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Avivar a autonomia: movimentos sociais, economia solidária e experimentações democráticas para além do Estado

Enliven autonomy: social movements, solidarity economy and democratic experiments beyond the State

Resumo

Nos últimos 30 anos, diversos movimentos sociais brasileiros apostaram na tática da ação institucionalizada; e muitas foram as análises sobre interação socioestatal no período. Essa espécie de encantamento com a capacidade democrática do Estado brasileiro entregou menor importância às experiências de exercício democrático registradas na sociedade civil. No entanto, tal abordagem parece perder forças depois do Golpe de 2016 e da ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Partindo de uma investigação mais ampla, o objetivo deste esforço foi o de explorar os períodos pré e pós-encantamento, no âmbito da trajetória do Movimento da Economia Solidária Brasileira, a fim de compreender como se dá o exercício da democracia para além ou apesar do Estado. Conclui-se que, tendencialmente, a ideia de autonomia-como-práxis-democrática poderia contribuir à elucidação de um tipo de democracia centrado na dupla território-comunidade, no qual autogestão e auto-organização importam mais do que a disputa democrática no âmbito do Estado.

Palavras-chave:
Autonomia; Democracia; Movimentos sociais; Economia solidária; Estado

Abstract

In the last 30 years, several Brazilian social movements have bet on the tactic of institutionalized action; and there were many analyzes on socio-state interaction in the period. This kind of enchantment with the democratic capacity of the Brazilian State gave less importance to the experiences of democratic exercise registered in civil society. However, such an approach seems to lose strength after the 2016 Coup and the rise of Jair Bolsonaro to the Presidency of the Republic. Starting from a broader investigation, the objective of this effort was to explore the pre- and post-enchantment periods, within the trajectory of the Brazilian Solidarity Economy Movement, in order to understand how the exercise of democracy takes place beyond or despite the State. It is concluded that, tending to, the idea of ​​autonomy-as-democratic-praxis could contribute to the elucidation of a type of democracy centered on the dual territory-community, in which self-management and self-organization matter more than the democratic dispute within the State.

Keywords:
Autonomy; Democracy; Social movements; Solidarity economy; State

Introdução1 1 Agradeço aos colegas do Grupo de Trabalho “Movimentos Sociais: Protesto e Participação”, do Encontro Anual da ANPOCS de 2021, e, especialmente, à Rebecca Neaera Abers, pelas excelentes contribuições a uma versão anterior do presente texto.

A análise da democracia brasileira, considerando como marco temporal a Constituição Federal de 1988 (CF88), ou seja, depois de superada a ditadura civil-militar que assolou o país, demonstra uma interessante mudança qualitativa de seu exercício. Partindo dali, muitas foram as experiências de participação democrática dos movimentos subalternos2 2 O termo/conceito de subalterno é aqui empregado aqui tal qual na concepção original de Gramsci (1984, s/p): “La historia de los grupos subalternos es necesariamente disgregada y episódica. Es indudable que, en la actividad histórica de estos grupos, hay una tendencia a la unificación si bien según planos provisionales, pero esta tendencia es continuamente rota por la iniciativa de los grupos dominantes y, por tanto, sólo puede ser demostrada a ciclo histórico cumplido si éste concluye con un triunfo. Los grupos subalternos siempre sufren la iniciativa de los dominantes, aun cuando se rebelan y sublevan: sólo la victoria ‘permanente’ rompe, y no inmediatamente, la subordinación. En realidad, aun cuando aparecen triunfantes, los grupos subalternos están nada más en estado de defensa activa.”. nas chamadas Instituições Participativas (IPs) (AVRITZER, 2008AVRITZER, Leonardo (2008). Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, 14(1), 43-64.). Não por menos, esse feito intensificou as discussões sobre o tema e, inclusive, produziu alguma sorte de encantamento tanto dos sujeitos quanto dos estudiosos em relação à capacidade e potência democrática do Estado brasileiro.

As “brechas”, “fissuras” ou “encaixes” estatais foram, gradualmente, sendo ocupadas por movimentos que apostavam na tática da ação institucionalizada (DOWBOR, 2012DOWBOR, Monika (2012). A arte da institucionalização: estratégias de mobilização dos sanitaristas (1974-2006). Tese de Doutorado Apresentada Ao Doutorado Em Ciência Política Da FFLCH/USP.). Inaugurava-se ali toda uma discussão entre os analistas brasileiros, e também entre os de outros países latino-americanos - sobretudo aqueles que atravessaram contextos semelhantes -, sobre (i) desmobilização e cooptação (FALCHETTI, 2017FALCHETTI, Cristhiane (2017). Da Institucionalização da Participação à Emergência do Autonomismo : Tendências recentes da ação coletiva no Brasil. LASA - Congress of the Latin American Studies Association, Lima, Peru, April 29-May 1.; LONGA, 2019LONGA, Francisco (2019). ¿Cooptados o autónomos? Notas para revisar -y reorientar- los estudios entre movimientos sociales y Estado en la Argentina contemporánea. Revista SAAP, Vol. 13, No 2, Noviembre, 257-282.) ou ainda sobre o (ii) aparecimento da interdependência entre sociedade civil e Estado (AVRITZER, 2012AVRITZER, Leonardo (2012). Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, Vol. 18, No 2, Novembro, 383-398.), por um lado, e sobre (iii) reorientação tática e institucionalização (LAVALLE et al., 2019LAVALLE, Adrián G.; CARLOS, Euzeneia; DOWBOR, Monika; SZWAKO, José (2019). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EdUERJ.), por outro. Esse terceiro grupo protagonizou uma pujante produção teórico-analítica, começando pelas reflexões ao redor do Orçamento Participativo (ABERS, 1998ABERS, Rebecca (1998). Do clientelismo à cooperação: governos locais, política participativa e organização da sociedade civil em Porto Alegre. Cadernos Ippur.; FEDOZZI, 1998FEDOZZI, Luciano (1998). Esfera pública e cidadania: a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre. Ensaios FEE, v. 19, n. 2, 236-271.; SANTOS; AVRITZER, 2002SANTOS, Boaventura de S.; AVRITZER, Leonardo (2002). "Para ampliar o cânone democrático". In: Santos, Boaventura de S. (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civiliação Brasileira.).

Se o Estado se abria ao que a teoria democrática chamou apenas de participação (PATEMAN, 1992PATEMAN, Carole (1992). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) ou de participação cidadã (DAGNINO et al., 2006DAGNINO, Evelina; OLVERA, Alberto; PANFICHI, Aldo (2006). Para otra lectura de la disputa por la construcción democrática en América Latina. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica.) ou institucional (SCHERER-WARREN; LÜCHMANN, 2011SCHERER-WARREN, Ilse; LÜCHMANN, Lígia H. H. (2011). Movimentos sociais e participação institucional: introduzindo o debate. Política & Sociedade, 10-No 18, 9-24.), processo intensificado a partir de 2003, uma importante oportunidade política se colocava. As formas de participação ganhariam adeptos tanto no campo da ação, ampliando a confiança dos movimentos na tática da ação institucionalizada, quanto no campo da análise.

Com base na agenda de compreender a realidade que se apresentava (BRINGEL, 2011BRINGEL, Breno (2011). A busca de uma nova agenda de pesquisa sobre os movimentos sociais e o confronto político: diálogos com Sidney Tarrow. Política & Sociedade, Vol. 10, nº 18, abril, p. 51-73.), muitas foram as abordagens: a dos efeitos da participação à cultura política e aos padrões de ação dos movimentos (CARLOS, 2012CARLOS, Euzeneia (2012). Movimentos sociais e instituições participativas: efeitos organizacionais, relacionais e discursivos. Tese de Doutorado Apresentada Ao Doutorado Em Ciência Política Da FFLCH/USP.; SCHERER-WARREN; LÜCHMANN, 2011SCHERER-WARREN, Ilse; LÜCHMANN, Lígia H. H. (2011). Movimentos sociais e participação institucional: introduzindo o debate. Política & Sociedade, 10-No 18, 9-24.); a da formulação e implementação de políticas públicas (CARLOS et al., 2016); a das dinâmicas das IPs (conselhos, conferências, audiências públicas) (SILVA, 2009SILVA, Enid (2009). Participação social e as conferências nacionais de políticas públicas: reflexões sobre os avanços e desafios no período de 2003-2006. Brasília: IPEA.); a da nebulosa fronteira entre movimentos, partidos, governos e Estado (ABERS; BÜLLOW, 2011ABERS, Rebecca; BÜLLOW, Marisa von (2011). Movimentos sociais na teoria e na prática: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, Porto Alegre, Ano 13, No 28, Set./Dez., 52-84.; GUTIERRES, 2015GUTIERRES, Kellen A. (2015). Projetos políticos, trajetórias e estratégias: a política de assistência social entre o partido e o Estado. Tese de Doutorado Apresentada Ao Programa de Pós-Graduação Em Ciências Sociais Da Unicamp.; SILVA; OLIVEIRA, 2011); a dos tipos de governo e formas de mediação movimentos-Estado (BRINGEL; FALERO, 2016), a da efetividade e eficiência da participação (MIGUEL, 2017MIGUEL, Luis F. (2017). Resgatar a participação: democracia participativa e representação política no debate contemporâneo. Lua Nova, São Paulo, 100: 83-118.; PIRES, 2011PIRES, Roberto R. (2011). Efetividade das Instituições Participativas no Brasil: Estratégias de Avaliação. Brasília: IPEA.); a dos repertórios de interação movimentos-Estado (ABERS et al., 2014); etc.

Pelo exposto, não surpreende que a literatura brasileira de movimentos sociais chegue ao período atual focando mais nas ações de movimentos que interagem com o Estado, do que o contrário. O fim da onda de governos de esquerda (se se quer, progressistas) na América do Sul, no entanto, mudaria radicalmente o contexto político acima brevemente assinalado. A ascensão de governos de direita, extrema direita e mesmo os de aspirações fascistas na região, para além de encerrar as possibilidades de exercício da democracia participativa nos marcos do Estado, começaria a ameaçar a própria manutenção da democracia mesmo que em sua versão mais formal e instrumental.

Se, por um lado, aumentava o compromisso dos movimentos pela manutenção das frágeis democracias liberais latino-americanas, por outro, novos e velhos movimentos, vinculados ou não ao slogan da autonomia e mais ou menos inspirados pelo movimento zapatista mexicano - assim como em tantos outros movimentos indígenas que emergiram desde a virada de século (BENGOA, 2000BENGOA, José (2000). La Emergencia Indígena en América Latina. México: Fondo de Cultura Económica.) -, intensificariam processos de experimentação de formas outras de exercício da democracia então para além do Estado.

Nesta esteira, é possível dizer que o Movimento da Economia Solidária Brasileira (MESB) acompanhou - influenciando e sendo influenciado - todo esse percurso histórico. O MESB é parte do conjunto de movimentos subalternos brasileiros afetados pela dinâmica, acima já mencionada de forma metafórica, de encantamento com o Estado. Com uma trajetória registrada desde o que se poderia chamar de período pré-encantamento (décadas de 1970 e 1980, sobretudo), o MESB se constituiu como um movimento de nível nacional em 2003, com a conformação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), que se tornaria o sujeito político-coletivo legitimado - e em alguma medida privilegiado como interlocutor do Estado - pelo conjunto das experiências que se reconheciam como economia solidária ao redor do país.

A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), ainda em 2003, por demanda do MESB, a instalação do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), em 2006, e a realização das Conferências Nacionais de Economia Solidária (CONAES), também em 2006 e depois em 2010 e 2014, são registros que explicitam uma íntima relação entre o movimento e o Estado até, pelo menos, o início do processo do Golpe de 2016. Como se poderá ver na sequência do texto, recuperar esses acontecimentos é uma tarefa que encontra lugar aqui mais no sentido de perceber o MESB como parte dos movimentos subalternos brasileiros que se encantaram com o Estado, do que no sentido de aprofundar e analisar suas dinâmicas de interação socioestatal durante o dito período de encantamento (1988-2015/16); esforço esse que realizei em minha tese de doutorado (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.), assim como em outro texto de artigo, esse em coautoria (OLIVEIRA; SANTOS, 2022).

Desta forma, diferentemente do realizado em minha mencionada tese, o objetivo aqui é o de explorar os períodos pré e pós-encantamento para compreender como se dá o exercício da democracia nos marcos do próprio movimento e da sociedade civil, pela lente das autonomias.

Neste contexto, pergunta-se: Como se manifestam as autonomias enquanto experimentações democráticas para além do Estado? O que tem a dizer a esta problemática a trajetória do MESB desde o final da década de 1970 até a atualidade? O que diferencia, em sua trajetória e em termos de autonomia e democracia, os períodos de encantamento e os de pré e pós-encantamento? Buscando responder a estas questões e a outras, relacionadas, se parte aqui dos seguintes pressupostos: Primeiro, de que a política e a democracia não se tratam e nem deveriam tratar-se de monopólios estatais, elas fazem parte da gestão da vida cotidiana e, por isto, seu exercício se dá e deve ser provocado também nos espaços de socialização para além do Estado.

Em segundo lugar, de que sim, o Estado trata-se de um campo de lutas (GARCÍA LINERA et al., 2010GARCÍA LINERA, Álvaro; PRADA, Raúl; TAPIA, Luis; VEGA, Oscar (2010). El Estado: campo de lucha. La Paz: Muela del Diablo.) que deve ser disputado pelos movimentos. No entanto, uma vez observado e considerado o fim do monopólio estatal sobre a política e a democracia, deixar escapar da análise as experimentações democráticas para além do Estado pode ser um desperdício. Outra reflexão de partida é a que sugere que os movimentos que já experimentam, há décadas, uma outra democracia, poderiam ser lidos pela chave da autonomia-como-práxis-democrática.

Por último, vale a pena registrar que este se trata de um esforço que tem como base minha referida tese de doutorado (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.). Ao considerá-lo, o que se busca aqui é difundir alguns dos principais achados da pesquisa mencionada, um estudo de casos comparados - entre Brasil e México - de abordagem qualitativa; no caso do presente texto, no entanto, se enfocará a demonstração de apenas um dos casos, o brasileiro.

Para a concretização do presente trabalho, metodologicamente se realizou pesquisa bibliográfica sobre Estado, movimentos sociais, economia solidária e autonomia, em um intento de integração entre a literatura do norte global e a latino-americana. Além disso, realizou-se investigação de campo utilizando as técnicas de observação participante e entrevistas semiestruturadas com sujeitos do movimento de economia solidária e do Estado no Brasil; foram 16 entrevistas, 12 com sujeitos do movimento e 4 com aqueles vinculados ao Estado.

No que segue a esta seção introdutória, o texto está organizado da seguinte forma: Primeiro, se tenta organizar alguns aportes sobre as experiências de movimentos subalternos latino-americanos3 3 Defendi essa ideia de movimentos subalternos latino-americanos em minha tese de doutorado (OLIVEIRA, 2021) e em outro texto de artigo (OLIVEIRA, 2022a). nas quais o exercício da democracia se dá sob os pressupostos das autonomias, resultando no que se está aqui arriscando chamar de autonomia-como-práxis-democrática como ação que se desenrola para além do Estado. Em seguida, se apresenta um recorte histórico da trajetória do MESB em uma tentativa de enquadramento de suas ações pré e pós-encantamento com o Estado. Por último, está uma seção de reflexões finais.

Autonomia-como-práxis-democrática: movimentos sociais e experimentações democráticas para além do Estado

Cassio Brancaleone e Rodrigo de Mello (2017BRANCALEONE, Cassio; MELLO, Rodrigo C. de (2017). Movimentos sociais contemporâneos e a democracia para além do Estado: hipóteses para o debate. Gavagai, Erechim, v. 4, n. 1, p. 41-68, Jan./Jun.) - em argumento muito próximo ao de Geoffrey Pleyers (2018PLEYERS, Geoffrey (2018). Movimientos sociales en el siglo XXI. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO.) - consideram que muitos dos movimentos sociais “do nosso tempo” reivindicam alguma sorte de aprofundamento democrático ou de democracia radical ou direta. Ao não encontrarem o mencionado processo como uma possibilidade em suas interações com o Estado, orientam suas energias e recursos para além (ou para fora) dele. Essa via de ação para além do Estado recebeu pouca atenção dos estudiosos de movimentos sociais, participação e democracia nos últimos anos (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; SOUZA, 2010SOUZA, Marcelo L. de (2010). Com o Estado, apesar do Estado, contra o Estado: os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta. CIDADES, v.7, n.11, 13-47.), depois de um período relativamente pujante registrado até a década de 1980. No entanto, o refluxo da onda de governos liderados por partidos de esquerda na América do Sul, somado à característica fluída dos movimentos sociais (GOHN, 1997GOHN, Maria da Glória (1997). Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 1a Ed. São Paulo: Edições Loyola.), parece ter reavivado, por volta da segunda década do século XXI, o interesse dos estudiosos já que seus encerramentos empurraram os movimentos outra vez para fora do Estado.

Há alguns anos, sobretudo em colaboração com a colega Monika Dowbor (2018, 2020a, 2020b), refletimos sobre as ações não centradas nas interações com o Estado (mas também nas que interagem com ele) pela lente da autonomia,

aliás, a noção de autonomia é a melhor forma de expressar esse novo tempo do mundo que atravessa o universo dos subalternos. Para além da crítica da inevitável cegueira corporativa dos movimentos sociais por parte daqueles que reivindicam o Estado como o público por excelência, e portanto, como a encarnação do universalismo contra a fragmentação dos particularismos da sociedade civil, cabe mencionar que o substrato sob o qual se constituem esses espaços e circuitos de autonomia é justamente aquele dos tecidos comunitários colaborativos, das redes de solidariedade e dos laços de cooperação, ou aquilo que os antropólogos se referem como “economia de reciprocidade” para aludir às sociedades não estatais-mercantis (Caille, 2002; Mauss, 2003). Ao que parece, há um processo de construção, estímulo ou mesmo redescoberta, de uma ética pluriversalista em curso (Brancaleone; Mello, 2017BRANCALEONE, Cassio; MELLO, Rodrigo C. de (2017). Movimentos sociais contemporâneos e a democracia para além do Estado: hipóteses para o debate. Gavagai, Erechim, v. 4, n. 1, p. 41-68, Jan./Jun., p. 63).

Se o Estado supostamente perde centralidade, é preciso reconhecer que toda instituição cedo ou tarde deixará de ser, abrindo lugar a outras. Esse argumento/constatação leva a um duplo diagnóstico importante: a) não há razão para apegar-se ao Estado como forma institucional única e viável, outras formas virão, e b) tais formas outras vindouras já são experimentadas (antecipadas, prefiguradas) por movimentos subalternos na América Latina e no mundo:

Las instituciones son necesarias para la reproducción material de la vida, para la posibilidad de acciones legitimas democráticas, para alcanzar eficacia instrumental, técnica, administrativa. Que sean necesarias no significa que sean eternas, perennes, no transformables. Por el contrario, toda institución que nace por exigencias propias de un tiempo político determinado, que estructura funciones burocráticas o administrativas, que define medios y fines, es inevitablemente roída por el transcurso del tiempo; sufre un proceso entrópico. Al comienzo es el momento disciplinario creador de dar respuesta a las reivindicaciones nuevas. En su momento clásico la institución cumple eficazmente su cometido. Pero lentamente decae, comienza la crisis: los esfuerzos por mantenerla son mayores que sus beneficios; la burocracia creada inicialmente se torna autorreferente, defiende sus intereses más que los de los ciudadanos que dice servir. La institución creada para la vida comienza a ser motivo de dominación, exclusión y hasta muerte. Es tiempo de modificarla, mejorarla, suprimirla o remplazarla por otra que los nuevos tiempos obligan a organizar (DUSSEL, 2006DUSSEL, Enrique (2006). 20 tesis de política. México: Siglo XXI Centro de Cooperación Regional Para La Educación de Adultos En América Latina y El Caribe., p. 125-126).

Considerando as “portas de saída” propostas por Enrique Dussel, se aposta aqui na última alternativa: “é necessário suprimir ou substituir [a forma-Estado e a democracia vigentes] por outras que os novos tempos obrigam a organizar”. É preciso ir mais além, ou seja, agarrar-se na ideia de que não há vida humana em coletivo sem instituições no lugar daquela que brada que não há vida em coletivo sem o Estado; não há nada que assegure que não é possível reproduzir e organizar a vida a partir de institucionalidades não estatais (BRANCALEONE, 2020BRANCALEONE, Cassio (2020). Anarquia é ordem: reflexões contemporâneas sobre teoria política e anarquismo. Curitiba: Brazil Publishing.) e mesmo institucionalidades antiautoritárias e anti-hierárquicas (CASTORIADIS, 2005CASTORIADIS, Cornelius (2005). Los dominios del hombre: las encrucijadas del laberinto. Barcelona: Editorial Gedisa.). O desafio, no entanto, parece não ser pequeno. Neste sentido, contribui Raúl Zibechi (2007ZIBECHI, Raúl (2007). Autonomías y emancipaciones: América Latina en movimiento. Fondo Lima: Editorial de la Faculdad de Ciencias Sociales UNMSM., p. 52):

Existe una creencia que dice que cuanto más visible sea un movimiento, cuanto más incrustado esté en la ‘realidad’ formando parte de la agenda política, más eficientes serán sus acciones porque llegarán a amplios sectores. Sin embargo, esto los hace dependientes de la agenda (espacio-tiempos) del sistema.

O autor, crítico das análises políticas centradas no Estado (se se quer, “Estadocêntricas”), convida à reflexão sobre as ações de movimentos que descartam ou, no mínimo, que secundarizam a ação institucionalizada em suas táticas. Com base na crítica de Zibechi e considerando que as ações humanas do campo do cotidiano estão, sim, carregadas de sentido político, interessa aqui comentar em algumas linhas características das experiências latino-americanas de movimentos subalternos que, de um mínimo, tratam com importância secundária as interações com o Estado, priorizando ações de tipo auto-organização da vida em comum e autogestão das necessidades materiais e do trabalho.

Se tais movimentos negam ou frações ou a totalidade do Estado, o que vem depois, é dizer, o momento da ação como construção positiva, é algo bastante diverso. Tratam-se de experiências que apresentam distintas características, entre elas: territórios conquistados ao longo do tempo; autonomia frente ao Estado, partidos, sindicatos e igrejas; forte afirmação de identidades populares; capacidade de criação de sistemas educacionais autônomos e de formação de seus próprios intelectuais; papel destacado das mulheres e imbricamento do público e do privado em casos em que são as mulheres quem sustentam as ações dos movimentos; relação de respeito à natureza e de solidariedade econômica, ou seja, outras formas de perceber e organizar o trabalho para além das relações sociais de produção capitalistas; e a soma de ações instrumentais na relação com o Estado com estas outras que o dispensam (ZIBECHI, 2003ZIBECHI, Raúl (2003). Los movimientos sociales latinoamericanos: tendencias y desafíos. OSAL No 9, Enero, Clacso, Buenos Aires.).

Nesta esteira, reforça Zibechi (2007ZIBECHI, Raúl (2007). Autonomías y emancipaciones: América Latina en movimiento. Fondo Lima: Editorial de la Faculdad de Ciencias Sociales UNMSM., p. 48):

[...] los movimientos están empezando a convertir sus espacios en alternativas al sistema dominante, por dos motivos: los convierten en espacios simultáneos de supervivencia y de acción sociopolítica (como hemos visto), y construyen en ellos relaciones sociales no-capitalistas. La forma como cuidan la salud, como se autoeducan, como producen sus alimentos y como los distribuyen, no es mera reproducción del patrón capitalista, sino que -en una parte considerable de esos emprendimientos- vemos una tensión para ir más allá, poniendo en cuestión en cada uno de esos aspectos las formas de hacer heredadas.

Ao que adiciona (2007, p. 51-52):

Postulo que sólo prestando atención a lo no visible y a los fugaces momentos insurreccionales -en los que lo inviable queda a la vista por un instante, como cuando el relámpago ilumina la noche- podemos intentar comprender el mundo de los de abajo que en la cotidianeidad resulta imposible re-conocer. Por otro lado, me parece que hemos dedicado muy poca atención a comprender los casos ‘no normales’, los que desafían los saberes instituidos, como si fueran casos exóticos, pero si observamos nuestra realidad latinoamericana veremos que son mucho más frecuentes que los que se pueden considerar ‘normales’.

As ações de movimentos subalternos como auto-organização da vida em comum e autogestão das necessidades materiais e do trabalho (ou, em uma mirada que integra essas duas dimensões/processos como auto-organização substantiva da vida em comum), que se entende como típicas de uma parte importante dos movimentos subalternos latino-americanos, com destaque para os indígenas, quilombolas e rurais, mas também para os urbanos, sobretudo aqueles ligados à luta pela moradia (MORAES, 2020MORAES, Alana (2020). Experimentações baldias & paixões de retomada: vida e luta na cidade-acampamento. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.), ganham um caráter de cotidianidade ao se “desprenderem” tanto do Estado quando do capital, como mostra Zibechi.

É justamente esse caráter cotidiano daquelas ações - possível de ver em Raquel Gutiérrez e Mina Navarro (2019GUTIÉRREZ, Raquel; NAVARRO, Mina L. (2019). Producir lo común para sostener y transformar la vida: algunas reflexiones desde la clave de la interdependencia. CONFLUÊNCIAS, v. 21, n.2, 298-324.), Carole Pateman (1992PATEMAN, Carole (1992). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 2014), Cornelius Castoriadis (2005CASTORIADIS, Cornelius (2005). Los dominios del hombre: las encrucijadas del laberinto. Barcelona: Editorial Gedisa., 2008, 2013) e outras e outros - o que sugere uma espécie de “retorno atualizado aos fluxos sociais outrora fraturados”; e são, pelo menos, quinhentos anos de fraturas e ocultamentos frutos do processo colonial, desde 1492. Um “retorno atualizado” porquê nenhuma sorte de tradicionalismo ou culto ao passado (QUIJANO, 2014QUIJANO, Aníbal (2014). Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO.; SEGATO, 2012SEGATO, Rita (2012). Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES, 18, 106-131.) e que por isso, pelo contrário, pode ser pensado através de várias lentes contemporâneas: a de entramados comunitários, de Gutiérrez (2018; 2015), a de fluxo social da rebeldia, de Sergio Tischler (2011TISCHLER, Sergio (2011). "El quiebre de la subjetividad de la forma Estado y los movimientos de insubordinación". In: ADAMOVSKY, Ezequiel (Org.). Pensar las autonomías: alternativas de emancipación al capital y el Estado. México D.F.: Sísifo Ediciones, Bajo Tierra.), a de fluxo social do fazer, de John Holloway (2002HOLLOWAY, John (2002). Cambiar el mundo sin tomar el poder: el significado de la revolución hoy. Buenos Aires: Herramienta Ediciones.), a de reprodução não capitalista da vida, de Eduardo Aguilar (2020AGUILAR, Eduardo (2020). Manifiesto por la reproducción no capitalista de la vida y los caminos para su construcción. Crítica a la Economía Social, Solidaria y del Sector Social de la Economía. Tesis de Doctorado presentada al Posgrado en Economía Política del Desarrollo de la Benemérita Universidad Autónoma de Puebla.), a de sociabilidades emergentes, do Colectivo ACySE (2012), ou ainda as de Autogoverno popular-comunitário e auto-organização substantiva da vida em comum (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; 2022a; OLIVEIRA; AGUILAR, 2022).

Qualquer que seja das lentes acima mencionadas, reproduzir comunitariamente a vida, para ficar com Gutiérrez, significa reproduzi-la desde outras referências que não as do sistema-mundo capitalista-colonial (WALLERSTEIN, 1988WALLERSTEIN, Inmanuel (1988). El moderno sistema mundial. 4. Ed. México: Siglo XXI.) entre as quais têm lugares privilegiados o Estado e a democracia hegemônica. Esse velho-novo fluxo social, que aponta para a reprodução comunitária da vida, é um tipo de fluxo das relações sociais cotidianas, dos vínculos socioespaciais fortes (SOUZA, 2017SOUZA, Marcelo L. de (2017). Por uma geografia libertária. Rio de Janeiro: Consequência Editora.) que religam as dimensões da vida separadas por aquele sistema mundial (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; 2022b). Um tipo de fluxo social que, portanto, reconecta política, economia e cultura na totalidade da vida em comum (BASCHET, 2017BASCHET, Jerome (2017). Podemos gobernarnos nosotros mismos: la autonomía, una política sin el Estado. San Cristóbal de las Casas, Chiapas: Universidad de la Tierra.; GUTIÉRREZ; SALAZAR, 2015GUTIÉRREZ, Raquel; SALAZAR, Huáscar (2015). Reproducción comunitaria de la vida Pensando la trans-formación social en el presente. El Apantle, Revista de Estudios Comunitarios, No 1, Octubre, Puebla-México, 15-50.; HOLLOWAY, 2013HOLLOWAY, John (2013). Fissurar o capitalismo. [Trad. Daniel Cunha]. São Paulo: Publisher Brasil.; QUIJANO, 2010QUIJANO, Aníbal (2010). "América Latina: hacia un nuevo sentido histórico". In: LEÓN, Irene (Coord.). Sumak Kawsay / Buen Vivir y Cambios Civilizatorios. 2da. Edición, Quito: FEDAEPS.; SEGATO, 2012SEGATO, Rita (2012). Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-Cadernos CES, 18, 106-131.; TISCHLER, 2011TISCHLER, Sergio (2011). "El quiebre de la subjetividad de la forma Estado y los movimientos de insubordinación". In: ADAMOVSKY, Ezequiel (Org.). Pensar las autonomías: alternativas de emancipación al capital y el Estado. México D.F.: Sísifo Ediciones, Bajo Tierra.).

É parte deste esforço relacionar a ideia de autonomia tanto com as reflexões acima apresentadas quanto com a ideia de democracia, chegando assim à formulação de autonomia-como-práxis-democrática. Há uma íntima relação entre a sociedade autônoma, de Castoriadis (2008CASTORIADIS, Cornelius (2008). El mundo fragmentado. La Plata: Terramar., p. 123), com a abordagem de uma democracia radical, direta:

Una sociedad autónoma, en tanto colectividad que se autoinstituye y se autogobierna, presupone el desarrollo de la capacidad de todos sus miembros para participar en actividades reflexivas y deliberativas. La democracia, en el pleno sentido de la palabra, puede ser definida como el régimen de la reflexividad colectiva; todo el resto -puede demostrarse- deriva de esta definición, Y la democracia no puede existir sin individuos democráticos, y a la inversa.

E assim, finalmente,

llegamos a la idea de que lo que define a una sociedad autónoma es su actividad de autoinstitución explícita y lúcida, el hecho de que ella misma se da su ley sabiendo que lo hace. Esto nada tiene que ver con la ficción de una “transparencia” de la sociedad. En menor medida aun que un individuo, la sociedad nunca puede ser transparente para sí misma. Pero puede ser libre y reflexiva... y esa libertad y esa reflexión pueden ser ellas mismas objetos y objetivos de su actividad instituyente (CASTORIADIS, 1986CASTORIADIS, Cornelius (1986). La cuestión de la autonomía social e individual. Contra El Poder #2, Madrid, Junio de 1998., p. 7).

Desde a América Latina e da mesma maneira iluminando a relação entre autonomia e participação ou democracia radical, Gilberto López y Rivas (2020, p. 81) argumenta que autonomia é “regirse mediante normativas y poderes propios, opuestos en consecuencia a toda dependencia o subordinación heterónoma, sería [esa] la acepción más generalizada, independientemente de los sujetos que la pongan en práctica”. Nestes termos, e se é correto argumentar que diversos dos movimentos subalternos latino-americanos experimentam em seus cotidianos formas radicalizadas de democracia, parece-me interessante diferenciar o exercício da democracia quando vinculada às autonomias e aquela vinculada ao Estado.

Enquanto o exame de algumas características inevitáveis ou inexoráveis do Estado revela, mesmo diante de sua comprovada heterogeneidade (DAGNINO et al., 2006DAGNINO, Evelina; OLVERA, Alberto; PANFICHI, Aldo (2006). Para otra lectura de la disputa por la construcción democrática en América Latina. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica.), (i) participação por representação, (ii) organização hierárquica, (iii) centralização da informação e dos recursos e (iv) tomada de decisão por votos da maioria; o exame das características da democracia em sua versão radical, protagonizada por certos movimentos sociais, poderá revelar, por sua vez, a) participação direta, b) alto índice de organização horizontalizada, c) descentralização da informação e dos recursos e d) tomada de decisão por consenso.

Se é possível dizer que esses são princípios mais ou menos gerais das autonomias, mesmo diante da amplitude conceitual de uma categoria marcadamente polissêmica (ALBERTANI, 2011ALBERTANI, Claudio (2011). “'Flores salvajes': Reflexiones sobre el principio de autonomía". In: ADAMOVSKY, Ezequiel (Org.). Pensar las autonomías: alternativas de emancipación al capital y el Estado. México D.F.: Sísifo Ediciones, Bajo Tierra.; DINERSTEIN, 2013DINERSTEIN, Ana C. (2013). Movimientos sociales y autonomía colectiva: la política de la esperanza en América Latina. Buenos Aires: Capital Intelectual.; ESTEVA, 2011ESTEVA, Gustavo (2011). "Otra autonomía, otra democracia". In: ADAMOVSKY, Ezequiel (Org.). Pensar las autonomías: alternativas de emancipación al capital y el Estado. México D.F.: Sísifo Ediciones, Bajo Tierra.; LÓPEZ Y RIVAS, 2020LÓPEZ Y RIVAS, Gilberto (2020). Pueblos indígenas en tiempos de la Cuarta Transformación (Vol. 148). México: Bajo Tierra.; MODONESI, 2010MODONESI, Massimo (2010). Subalternidad, antagonismo, autonomía: Marxismo y subjetivación política. Buenos Aires: CLACSO; Prometeo Libros.; OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; OLIVEIRA; DOWBOR, 2020a; 2020b; SOUZA, 2010SOUZA, Marcelo L. de (2010). Com o Estado, apesar do Estado, contra o Estado: os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta. CIDADES, v.7, n.11, 13-47., 2017; THWAITES REY, 2004THWAITES REY, Mabel (2004). La autonomía como búsqueda, el Estado como contradicción. Prometeo Libros.), entre tais princípios e a constituição de instituições outras já não estatais estaria a autonomia-como-práxis-democrática como um tipo de ação-transição sobreposta e continuada entre a autonomia em sua versão de princípios (autonomia-como-princípio4 4 Por autonomia-como-princípio entendo a representação simbólica, portanto subjetiva, da autonomia enquanto valores, símbolos e lógicas que os sujeitos, individuais e/ou coletivos, definem como orientação à ação autônoma. Por forma-autonomia, por sua vez, entendo a representação concreta da autonomia, ou seja, como a própria ação que uma vez realizada institui formas de realização. Considero importante tal aclaração porque a autonomia-como-práxis-democrática é justamente a passagem, sobreposta e continuada, entre autonomia-como-princípio e forma-autonomia. ) e aquela outra que representa formas concretas de organizar a vida em comum (forma-autonomia) já não referenciadas pelos símbolos e dinâmicas da forma-Estado e da democracia liberal, hegemônica.

O Movimento da Economia Solidária Brasileira em evidência: trajetória pré e pós-encantamento com o Estado

O próprio conceito de economia solidária, fruto de indução, ou seja, da observação empírica, parece sugerir um tipo de ação que indica à autonomia, autogestão e auto-organização seja das necessidades materiais e do trabalho seja das demais dimensões de organização da vida em comum. Neste contexto, paira ao redor tanto do conceito quanto das práticas que ele tenta explicar uma espécie de ideário ou mesmo de normatividade de um tipo de ação do Movimento da Economia Solidária Brasileira (MESB) que se desenrolaria para além do Estado. Isto, no campo das discussões sobre democracia e daquelas sobre outras formas de exercer a própria política, indicaria um tipo de exercício democrático que se senta em outras referências que não as dos Estados-nação e da versão hegemônica da democracia, a liberal. É no seio deste contexto que, para Antônio Cruz (2006CRUZ, Antonio (2006). A dinâmica econômica da economia solidária em quatro cidades do Mercosul. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Unicamp., p. 69), economia solidária é o

conjunto das iniciativas econômicas associativas nas quais a) o trabalho; b) a propriedade de seus meios de operação (de produção, de consumo, de crédito etc.); c) os resultados econômicos do empreendimento; d) os conhecimentos acerca de seu funcionamento; e) o poder de decisão sobre as questões a ele referentes são compartilhados por todos aqueles que dele participam diretamente, buscando-se relações de igualdade e de solidariedade entre seus partícipes.

Ainda sobre o significado do conceito, vale a pena destacar as ideias de reciprocidade, interdependência e autogestão, que se bem podem ser associadas as de associativismo, igualdade, solidariedade e de tomada de decisões por todos aqueles que são parte de um grupo de trabalho coletivo-associado determinado, não aparecem de forma explícita na formulação de Cruz.

Realizada esta retomada do conceito de economia solidária, não é de menor importância tecer algumas linhas sobre a caracterização de suas práticas como experiências de movimentos sociais. Para boa parte dos militantes do MESB entrevistados durante a investigação da qual este trabalho é fruto consideram que a experiência da economia solidária no Brasil revela-se como uma experiência de movimento social; de 12 militantes entrevistados, apenas 1 disse não se tratar de uma experiência de movimentos. Um rápido exame do significado do conceito de movimentos sociais em uma de suas versões mais difundidas parece comprovar o diagnóstico dos mencionados entrevistados.

As experiências de economia solidária no Brasil, pelo menos desde a década de 1990, se organizam em rede e se engajam em conflitos políticos e culturais, tal qual propõe Mario Diani (1992DIANI, Mario (1992). The concept of social movement. The Sociological Review, 40 (1).). No entanto, como defendi em outros lugares (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; 2022a), a condição subalterna latino-americana não deixa escapar do campo de ação de boa parte dos movimentos sociais da região a dimensão econômica, principal dimensão das lutas do MESB, inclusive, e que portanto teria que ser incluída no conceito do autor italiano, flexibilizando-o; essa ausência conceitual foi acompanhada por boa parte da literatura brasileira de movimentos sociais, participação e democracia, que muito pouco tratou da dimensão econômica e das possibilidades de transformação das relações sociais vinculadas ao trabalho.

Las investigaciones sobre la transición y la consolidación permitieron precisar y ordenar temáticamente los retos y las tensiones estratégicas que marcaron una época histórica, pero lo hicieron a un costo muy alto, pues al recurrir a los conceptos del elitismo democrático y a diversas versiones de la teoría de la elección racional, dejaron de lado el estudio de las innovaciones democráticas que portaba la propia práctica de los actores sociales cuya movilización era reconocida en los estudios transitológicos como detonante del proceso (DAGNINO et al., 2006DAGNINO, Evelina; OLVERA, Alberto; PANFICHI, Aldo (2006). Para otra lectura de la disputa por la construcción democrática en América Latina. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica., p. 16).

Considera-se, partindo da contribuição das autoras, dois diagnósticos que parecem importantes: (i) o trabalho coletivo-associado em si, experienciado pelos sujeitos da economia solidária, prática que conforma sua razão de ser, é uma inovação democrática registrada no âmbito da sociedade civil; e, (ii) tais práticas foram pouco vistas pela literatura brasileira de movimentos sociais, participação e democracia como ações de movimentos sociais porque se desenrolavam para além do Estado. Apesar e além desse olhar mais voltado ao econômico, é preciso perceber que muitos sujeitos do MESB protagonizaram, pelo menos desde 2003, relações de cooperação com o Estado que poderiam bem ser caracterizadas como típicas ações institucionalizadas, tal qual argumentou boa parte da mencionada literatura desde os anos 2000, pelo menos.

Esse diagnóstico de que o próprio fazer econômico no âmbito da economia solidária também se inscreve no universo das ações dos movimentos sociais não é exatamente novo (OLIVEIRA; FERRARINI; DOWBOR, 2023OLIVEIRA, Gustavo M. de; FERRARINI, Adriane V.; DOWBOR, Monika (2023). Economía solidaria y hacer político de los movimientos sociales. Revista Mexicana de Sociología, 85, núm. 1 (enero-marzo): 9-38.). Para além de todo o acumulado das discussões marxistas - ainda que estas nem sempre mobilizam a categoria de movimentos, privilegiando outras como classe trabalhadora e luta de classes, por exemplo - que nunca deixaram de falar de transformação social desde o polo da economia, boa parte da literatura que vem se debruçando às reflexões relacionadas à experiência da economia solidária no Brasil também a trata como uma experiência de movimento social (BRANCALEONE, 2019BRANCALEONE, Cassio (2019). "Auto-organização social no mundo do trabalho e produção: notas para uma crítica à economia solidária". In LÓPEZ LÓPEZ, Erika et al. (Coords.). Anticapitalismos y sociabilidades emergentes: experiencias y horizontes en Latinoamérica y el Caribe. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO.; FERRARINI et al., 2018; SANTOS, 2010SANTOS, Aline M. dos (2010). O movimento de economia solidária no Brasil e os dilemas da organização popular. Tese de Doutorado apresentada ao Doutorado em Serviço Social da FSS/UERJ.; SILVA; OLIVEIRA, 2011SILVA, Marcelo K.; OLIVEIRA, Gerson de L. (2011). A face oculta(da) dos movimentos sociais: trânsito institucional e intersecção Estado- Movimento - uma análise do movimento de Economia Solidária no Rio Grande do Sul. Sociologias, Ano 13 , No 28, Set./Dez., 86-124.), das quais se destaca a contribuição de Genauto França Filho (2007FRANÇA FILHO, Genauto C. de (2007). Teoria e prática em economia solidária: problemática, desafios e vocação. Civitas, Porto Alegre, v. 7, n. 1 Jan.-Jun., p. 155-174., p. 163; 170):

Sobre a realidade do fenômeno no Brasil, neste momento importa apresentar algumas considerações sobre a economia solidária como um campo de práticas em construção. Nossa hipótese é de que a dinâmica desse campo parece evoluir, de formas de auto-organização socioeconômica, para formas de auto-organização sócio-política, o que nos leva a pensar tal campo como um tipo de movimento social de natureza singular, precisamente em função da característica dos atores que o compõem. [...] Em suma, as formas de auto-organização política da economia solidária sugerem que existem, nesse campo, atores em movimento. É nesse nível que podemos pensar a economia solidária como uma forma específica de movimento social (França Filho, 2006c), um movimento social, ao que parece, de tipo radicalmente novo, pois operando por dentro da economia.

O destaque aqui vai, portanto, à dimensão econômica como uma espécie de “o próprio fazer militante” ou como a razão de ser do movimento, ou seja, como ação política que não necessariamente interage com o Estado. De forma deliberada ou não, parece ser sobre isso que Neneide (FBES, 2011, s/p, grifo nosso), militante do movimento, falava em sua resposta à Gilberto Carvalho (então Secretário-Geral da Presidência da República em 2011, primeiro governo de Dilma Rousseff, do PT):

Será que “ser visível” significa ter que vir para a esplanada [em Brasília] carregando cartazes? O nosso movimento de Economia Solidária contribui com os movimentos de mulheres, de agroecologia, de reforma agrária, de meio ambiente, de povos e comunidades tradicionais e tantos outros, e nossa militância se mostra pela nossa produção e atividade econômica. O nosso jeito de agir, no movimento, é lá na ponta, produzindo, fazendo a economia solidária, e agora a presidência diz que pouco pode considerar ou reconhecer da Economia Solidária por ela ser invisível? A Economia Solidária tem muito a contribuir, tanto para a erradicação da pobreza extrema como para a organização da sociedade e desenvolvimento dos territórios.

Do ponto de vista histórico, foi no início deste século, em 2003, que o MESB alcançou se organizar nacionalmente a partir da conformação de um sujeito político-coletivo singular, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). O FBES se conformou em 2003 quando chegava ao principal cargo político-institucional do país o ex-presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT); quando também foi criada e instalada a SENAES, como já mencionado. No entanto, a trajetória do MESB precede à conformação do FBES. Pelo menos, ela leva a análise de volta à década de 1970. Antes do FBES as experiências de economia solidária no Brasil seguiram uma mesma tendência de aparecimento, crescimento e fortalecimento dos movimentos subalternos e partidos de esquerda que lutavam pelo fim da ditadura civil-militar e que começaram a alcançar êxito nesta demanda a partir do início dos anos de 1980.

Neste sentido, não há como contar a história da economia solidária brasileira sem destacar a importância de iniciativas como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), encabeçadas pela Igreja Católica, e os Projetos Alternativos Comunitários (PACs), neste caso liderados pela Cáritas, organização ligada à mesma igreja; ambas, CEBs e PACs, fortemente influenciadas pela Teologia da Libertação e seu caráter antissistêmico e radicalmente democrático. Pensando contextualmente, importa destacar que até a chegada do PT ao governo federal, pelo menos, o Estado brasileiro bem cabia na ideia de Estado aparente (ZAVALETA, 1986). Desta forma, nas falhas ou brechas deixadas pelo Estado, ou seja, nos locais em que ele não alcançou consolidar-se e onde suas políticas públicas e infraestrutura não estavam, algo havia no lugar. As igrejas, com destaque para o setor progressista da católica até os anos 1990, ocuparam, de diferentes formas ao longo do tempo, aquelas brechas.

Por um lado, “esquecidos” pelo Estado e, por outro, pelo mercado, é marca brasileira e latino-americana a organização de formas alternativas (velhas e novas) de trabalho para a subsistência e geração de renda. A novidade que aparece com as CEBs a partir dos anos 1970 e com os PACs a partir dos 1980 é a inclusão dos conceitos e das práticas de cooperação, autogestão, solidariedade e exercício da democracia naquelas experiências que já orbitavam nas margens do mercado e do Estado (SOUZA, 2007SOUZA, André R. de (2007). Entre a assistência e a autogestão: a economia popular solidária da Cáritas. Revista Nures No 5 - Janeiro/Abril.; Leda5 5 Todos os nomes apresentados aqui como nomes de entrevistadas ou entrevistados são nomes fictícios. Se busca com isso garantir o sigilo das identidades das e dos militantes que contribuíram à investigação que originou este texto. , 2020, informação verbal), como destaca Cristina (2020, informação verbal): “Os PACs, os Projetos Alternativos Comunitários, esses PACs eles foram a sementeira da economia solidária no Rio Grande do Sul, junto com a Cáritas e, também, junto com o governo [referindo-se ao governo de Olívio Dutra, do PT, como prefeito de Porto Alegre (1989-1992)]”. O trabalho coletivo-associado, que mais tarde ficaria conhecido como economia solidária, tem origem neste contexto, no caso brasileiro. Luana (2019, informação verbal) também conta um pouco dessa história:

Assim, a economia solidária, com esse nome, especificamente, com essa terminologia, ela tem uma data de 1985 em diante. Mas, essa forma de trabalhar, ela vem muito antes disso, ela vem lá dos anos 1970 quando já havia um processo do cooperativismo muito forte em algumas áreas. E, a agricultura familiar, especificamente, ela traz isso desse processo do coletivo, de construir essa forma de trabalhar coletivamente. Então, tu tinha outros nomes, mutirão, etc., outros processos e que culminou no que nós temos hoje. A economia solidária é datada desse processo das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais em torno de 1967, dos anos 1970 e depois 1980 e as Eclesiais de Base e as Pastorais elas foram a coisa mais forte que teve nesse processo de construção, por quê? Porque a igreja cria uma trajetória de organização dos trabalhadores, isso em vários espaços. E aí, assim, no espaço urbano, mais especificamente, é nas igrejas, nos encontros, nos grandes encontrões que se constroem esses coletivos de mulheres, de doceiras, quituteiras, artesãs, etc.; é nesses espaços da igreja. Então, isso nos 1970, nos 1980 a gente já tem essa estrutura.

São marcas destes antecedentes do FBES algumas características destacadas: heterogeneidade político-ideológica, ausência de articulação política centralizada, voluntarismo e espontaneidade de ações, integração de sujeitos por necessidade, experiências territorializadas/descentralizadas, organização comunitária, estímulo à autogestão e distanciamento do Estado ditatorial, para citar algumas. Este é um quadro que se pode desenhar, em linhas gerais, da economia solidária brasileira até a década de 1990. Trataram-se, parece, de experiências embrionárias do que hoje, muito em função do engajamento acadêmico e da experiência das políticas públicas, de forma bastante consolidada, se pode chamar de economia solidária no Brasil.

No contexto da década de 1990 torna-se indispensável destacar o aparecimento da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão (ANTEAG), em Franca, São Paulo (SP), em 1994. De acordo com Ivan (2020, informação verbal), a década de 1990 foi o palco temporal de dois distintos processos protagonizados por uma série de sujeitos coletivos vinculados à economia solidária. Mesmo com a novidade da participação institucional fruto da CF88 e de sua operacionalização, havia ali uma certa desconfiança nesta forma de ação já que apenas em alguns estados da federação a economia solidária já era pauta que recebia alguma atenção dos governos; quer dizer, portanto, que a relação MESB-Estado, em perspectiva nacional, era de outro tipo que não o da participação institucional. Desta forma, havia maior atenção e engajamento naquele momento ao apoio e fomento à auto-organização dos trabalhadores dos grupos de trabalho coletivo-associado com foco na construção de viabilidade econômica combinada à autogestão em uma espécie de continuum em relação ao já mencionado papel das CEBs e dos PACs. Naquele período registrava-se importante destaque para a Cáritas e para a ANTEAG como entidades aglutinadoras em torno das experiências de economia solidária em distintos territórios do país.

Outro processo, no qual a Cáritas e a ANTEAG também apareciam como sujeitos coletivos protagônicos, e no qual surgem ou se aproximam outros tantos sujeitos destacados, deu os primeiros passos à consolidação de uma organização em rede no território nacional. Da metade para o final da década de 1990 se aproximam a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), fundada em 1961, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), de 1981, e o governo do estado do Rio Grande do Sul (RS), na figura do ex-governador Olívio Dutra, do PT (1999-2002). No mesmo período foram criadas a Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho), de 1998, e a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede de ITCPs), também de 1998, além dos fóruns estaduais de economia solidária no RS, em Pernambuco (PB), em SP e em Minas Gerais (MG) (Lúcia, 2020, informação verbal). Este conjunto de entidades, já percebendo a possibilidade de incisão da sociedade civil na gestão pública federal e por suas proximidades com o PT, abririam caminho para a criação do FBES e para o ativismo institucional (ABERS, 2021ABERS, Rebecca (Org.) (2021). Ativismo institucional: criatividade e luta na burocracia brasileira. Brasília: Editora UnB.) como uma das táticas de ação do MESB então em pleno processo de articulação e conformação do FBES.

Vale a pena ainda dizer, sobre esse período de pré-encantamento do MESB com o Estado, que as experiências da economia solidária eram, naquele momento histórico, um somatório de experiências territorializadas, mais ou menos desarticuladas entre si, nas quais interagiam sujeitos subalternos, esquecidos, vítimas do sistema-mundo capitalista-colonial. Um conjunto de sujeitos individuais e coletivos envolvidos com a economia solidária que naquele período acabavam preocupando-se mais com a auto-organização dos trabalhadores nas comunidades/territórios, seguindo a tendência apontada pela literatura mobilizada na seção anterior, do que com ações institucionalizadas, nesse caso também pela ausência de instituições participativas para a economia solidária em nível nacional.

Depois do período de intensas interações entre o MESB e Estado6 6 Registre-se: período que não é o foco de análise deste esforço. , registrado de 2003 à 2015/16 (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; OLIVEIRA; SANTOS, 2022; SANTOS, 2019), o processo de retirada do movimento de relações diretas com o Estado, produto do contexto político do Golpe de 2016, se não representou a negação do Estado em sua totalidade, pelo menos representou uma negação bastante explícita em relação ao poder executivo federal. No entanto, se tal processo poderá ser interpretado também como uma espécie de retomada de um horizonte histórico emancipatório na relação com a totalidade do sistema-mundo capitalista-colonial e, especificamente, com o Estado, como ensaiado até antes de 2003, trata-se de um diagnóstico ainda difícil de apurar com rigor.

Daquele momento em diante, 2015/16, o que se pôde ver em relação às políticas públicas de economia solidária no nível federal foi um desmonte cada vez maior. Além disso, a tentativa de extinção, por parte de Jair Bolsonaro (atualmente no Partido Liberal, PL), de vários conselhos nacionais gestores de políticas, dos quais era parte o CNES, assim como a consolidada extinção da SENAES, inviabilizou qualquer possibilidade de interação MESB-executivo federal. Ou seja, por mais que fosse desejo do movimento fazê-lo, o Estado fechava suas portas. Por outro lado, até 2020, temporalidade que alcança este estudo, com destaque para 2019, eram fortes as mobilizações e construções da VI Plenária Nacional de Economia Solidária (PNES)7 7 Em fevereiro de 2022, quando da conclusão da versão final deste texto, seguem intensas as mobilizações e organizações da VI PNES, que se realizará em agosto e dezembro deste mesmo ano. , agitadas pelos seguintes pontos de discussão8 8 Estes quatro pontos de discussão são parte do “Documento Provocador: Rumo à VI Plenária Nacional de Economia Solidária”, documento lançado pelo FBES em maio de 2019. : Resistência à crise do capitalismo; Convergência com outros movimentos sociais; Organicidade do FBES; e, Relação com o Estado. Com base nas observações participantes que foram parte da estratégia de coleta de dados na fase da pesquisa de campo da investigação que originou este texto, as etapas do Rio Grande do Sul das citadas construções evidenciaram que o ponto que gerou as discussões mais demoradas na etapa estadual foi o último, o da relação do MESB com o Estado.

Pensar essa relação entre o MESB e o Estado é pensar, em maior ou menor medida, para onde se projeta a ação do movimento. Inevitavelmente, a opção do MESB pelas ações institucionalizadas produziu alguma sorte de separação entre as dimensões econômica e política da vida no cotidiano de uma boa parte dos sujeitos do movimento (OLIVEIRA, 2022cOLIVEIRA, Gustavo M. de; SANTOS, Aline M. dos (2022). A History of Relations Between the State and the Solidarity Economy Movement in Brazil: Looking from Autonomies’ Perspective. Revista SAAP, Vol. 16, Nº 2, noviembre, 317-345.). A priorização de ações estritamente políticas - ações políticas desde o ponto de vista do significado hegemônico de política, que a vincula ao Estado - termina secundarizando, e afastando, as ações econômicas vinculadas à produção, circulação, comercialização e consumo solidários de bens ou serviços; ações essas que Neneide defende como as ações típicas do MESB.

Se a ação do movimento se dá no cotidiano do trabalho coletivo-associado, e se essa ação é, finalmente, um fazer econômico e político, fatalmente a ação por dentro do Estado leva àquela mencionada separação. Não é possível que Neneide, por exemplo, esteja ao mesmo tempo produzindo coletivamente com seu grupo de trabalho coletivo-associado (em um fazer econômico-político) e reivindicando políticas públicas em uma reunião do CNES (no que caracterizaria ação política daquele tipo centrado no Estado como o detentor do monopólio da política).

Sobre este tema, dos dilemas relacionados aos fazeres ora econômico-políticos, do cotidiano dos grupos de trabalho coletivo-associado, ora apenas políticos, relacionados à relação do MESB com o Estado, foi possível capturar durante a pesquisa alguns relatos sobre o período 2003-2015/16; pelo menos 4 entrevistados comentaram sobre o tema, dos quais se apresenta aqui a contribuição representativa de Maria (informação verbal):

Eu olho pra isso [os objetivos do MESB] pelo aspecto econômico, econômico-político, mas, tendo a economia como base, como possibilidade de tu criar redes de cooperação entre essas iniciativas, esses coletivos que trabalham e tal. Mas, me parece, que o que acabou sendo mais forte nessa articulação foi o caráter mais político, mesmo; a estratégia econômica não teve tão presente nisso que se chamou movimento nesse momento em que ele esteve organizado de maneira mais forte. Pode ser o que, quem sabe, a UNISOL foi buscar fazer, ou seja, criar a articulação econômica também. [...] A relação é completamente diferente, a relação que se dá aqui no município, seja no momento que era o governo do PT seja nesse momento que é um governo do PSDB, é totalmente diferente do que era a relação com o Estado no nível nacional (Maria, 2020, informação verbal).

O que se mencionou, linhas acima, como separação entre economia e política parece se encaixar muito com o relato de Maria. Eu estive em muitas reuniões dos fóruns locais de economia solidária em municípios do RS, além de minhas idas à Feira Latino-americana de Economia Solidária de Santa Maria, também no RS, e de acompanhar/observar vários espaços de mobilização (no contexto da pandemia de Covid-19, sobretudo, virtuais) rumo à VI PNES. Com base nisto, parece-me bastante coerente o relato da entrevistada.

Neste contexto, e finalmente objetivando encerrar a seção, abaixo se reproduz os relatos representativos de Robson, Paola e Otávio, que são compartilhados ainda com, pelo menos, outros 4 entrevistados e que bem poderiam ser considerados como uma espécie de farol para os dias que virão, ou seja, de indicação de caminhos por onde e como o MESB poderia trilhar seus passos daqui para diante:

Não tem outro caminho, você tem que trabalhar o local, o territorial e, ao mesmo tempo, com uma incidência no global; e eu acho que a economia solidária ela pode conectar essas duas coisas, ela pode estar vinculada a grandes propostas de lutas políticas em nível mais ampliado e você, sobretudo, fazer um trabalho que tenha um incidência mais local-territorial que é o que é mais característico da economia solidária. [...] Então, a economia solidária tem um potencial de reconectar agendas que é simplesmente extraordinário e, ela faz, justamente porque ela recoloca a dimensão do econômico que os movimentos críticos não sabiam com lidar com ela simplesmente. [...] Se a gente disser que é o econômico ou geração de renda seria limitado porque pra determinadas formas de organização e modos de organizar o trabalho como no caso das práticas de economia solidária, isso não se faz separado das demais dimensões que organizam a vida em determinado contexto. É a vida das pessoas, aspecto cultural, social, político e tal. Então, a agenda da economia solidária é, em certo aspecto, uma agenda territorial. [...] É uma relação entre economia e vida, então, a agenda é uma agenda de ressignificar as formas de organizar a vida nos territórios e é o mesmo que recuperar o sentido etimológico fundamental do que é a ideia da própria economia (Robson, 2020, informação verbal, grifo nosso).

Eu penso na economia solidária a partir do desenvolvimento territorial, por isso que pra mim o debate da escala é um falso debate porque, na minha opinião, a economia solidária não pode acontecer numa escala grande, ela só vai acontecer, pra mim, numa escala pequena. Se ela só pode acontecer numa escala pequena é porque ela tem que estar ligada ao que cada território tem como dinâmica econômica. [...] São as pessoas que lá estão, o que já vai ser diferente de um outro território que tá em uma outra dinâmica em um outro lugar, então, o que já difere totalmente de um território urbano que vai tá não sei aonde. Então, essas coisas, pra mim, elas são resolvidas no território. O grande problema pra mim é tentar pegar numa receita só e tentar botar pra frente como se ela fosse verdade pra todas as realidades, o que é impossível na economia solidária (Paola, 2020, informação verbal, grifo nosso).

Nós erramos porque achamos que podia ser uma coisa meio que, que também tem muita gente que tinha ilusão de política pública, e tem que ter, e uma outra coisa fundamental que eu fui percebendo durante a minha vida, nessas atividades, que o movimento de economia solidária só acontece, mesmo, se for nos municípios, no território (Otávio, 2020, informação verbal, grifo nosso).

Mesmo considerando todo o exposto, avalia-se que ainda é cedo para dizer o que o movimento está construindo para o lugar da negação explícita da relação com o executivo federal depois de 2015/16. Há todo o processo de mobilização para a VI PNES em curso, processo que poderá desembocar em diversas possibilidades de ação. Parece, entretanto, seja considerando os relatos acima apresentados seja por minha inserção no movimento, que a “via territorial” e para além do Estado vai ganhando forças no atual período de pós-encantamento, com destaque para duas novidades em relação ao período de pré-encantamento: a) o protagonismo das experiências de agroecologia e dos Grupos de Consumo Responsável (GCRs) e b) a capacidade de articulação em rede, um dos frutos do período de encantamento com o Estado pouco presente até a virada das décadas de 1990 e 2000.

Não é menos importante mencionar, por último, que os setores do MESB ligados ao PT e à Central Única dos Trabalhadores (CUT) têm tensionado no sentido de articulações de nível nacional vislumbrando o pleito presidencial de 2022 e composições de cargos de uma possível recriação da SENAES para o caso de o PT retomar o governo federal.

Reflexões finais

Se tentou, neste texto, entre outras reflexões, responder às seguintes questões: Como se manifestam as autonomias enquanto experimentações democráticas para além do Estado? O que tem a dizer a esta problemática a trajetória do MESB desde o final da década de 1970 até a atualidade? O que diferencia, em sua trajetória e em termos de autonomia e democracia, os períodos de encantamento e os de pré e pós-encantamento? Para fazê-lo, se partiu do pressuposto de que a política e a democracia não devem estar sob monopólio do Estado. Não há razão para que as dinâmicas da família, do trabalho, da escola, da universidade, da comunidade, etc., todas relacionadas à organização da vida em comum, sigam sendo tratadas como assuntos privados e, portanto, não políticos por não se desenrolarem nos marcos do Estado.

Uma vez superado o mencionado monopólio, o leque de possibilidades de exercício da política e da democracia se amplia radicalmente. Neste sentido, se tentou mostrar, desde um acumulado de discussões observadas na América Latina, que existem movimentos subalternos latino-americanos que experimentam em seus cotidianos um tipo de democracia baseada nos princípios da autonomia e que se desenrola para além do Estado; tais experimentações se está arriscando aqui chamar de autonomia-como-práxis-democrática.

Especificamente em relação à trajetória do MESB tal qual apresentada ao longo do texto, parece que o período de encantamento com o Estado (2003-2015/16) tendencialmente retirou o foco da ação comunitária e cotidiana centrada nos grupos de trabalho coletivo-associado, marca do período pré-encantamento com o Estado e que parece ter novamente assumido certo protagonismo nas discussões do movimento no período atual, de pós-encantamento. Naquele período de encantamento (2003-2015/16), o foco nas discussões de nível nacional e no Estado, no mínimo, transferiu a ação localizada na comunidade para fora dela; dos bairros para o centro dos municípios, e daí por diante: do bairro para as capitais estaduais e de lá para a capital federal.

Considerando isso e se há entusiasmo com a ideia de que a política - portanto, a organização da vida em comum também para além do Estado - deve estar espalhada por todos os espaços de sociabilidades tornando-se um fazer e viver cotidianos, será preciso uma revisão de prioridades em relação às táticas de lutas em períodos nos quais o Estado se abre à participação institucional. O convite que fica, tanto aos movimentos quanto às análises, é o de inverter o pêndulo da relação Estado-comunidade, portanto: mais comunidade, menos Estado; se se quer, mais Autogoverno popular-comunitário e auto-organização substantiva da vida em comum (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.; 2022a; OLIVEIRA; AGUILAR, 2022), menos Estado-nação; já que parece que o exercício da autonomia-como-práxis-democrática é mais ou menos inalcançável nos marcos do último, pelo menos em nível nacional.

Nesta esteira, simplesmente dispensar o Estado não parece ser, entretanto, uma boa opção tática. Dispensa-lo em um contexto “atraente” à participação - que aqui se chamou de período de encantamento com o Estado - pareceria uma opção pouco estratégica. Se trata, avalia-se, de enfrentar a participação institucionalizada desde a abordagem da autonomia-como-práxis-democrática que somente se realiza em um horizonte territorial-comunitário, não no nacional. Ou seja, não se trataria de simplesmente deixar de ver que o Estado existe, mas de considerar que a aposta na interação com ele teria que dar-se considerando mais as oportunidades de participação de nível local para que com isso se garanta que a ação centrada na relação com o Estado não a retire de seu lugar de cotidianidade e que, ao mesmo tempo, garanta que esse fazer cotidiano seja um fazer econômico-político, já não aquele puramente político que se dá nos marcos do Estado nacional.

Se espera que as reflexões aqui apresentadas sirvam de combustível à imaginação, tanto a acadêmica quanto a política - de fundo, impossíveis de serem exploradas separadamente. Além disso, se espera também que este texto sirva, em alguma medida, reconhecendo seus limites, à superação do diagnóstico de Decio Machado e Zibechi (2017MACHADO, Decio; ZIBECHI, Raúl (2017). Cambiar el mundo desde arriba: los límites del progresismo. México: Bajo Tierra, Comunal., p. 155):

Una de las consecuencias más nefastas del periodo progresista es la deserción de una generación casi completa de profesionales académicos de su papel de impulsores del pensamiento crítico. Pocas veces en la historia hemos asistido a una combinación tan extensa de simplificación del pensamiento y actitud conformista como la que observamos en estos años.

Não conformar-se, não contentar-se com a forma-Estado e a democracia vigentes como as únicas formas possíveis de organizar a vida em comum. Os desafios principais, parece, são dois: (i) apostar no poder das ideias a fim de consolidar no imaginário coletivo um horizonte histórico outro, já não “Estadocêntrico”, no que se refere às formas de organização da vida em comum; e, (ii) apostar mais do que se aposta atualmente na potência imaginativa e criadora das experiências de antecipação, de prefiguração e experimentação desse horizonte outro, tornando o mais visível possível as experiências de autonomia-como-práxis-democrática protagonizadas pelos movimentos subalternos latino-americanos hoje, “aqui e agora”, nas margens do Estado, como é o caso da experiência do MESB nos períodos pré e pós-encantamento com a capacidade democrática do Estado brasileiro.

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  • THWAITES REY, Mabel (2004). La autonomía como búsqueda, el Estado como contradicción. Prometeo Libros.
  • TISCHLER, Sergio (2011). "El quiebre de la subjetividad de la forma Estado y los movimientos de insubordinación". In: ADAMOVSKY, Ezequiel (Org.). Pensar las autonomías: alternativas de emancipación al capital y el Estado. México D.F.: Sísifo Ediciones, Bajo Tierra.
  • WALLERSTEIN, Inmanuel (1988). El moderno sistema mundial. 4. Ed. México: Siglo XXI.
  • ZIBECHI, Raúl (2003). Los movimientos sociales latinoamericanos: tendencias y desafíos. OSAL No 9, Enero, Clacso, Buenos Aires.
  • ZIBECHI, Raúl (2007). Autonomías y emancipaciones: América Latina en movimiento. Fondo Lima: Editorial de la Faculdad de Ciencias Sociales UNMSM.
  • 1
    Agradeço aos colegas do Grupo de Trabalho “Movimentos Sociais: Protesto e Participação”, do Encontro Anual da ANPOCS de 2021, e, especialmente, à Rebecca Neaera Abers, pelas excelentes contribuições a uma versão anterior do presente texto.
  • 2
    O termo/conceito de subalterno é aqui empregado aqui tal qual na concepção original de Gramsci (1984GRAMSCI, Antonio (1984). Cuadernos de la cárcel. 6 ts. 29 cuads. México: Era [Edición crítica de Valentino Gerratana]., s/p): “La historia de los grupos subalternos es necesariamente disgregada y episódica. Es indudable que, en la actividad histórica de estos grupos, hay una tendencia a la unificación si bien según planos provisionales, pero esta tendencia es continuamente rota por la iniciativa de los grupos dominantes y, por tanto, sólo puede ser demostrada a ciclo histórico cumplido si éste concluye con un triunfo. Los grupos subalternos siempre sufren la iniciativa de los dominantes, aun cuando se rebelan y sublevan: sólo la victoria ‘permanente’ rompe, y no inmediatamente, la subordinación. En realidad, aun cuando aparecen triunfantes, los grupos subalternos están nada más en estado de defensa activa.”.
  • 3
    Defendi essa ideia de movimentos subalternos latino-americanos em minha tese de doutorado (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Gustavo M. de (2021). "Caminhar perguntando": para além, apesar ou com o Estado? A construção de autonomias nos movimentos de economia solidária de Brasil e México. Tese de doutorado apresentando ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.) e em outro texto de artigo (OLIVEIRA, 2022a).
  • 4
    Por autonomia-como-princípio entendo a representação simbólica, portanto subjetiva, da autonomia enquanto valores, símbolos e lógicas que os sujeitos, individuais e/ou coletivos, definem como orientação à ação autônoma. Por forma-autonomia, por sua vez, entendo a representação concreta da autonomia, ou seja, como a própria ação que uma vez realizada institui formas de realização. Considero importante tal aclaração porque a autonomia-como-práxis-democrática é justamente a passagem, sobreposta e continuada, entre autonomia-como-princípio e forma-autonomia.
  • 5
    Todos os nomes apresentados aqui como nomes de entrevistadas ou entrevistados são nomes fictícios. Se busca com isso garantir o sigilo das identidades das e dos militantes que contribuíram à investigação que originou este texto.
  • 6
    Registre-se: período que não é o foco de análise deste esforço.
  • 7
    Em fevereiro de 2022, quando da conclusão da versão final deste texto, seguem intensas as mobilizações e organizações da VI PNES, que se realizará em agosto e dezembro deste mesmo ano.
  • 8
    Estes quatro pontos de discussão são parte do “Documento Provocador: Rumo à VI Plenária Nacional de Economia Solidária”, documento lançado pelo FBES em maio de 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2022
  • Aceito
    06 Out 2022
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