que o direito à alimentação passa a integrar expressamente - é hábil para promover a emancipação e a efetivação das garantias asseguradas legislativamente, com a promoção da inclusão e das mudanças sociais anunciadas, por meio de novas perspectivas intelectuais e práticas dos juristas (VIEIRA, 2012VIEIRA, André Luiz Valim. Direito social à alimentação: tutela jurisdicional e efetividade do direito fundamental. 2012. 301 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Estadual Paulista, Franca, 2012. Disponível: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98948/vieira_alv_me_fran.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 8 out. 2022.
https://repositorio.unesp.br/bitstream/h...
, p. 255-259). Portanto, o toque ao concreto que o direito se propõe a realizar exige não apenas saber, mas também ética, uma vez que a transformação social ocorre efetivamente nas relações éticas concretas, com a comida no prato do Outro e não com a mera declaração de que o Outro deve ter comida, ainda que a comida saia do prato do Eu para chegar ao prato do Outro.

Tendo em vista a contextualização inicial da fome e o direito à alimentação nesta seção, coloca-se o foco da pesquisa na análise de fruição levinasiana e na responsabilidade de outros atores na pauta da fome. Assim, o intuito da próxima seção é ampliar o debate do direito à alimentação na perspectiva ética da alteridade.

3. A refeição da alteridade: “o pão do meu prato à boca do Outro”

Conforme ressaltado até aqui, é dever preponderante do Estado cumprir com a obrigação jurídica de concretizar o direito à alimentação. Todavia, a responsabilidade do Eu não é exclusiva. Os direitos fundamentais também se aplicam aos particulares, de modo que a concretização do direito à alimentação não é exclusiva do Estado, mas também da sociedade, e até da família (SIQUEIRA, 2013SIQUEIRA, Dirceu Pereira. A dimensão cultural do direito fundamental à alimentação. Birigui: Boreal, 2013., p. 32).

Quanto à aplicação horizontal dos direitos fundamentais, há importantes precedentes nos Tribunais brasileiros, como, por exemplo, o caso da Air France (BRASIL, 1996). O referido precedente envolveu um ex-trabalhador e sua ex-empregadora. Os funcionários da empresa eram tratados de forma diferente, com aplicação de um estatuto para os brasileiros e outro para os franceses. O Reclamante levantou que não tinha diversos direitos que outros funcionários franceses possuíam. O Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho deram razão à ex-empregadora, tendo em vista que o princípio constitucional da isonomia era direito fundamental em face do Estado e não de aplicação entre particulares. O caso ganhou novas cores pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que os direitos fundamentais também deveriam ser estendidos às relações privadas, reformando a decisão em favor do Reclamante e constituindo precedente importante sobre os direitos fundamentais no Brasil (BRASIL, 1996).

Nesse sentido, importante destacar que políticas públicas não são exclusivas do Estado. Uma associação de moradores pode desenvolver um serviço local de interesse público, por exemplo, perspectiva que decorre do princípio da solidariedade constitucional, exposto no artigo 3º da Constituição Federal (SIQUEIRA; ESPÓSITO; SOUZA, 2019SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ESPÓSITO, Mariana Peixoto; SOUZA, Bruna Caroline Lima de. Direito à alimentação e os direitos da personalidade: da previsão à concretização desse direito sob a perspectiva do acesso á justiça. Revista de Constitucionalização do Direito Brasileiro, v. 2, n. 2, p. 1-24, 2019. Disponível em: http://revistareconto.com.br/index.php/Reconto/article/view/72. Acesso em: 28 nov. 2021.
http://revistareconto.com.br/index.php/R...
, p. 16). Portanto, não se pode pensar numa sociedade solidária, como idealizada pela Constituição, sem o abandono do egocentrismo, do individualismo e da avocação da responsabilidade social de cada Eu frente a sua comunidade (SARMENTO, 2004SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004., p. 339).

Destaca-se que a solidariedade constitui forma de compensar as desigualdades, que toma como fonte a sensibilidade perante as discriminações (ROSANVALLON, 1998ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado providência. Tradução: Sérgio Bath. Brasília, DF: Instituto Teotônio Vilela, 1998., p. 58). Solidariedade não se confunde com medidas securitárias, como as de cunho previdenciário, já que as medidas securitárias são técnicas, enquanto a solidariedade é um valor, de “certo modo, tudo é redistribuição no funcionamento econômico social” (ROSANVALLON, 1998, p. 76). A crise da solidariedade é pressuposto da crise do Estado de bem-estar social, pois:

como se pode definir o regime da assistência jurídica aos pobres se nos recusarmos a vê-lo, a não ser dentro das antigas categorias da caridade tendo por base a compaixão? Porque todos concordam com este ponto: uma abordagem em termos de caridade individual deixou de ser suficiente em uma sociedade democrática baseada na igualdade civil e no reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos (ROSANVALLON, 1998ROSANVALLON, Pierre. A nova questão social: repensando o Estado providência. Tradução: Sérgio Bath. Brasília, DF: Instituto Teotônio Vilela, 1998., p. 122).

Quanto a esta perspectiva solidária, destaca-se que o Governo Paralelo foi uma iniciativa da sociedade civil de oposição ao governo Collor de Melo, em 1991. Durante três anos, os participantes do Governo Paralelo tomaram a frente pelo enfrentamento do problema da fome, fomentando a solidariedade social, coletando e distribuindo alimentos aos grupos sociais mais necessitados. O projeto buscou articular diversos pontos de movimentação da própria sociedade civil, por milhares de comitês de bairros, locais de trabalhos e outros, como desdobramento das pautas de ética na política e de mobilização contra a fome. Doravante, a iniciativa civil elaborou uma proposta de Política de Segurança Alimentar, que já previa a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), que foi extinto pela MP nº 870/2019, já mencionada (MENEZES, 2010MENEZES, Francisco. Mobilização social e participação da sociedade civil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, v. 1, 2010, p. 120-132. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
, p. 121).

Observa-se que o artigo 227 da Constituição Federal8 8 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)” (BRASIL, 2010). estabelece de forma expressa que o dever de proporcionar a alimentação não compete somente ao Estado. No referido dispositivo, a família e a sociedade são responsáveis perante o direito à alimentação da criança, do adolescente e do jovem. Apesar da disposição não abarcar a previsão de auxílio a toda a coletividade, percebe-se a necessidade de maior atenção aos vulneráveis9 9 Apesar de não existir uma posição uniforme e definida sobre a diferença entre vulneráveis e minorias, há alguns contornos indicativos. Os vulneráveis são afetados por um conjunto de eventos fáticos comuns, mas não há uma identidade em comum. Já as minorias possuem caracteres referente à nacionalidade e não dominância, um diferenciador que se alinha ao campo da subjetividade e da solidariedade, a exemplo dos índios (ANJOS FILHO, 2008). . Dessa forma, verifica-se uma incipiente inclinação de maior responsabilidade de todos perante os vulneráveis, ou numa leitura levinasiana, ainda que nem sempre simétrica com a linguagem jurídica, mas sempre atrelada à responsabilidade ética, com a categoria do Outro.

O dever alimentar do Eu para com o Outro não é somente normativo ou somente dos agentes públicos, já que ultrapassa a prescrição jurídica; sendo responsabilidade ética do Eu, logo, que prescinde consentimento. Os alimentandos não são apenas os já familiares ao Eu, pois, se assim o fossem, a ética se limitaria a ser paroquial, comunitária e excludente; o alimentando também não é apenas um humano abstrato, pois excluir-se-ia, assim, o liame cultural entre o Eu e o Outro; a relação ética é gratuita e isenta de egoísmo; a responsabilidade pelo Outro não conhece tempo e espaço, nacionalidade ou religião, gênero ou raça - tal como ilustrado pela dinâmica dos andares superiores ou inferiores do filme “O Poço”. A vida do Outro não pertence ao Eu, mas se vincula ao Eu. Esta exposição de dimensão ambivalente de afeto e de destruição pelo corpo aponta sua precariedade, de modo que esta tanto nomeia a ética quanto a dificulta, pois esta relação-chamado com o Outro faz parte da sensibilidade e constitui o Ser, de modo que não há Eu sem o Outro (BUTLER, 2019BUTLER, Judith. 2019. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.).

É justamente pela via intersubjetiva de constituição do Eu pelo Outro que se propõe a superação do esquema totalitário/objetivista das sociedades ocidentais, como condição de respeito à alteridade, ou seja, conviver com o diferente. Quem determina a alteridade é o Outro, não o Eu. A alteridade não existe apenas por qualquer diferença com o Eu, mas por um ser absolutamente diferente do Eu (GRZIBOWSKI, 2013). Dessa forma, a proposta levinasiana questiona os pressupostos do perfil de humano que a socieadade pretende fomentar, tutelar e como tutelar, exigindo, por meio de uma aproximação de direito e ética à luz da alteridade, a realização de uma justiça nos moldes levinasianos.

Nesse sentido, é somente com a abertura do direito à ética que é possível pensar em uma justiça levinasiana. Apesar de Lévinas não ter sido um jurista, a justiça para ele era fundamental, inclusive como condição de realidade. A justiça é a ética realizada e em realização, viga mestra do sentido humano. A justiça para o filósofo da alteridade não é teorética nem existencial, e sim um dizer fundacional. O sistema social sem justiça é apenas matéria-prima da realidade, uma espessura ontológica apta à construção da justiça. A única justiça ética é aquela que não admite qualquer indiferença com o sofrimento e ao chamado do Outro (SOUZA, 2001SOUZA, Ricardo Timm de. Justiça, liberdade e alteridade ética: sobre a questão da radicalidade da justiça desde o pensamento de E. Levinas. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 46, n. 2, p. 265-274, 2001. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/35008/18345. Acesso em: 9 out. 2022.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs...
, p. 272).

Para Emmanuel Lévinas, as pessoas vivem de bons alimentos, ar, luz, espetáculos, trabalho, sono e de tudo que a realidade pode oferecer. Não se trata de mera representação, mas de efetiva relação com coisa outra, é exercício de Ser que encontra felicidade, ou seja, fruição da vida. O Eu é aquilo que faz, aquilo de que se vive. O mundo começa para o Eu com o alimento, é este que fomenta o cariz da felicidade e do prazer. Os alimentos e os objetos mundanos são meios de vida, que auxiliam e acompanham num bem-viver, um viver de. Estes objetos não se encerram com sua finalidade instrumental, já que permitem o prazer, o gosto. Todo o prazer é alimentação e toda dor é sofrimento (LÉVINAS, 1980, p. 97-99). O viver de realiza-se pelo corpo, é tocar uma terra já condicionada pela posição em que o pé está no real, como um pintor que percebe que provém de um quadro que pintará. Portanto, alimentar-se não se reduz ao processo químico e biológico nem aos sentidos gustativos e sensoriais do ato, mas transcende à representação, na medida em que aquilo que é estranho do mundo perde sua alteridade na saciedade, tornando-se o Eu. Dessa forma, o externo torna-se o Mesmo, constituindo o Eu (LÉVINAS, 1980, p. 113).

Lévinas (1980) salienta que a primeira relação com o mundo começa com a boca. O paladar que se permite com a boca compõe uma alegoria de que a vida tem sabor. A partir do momento em que vive, vive-se sensivelmente com os alimentos do mundo, ou seja, o humano está instalado no mundo que é oferecido como alimento. Nesse sentido, fruir é encontrar a felicidade, é constituir o Eu vital. O pensamento levinasiano levanta uma crítica ao pensamento ontológico ocidental que ofereceu demasiada atenção à visão e menosprezou os demais sentidos. O conceito de fruição resgata os demais sentidos como possibilidade de construção de uma nova perspectiva ética, para além da representação do mundo somente por ideias e conceitos. É mais do que prescrever o direito à alimentação, é - efetivamente - alimentar o Outro.

O ato de se alimentar é central para se entender o conceito de fruição levinasiano. Partindo da concepção de que a fome constitui a privação por excelência, o alimento é o que preenche o corpo, pois os demais objetos preenchem a vida. Para Lévinas “a vida é uma existência que não precede a sua essência” (LÉVINAS, 1980, p. 98), ou seja, primeiro é necessário criar um existente, para aí ter uma existência, de tal modo que só há vida se há alimento. O ato de se alimentar da própria atividade é fruição, logo, o consumo de alimentos é fruição, é viver de, é a alimentação da vida.

O existente, diferentemente do existir, é lançado na existência. O existente existindo na ontologia pura do Ser está só, é existir com recusa de qualquer relação e multiplicidade. Esse silêncio sussurrante do Ser causa o horror de uma existência sem saída, em que os sujeitos perdem suas individualidades até sua dissolução no anonimato. O existente que não tem controle da sua própria existência, impessoal e anônimo, é categorizado por Lévinas como Il y a. A janela que se abre do horror de Ser em si mesmo é o deslocamento do Eu para o Outro (RIBEIRO, 2015RIBEIRO, Luciane Martins. A subjetividade e o outro: ética da responsabilidade em Emmanuel Levinas. São Paulo: Ideias & Letras, 2015., p. 41-44).

Dessa forma, é com a fruição que o Eu se constitui como um Ser no mundo. Reforça-se que sem os meios de fruição, como o alimento, não há o desenvolvimento ontológico do Eu. Trata-se de um fenômeno centrípeto que coloca o Eu no centro do mundo, alimentando-se dos meios proporcionados pelo mundo. O existir ontológico permite o ser existente, vez que “la relación com un mundo no es sinónimo de la existência. Ésta es anterior al mundo. En la situación del fin del mundo se pone la relación primeira que nos ata al ser” (LÉVINAS, 2000LÉVINAS, Emmanuel. De la existencia al existente. Tradução: Patricio peñalver. Madrid: Arena Libros, 2000., p. 23). Desse modo, é por meio da fruição como desenvolvimento da pessoa que essa pode Ser no mundo.

Já o conceito de vulnerabilidade é antípoda da fruição, como abertura centrífuga para a alteridade do Outro. É a indiferença para com a diferença em sua radicalidade. Não é mais fruir do mundo, mas proporcionar fruição. É o poder humano de se despedir do mundo ontológico para transcendência do Outro (LÉVINAS, 1998). É sair do horror da Il y a. O movimento de fuga do Eu em direção ao Outro é ser sensível ao Outro. Dar o pão ao Outro é ser vulnerável com sua fome; dar abrigo ao estrangeiro é ser vulnerável diante da sua condição de estrangeiro; vestir o Outro é ser vulnerável a sua nudez e miséria; aproximar-se do Outro com ternura é ser vulnerável com seu desamparo. Se a entrada na vida mundana se dá com a alimentação daquilo que é mundano para si, a entrada da vida ética se dá com a entrega daquilo que é mundano para o Outro. A vulnerabilidade, assim, constitui-se como antípoda da fruição, na medida em que o Eu sai de si e vai em direção ao Outro (SANTOS, 2018SANTOS, Luciano. “O Eu, dos Pés à Cabeça, Até a Medula dos Ossos, é Vulnerabilidade”: a sensibilidade como paradigma ético em Lévinas. In: RIBEIRO JUNIOR, Nilo et al. (orgs.). Amor e Justiça em Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2018. p. 155-176., p. 156).

Ambos os conceitos são antitéticos e complementares no movimento de alteridade. A fruição consome em favor do Eu, que o constitui como pessoa mundana, o que pode causar o Il y a, uma prisão no próprio Ser. É na ideia de vulnerabilidade que ocorre a expulsão do Eu em direção ao Outro, destituindo-lhe de soberania sobre os Outros e encontrando a sua própria humanidade (LÉVINAS, 2012LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 2012.). Portanto, a vulnerabilidade é condição de possibilidade da pessoa se libertar da prisão mundana e de si mesmo.

Dessa forma, a pessoa mundana, que se forma na fruição, se abre para a vulnerabilidade do Outro na medida em que a sensibilidade lhe afeta. A vulnerabilidade abre o movimento do Eu ir em direção ao Outro, o que deságua no conceito de substituição, que pressupõe os anteriores, pois a substituição oferece ao Outro a própria fruição do Eu. A substituição promove o entregar do Eu para o Outro, permite que o Outro usufrua no lugar do Eu, o que é possível pela colocação do Eu no lugar do Outro e que por este responda. Não se trata meramente de dividir o pão, é entregar o pão ao Outro, é reconhecer a precedência do Outro frente ao Eu (LÉVINAS, 1980). A substituição é o cume da transcendência vertical. O existente seria um ente aí que é tomado pela vereda da identidade e da apropriação. Quando o existente assume a responsabilidade pelo Outro, torna-se mais que um existente: passa a ter uma existência. A existência transcende com a substituição, que é o Eu fazer da sua pele morada ao Outro, é o Eu tirar o pão da boca e entregar ao Outro (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. Revista o que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 3 dez. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p.152). Conforme afirma Bonamigo:

a substituição é o cume da responsabilidade na Subjetividade, é simplesmente incluir o outro de tal forma em mim mesmo como se ele viesse morar debaixo de minha pele e pode incluir o “tirar o pão da própria boca” para dá-lo ao outro. E mais, a substituição pode implicar ter de expiar até mesmo as faltas do outro e morrer em seu lugar. Nesse sentido, a substituição é a elevação máxima possível ao homem, a sua santidade, a configuração suprema da Subjetividade (BONAMIGO, 2016BONAMIGO, Gilmar Francisco. O problema do humano em Emmanuel Lévinas. Revista o que nos faz pensar, v. 25, n. 38, p. 139-160, 2016. Disponível em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/493. Acesso em: 3 dez. 2021.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
, p. 154).

A passagem do Eu que frui para si, que é para si, não ocorre sem dor para o Eu que vive para o Outro. O Eu que alimenta para si e o Eu que entrega para o Outro requesta paciência e dor. Trata-se da passagem da fruição ao dom, que é acompanhada da dor como próprio modo de ser para o Outro. Todavia, reforça-se que o caminho da substituição não é linear, não é necessário acumular bens para doar. O que o Eu oferece ao Outro não é meramente objetos de fruição, é primeiramente uma doação do Ser. Doação sem dor é doar o supérfluo: “dar casa ou lugar sem dar o meu lugar, seria cômodo, não seria ainda dar-me. Como ser e ter são mesmo, o modo de doação do ter é o m modo de doação do ser” (SUSIN, 1984SUSIN, Luiz Carlos. O homem messiânico: uma introdução ao pensamento de Emmanuel Lévinas. Rio de Janeiro: Vozes, 1984., p. 347).

Retomando a análise de O Poço (2019), observa-se que o longa não é apenas uma crítica ao sistema econômico, político e mundial que vivemos, mas uma crítica ética da desumanização do Outro. É o problema ético do Eu que pode escolher entre a privação ou a limitação do consumo em prol do Outro, que aguarda o alimento ou o consumo que prioriza apenas e tão somente a própria fome e sobrevivência do Eu. O protagonista Goreng chega a propor a escolha da solidariedade aos demais, e usar a violência para mudar o quadro. Neste contexto, a solidariedade somente pode decorrer da escolha de abertura e não da imposição violenta, ainda que os fins possam ser considerados humanísticos. Da mesma forma, não é crível que ameaças ou o uso da violência interpelem as pessoas dispostas a gastar valores consideráveis para festas clandestinas, que além do luxo colocam os Outros em risco pelo contexto pandêmico, a serem solidárias com aquelas que procuram ossos ao redor de estabelecimentos luxuosos. A doação do Ser ao Outro exige mais que boas ações, é dom de possibilitar ao Outro fruir da fruição do Eu.

A abertura do Eu ao Outro como alteridade é condição de possibilidade para o Eu se encontrar. A própria subjetivação do Eu está no Outro, pois é somente com o Outro que é possível perceber o que não se conhece, o que não é visto, as dores que não se sente, assim, é justamente neste contraste entre o Eu e o Outro que é possível perceber a própria esfera de constituição (RIBEIRO; TEIXEIRA; IKEDA, 2021, p. 2010). O Eu encontra os limites ontológicos de sua existência na prisão do próprio Eu e do mundo material. Essa entrega do Eu ao Outro, todavia, não pode permitir que o cuidado se torne opressão ao Outro ser, submetido à interpretação daquilo que é melhor para ele. Dessa forma, “em face do medo em relação ao próximo ou de se achar excessiva demais a generosidade e não haver aceitação para sempre da fraqueza do outro, a humanidade, antes vista como absoluta, transmuda-se em crueldade” (OTERO, 2011OTERO, Cleber Sanfelici. Inclusão social da extrema pobreza: direito à cidadania integral e contextualização do mínimo necessário no Brasil. 2011. 444 f. Tese (Doutorado em Direito) - Instituição Toledo de Ensino, Bauru, 2011., p. 36). Portando, a figura do Estado é peremptória para equilibrar a responsabilidade infinita do Eu com o Outro.

Com efeito, o ato de alimentar o Outro não deve se restringir a colocar comida no prato. O Eu deve fornecer elementos para que esse Outro se desenvolva, tenha autonomia para interpretar o mundo e possa se manifestar conforme sua vontade e seu desejo. O Outro não é um mero número ou uma espécie de “humano de estimação” para ser cuidado de forma permanente, mas é um Outro que merece cuidado ao ponto de um dia não depender mais do Eu e também cuidar dos Outros. O direito à alimentação à luz da alteridade é o desenvolvimento das diversas dimensões humanas, é ofertar a fruição ao Outro em sua plenitude.

Os programas e as políticas alimentares, à luz da alteridade, não são discricionários às possibilidades orçamentárias. A fome requesta a alteridade do Eu e a movimentação das instituições públicas e privadas para alcançar uma sociedade que se responsabiliza e cuida do Outro, em sua fome e em sua dor. Ao Eu não cabe entender que sua responsabilidade foi integralmente cumprida, a responsabilidade levinasiana é sua liberdade, na medida em que decide sair do Eu e ir ao Outro. Ao Estado não cabe liberdade que não seja a de cumprir com os objetivos traçados no artigo 3º da Constituição Federal, pois só se pode pensar em cidadão se este tiver fruição, e o Estado aqui é objeto de fruição do Outro.

O Outro é único e individual. A filosofia ocidental sempre buscou um movimento de totalização do Eu perante o Outro, contexto que tem como grande crítico Emmanuel Lévinas. Como ilustração do problema de alteridade, no Brasil, na década de 1960, a informação sobre o valor nutricional começou a circular mais na sociedade e fomentou programas de educação alimentar. Todavia, de forma contraditória, as professoras ensinavam crianças pobres a se alimentarem de forma variada, incluindo carnes, frutas e verduras, que não tinham condições financeiras para adquirir tais alimentos (CASTRO, 2010CASTRO, Anna Maria. A trajetória do combate à fome no Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 18-25. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 1 dez. 2021.
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, p. 28). Uma crítica ética levantada é que existiam programas para o Eu e programas para o Outro. O Outro é reduzido ao mesmo, e não visto como um Outro absolutamente único e diverso; uma visão distorcida de que o direito à alimentação, especialmente na sua dimensão educacional, deveria ser servido aos andares superiores, pois quando chegam aos andares inferiores nada há para se fruir.

Conforme analisou-se do desenvolvimento das políticas alimentares, os programas inicialmente possuíam um viés bem definido ao seu destinatário: o trabalhador, ou seja, o economicamente produtivo. Outros programas importantes como os de nutrição adequada, não encontravam destinatários aptos a usufruir deles, diante da própria ausência de alimento ou de escolher o alimento, ressaltando os diversos níveis de insegurança alimentar. A história nacional demonstra que o Eu deve ir em direção ao Outro para a efetivação dos programas alimentares nacionais, vez que teve mais efetividade com a postura ativa e engajada da sociedade civil, proporcionando a redução significativa da insegurança alimentar. O Outro grita pelo Eu.

Dessa forma, o Estado assume uma posição fulcral para a existência de uma sociedade ética. A responsabilidade infinita que o Eu tem perante o Outro deve ser equilibrada pelo Estado, a fim de que não se torne excessiva para o Eu e que não constitua falta para o Terceiro da relação. Reforça-se que em nenhuma medida o Estado revoga a responsabilidade do Eu, até porque, no parágrafo único do artigo 1º da Constituição é consignado que o poder é exercido por seus representantes ou diretamente (BRASIL, 1988), não implicando em qualquer medida a revogação da responsabilidade do Eu pelo Estado.

Tem-se, assim, que a ética alterística não clama pela assunção de responsabilidade por outros atores nem coloca limites a responsabilidade do Eu. Age em direção à justiça levinasiana, para além da sua obrigação legal, como condição para a constituição de uma sociedade livre em que o Eu assume voluntariamente sua responsabilidade pelo Outro. Portanto, uma sociedade justa, que não seja indiferente com a diferença, e solidária/ alterística, que coloque o Outro antes do Eu.

4. Considerações finais

Retomando-se o problema orientador de pesquisa: qual a crítica ética fundada na alteridade de Emmanuel Lévinas que se pode desenvolver perante o agravamento da insegurança alimentar nacional? Partiu-se da hipótese de que a precedência do Eu perante o Outro culmina em seu descuidado, o que impede a instituição de uma sociedade solidária.

Com o escopo de responder à pergunta, na primeira seção de desenvolvimento foi realizada uma análise das políticas públicas alimentares e do direito à alimentação. Verificou-se que as políticas alimentares inicialmente não ostentavam um viés puramente humanístico de combate à fome, mas acompanharam outras pautas de interesse econômico. O desenvolvimento de políticas públicas e programas que colocaram a fome como consequência de um problema estrutural foi ampliado com a redemocratização do país. Doravante, foi constatado que a atuação governamental é essencial para articular e direcionar os esforços governamentais, máxime pelo elemento de participação da sociedade civil como chave de sucesso das políticas públicas alimentares, considerando o histórico nacional.

Na segunda seção de desenvolvimento explorou-se o pensamento de Emmanuel Lévinas, especialmente com os conceitos de alteridade, fruição e substituição. Verificou-se a relevância do ato de alimentação na filosofia levinasiana e seu vínculo transcendental quando o Eu, que frui para si e por si, e, passa a se preocupar com o Outro e a alimentar o Outro, libertando-se da prisão mundana de felicidade e da própria prisão do Eu sob o Eu. É nesse sentido que o Eu pode ser outramente que para si mesmo, sendo ser para o Outro. Ponderou-se que um dos objetivos declarados da República no Brasil é a solidariedade, entrelaçando democracia, direito à alimentação e alteridade. Dessa forma, pode-se observar uma crítica ética que postula pela precedência do Outro em detrimento do Eu.

Se como no filme o Poço, as pessoas acordam em um andar aleatório, é o Eu dos andares superiores que pode abrir mão ou se limitar a comer menos para que o Outro dos andares inferiores também tenha o que comer. Não é necessário estar nos andares superiores para se abrir ao Outro, uma vez que a tarifa de pedágio para a vida ética se dá com o Ser e não com o ter. É justamente esse dar o pão ao Outro, o pão que o Eu deixa de comer, que constitui o ato chave e central dos conceitos de fruição, alteridade e substituição levinasianos. É a partir do momento em que o Outro antecede o Eu, e este último abre mão de sua fruição para Ser fruição para o Outro que o caminho da solidariedade pode ser encontrado. É essa abertura que surge da sensibilidade, diante da fome do Outro, do seu rosto, que interpela o Eu para a vida ética.

É justamente na alteridade de colocar o Outro como alguém que precede o Eu que se encontra um caminho ético de concretização do direito à alimentação. É pela organização de cada Eu, com doações e articulações, que se consegue cuidar adequadamente do Outro. É doando o tempo do Eu e a comida do Eu que se cria a condição de possibilidade de alimentar o Outro e começar a construir uma sociedade fraterna.

A responsabilidade de cada Eu é infinita com o Outro e em nenhuma medida poderá ser revogada, mas a responsabilidade do Estado também não pode ser menosprezada, tendo em vista que a história da luta nacional contra a fome já demonstrou que o caminho é mediado por políticas públicas de longo prazo e sustentáveis para o enfrentamento das causas estruturais e não somente a mera distribuição de alimentos. É permitir o Outro Ser em sua singularidade. Nesse sentido, o engajamento do Eu nas sociedades civis participantes e também individuais é peremptório para o resgate da ética e da dignidade do Outro.

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  • SANTOS, Luciano. “O Eu, dos Pés à Cabeça, Até a Medula dos Ossos, é Vulnerabilidade”: a sensibilidade como paradigma ético em Lévinas. In: RIBEIRO JUNIOR, Nilo et al. (orgs.). Amor e Justiça em Lévinas. São Paulo: Perspectiva, 2018. p. 155-176.
  • SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
  • SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2013.
  • SCRIMSHAW, Nevin S. et al. Epidemiology and Prevention of Severe Protein Malnutrition (Kwashiorkor) in Central America. American Journal of Public Health, Washington, v. 47, n. 1, p. 53-62, 1957. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.47.1.53 Acesso em: 3 dez. 2021.
    » https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.47.1.53
  • SIQUEIRA, Dirceu Pereira. A dimensão cultural do direito fundamental à alimentação. Birigui: Boreal, 2013.
  • SIQUEIRA, Dirceu Pereira; ESPÓSITO, Mariana Peixoto; SOUZA, Bruna Caroline Lima de. Direito à alimentação e os direitos da personalidade: da previsão à concretização desse direito sob a perspectiva do acesso á justiça. Revista de Constitucionalização do Direito Brasileiro, v. 2, n. 2, p. 1-24, 2019. Disponível em: http://revistareconto.com.br/index.php/Reconto/article/view/72 Acesso em: 28 nov. 2021.
    » http://revistareconto.com.br/index.php/Reconto/article/view/72
  • SOUZA, Ricardo Timm de. Justiça, liberdade e alteridade ética: sobre a questão da radicalidade da justiça desde o pensamento de E. Levinas. Revista Veritas, Porto Alegre, v. 46, n. 2, p. 265-274, 2001. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/35008/18345 Acesso em: 9 out. 2022.
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  • SUSIN, Luiz Carlos. O homem messiânico: uma introdução ao pensamento de Emmanuel Lévinas. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.
  • SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
  • UNITED NATIONS (UN). United Nations Children's Fund (UNICEF). The State of Food Security and Nutrition in the World 2022: repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Roma: FAO. 2022. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/sofi-2022/?_ga=2.29995643.559383497.1664723893-694029353.1664723893 Acesso em: 2 out. 2022.
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  • VESTENA, Carolina Alves. Transferências de renda condicionada na América Latina e Bolsa Família no Brasil: uma discussão sobre o desenvolvimento da política social. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, Brasília, v. 10, n. 3, p. 1-22, 2016. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/14899/13220 Acesso em: 8 out. 2022.
    » https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/14899/13220
  • VIEIRA, André Luiz Valim. Direito social à alimentação: tutela jurisdicional e efetividade do direito fundamental. 2012. 301 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Estadual Paulista, Franca, 2012. Disponível: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98948/vieira_alv_me_fran.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 8 out. 2022.
    » https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98948/vieira_alv_me_fran.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  • 1
    Apesar do enredo e da dramatização cinematográfica, pode-se traçar alguns pontos em comum do filme com a realidade ética atual. De um lado é possível observar pessoas que gastam cerca de R$ 350,00 reais para entrar em festas clandestinas na pandemia (SALGADO, 2021SALGADO, Rodrigo. Festas com até 600 pessoas em condomínios de luxo na Lagoa dos Ingleses são encerradas por Guarda Municipal. G1, Belo Horizonte, 12 maio 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/05/23/festas-com-ate-500-pessoas-em-condominios-de-luxo-na-lagoa-dos-ingleses-sao-encerradas-por-guarda-municipal.ghtml. Acesso em: 1 dez. 2021.
    https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/not...
    ); e, de outro lado, observamos pessoas que buscam ossos em caçambas de descarte do Mercadão de São Paulo, que é um ponto turístico e gastronômico daquela metrópole (PAULO, 2021PAULO, Paula Paiva. Pessoas buscam ossos de carne na caçamba de descarte do Mercadão, Centro de SP. G1, São Paulo, 8 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/10/08/pessoas-buscam-ossos-de-carne-na-cacamba-de-descarte-do-mercadao-centro-de-sp.ghtml. Acesso em: 1 dez. 2021.
    https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/notici...
    ).
  • 2
    Na língua original do filósofo, seu nome é grafado como “Emanuelis Levinas”. Na tradução lusitana e alemã, costumeiramente, “Emmanuel Lévinas”. Na tradução americana ou francesa “Emmanuel Levinas”. Neste estudo, optou-se por utilizar a forma “Emmanuel Lévinas”.
  • 3
    “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019); V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”; e “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).
  • 4
    Pontue-se que, apesar de um primeiro momento de sucesso com a coleta de alimentos pelo Programa brasileiro, inspirado no modelo de prática de países europeus do início do século XX, que estava em conflito e que tinham escassez ou dependência alimentar, nacionalmente sustentavam-se críticas aos programas assistencialistas de frentes de trabalho ou de doação de cestas básicas no plano do Governo Federal e parte da sociedade civil. Doravante, observou-se o programa Food Stamp no sistema norte-americano, que tinha como baliza a ajuda alimentar às famílias carentes durante a crise de 1930, bem como reativar a economia e evitar a queda de preços agrícolas. Por meio deste programa, distribuía-se nos EUA dinheiro por meio de cupons, garantindo-se que a renda transferida seria utilizada para a aquisição de alimentos pelos donatários. O modelo norte-americano chegou a inspirar o Brasil a implementar o breve “ticket do leite”. Por isso, o Programa Fome Zero foi desenhado para superar as diversas críticas aos modelos de programas anteriores, que envolviam instabilidades do setor de agropecuária e do comércio. Por isso, pensou-se na articulação de diversos programas; bem como no aumento de produção e no acesso aos alimentos; considerando-se, neste cenário, as peculiaridades das áreas urbanas e rurais, suas assimetrias e convergências (BELIK, 2010BELIK, Walter. Projeto Fome Zero: o desenho de uma política de segurança alimentar e nutricional para o Brasil. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Fome Zero: uma história brasileira. Brasília, DF: Ministério Zero, 2010. v. 1. p. 176-188. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf. Acesso em: 8 out. 2022.
    https://www.mds.gov.br/webarquivos/publi...
    ).
  • 5
    Verifica-se, assim, uma mudança na centralidade do Programa Fome Zero na agenda das políticas sociais da época. O Programa Bolsa Família é regulamentado pela Lei n° 10.836/2004 e pelo Decreto n° 5.2019/2004, criado pela unificação de ações de transferência de renda do Governo Federal em 2003, a saber: o Programa Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio-Gás e o Cartão Alimentação. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família incorpora o primeiro eixo da Estratégia Fome Zero, que é o acesso aos alimentos promovido pelo aumento no poder aquisitivo das famílias por meio da transferência de renda. Esta transferência integra a agenda do combate à desnutrição na medida em que a renda direcionada à alimentação não deve prejudicar o acesso às outras necessidades básicas dos beneficiários (LÍCIO; CURRALERO, 2010LÍCIO, Elaine; CURRALERO, Cláudia. Programa Bolsa Família e a segurança alimentar e nutricional. In: ARANHA, Adriana Veiga (org.). Programa Bolsa Família e a segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010. v. 2. p. 75-86. Disponível em: https://ifz.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Fome-Zero-uma-Historia-Brasileira-v2-1.pdf. Acesso em: 8 out. 2022.
    https://ifz.org.br/wp-content/uploads/20...
    , p. 75), o que vai ao encontro da Lei n° 11.346/2006. Pontua-se que diferentemente de outros programas de distribuição direta de alimentos, o Programa Bolsa Família promove a transferência de renda condicionada, afastando-se eventuais críticas de assistencialismo ou criação de dependência (PINZANI; RÊGO, 2016PINZANI, Alessandro; RÊGO, Walquíria Domingues Leão. Money, Autonomy, Citizenship. Efects of the Programa Bolsa Família on its participantes. Revista Philosophy and Public Issues, Roma, v. 6, n. 3, p. 115-159, 2016. Disponível em: http://fqp.luiss.it/files/2016/11/8_Pinzani_Leao_Rego_PPI_vol6_n3_2016.pdf. Acesso em: 8 out. 2022.
    http://fqp.luiss.it/files/2016/11/8_Pinz...
    , p. 117), que tinham acentuada resistência aos projetos de assistência social pela sociedade civil. Para uma análise mais profunda do tema, indica-se o estudo de Vestena (2016VESTENA, Carolina Alves. Transferências de renda condicionada na América Latina e Bolsa Família no Brasil: uma discussão sobre o desenvolvimento da política social. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, Brasília, v. 10, n. 3, p. 1-22, 2016. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/14899/13220. Acesso em: 8 out. 2022.
    https://periodicos.unb.br/index.php/repa...
    ).
  • 6
    Para uma análise mais detalhada, sob a perspectiva legislativa e jurídica do direito à alimentação, indica-se a obra de Siqueira (2013SIQUEIRA, Dirceu Pereira. A dimensão cultural do direito fundamental à alimentação. Birigui: Boreal, 2013.).
  • 7
    "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 2010).
  • 8
    “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)” (BRASIL, 2010).
  • 9
    Apesar de não existir uma posição uniforme e definida sobre a diferença entre vulneráveis e minorias, há alguns contornos indicativos. Os vulneráveis são afetados por um conjunto de eventos fáticos comuns, mas não há uma identidade em comum. Já as minorias possuem caracteres referente à nacionalidade e não dominância, um diferenciador que se alinha ao campo da subjetividade e da solidariedade, a exemplo dos índios (ANJOS FILHO, 2008ANJOS FILHO, Robério dos. Minorias e grupos vulneráveis: uma proposta distinção. In: CARVALHO, João Carlos de; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan (coords.). Direitos humanos: desafios humanitários contemporâneos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 341-380.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2021
  • Aceito
    23 Out 2022
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