RESUMO
Objetivos: analisar a percepção e estratégias de gerenciamento de conflitos utilizadas por enfermeiros na gestão de pessoas em serviços de saúde portugueses.
Métodos: estudo descritivo, correlacional, realizado em serviços de saúde portugueses, com amostra não probabilística intencional, totalizando 95 enfermeiros gestores. Utilizou-se um questionário e Escala de Gestão de Conflitos, sendo analisadas as variáveis de atividades gerenciais e de gestão de conflitos, com auxílio de software.
Resultados: identificou-se que 60% dos gestores referem ter que mediar conflitos diariamente, e a maioria relata adotar o diálogo na conduta. Entretanto, mediante teste Kruskal-Wallis, evidenciou-se que prevalecem as estratégias de imposição na gestão de conflitos (p = 0,008), sendo as colaborativas mais restritas à periodicidade mensal (p = 0,049).
Conclusões: os gestores percebem a importância da colaboração na mediação dos conflitos, contudo, no cotidiano, tendem a manter as condutas impositivas, sinalizando para um estilo de liderança pouco transformacional.
Descritores: Enfermagem; Gestão em Saúde; Gestor de Saúde; Administração de Serviços de Saúde; Liderança
ABSTRACT
Objectives: to analyze the perception and conflict management strategies used by nurses in the management of people in Portuguese health services.
Methods: descriptive, correlational study, carried out in Portuguese health services, with an intentional non-probabilistic sample, totaling 95 nurse managers. A questionnaire and Conflict Management Scale were used, analyzing the variables of managerial activities and conflict management, with the aid of software.
Results: it was identified that 60% of the managers, report having to mediate conflicts daily, and the majority report adopting dialogue in conduct. However, through the Kruskal-Wallis test, it was shown that enforcement strategies in conflict management prevail (p = 0.008), with collaborative ones being more restricted to monthly intervals (p = 0.049).
Conclusions: managers perceive the importance of collaboration in the mediation of conflicts, however, in their daily lives; they tend to maintain imposing behaviors, signaling for a little transformational leadership style.
Descriptors: Nursing; Health Management; Health Manager; Health Services Administration; Leadership
RESUMEN
Objetivos: analizar la percepción y estrategias de administración de conflictos utilizadas por enfermeros en la gestión de personas en servicios de salud portugueses.
Métodos: estudio descriptivo, correlacional, realizado en servicios de salud portugueses, con muestra no probabilística intencional, totalizando 95 enfermeros gestores. Se utilizó un cuestionario y escala de gestión de conflictos, siendo analizadas, con auxilio de software, las variables de actividades gerenciales y de gestión de conflictos.
Resultados: se identificó que 60% de los gestores refieren tener que mediar conflictos diariamente, y la mayoría refiere adoptar el diálogo en la conducta. Entretanto, mediante test Kruskal-Wallis, se ha evidenciado que prevalecen las estrategias de imposición en la gestión de conflictos (p = 0,008), siendo las colaborativas más restrictas a la periodicidad mensual (p = 0,049).
Conclusiones: los gestores perciben la importancia de la colaboración en la mediación de los conflictos, sin embargo, en el cotidiano, tienden a mantener las conductas impositivas, señalizando para un estilo de liderazgo poco transformacional.
Descriptores: Enfermería; Gestión en Salud; Gestor de Salud; Administración de Servicios de Salud; Liderazgo
INTRODUÇÃO
A enfermagem desenvolve atividades que englobam a prestação de cuidados e atividades de gestão nas organizações. Enquanto gestores, os enfermeiros assumem o papel de líderes, sendo a liderança compreendida como habilidade de influenciar sua equipe, visando alcançar objetivos compartilhados pelo grupo e tendo como finalidade central o atendimento das necessidades de saúde dos usuários e suas famílias(1-2). Entre as principais atribuições do líder, tem-se o manejo dos conflitos, geralmente caracterizados com certa conotação negativa, relacionados à quebra da ordem, ocasionada por erro ou falha, sendo o manejo a capacidade de administrá-los(3). Estes são também resultado das diferenças de ideias, valores, culturas ou sentimentos de duas ou mais pessoas(2), podendo ser interpretados como destrutivos ou construtivos(4), o que dependerá da conduta adotada pelos enfermeiros ao gerenciá-los.
Os conflitos são inevitáveis nos espaços em que há interações entre as pessoas; e, conforme sua intensidade, maneira como forem tratados, podem ser benéficos no ambiente de trabalho. Diferentes estudos(1-5) na área da gestão em enfermagem têm se voltado para análise e/ou compreensão da capacidade dos enfermeiros em manejar os conflitos, considerados um estressor comum na prática desses profissionais, os quais se esforçam para atingir os objetivos de satisfação dos usuários, das instituições e dos seus colaboradores, proporcionando atendimento de qualidade. Porquanto o enfermeiro gerente percebe que o apoio pode impactar os níveis de estresse no trabalho e o modo pelo qual lida com o conflito(6), o estilo de liderança também é decisivo nesse contexto(7), assim como os traços de personalidade dos enfermeiros, que afetam as estratégias de gerenciamento de conflitos(8). Esses aspectos podem interferir nas relações interpessoais, no trabalho em equipe e, por sua vez, na assistência de enfermagem.
Estudo(9) sinaliza que o gerenciamento ineficaz de conflitos consiste em uma ameaça ao trabalho em equipe. Além disso, destaca a escassez de conhecimentos relacionados à resolução das situações conflituosas. Diante desse achado, o enfermeiro gestor necessita desenvolver habilidades, com vistas à avaliação e escolha da melhor estratégia para conduzir ocasiões conflitantes, reconhecendo tal competência gerencial como prioridade, tendo em vista que repercute na segurança do paciente e na redução de danos à saúde, mediante o trabalho em equipe coeso e efetivo.
Outra investigação(8) aponta que os enfermeiros atuantes em cargos de gestão devem apoiar os demais na adoção de estratégias para solucionar conflitos de forma mais assertiva. Os resultados também convergem para a importância de incentivos a programas que possam contribuir com o aprimoramento de habilidades que respaldem o gerenciamento de eventos conflitantes.
Por tudo isso, reforça-se também como pressuposto desta investigação que a gestão de conflitos é uma questão relevante dentro dos contextos de cuidados em saúde em todo o mundo, logo identificar a conduta dos enfermeiros perante o gerenciamento de conflitos e suas estratégias de manejo são aspectos centrais na gestão em serviços de saúde e de enfermagem.
Nesse contexto, este estudo emergiu das questões: Qual a percepção da frequência de conflitos na gestão de pessoas entre enfermeiros gestores em serviços de saúde portugueses? Essa percepção está associada às estratégias que utilizam?
OBJETIVOS
Analisar a percepção e estratégias de gerenciamento de conflitos utilizadas por enfermeiros na gestão de pessoas em serviços de saúde portugueses.
MÉTODOS
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de cada uma das instituições (n. 166/17/RS, n. 93/CE/JAS e ULS – n. 166/17/RS do CHSJ – n. 4/17) e seguiu os preceitos éticos de anonimato, direito a informação e participação na pesquisa.
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, quantitativo, correlacional.
Cenário e amostra do estudo
A pesquisa foi realizada em três instituições de saúde da região Norte de Portugal, escolhidas por estarem na mesma região e representarem um hospital público universitário; um hospital privado; e uma unidade local de saúde (ULS). Nesta última, são ofertados cuidados primários de saúde e também hospitalares, incluindo assim as diferentes modalidades de atenção hospitalar disponibilizadas à população portuguesa.
Protocolo do estudo
Foram convidados para o estudo, os enfermeiros gerentes dos serviços, sendo a amostra calculada de forma não probalística intencional, totalizando 95 enfermeiros, que caracterizaram 59% dos enfermeiros elegíveis (160 enfermeiros). Como critérios de inclusão, utilizaram-se: ser gestor nomeado para o cargo que atua nos serviços de interesse; e possuir no mínimo cinco anos de experiência profissional. Foram excluídos os afastados dos serviços por mais de três meses por motivo de adoecimento.
Os instrumentos de coleta de dados aplicados foram a Escala de Percepção do Trabalho do Gestor em Enfermagem (EPTGE) e a Escala de Gestão de Conflitos(2), respondidos por enfermeiroschefes responsáveis de serviço.
O primeiro instrumento é composto por dados sociodemográficos, com 14 atividades de gestão, e avalia cada atividade segundo uma escala do tipo Likert, com intervalo de 0 a 4, em que: 0 = não realiza; 1 = não ocupa tempo; 2 = ocupa pouco tempo; 3 = ocupa algum tempo; e 4 = ocupa a maior parte do tempo. O escore total da Escala pode variar entre 0 e 56 pontos. Este instrumento obteve, no teste alfa de Cronbach, valor de 0,911.
Já a Escala de Gestão de Conflitos permite analisar as formas de condução dos conflitos, sendo organizada em: estratégias de abstenção (D1), em que o comportamento do gestor volta-se a evitar o conflito, assumindo uma postura de indiferença quanto às situações conflitantes; estratégias de acomodação (D2), nas quais o gestor de conflitos utiliza expectativas, pensamentos, sugestões de outros; estratégias de imposição (D3), em que se recorre à tática de coerção como modo de “coibir” uma situação e que não necessariamente precisa ser aprovada pelos envolvidos; e as estratégias de conciliação (D4), que dizem respeito à utilização de esforços com vista a um acordo, buscando-se uma medida conveniente para ambas as partes. Ainda, há as estratégias de colaboração (D5), nas quais os gestores procuram informações e sugestões das partes sob a perspectiva de que a solução seja aceitável para todos(2).
As informações foram obtidas entre fevereiro de 2017 e julho de 2018, coletadas nos serviços de saúde, mediante agendamento prévio e autorização das chefias, em espaços reservados.
Análise dos resultados
Os dados passaram por análise estatística. As variáveis quantitativas foram medidas em mediana, média e desvio-padrão, com intervalo de confiança de 95%. Avaliou-se a distribuição de normalidade das variáveis mediante teste de Kruskal-Wallis e teste U de Mann-Whitney.
As percepções e atitudes dos enfermeiros gestores ante os conflitos do cotidiano do trabalho foram as variáveis qualitativas de interesse, testadas por meio de aplicação do teste quiquadrado, sendo considerado nível de significância de 5% (p < 0,05), e expressas como frequências absolutas.
Para todos os testes, contou-se com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0 para Windows.
RESULTADOS
Foram inseridos no estudo 30 enfermeiros gestores do hospital público universitário (31,6%), 25 enfermeiros gestores do hospital privado (26,3%) e 40 da ULS (42,1%). No conjunto dos 95 participantes, houve o predomínio do sexo feminino (n = 59; 62,1%), com média geral de idade de 47,1 anos (± 7,8, mínima de 29 e máxima de 63 anos). O tempo médio de exercício profissional foi 27,73 anos (± 5,1, mínima de 14 anos e máxima 40 anos); e, na gestão, 12,63 anos (± 6,5, mínima de 1 ano completo e no máximo 30 anos).
No que se refere à formação complementar, em nível de especialização, 89,5% (n = 85) possuíam ao menos um curso lato sensu, dos quais 62,1% (n = 59) eram específicos na área da gestão.
Atividades que permeiam a gestão de pessoas segundo os enfermeiros gestores
Inicialmente, foram identificadas as atividades gerenciais que perpassam a gestão de pessoas entre os enfermeiros, sendo os achados apresentados na Tabela 1.
Distribuição do tempo em atividade de gestão de pessoas segundo os participantes, região norte, Portugal, 2017-2018
Evidenciou-se que a maioria das atividades gerenciais ocupam “pouco” ou “algum tempo” dos gestores. Ainda, para a maioria delas, há um percentual de gestores que não as realiza.
O instrumento permitia identificar percepções e condutas dos gerentes diante dos conflitos enfrentados no contexto da gestão de pessoas. Inicialmente, questionou-se qual a frequência com que o gestor tem percepção de estar experienciando a necessidade de gerenciar conflitos na sua atuação, identificando-se que 60% os gerenciam diariamente, 19% semanalmente, 13% mensalmente e 7% anualmente, confirmando-se a presença de situações conflitantes no contexto da prática dos enfermeiros gestores. Na Tabela 2, buscou-se apresentar como os gestores percebem sua condução na gestão de conflitos.
Resposta dos enfermeiros gestores sobre a gestão de conflitos em hospitais portugueses, Portugal, 2017-2018
A análise dos resultados revelou utilização variada de manejo dos conflitos, incluindo abstenções, acomodação, estratégia de imposição, estratégia de conciliação e estratégia de colaboração.
A relação entre a percepção do conflito, a gestão de pessoas e as estratégias gerenciais
As análises estatísticas permitiram identificar como a percepção da frequência do conflito está associada à gestão de pessoas. Ainda, mostrou-se que a percepção de conflito interfere nas estratégias utilizadas pelos enfermeiros gestores, sendo estas apresentadas nas Figuras 1 e 2, para as quais os achados exigiram significâncias assintóticas e nível de significância de 0,05 (Valor de p).
Análise das estratégias de colaboração em relação à percepção do gestor de que a gestão do conflito ocorre
Evidenciou-se que, em média, os gestores utilizam estratégias de imposição mais comumente, ou seja, diariamente (p = 0,008), sendo que as estratégias de colaboração ocorrem em frequência mais restrita, mensalmente. Um menor grupo de gestores percebe que os conflitos ocorrem anualmente e apresenta valores mais altos de percepção dos conflitos.
Há diferenças significativas de estratégias de gestão de conflitos e de algumas atividades dos gestores, sendo preciso salientar que, por vezes, para a mesma atividade, desenvolvem estratégias diferentes, como se verifica no Quadro a seguir.
Quando analisadas todas as atividades e a Escala na totalidade, ocorrem diferenças significativas nas atividades “Distribuir os enfermeiros de acordo com as necessidades dos doentes” (p = 0,011) e “Assegurar o planejamento, organizar, coordenar e avaliar a qualidade dos serviços de apoio” (p = 0,012).
DISCUSSÃO
Identificou-se entre os gestores participantes o predomínio de enfermeiras com experiência nos serviços, mas com limites quanto à formação na gestão. Estudo(10) na área hospitalar traz associação entre o nível de escolaridade, cargo e carreira profissional dos enfermeiros; e entre os cursos de gestão de conflitos e as estratégias de gestão de conflitos que os enfermeiros adotam. Nessa direção, sinaliza-se que a vivência somada ao aperfeiçoamento profissional para gerenciar conflitos podem facilitar a gestão de pessoas, bem como as relações interpessoais, o processo de tomada de decisão e negociação, fortalecendo de forma construtiva o clima organizacional.
Considera-se que gestão de conflitos requer vivências, bem como conhecimentos que devem ser buscados e aprimorados, sobretudo por meio de estratégias de educação permanente nos serviços, as quais requerem investimentos dos profissionais e apoio institucional, num processo de trocas que repercute em benefícios para as organizações e pessoas.
Evidenciou-se que a maioria das atividades gerenciais ocupam “pouco” ou “algum tempo” dos gestores, sendo que todos eles realizam avaliação de desempenho, buscam criar, manter e desenvolver a coesão, o espírito de equipe e um ambiente de trabalho, gerindo conflitos. Ainda, em proporções de distribuição do tempo, envolvem-se em promover o empenho e a motivação do grupo de trabalho, na busca por garantir mecanismos de comunicação formal da equipe e de outros colaboradores. Entretanto, a maioria das atividades apresentou um percentual de gestores que não as realiza, talvez pela distribuição das tarefas entre outros gestores e/ou colegas, ou por normativas técnicas da instituição. Cabe também refletir que alguns gestores realmente fogem do gerenciamento de conflitos, evitam-no. Lidar com pessoas exige muito do profissional, o que pode desencadear um processo desgastante, e nem todos possuem preparo para isso.
Nas organizações de saúde, especialmente as hospitalares, a gestão envolve maior complexidade, pois visa à satisfação tanto dos seus clientes internos como externos, sempre na busca de atender a padrões de qualidade. Em Portugal, tem-se nos dias atuais uma realidade diferente da década de 1980, pautada por mudanças especialmente induzidas pelas tecnologias de informação — integrando a análise automática de dados, de imagem — e pela inteligência artificial, o que traz alterações na gestão na prestação de cuidados, com implicações no processos de trabalho, particularmente nas organizações e na produção das respostas de saúde. Tais mudanças também ocorreram no modelo organizativo dos hospitais portugueses, que introduziram novas dinâmicas de gestão, com ênfase na governação clínica, assegurando que os cidadãos participassem dos processos de decisão, por meio de inquéritos de avaliação de satisfação e apresentação de sugestões(11).
Na esteira das mudanças e impulsionado pelo aumento de custos com a atividade, desperdício de recursos e baixa produção dos serviços de prestação de cuidados, o governo de Portugal optou, na década de 1990, pelo modelo europeu da New Public Management. Com base neste, as práticas de administração foram repensadas, reforçando o poder e a responsabilidade dos gestores, com maior preocupação com a eficácia, eficiência e efetividade dos serviços, situação que implicou a necessidade de mais formação aos enfermeiros gestores(12).
Identificou-se que 60% dos gestores medeiam conflitos diariamente, sendo que a maioria refere evitar explicitar as divergências, com vistas a minimizar ressentimentos, buscar satisfazer as expectativas das partes envolvidas, discutir sua opinião com os profissionais para mostrar seu olhar sobre a situação, refletir sobre a questão em discussão para encontrar uma solução coletiva aceitável, trocar informações precisas a respeito do caso para resolver um problema em conjunto. As estratégias de colaboração voltam-se para as tentativas de entender o caso, tendem a valorizar informações precisas sobre a situação, direcionando a solução do conflito com a colaboração das partes envolvidas, evitando ressentimentos ou insatisfação. Isso pode ser diferencial para que o problema deixe de ocorrer ou ocorra em menor frequência. Contudo, os enfermeiros gestores também buscam sustentar sua opinião para a solução do problema e costumam não abrir mão dela.
Nesse sentido, observa-se a importância do perfil do líder, pois, na maioria das vezes, as características deste prevalecem no manejo dos conflitos emergentes. Destaca-se também a relevância de investimentos na formação de enfermeiros líderes no decorrer da graduação, com características transformacionais, abertos a novas condutas e ao aprendizado que a equipe pode promover. Isso se reforça nas estratégias de manejo identificadas na pesquisa.
Quando questionados sobre a percepção de estratégias de manejo para cada atividade, foram mencionados todos os tipos de condutas, desde abstenções, acomodação, imposição, conciliação e colaboração. Entretanto, a análise revelou que são mais comuns as condutas de imposição no contexto diário — achado que diverge de publicações recentes sobre o tema em outros estudos(1,10,13-14).
Investigação(10) acerca do assunto identificou que as estratégias de acomodação estão relacionadas inversamente com a frequência do conflito interpessoal, portanto tendem a não resolver o problema. Em vez disso, elas adiam a resolução e podem aumentar os danos causados. Já a estratégia de dominação/imposição, positivamente relacionada com o aumento de conflitos interpessoais, pode ocorrer porque a dominação é um tipo de estratégia de competição, a qual está associada a um aumento na frequência de conflitos interpessoais. Nessas estratégias, observa-se um aspecto potencialmente enfraquecedor da categoria profissional de enfermagem, pois provoca rupturas que não permitem avanços no trabalho colaborativo e empático, capaz de unir os sujeitos em interesses comuns.
A soluções inadequadas têm um impacto negativo nas relações da equipe, conduzem a desconforto, ansiedade, estresse, má comunicação, o que influencia a efetividade dos serviços e repercute diretamente na qualidade e segurança dos cuidados(1,5,15). Além disso, a adequada negociação e resolução de conflitos é a chave para promover a retenção dos profissionais, uma vez que a alta rotatividade, a escassez de trabalhadores e o absentismo laboral são desafios do enfermeiro gestor(12,14) e também podem ser entraves significativos no exercício da liderança.
Como o conflito tem implicações diretas para os usuários dos serviços, a resolução positiva é essencial para promover a prestação segura e eficaz de cuidados, ao mesmo tempo em que estimula as relações terapêuticas entre colegas e gerentes(7), preservando o clima organizacional e a satisfação no ambiente de trabalho.
Pesquisadores apontam algumas estratégias que podem contribuir para o gerenciamento de conflitos, como a prática da liderança dialógica(1) e/ou transformacional(16-17). Nesses modelos, a comunicação é a ferramenta essencial na gestão dos problemas. Líderes transformacionais exercem uma comunicação eficaz que estimula confiança, engajamento e, consequentemente, maior satisfação dos membros da equipe(18-19). Confirmando os achados, estudo(20) identificou a adoção do diálogo como estratégia de enfrentamento de situações estressoras, adotada por enfermeiros líderes no ambiente de trabalho. Também menciona que o gerenciamento de conflitos se caracteriza como uma competência do enfermeiro, pautado em atitudes imparciais e escuta atenta, configurando um dos pilares de sustentação para a liderança.
Considera-se a comunicação uma ferramenta eficiente, de fácil utilização e acesso, e capaz de melhor manejar os conflitos por meio do entendimento recíproco e claro, proporcionando negociações eficazes, o que impulsiona processos e mudanças, potencializa a qualidade do trabalho em equipe e, consequentemente, a qualidade da assistência(1,10,15-16).
Cabe observar a soma dos gestores que dizem não realizar, não ocupar tempo ou ocupar pouco tempo fazendo reuniões (64,1%), assistindo à passagem de turno (52,2%) ou buscando garantir mecanismos de comunicação formal da equipe e de outros colaboradores (57,9%). Esses momentos constituem-se em espaços centrais para a continuidade de cuidados, o que indicia para atividades do processo de trabalho que requerem maior valorização por parte dos gestores, equipe einstituições.
Outra ressalva reside na percepção de que visões colaborativas estão relacionadas a processos construtivos, os quais oferecem uma oportunidade para uma intervenção educacional, de modo que os envolvidos possam contribuir com a análise dos problemas e aprender como gerenciar conflitos com processos colaborativos efetivos(4). Todavia, nesta pesquisa, identificou-se que 62,1% dos gestores não atuam ou pouco atuam como formadores na equipe multidisciplinar e intradisciplinar. Esse achado pode estar relacionado à cultura institucional, a qual, por vezes, não prima pela construção de espaços para comunicação e aprendizado coletivo dos colaboradores.
Para solução dos conflitos, é importante considerar suas causas, bem como o gerenciamento efetivo e a relevância de abordagens positivas. Nesse contexto, a liderança destaca-se enquanto competência profissional do enfermeiro, a qual busca estimular a dinâmica e o processo de comunicação eficaz e horizontalizado, objetivando a solução compartilhada de problemas e a aceitação de mudanças(1,7). Diante do exposto, convém mencionar a relevância do apoio institucional aos enfermeiros gestores no que tange ao gerenciamento de conflitos e ao processo de liderança. O itinerário dessas competências gerenciais não pode ser visto como um caminho solitário, que compete exclusivamente ao gestor, mas deve ser compreendido como responsabilidade de todos, desde o alto nível organizacional à base operacional, estando incutida na cultura organizacional.
Pesquisadores(5,7,10,16,21-22) sugerem estratégias para melhor gerenciar conflitos, tais como: desenvolver inteligência emocional; programas de treinamento em gestão de conflitos; desenvolvimento do potencial de liderança; ações de educação permanente em saúde, de acolhimento de novos membros da equipe, buscando seu apoio e integração aos demais, para incentivar o respeito mútuo de papéis entre todos os membros da equipe e estabelecer relações de trabalho positivas. Essas estratégias também podem ser decisivas para evitar o surgimento de espaços conflitantes e potencializar a capacidade do coletivo no enfrentamento dos problemas.
Outro aspecto que deve ser mencionado é a importância da abordagem do gerenciamento dos conflitos ainda na formação dos enfermeiros enquanto tema transversal, devendo ser explorado ao longo do processo de ensino e aprendizagem, com o intuito de preparar os discentes para conduzir situações conflituosas(1,22). Além disso, cabe lembrar que as habilidades de maior sustentabilidade para o gerenciamento de conflitos abrangem a liderança, a comunicação e o trabalho em equipe, as quais devem ser adquiridas durante o processo de formação dos estudantes de Enfermagem, a fim de fortalecer seu desempenho enquanto futuros profissionais(23).
A implementação de programas institucionais com enfoque no gerenciamento de conflitos pode contribuir com a aprendizagem constante do enfermeiro gestor e conduzir suas decisões de forma mais assertiva e qualificada, auxiliando de modo efetivo tanto para a condução da equipe como para a assistência de enfermagem.
Ainda, investigadores(10) identificaram achados importantes no que se refere à experiência prévia em outros serviços, que pode contribuir para aprimorar a capacidade de conduzir os conflitos pelos líderes, sendo a contratação de gestores com essa vivência uma possibilidade nos setores com elevada incidência de problemas.
Limitação do estudo
O estudo apresentou algumas limitações, como não incluir profissionais de todas as regiões do país, o que sinaliza para a necessidade da realização de pesquisas em outros serviços, bem como a falta de informações sobre o motivo pelo qual algumas atividades típicas dos gestores foram registradas como não realizadas pelos enfermeiros participantes, sendo que a abordagem qualitativa poderia complementar esses e outros achados. No entanto, no global, os resultados evidenciam importantes questões na gestão de conflitos em contextos de serviços de saúde, que provavelmente se repetem em outras regiões de Portugal e em outros países.
Contribuições para a área da Enfermagem e da Saúde
As contribuições para a enfermagem e para área da saúde residem, especialmente, nos achados que permitem melhor compreensão das competências dos enfermeiros na gestão de conflitos, dos desafios na práxis dos líderes, os quais interferem no direcionamento das equipes e, consequentemente, na qualidade dos serviços e no gerenciamento do cuidado. Os achados trazem sugestões que podem auxiliar nos investimentos em profissionais e instituições para a implementação de estratégias de gestão de conflitos. O texto faz ressalvas sobre a abordagem do tema no processo de formação e de educação permanente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo analisou a percepção das estratégias de gerenciamento de conflitos utilizadas por enfermeiros na gestão de pessoas em serviços de saúde portugueses, revelando que eles percebem e valorizam as estratégias dialógicas e colaborativas na gestão de conflitos. Entretanto, predominam, diariamente, as estratégias de imposição, sendo as estratégias de colaboração mais eventuais. Desse modo, para melhor gerenciar os conflitos, são necessários investimentos que fomentem a liderança transformacional entre os gestores, utilizando com maior frequência a comunicação e condutas que facilitem o enfrentamento e a redução dos conflitos nos serviços de saúde.
Cabe salientar a diversidade e complexidade de atribuições e responsabilidades dos enfermeiros gestores, o que requer uma soma de esforços no âmbito da formação desde a graduação até a pós-graduação, alcançando o serviço, de forma permanente, para dar condições a esses profissionais, o que repercutirá no desempenho dos demais profissionais das equipes e na qualidade dos serviços prestados nas instituições de saúde.
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Editado por
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EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
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EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Out 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
02 Dez 2019 -
Aceito
09 Jun 2020