RESUMO
Objetivo: analisar presença, intensidade e fatores relacionados às condições de trabalho para sintomatologia depressiva em enfermeiros de emergência intra-hospitalar da zona leste paulistana.
Métodos: estudo descritivo exploratório, abordagem quantitativa e qualitativa por aplicação de escalas psicométricas e roteiro de entrevista.
Resultados: 95,24% dos enfermeiros apresentaram sintomatologia depressiva pelas escalas de avaliação pelo observador, maioria com intensidade leve e moderada. Condições inadequadas de trabalho levaram ao sofrimento. Fatores desencadeantes da sintomatologia depressiva foram desorganização do trabalho; relacionamento prejudicial com chefia imediata; comportamento inadequado do médico; agressões; falta de insumos, infraestrutura e recursos humanos; desvalorização profissional. Identificados profissionais com sintomatologia depressiva que, por desconhecerem estar acometidos pelo transtorno, não procuraram por tratamento, continuaram a desempenhar atividades a comprometer sua saúde física e mental, promover prejuízo a assistência prestada.
Considerações finais: alta frequência de sintomatologia depressiva. O ambiente de trabalho precarizado influenciou negativamente na assistência e desenvolvimento da sintomatologia depressiva.
Descritores: Depressão; Condições de Trabalho; Saúde do Trabalhador; Enfermagem em Emergência; Serviço Hospitalar de Emergência
ABSTRACT
Objective: to analyze the presence, intensity and factors related to working conditions for depressive symptoms in hospital emergency nurses in the east of São Paulo.
Methods: a descriptive, exploratory, quantitative and qualitative study, which applied psychometric scales and interview script.
Results: nurses (95.24%) had depressive symptoms by the assessment scales by the observer, most with mild and moderate intensity. Inadequate working conditions led to suffering. Factors that trigger depressive symptoms were: disorganized work; harmful relationship with immediate management; inappropriate physician behavior; aggressions; lack of inputs, infrastructure and human resources; professional devaluation. Identified professionals with depressive symptoms who, because they were unaware of being affected by the disorder, did not seek treatment, continued to perform activities that compromised their physical and mental health, promoting damage to the assistance provided.
Final considerations: high frequency of depressive symptoms. The precarious work environment negatively influenced the care and development of depressive symptoms.
Descriptors: Depression; Working Conditions; Occupational Health; Emergency Nursing; Hospital Emergency Services
RESUMEN
Objetivo: analizar la presencia, intensidad y factores relacionados con las condiciones de trabajo para los síntomas depresivos en enfermeras de urgencias hospitalarias en el lado este de São Paulo.
Métodos: estudio exploratorio descriptivo, enfoque cuantitativo y cualitativo mediante la aplicación de escalas psicométricas y guión de entrevista.
Resultados: el 95,24% de las enfermeras tenían síntomas depresivos según las escalas de evaluación del observador, la mayoría con intensidad leve y moderada. Las condiciones de trabajo inadecuadas provocaron sufrimiento. Los factores desencadenantes de los síntomas depresivos fueron el trabajo desorganizado; relación perjudicial con la gestión inmediata; comportamiento inapropiado del médico; agresiones falta de insumos, infraestructura y recursos humanos; devaluación profesional. Profesionales identificados con síntomas depresivos que, debido a que no sabían ser afectados por el trastorno, no buscaron tratamiento, continuaron realizando actividades que comprometían su salud física y mental, promoviendo daños a la asistencia brindada.
Consideraciones finales: alta frecuencia de síntomas depresivos. El ambiente de trabajo precario influyó negativamente en el cuidado y el desarrollo de los síntomas depresivos.
Descriptores: Depresión; Condiciones de Trabajo; Salud Laboral; Enfermería de Urgencia; Servicio de Urgencias Hospitalarias
INTRODUÇÃO
O transtorno depressivo é problema de saúde pública por gerar incapacidade devido à sintomatologia, com prejuízos à vida pessoal e profissional(1).
A pesquisa Global Burden of Disease, realizada em 188 países, durante o período de 1990-2013, evidenciou aumento de 53,43% na prevalência de transtorno depressivo na população, se tornando a segunda maior causa de adoecimento mundial(2).
O trabalho é causa de sofrimento mental, a precarização na relação trabalho-trabalhador apresenta-se na forma de exigências e demandas humanamente impossíveis de serem realizadas como forma de gestão de pessoas. Indivíduos encontram-se constantemente sob pressão e tensão por conta de possível demissão, a fazer com que se esforcem para cumprir tais demandas, aliado às questões éticas como importante fator para desencadeamento de sofrimento psíquico, pois os indivíduos inseridos no mercado de trabalho necessitam cotidianamente tomar decisões que confrontam com o senso ético. O mal passa a ser observado como algo necessário e até mesmo característico da atualidade, o que resulta inevitavelmente em sofrimento físico e mental(3).
O trabalho de enfermagem é considerado atividade penosa, pois atua diretamente com o sofrimento humano, a provocar adoecimento pelo desgaste e estresse vividos no desempenho das atividades profissionais cotidianas, o que desencadeia um estado de adoecimento referido como dor difusa e tristeza, levando ao afastamento do profissional, além da precarização da vida pessoal por meio da flexibilização dos horários, tornando o funcionário um objeto disponível à empresa a qualquer momento(4). A precarização do trabalho em enfermagem tem sido fundamental para o adoecimento dos profissionais e prejuízo à assistência prestada.
O estudo tem sua importância, pois evidenciou nas condições de trabalho dos enfermeiros pertencentes ao serviço de emergência intra-hospitalar da zona leste paulistana a existência de fatores desencadeantes da sintomatologia depressiva, visto que não havia dados sobre este tema nesta região.
OBJETIVO
Analisar a presença, intensidade e fatores relacionados às condições de trabalho para sintomatologia depressiva em enfermeiros do setor intra-hospitalar de emergência da zona leste paulistana.
MÉTODO
Aspectos éticos
Garantiu-se respeito às normas que regulamentam a pesquisa com seres humanos. A pesquisa deu-se após o consentimento da Prefeitura de São Paulo, SP, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura de São Paulo, SP e da Universidade Federal de São Paulo. O profissional, ao ter concordado em participar, foi solicitado que firmasse compromisso pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Referencial teórico-metodológico
Análise realizada pelo referencial teórico da saúde mental ocupacional e referencial metodológico pela análise de conteúdo temático(5).
Tipo de estudo
Estudo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa e qualitativa, realizado nas unidades de emergência intra-hospitalar dos Hospitais Municipais Prof. Alípio Correa Netto (Ermelino Matarazzo) e Dr. Waldomiro de Paula (Itaquera). Período da coleta de dados entre fevereiro e outubro de 2017. Foram adotadas as diretrizes da plataforma Equator, em acordo com os instrumentos COREQ e STARD 2015.
Procedimentos metodológicos
Foi realizado mapeamento dos enfermeiros das unidades de emergência intra-hospitalares, distribuídos pelos hospitais participantes da pesquisa, a contemplar todos os turnos de trabalho (diurno e noturno). Durante o primeiro contato com o profissional, foi explicado o que compreendia a pesquisa, foram resolvidas as dúvidas, e após consentimento em participar, foi realizada entrevista em data, local e horário aceito pelo mesmo.
Hipótese
A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que os enfermeiros do setor de emergência intra-hospitalar apresentavam sintomatologia depressiva devido ao fator ocupacional; sofrimento psíquico relacionado à dinâmica e condições de trabalho, a interferir na qualidade da assistência discutindo as questões sobre adoecimento no ambiente de trabalho dos enfermeiros.
Fonte de dados
A população foi composta por enfermeiros do setor de emergência intra-hospitalar. A amostra não probabilística e aleatória estratificada foi definida por conveniência de 30% dos profissionais distribuídos de maneira uniforme entre os turnos de trabalho (diurno e noturno).
Utilizou-se como critério de inclusão ter pelo menos dois anos de experiência como enfermeiro/a na área de emergência intra-hospitalar e atuar no mínimo há seis meses na área de emergência intra-hospitalar na instituição de realização do estudo. Participaram da pesquisa 21 enfermeiros.
Coleta e organização dos dados
Os instrumentos para coleta de dados utilizados foram escalas psicométricas para sintomatologia depressiva, aplicadas na seguinte ordem: Inventário de Depressão de Beck, Escala de Avaliação para Depressão de Hamilton e Escala de Avaliação para Depressão de Montgomery - Asberg. Para essas escalas, foi solicitado ao participante que respondesse para cada item qual alternativa descrevia melhor seus sentimentos na última semana, incluído o dia da pesquisa.
A seguir, realizou-se a aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado confeccionado pelos pesquisadores por meio de entrevista gravada em aparelho de áudio e transcrita na íntegra. O roteiro de entrevista contemplou questões abertas cujo objetivo foi avaliar as condições expressas pelos profissionais com informações sociodemográficas, histórico de sintomatologia depressiva e fatores relacionados ao transtorno depressivo. Quanto aos fatores relacionados à sintomatologia depressiva, houve questões norteadoras para descrever como se sentiam sobre as atividades desenvolvidas em decorrência de sua profissão, os fatores desencadeantes da sintomatologia depressiva, sua percepção acerca do transtorno depressivo relatado ou apontado pelas escalas e como este influenciava no desempenho da assistência.
Análise dos dados
Análise qualitativa dos dados foi realizada pelo referencial metodológico da análise do conteúdo temático(5). A análise qualitativa das questões do roteiro de entrevista evidenciou a categoria “condições de trabalho inadequadas levam ao sofrimento” e suas unidades temáticas: desorganização do trabalho; relacionamento prejudicial com chefias; comportamento inadequado do médico; agressões por parte dos pacientes, familiares e residentes de medicina; falta de insumos, infraestrutura e recursos humanos; e desvalorização profissional. Para configurar a análise quantitativa quanto às escalas psicométricas, foram feitas análises de acordo com os escores específicos para cada uma e tratamento estatístico dos resultados de cada escala com as variáveis sociodemográficas por meio de testes. Para comparação de proporções entre grupos, foram aplicados os Teste Qui-Quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher, quando indicado. A avaliação de variáveis quantitativas entre os grupos foi realizada pelos testes t de Student para medidas independentes ou o Teste de Mann-Whitney, quando aplicável. Foram traçadas correlações lineares entre os três instrumentos de avaliação da depressão segundo o método de Pearson. Foram considerados como estatisticamente significativos resultados com probabilidade de erro do tipo I inferior a 5,00% (P<0,05)(6).
Os dados foram tabulados com auxílio do pacote Microsoft Office 2010 e analisados com o pacote estatístico SPSS (Statistical Package Social Science), versão 20.0
RESULTADOS
Participaram da pesquisa 21 enfermeiros, sendo 13 enfermeiros pertencentes à unidade de emergência intra-hospitalar do Hospital Municipal Prof. Alípio Correa Netto (Ermelino Matarazzo) e 08 enfermeiros ao Hospital Municipal Dr. Waldomiro de Paula (Itaquera).
Análise do perfil sociodemográfico evidenciou maioria composta pelo gênero feminino (57,14%), idade entre 28 e 36 anos (47,62%), casadas (61,91%), sem filhos (47,60%), evangélicas (28,58%) e renda individual mensal entre seis mil e dez mil reais (57,14%). Com relação à jornada de trabalho, 52,38% declarou cumprir 30 a 36 horas semanais e 47,62% dos enfermeiros declarou cumprir carga horária de 40 a 72 horas semanais. A maior parte (57,14%) não possuía outro vínculo empregatício, e tempo de trabalho na instituição foi de dois a oito anos (76,19%). 52,38% tinham tempo de formação há mais de nove anos e 76,19% declararam ter de um a oito anos de atuação na área de emergências.
Quanto a possuírem diagnóstico prévio ou atual de transtorno depressivo, 18 (85,71%) responderam que não e 3 (14,29%) que sim; quanto ao tratamento, referiram uso de ansiolíticos e antidepressivos.
Há 12 (57,14%) que não se consideraram com transtorno depressivo no momento da entrevista e 9 (42,86%) que sim. Na Tabela 1, encontramos os dados relativos aos resultados das escalas psicométricas.
Resultados para sintomatologia depressiva detectada pelas escalas psicométricas, São Paulo, Brasil, 2018
Foram observadas correlações diretamente proporcionais e estatisticamente significativas entre as três escalas estudadas. A correlação entre a pontuação observada na escala Montgomery-Asberg e a pontuação na escala de Hamilton apresentou o melhor coeficiente (r=0,811), com correlação de forte intensidade. A correlação entre as escalas de Beck e Hamilton e entre as de Beck e Montgomery-Asberg são significativas de intensidade moderada.
Não foi possível observar características demográficas ou ocupacionais significativamente associadas ao achado pela escala de Beck. Para as escalas de Hamilton e Montgomery-Asberg, o número de filhos e o autorrelato de depressão estiveram significativamente associados à depressão moderada ou grave, como podemos verificar nas Tabelas 2 e 3.
Características da amostra segundo o achado de depressão a partir do inventário de Hamilton. São Paulo, Brasil, 2018
Características da amostra segundo o achado de depressão a partir da escala MADRS, São Paulo, Brasil, 2018
A análise qualitativa das questões do roteiro de entrevista desembocou a categoria “condições de trabalho inadequadas levam ao sofrimento” e suas unidades temáticas: desorganização do trabalho; relacionamento prejudicial com chefias; comportamento inadequado do médico; agressões por parte dos pacientes, familiares e residentes de medicina; falta de insumos, infraestrutura e recursos humanos; e desvalorização profissional.
Na unidade temática “desorganização do trabalho”, apareceram queixas relativas à falta de protocolos, normas e rotinas que padronizariam a assistência. Facilitando o serviço dos profissionais enfermeiros, sua inexistência abre a possibilidade de interpretação a cargo de cada enfermeiro, a atrapalhar a continuidade e qualidade da assistência:
Me sinto frustrada, aborrecida, pois... o que a gente consegue fazer pelo paciente com as condições que a instituição nos dá é muito pouco, seja pela carga horária, parece que alguma coisa fica suspensa, não há continuidade no serviço, não existe um protocolo, parece que cada um faz as coisas que quer de um jeito, o que deixa a desejar na qualidade da assistência prestada. As coisas são tocadas, elas não são feitas com zelo e capricho, falta qualidade, parece que a gente trabalha por produção, e por mais que a gente faça o nosso melhor, não tem como vencer essa demanda, é impossível. (E1)
O relacionamento inadequado com a chefia imediata foi considerado prejudicial, com queixas relativas à falta de respaldo por parte da chefia, descaso com relação à realidade vivida pelos enfermeiros nas instituições pesquisadas e favorecimento de determinados funcionários pela proximidade pessoal com a chefe.
O principal problema, para mim, é o tipo de liderança desenvolvida pela minha chefe... ela é o principal problema... não tenho estímulo por parte da chefia que só oprime e deprime seus funcionários... ela é inadequada, um tipo de chefe que causa a discórdia no setor. Ela se omite... quando ela se posiciona é sempre contra o enfermeiro… minha esperança é pedir transferência... ela usa a gente, faz a gente fazer coisas que não são nossas funções, além de já terem se acostumado com essa chefe que passa a mão na cabeça das pessoas que fazem coisas erradas e acaba com a moral dos que fazem as coisas corretamente, descredibilizando a gente e fazendo a gente se sentir mal, se sentir indeciso e gradativamente perdendo a confiança em nós mesmos. (E13)
O comportamento inadequado do médico também foi apontado como fator de sofrimento.
O que me incomoda profundamente é a desorganização aqui no pronto - socorro, o descaso dos médicos… que só vão enchendo o pronto-socorro, eles nem olham direito os pacientes, e isso me incomoda… deveria haver uma maior conscientização entre as duas equipes porque um não vive sem o outro, se o serviço dele não é feito eu não posso fazer o meu e vice e versa. (E2)
O desrespeito pode ser observado também na forma de agressão sofrida pelo enfermeiro no desempenho de suas funções por parte não só da equipe médica, mas também por parte dos pacientes e acompanhantes, a contribuir para o sentimento de medo, desrespeito e desvalorização a desmotivar o enfermeiro:
… já sofri agressão verbal aqui… tenho medo de trabalhar em alguns horários... aqui é horrível, a população não entende a realidade dos serviços de saúde e fica irritada, é o momento em que eles te agridem… me senti horrível quando fui agredida e, olha que foi só verbalmente… fiquei com medo sabe, medo até de trabalhar nos dias seguintes. Nada foi feito para me ajudar, nem no ocorrido e nem depois, tipo passar num psicólogo… (E8)
Outro ponto importante citado foi a desvalorização e a falta de reconhecimento social, referidas como obstáculos para a satisfação do profissional enfermeiro:
A população nem sabe o que o enfermeiro faz... para eles todos os que não são médicos são da enfermagem... isso é um profundo desrespeito, uma falta de valorização… por isso que digo o enfermeiro é muito atuante e é totalmente desrespeitado; desrespeitado pela equipe, pela população. (E3)
A estrutura física era percebida como inadequada pelos enfermeiros quando, em parceria com sua equipe, tinham de empregar maior esforço para garantir a realização da assistência a pacientes críticos, encontrando obstáculos decorrentes da precarização do trabalho, como inadequação no número de funcionários e péssimas condições estruturais dos serviços aos quais os profissionais estavam inseridos:
Faltam leitos… o que aumenta o número de atendimentos do pronto-socorro... a realidade de trabalho na qual estou inserida não é das melhores, o prédio é antigo e passa por reformas continuamente… a gente troca de lugar com uma maior frequência, esta parte do pronto-socorro na qual estou escalada hoje é o mais moderno e recém inaugurado, então aqui, faltam menos do que em outros setores da Emergência. (E7)
O quadro dos funcionários da enfermagem está comprometido, o que acaba deixando a gente desestimulado… a falta de recursos humanos nessa instituição obriga você a fazer coisas que não são sua função… o meu serviço fica de lado, aquilo que é meu deixa de ser feito. (E4)
A ausência de material é percebida na unidade de emergência, traduzida nas falas:
… aqui falta remédios, falta material, falta tudo, afinal você sabe que serviço público não tem nada. A estrutura é precária, falta maca, na sala de emergência ficam as macas do SAMU até que haja uma maca para colocar o paciente, o que é difícil. (E15)
Foi possível identificar profissionais com sintomatologia depressiva que, por desconhecerem estar acometidos pelo transtorno, não procuraram por tratamento, continuaram a desempenhar suas atividades, a comprometer sua saúde física e mental, com ressonância na qualidade da assistência.
Após ser identificada a sintomatologia depressiva nos enfermeiros, foi realizada orientação e encaminhamento para avaliação psiquiátrica ou psicológica ou ambas, respeitando os preceitos éticos da pesquisa.
DISCUSSÃO
A ausência de normas, fluxos e rotinas ou inadequação das mesmas é fator para o desenvolvimento de distúrbios mentais devido à falta de padronização de condutas, a fragilizar a equipe de enfermagem no desenvolvimento de suas funções como falta de clareza nas funções e tarefas a serem desempenhadas pelos enfermeiros, o que diminui sua autonomia(7).
O relacionamento ineficaz com a chefia é prejudicial resulta em desmotivação, contribuindo para a condução do enfermeiro a processo de descontentamento, dificuldade de comunicação, por acreditar que sua participação no processo de cuidado é considerada insignificante, gerando frustração, insatisfação e culminação de relacionamento desarmonioso(8), reforço aos dados encontrados em nosso estudo.
Corroborando nossos dados, estudos apontam para o desrespeito oriundo da equipe médica, que ignora os esforços do enfermeiro ao desempenhar suas funções da melhor forma possível frente às condições precárias de atendimento, contornando, inclusive, a sensação de descaso sentida pelo paciente devido à falta de comprometimento com a qual são tratados e a inadequação do tratamento pela falta de insumos, fazendo com que o enfermeiro se sinta desvalorizado, diminua a eficiência e qualidade da assistência prestada e promova luta constante pela sobrevivência do paciente em meio ao caos instaurado a sua volta(9-10).
Mesmo com todos estes esforços, dentre os usuários dos serviços públicos de saúde no Brasil, 64% reconheciam a existência do enfermeiro na categoria de enfermagem, porém não identificavam suas atribuições ou importância no processo assistencial desempenhado junto ao paciente(11), o que vem ao encontro com os dados de nosso estudo.
Aos fatores mencionados acima, soma-se com a inadequação na infraestrutura, prejudicando não só a qualidade da assistência, mas o profissional, pois os trabalhadores reconhecem trabalhar em número inadequado, a necessidade de modificação das condições estruturais dos serviços e sabem que a sobrecarga do trabalhador é muitas vezes relacionada à necessidade de se desdobrar para “dar um jeitinho” da assistência ser realizada em benefício da manutenção da vida do paciente(12).
Estudo realizado com enfermeiros identificou esta mesma dificuldade apontada em nosso estudo com relação à estrutura física inadequada para os cuidados, destacando os espaços físicos onde o paciente é locado em maca desconfortável com risco de queda e as dependências irregulares para atividades de higiene pessoal e para número inadequado de funcionários, que podem comprometer a assistência(13).
A inadequação no número de profissionais também foi observada em estudo realizado em setor crítico com 81 enfermeiros assistenciais, evidenciando que o quadro subdimensionado afeta a qualidade e a segurança dos cuidados prestados, além de comprometer a identidade profissional do enfermeiro(14).
Estudo em 65 hospitais da Coréia do Sul concluiu que a adequação do quadro de pessoal de enfermagem é essencial para a qualidade e segurança da assistência, contribuindo para redução da negligência proporcionada pela equipe devido ao quantitativo a ser atendido(15).
Nota-se a ausência de material percebida como um fator de estresse entre os membros da equipe de enfermagem, que, no anseio de atender as necessidades do paciente, entram em conflito pela disputa do material acarretando em sofrimento psíquico e com isso desgaste emocional(16).
Outro estudo evidenciou que a falta de insumos e materiais deixa transparecer as dificuldades de relacionamento interprofissional existentes entre as equipes, transformando o ambiente de trabalho em um local mais conflituoso e propenso a tensões do que o de costume, o que dificulta a realização de uma assistência digna e de qualidade ao paciente(17). Observou-se também em unidades críticas onde ficou evidente que a falta de insumos ou a baixa qualidade dos mesmos desencadeava cascata de eventos considerados estressantes à equipe multiprofissional e de enfermagem, afetando a assistência prestada ao paciente e aumento dos gastos financeiros para o desempenho do cuidado(18).
Dados obtidos no município de São Paulo reforçam a ideia de sobrecarga de trabalho encontrada em nosso estudo, pois observou-se excesso de atribuições aos enfermeiros que se sentiam sobrecarregados com relação ao trabalho, favorecendo o adoecimento psíquico(19). Evidenciou-se, também, por estudo realizado com 161 enfermeiras assistenciais em Taiwan, a correlação da sobrecarga física e mental decorrente do excesso de atividades laborais como desencadeador do distúrbio depressivo(20).
Houve correlação entre condições de trabalho inadequadas e predisposição a transtornos depressivos em estudo onde 91,3% dos enfermeiros referiram que as condições de trabalho contribuíram para o adoecimento mental por transtorno depressivo, sendo a mais apontada a falta de recursos humanos e materiais(21).
A precarização do trabalho foi evidente em estudo realizado com trabalhadores da área de enfermagem em um hospital universitário no estado do Rio de Janeiro, destacada pela escassez de material, inadequação de recursos humanos, aumento do ritmo de trabalho e inadequação da planta física, a demonstrar a clara intenção organizacional de busca por redução de gastos e maior produtividade, porém com reduzida preocupação com a saúde do trabalhador(22).
Estudo realizado na Bahia verificou que o número insuficiente de funcionários para realizar cuidados complexos, aliado à falta de insumos, transforma a qualidade do cuidado de forma prejudicial, pois torna o profissional de enfermagem um tarefeiro, que deve cumprir seus afazeres de forma rápida para que todos possam ser atendidos, não importando a qualidade do cuidado(23).
Ressalta-se, também, que, em nosso estudo, a maioria dos enfermeiros não se reconhecia adoecida, o que dificultava a procura por auxílio que possibilitaria seu reestabelecimento, assim como incentivava as estratégias de alívio momentâneo frente às condições inadequadas que viviam no seu ambiente laboral; estratégias estas consideradas inadequadas, de curta duração e não resolutivas(20).
Tais estratégias de enfrentamento também foram vislumbradas em estudo realizado com 402 enfermeiros de um hospital particular seguidos por um período de 12 meses, o que reforça a ideia de alívio pontual da sintomatologia depressiva apresentada, sem sua resolução eficaz, o que influenciava negativamente na assistência(24). Estudo com enfermeiros do programa de Estratégia Saúde da Família mostrou que além de não se enxergarem doentes, tinham medo de procurar auxílio, pois se sentiam envergonhados com a situação ao qual estavam vivendo, além do medo da discriminação social sofrida por portadores de distúrbios psiquiátricos(19).
Limitações do estudo
Como limitações do estudo, houve número reduzido de participantes e uso de somente dois hospitais devido à negativa institucional na autorização para realização do estudo em todas as oito unidades da zona leste paulistana.
Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública
Além de contribuir com o saber da saúde mental ocupacional dos profissionais de enfermagem, este estudo contribui com os gestores das unidades pesquisadas, pois conduz ao reconhecimento da realidade existente nestas instituições, o que possibilita a realização de melhorias nas condições de trabalho dos profissionais, com a diminuição do sofrimento dos profissionais e melhora da assistência aos usuários dos equipamentos de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da aplicação das escalas psicométricas de avaliação da depressão, foi possível evidenciar a alta frequência de sintomatologia depressiva, de intensidade leve e moderada, na amostra de enfermeiros estudada. Ao analisar os fatores desencadeantes, pôde-se concluir que as condições de trabalho eram precarizadas, com constante sobrecarga devido à falta de recursos humanos e materiais, estrutura física inadequada, desvalorização profissional e relacionamentos interpessoais prejudiciais, principalmente com a respectiva chefia e a equipe médica, vindo a influenciar negativamente a prestação da assistência, sendo a principal fonte a acarretar sofrimento psíquico nos profissionais.
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Editado por
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EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida FilhoEDITOR ASSOCIADO: Maria Saraiva
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jul 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
11 Dez 2018 -
Aceito
23 Abr 2020