Fatores associados à ideação suicida de universitários da área da saúde

RESUMO

Objetivos:

analisar os fatores associados à ideação suicida de estudantes de cursos de graduação da área da saúde.

Métodos:

estudo quantitativo, transversal, com 251 alunos dos cursos de Radiologia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição, Gestão em Serviços de Saúde e Enfermagem de uma instituição federal de Ensino Superior no Sudeste brasileiro. Os dados foram coletados no período de agosto a outubro de 2019, por meio de questionário eletrônico.

Resultados:

a prevalência de ideação suicida entre os participantes foi de 26,33%. No modelo de regressão logística final, apenas sintomas depressivos foram associados à ideação suicida. Ter sintomas depressivos aumentou em 2,6 as chances de apresentar ideação suicida.

Conclusão:

a alta prevalência da ideação suicida e seus fatores associados constituem um diagnóstico situacional que demanda a elaboração de políticas públicas e institucionais, enfocando a promoção e a atenção à saúde mental dos estudantes.

Descritores:
Suicídio; Tentativa de Suicídio; Ideação Suicida; Estudantes; Educação Superior

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the factors associated with suicidal ideation in students from healthcare graduation courses.

Methods:

quantitative, cross-sectional study, with 251 students from the courses of radiology, speech-language therapy, medicine, nutrition, health service management, and nursing, from a federal higher education institution in the Southeast of Brazil. Data were collected from August to October 2019, using an electronic questionnaire.

Results:

the prevalence of suicidal ideation among participants was 26.33%. In the final logistic regression model, only depressive symptoms were associated with suicidal ideation. Having symptoms of depression increased the chances of suicidal ideation 2.6 times.

Conclusion:

the high prevalence of suicidal ideation and its associated factors constitutes a situational diagnosis that demands the elaboration of public and institutional policies, focused on the promotion and attention to the mental health of the students.

Descriptors:
Suicide; Suicide Attempt; Suicidal Ideation; Students; Education Higher

RESUMEN

Objetivos:

Analizar los factores relacionados a la ideación suicida de estudiantes de cursos de grado de la área de salud.

Métodos:

Estudio cuantitativo, transversal, con 251 alumnos de los cursos de Radiología, Fonoaudiología, Medicina, Nutrición, Gestión en Servicios de Salud y Enfermería de una institución federal de Educación Superior en el Sudeste brasileño. Los datos fueron recolectados en el período de agosto a octubre de 2019, por medio de encuesta electrónica.

Resultados:

La prevalencia de ideación suicida entre los participantes fue de 26,33%. En el modelo de regresión logística final, sólo síntomas depresivos fueron relacionados a la ideación suicida. Tener síntomas depresivos aumentó en 2,6 las chances de presentar ideación suicida.

Conclusión:

La alta prevalencia de la ideación suicida y sus factores relacionados constituyen un diagnóstico situacional que demanda la elaboración de políticas públicas e institucionales, enfocando la promoción y la atención a la salud mental de los estudiantes.

Descriptores:
Suicidio; Tentativa de Suicidio; Ideación Suicida; Estudiantes; Educación Superior

INTRODUÇÃO

O suicídio é, reconhecidamente, um problema de saúde pública no âmbito mundial. Os países de baixa e média renda concentram cerca de 79% das mortes por suicídio(¹,²). No que se refere à faixa etária, o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos⁽¹⁾. No Brasil, é a quarta causa de morte nessa população⁽³⁾.

No período de 2011 e 2018, registraram-se 34% dos casos de tentativa de suicídio entre jovens brasileiros de 15 a 29 anos, faixa etária que concentra os universitários. O envenenamento foi o meio de perpetração mais frequente, correspondendo a 50,4% dos casos, seguido da utilização de objetos perfurocortantes (17,8%)⁽⁴⁾.

O comportamento suicida envolve, em geral, pensamentos, atitudes, planejamento e tentativa do ato. A ideação suicida é a manifestação verbal ativa ou passiva do desejo de morrer e a intensidade desta é passível de culminar ou não no planejamento e na tentativa do suicídio, que corresponde ao ato de causar a morte com intencionalidade(⁵,⁶).

O comportamento suicida, assim como outras modalidades de adoecimento psíquico, manifesta-se no início da vida adulta, em período que coincide, portanto, com o ingresso no Ensino Superior. Assim, o risco de suicídio entre estudantes da área da saúde é objeto de preocupação mundial, pelas altas taxas de prevalência de ideação suicida (⁷,⁸,⁹,¹⁰). Esses dados ensejam importantes preocupações, pois quanto maior a intensidade da ideação suicida, menor é o rendimento acadêmico e maiores as chances de abandono do curso ⁽¹⁰⁾. Ademais, acredita-se que a ideação suicida repercuta em todos os âmbitos da vida do estudante, exercendo influência direta na menor qualidade de vida dessas pessoas.

Nesse sentido, o meio acadêmico se torna um ambiente de intensas mudanças na vida dos jovens e, por isso, capaz de desencadear situações de crise e torná-los vulneráveis ao suicídio. Acresce-se que, neste período, o estudante universitário vivencia uma nova rotina, com demandas e responsabilidades susceptíveis de culminar em dificuldades para a adaptação e enfrentamento das circunstâncias que envolvem a Instituição de ensino, bem como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais que lhes são exigidas ⁽¹¹⁾.

Assim, faz-se necessária especial atenção à saúde mental dos estudantes da área da saúde, uma vez que precisam aprender a lidar com estressores que permeiam suas experiências durante o percurso formativo, como o sofrimento e a morte ⁽¹²⁾.

O aumento de ideação suicida entre estudantes universitários da área da saúde evidenciado pela literatura é uma realidade preocupante e justifica a necessidade de políticas públicas de saúde mental direcionadas para esse público. Os programas de assistência estudantil possuem o desafio de organizar e planejar o serviço de atendimento para os jovens com ideação suicida, principalmente para aqueles que possuem suporte social fragilizado e contam com poucas opções de enfrentamento e solução de conflitos.

Com base no exposto, acredita-se que a identificação de fatores associados ao suicídio - como dados socioeconômicos, histórico de tentativa e de suicídio entre familiares e amigos e presença de sintomas depressivos, automutilação, tentativa de suicídio e uso de substâncias psicoativas - constitui estratégia assertiva para dar visibilidade ao tema, ainda negligenciado no Brasil. Com efeito, a relevância deste estudo reside em trazer à luz os fatores associados ao comportamento suicida para subsidiar a elaboração de ações efetivas em instituições de ensino superior para acolhimento e tratamento adequado de estudantes universitários com ideação suicida. Pressupõe-se que esse cuidado deve ser compartilhado entre família, Estado e sociedade civil.

OBJETIVO

Analisar os fatores associados à ideação suicida de estudantes universitários em cursos de graduação da área da saúde.

MÉTODOS

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição de Ensino Superior. Foram utilizados códigos alfanuméricos para a identificação dos participantes e dos materiais coletados. Seguiram-se as recomendações e cuidados éticos que constam na Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), mediante assinatura digital.

Desenho, período e local do estudo

Estudo quantitativo, transversal, descritivo, norteado pela ferramenta The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). A instituição Federal de Ensino Superior escolhida como cenário para este estudo está localizada em Minas Gerais e oferecia, no período da coleta de dados, de agosto a outubro de 2019, os seguintes cursos da área da saúde: Enfermagem, Fonoaudiologia, Gestão dos Serviços de Saúde, Medicina, Nutrição e Tecnologia em Radiologia A escolha deste local justifica-se pelo crescente número de casos de suicídio no Campus Saúde, da Universidade.

População, critérios de inclusão e exclusão

A população constou de 1087 universitários. Para o cálculo da amostra, estabeleceram-se nível de confiança de 95%, erro máximo de 5% e prevalência presumida de ideação suicida de 9,9%⁽⁸⁾, obtendo-se amostra de 260 universitários. O método de seleção foi por conveniência.

Os critérios de inclusão foram: ser maior de 18 anos, estar matriculado em um dos cursos selecionados para a coleta de dados, assinar o TCLE e ter respondido ao questionário integralmente. Constituíram critérios de exclusão: universitários que estivessem afastados das atividades acadêmicas por motivos familiares/doença ou em intercâmbios institucionais e aqueles que não responderam ao questionário integralmente. Duzentos e sessenta acadêmicos responderam ao questionário, mas nove foram excluídos por não terem preenchido completamente, totalizando 251 instrumentos válidos.

Protocolo do estudo

O link do questionário eletrônico foi disponibilizado a todos os alunos dos cursos participantes, por intermédio dos representantes de turma. Realizou-se a coleta dos dados no período de agosto a outubro de 2019, por meio de um instrumento semiestruturado, no formato de formulário, elaborado na plataforma Google Forms.

O instrumento foi dividido em seções: para a caracterização geral dos participantes (sexo, idade, cor da pele, faixa etária, orientação sexual, estado civil, auxílio-estudantil, forma de sustento, renda mensal média, residência, religião, período e curso) e perguntas associadas ao tema suicídio no ambiente social (tentativa e suicídio na família e amigos); inventário de Depressão Maior (MDI), constituído com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e Classificação Internacional de Doenças (CID-10)⁽¹³⁾ e o teste Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST)⁽¹⁴⁾.

A divulgação do estudo para todos os alunos regulares dos cursos participantes se deu por meio do Departamento de Comunicação da Escola de Enfermagem e da Faculdade de Medicina, dos sites dos cursos, nas mídias sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram) e e-mail pessoal dos alunos.

Como variável desfecho, utilizou-se a presença ou ausência de ideação suicida, elencada pela pergunta: “Nos últimos 30 dias, você pensou em se matar?”

Análise dos resultados e estatística

Os dados obtidos foram armazenados no Microsoft Excel, em planilha gerada automaticamente pelo aplicativo GoogleForms. Posteriormente, eles foram comparados utilizando o Programa Epi Info, versão 3.5, e analisados no Programa Stata, versão 13.1.

Para o teste da significância do estudo, utilizou-se o modelo bruto para análise das associações das variáveis com o desfecho, considerando-se nível de significância de 0,05 e intervalo de confiança (IC) de 95%. Para a análise multivariada, aplicou-se o modelo de regressão Poisson, sendo testadas as variáveis com p ≤ 0,20 nas análises não ajustadas e permanecendo, ao final, as que apresentaram p<0,05, com IC de 95%.

RESULTADOS

A prevalência da ideação suicida entre os estudantes universitários da área da saúde foi de 26,33% (n=66) e de tentativa de suicídio em algum momento na vida de 14,34% (n=34). A Tabela 1 contém as associações das variáveis demográficas, socioeconômicas e acadêmicas com a ocorrência da ideação suicida. Com relação ao sexo, 84,80% (n=213) dos participantes eram mulheres e 16,20% (n=38) homens. Chama-se atenção para o fato de que 41,07% (n=23) dos participantes que se declararam homossexuais exprimiram ideação suicida, em contraste com uma taxa de 21,99% (n=42) dos que se autodeclararam heterossexuais e também vivenciaram a ideação.

As variáveis sexo, estado civil e renda mensal tiveram associação significativa com a ideação suicida, no entanto, as variáveis sexo, cor da pele, faixa etária, orientação sexual, residência do estudante, curso e período do curso em que estava não tiveram associação significativa com a ideação suicida. Apesar de não ter tido associação significativa, destaca-se que 39,29% (n=11) dos que declararam ter cor da pele preta denotaram ideação suicida.

Na Tabela 2, observa-se associação entre histórico de tentativa de suicídio na família/amigos (p=0,05) com ideação suicida entre os participantes.

Na Tabela 3, verifica-se que sintomas depressivos, tentativa de suicídio prévia e automutilação tiveram associação significativa com ideação suicida.

Na Tabela 4, após a regressão multivariada de Poisson, sintomas depressivos permaneceram em associação com ideação suicida. Ter sintomas depressivos aumentou em 2,6 as chances de apresentar ideação suicida.

Ao controlar a variável tentativa de suicídio prévia, após a regressão logística, a unidade sintomas depressivos (p=0,000, IC: 1,70 - 0,44) manteve-se em associação com ideação suicida.

Tabela 1
Associação entre as variáveis demográficas socioeconômicas e acadêmicas dos estudantes universitários da área da saúde com a ocorrência de ideação suicida, Minas Gerais, Brasil, 2020

Variáveis	Sim		Não		RP (IC-95%)	Valor de p*
	n	(%)	n	(%)
Sexo						<0,001
Feminino	59	28,10	151	71,90	1,70(1,15 - 2,53)
Masculino	06	16,22	31	83,78	-
Cor da pele						0,179
Branca	34	23,45	111	76,55	-
Parda	19	27,14	51	72,86	0,61 (0,380,99)
Preta	11	39,29	17	60,71	0,67(03,4 - 1,32)
Amarela	1	25,00	3	75,00	0,67(1,21 - 3,73)
Faixa etária						0,712
Até 20 anos	17	30,91	38	69,09	0,97(0,62 - 1,54)
21-30 anos	51	30,18	118	69,82	1,18(0,49 - 2,83)
31-40 anos	4	36,36	7	63,64	1,62(0,81 - 3,23)
>41 anos	6	50,00	6	50,00
Orientação Sexual						0,251
Heterossexual	42	21,99	149	78,01	-
Homossexual	23	41,07	33	58,93
Estado Civil					-	<0,001
Solteiro	59	27,19	158	72,81	1,42(0,88 - 2,31)
Casado/eu	5	20,00	20	80,00	5,35(2,17 - 1,32)
Divorciado	1	20,00	4	80,00		0,179
Auxílio-estudantil
Sim	28	34,15	54	65,85	0,74(0,48 - 1,13)
Não	37	22,42	128	77,58	-	0,532
Forma de sustento do estudante
Sustenta-se sozinho	6	28,57	15	71,43	-
Possui ajuda de terceiros	45	24,46	139	75,54	0,99(0,52 - 1,89)
Auxilia na renda em casa, mas possui ajuda de terceiros	14	33,33	28	66,67	0,71(0,32 - 1,61)
Renda Mensal Média						0,041
Até 1 SM	7	28,00	18	72,00	-
1-3 SM	29	24,17	91	75,83	0,75(0,39 - 1,45)
>3 SM	41	40,20	61	59,80	1,25(0,67 - 2,33)
Residência do estudante						0,596
Mora sozinho	1	11,11	8	88,89	-
Colegas de quarto	10	27,78	26	72,22	0,62(0,25 - 1,54)
Parentes em geral/outros	64	31,68	138	68,32	0,71(0,33 - 1,52)
Religião						0,428
Católico	22	24,44	68	75,56	-
Evangélico	6	13,95	37	86,05	0,91(0,54 - 1,53)
Outras	13	29,55	31	70,45	0,57(0,30 - 1,10)
Não possui religião	24	34,29	46	65,71	0,92(0,60 - 1,42)
Curso						0,441
Enfermagem	23	20,72	88	79,28	-
Nutrição	16	35,56	29	64,44	0,68(0,37 - 1,26)
Gestão dos Serviços de Saúde	11	34,38	21	65,63	0,96(05,541,72)
Medicina	9	29,03	22	70,97	1,40(0,87 - 2,48)
Radiologia	3	30,00	7	70,00	0,92(0,34 - 2,48)
Fonoaudiologia	3	16,67	15	83,33	0,86(0,39 - 1,90)
Período					-	0,141
1º ao 6º	43	25,44	126	74,56	1,32(0,91 - 1,90)
7º ao 11º	22	28,21	56	71,79

• RP: Razão de prevalência; * valor de p: modelo de regressão de Poisson.

Tabela 2
Associação entre o comportamento suicida de familiares e amigos dos universitários da graduação em saúde e a ocorrência de ideação suicida, Minas Gerais, Brasil, 2020

Variáveis	Sim		Não		RP (IC – 95%)	Valor de p*
	n	(%)	n	(%)
Tentativa de suicídio na família/amigos						0,051
Sim	46	29,11	112	70,89	0,69(0,48 - 0,99)
Não	19	21,35	70	78,65
Suicídio na família/amigos						0,613
Sim	21	27,27	56	72,73	0,91(0,75 - 1,01)
Não	44	25,88	126	74,12

• RP: Razão de prevalência;* valor de p: modelo de regressão de Poisson.

Tabela 3
Associação do consumo de substâncias psicoativas, sintomas depressivos, tentativas prévias de suicídio e automutilação com a ideação suicida de estudantes universitários, Minas Gerais, Brasil, 2020

Variáveis	Sim		Não		RP (IC-95%)	Valor de p*
	n	(%)	n	(%)
Inventário de Depressão Maior						<0,001
Presença	59	36,65	102	63,35	0,47(0,36 - 0,61)
Ausente	6	6,98	80	93,02	-
Tentativa de Suicídio
Sim	20	55.56	16	44.44	0,15(0,04 - 0,06)	0,018
Não	45	21.33	166	78.67	-
Automutilação
Sim	43	38,39	69	61,61	0,24(0,14 - 0,41)	<0,001
Não	22	16,30	113	83,70	-
ASSIST**						0,173
Uso ocasional	22	17,46	104	82,54	-
Uso abusivo	30	31,91	64	68,09	0,93(0,63 - 1,37)
Sugestivo de dependência	13	48,15	14	51,85	0,54(0,24 - 1,24)

• RP: Razão de prevalência;* valor de p: modelo de regressão de Poisson.

• **ASSIST: Teste de triagem do envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias.

Tabela 4
Modelo de regressão multivariada de Poisson ajustado para fatores associados à ideação suicida de estudantes universitários, Minas Gerais, Brasil, 2020

Variáveis	RP (IC – 95%)	Valor de p*
Depressão Maior		<0,001
Presença	2,60 (1,70 - 3,97)
Ausência	-

• RP: Razão de prevalência;* valor de p: modelo de regressão de Poisson.

DISCUSSÃO

A prevalência da ideação suicida entre universitários dos cursos de graduação da área da saúde foi de 26,33% (n=66). Esse resultado é semelhante ao encontrado em investigação realizada no Nordeste brasileiro, na qual se observou percentual de 22% de ideação suicida entre estudantes universitários nos cursos de saúde ⁽¹⁰⁾.

Resultados análogos foram verificados em outros continentes. Investigação na Etiópia identificou que 23,7% dos estudantes de Medicina apresentavam ideação suicida⁽¹⁵⁾. Na China, 20,5% dos universitários do curso de Medicina reportaram ideação suicida ⁽⁹⁾. Estudo em Gana encontrou 21,3% de ideação suicida entre estudantes do curso de Enfermagem ⁽¹⁶⁾.

Essa realidade não é exclusiva dos cursos da área da saúde, como revela estudo desenvolvido em 12 países pertencentes a quatro perspectivas culturais diferentes (confucionista, islâmica, anglo-saxônica e católica), no qual 28,8% dos universitários expressaram ideação suicida ⁽⁷⁾. No Reino Unido, 31% dos estudantes universitários reportaram ideação suicida e, destes, 12,1% fizeram planos suicida nos últimos doze meses e 8,2% relataram tentativa ⁽¹⁷⁾. Em contrapartida, estudo em seis cidades do Continente Asiático reportou índice de 11,7% de ideação suicida em universitários de cursos diversos de graduação⁽¹⁸⁾. Investigação brasileira com graduandos de outras áreas também identificou escores menores de ideação suicida, com prevalência de 9,9% ⁽⁸⁾. A possível razão para essas particularidades encontra-se no desenho metodológico e nos instrumentos utilizados, bem como nas diferenças socioeconômicas, perfis dos cursos de graduação e aspectos culturais.

Os resultados da análise de regressão linear identificaram que sintomas depressivos e tentativa de suicídio prévia foram os principais fatores que se associaram ao surgimento da ideação suicida. Quando controlada a variável tentativa de suicídio prévia, a ocorrência de sintomas depressivos permaneceu no modelo de regressão. A depressão altera a atenção e a concentração, interferindo negativamente na capacidade de aprender, compreender e resolver problemas acadêmicos ⁽¹⁹⁾.

A depressão em estudantes universitários da área da saúde pode estar relacionada a dificuldades de ordem diversa, o que inclui a adaptação ao contexto universitário, distanciamento da família e amigos, dificuldades financeiras e falta de identificação com o curso ⁽¹¹⁾. Estudantes universitários, nas atividades práticas, vivenciam maior proximidade com a doença, a morte e a terminalidade +. Essas situações relacionam-se, possivelmente, com o modelo cognitivo da depressão, no qual há um pessimismo em relação a si, ao mundo e ao futuro ⁽¹¹⁾.

Esse resultado obtido está em consonância com a literatura (⁸,⁹,¹⁰,¹⁶,¹⁸,¹⁹,²⁰,²¹) internacional, visto que estudantes universitários com sintomas depressivos graves possuem seis vezes maior risco de suicídio⁽²⁰⁾. Investigação com 7.108 estudantes universitários portugueses encontrou associação entre sintomas depressivos (OR: 1.108) e solidão (OR: 1.095) com ideação suicida⁽²¹⁾. Resultado similar foi reportado na China, em estudo com 3.257 estudantes de Medicina, no qual os sintomas depressivos indicaram efeito direto e indireto no risco de suicídio, pela regulação emocional da autoeficácia⁽⁹⁾.

Investigação brasileira com 792 estudantes de cursos da área da saúde encontrou prevalência mais elevada para depressão entre indivíduos do sexo feminino, obesos e que não tinham tempo para lazer⁽¹¹⁾. Estudo longitudinal acompanhou, por 12 meses, 117 estudantes de Enfermagem, em São Paulo, e não verificou aumento significativo nos níveis de estresse e sintomas depressivos após o ingresso no curso⁽²²⁾. Os estudantes reportaram altos níveis de estresse durante a realização de atividades práticas, com preocupações relacionadas aos procedimentos e manejo de pacientes, e dificuldade de administrar a demanda acadêmica, em detrimento das necessidades sociais, familiares e pessoais(²²,²³). Essa realidade sinaliza a vivência de alterações nas dimensões afetivas e comportamentais, tais como desânimo; tristeza; falta de energia; desesperança; diminuição da concentração e prejuízos sociais e ocupacionais; e pensamentos negativos. Tais sentimentos culminam, recorrentemente, na intenção suicida, diante da rotina estressante e da elevada carga horária de alguns cursos.

Modelo clínico do comportamento suicida proposto por Mann ⁽²⁴⁾ descobriu que pessoas com tentativa de suicídio denotavam uma percepção mais severa da depressão. Outros fatores centrais foram o nível da ideação suicida e da desesperança. Os resultados do estudo sob relatório reforçam esse modelo, em que os estressores comuns para o surgimento da ideação suicida foram sintomas depressivos.

A depressão na clínica psiquiátrica é um transtorno do humor que oscila de moderado a profundo, de curta ou longa duração, que denota humor alterado, perda de interesse e de prazer pela vida e reduzidos níveis de energia ⁽²⁵⁾. Em jovens, a depressão costuma estar associada a aspectos emocionais e cognitivos, como ansiedade, solidão, tristeza e negatividade. Para eles, é como se seu mundo tivesse se estreitado, suas escolhas ficado menores e seus interesses e preferências menos disponíveis⁽²¹⁾. A tristeza insuportável se transforma em ideação suicida relacionada à necessidade que o jovem sente de pôr fim a uma situação intolerável e às incapacidades sentidas de fazer as coisas de uma melhor maneira.

Os resultados obtidos corroboram a teoria dos modos suicidas, proposta por M. D. Rudd ⁽²⁶⁾, que adota uma perspectiva cognitivo- comportamental para o suicídio. A fundamentação teórica é expressa na noção de que os esquemas cognitivos do modo suicida incorporam crenças desadaptativas levando a falta de esperança. Os esquemas afetivos se caracterizam por um mix de emoções negativas, incluindo tristeza, ansiedade, raiva e culpa. Os esquemas comportamentais/motivacionais são responsáveis pelo impulso para o ato suicida.

A ocorrência da tentativa de suicídio em algum momento na vida em estudantes universitários aponta a maior vulnerabilidade desses jovens para esse risco. A magnitude da tentativa de suicídio neste estudo foi de 14,34% - resultado maior do que o relatado no caso de estudantes estado-unidenses de Medicina, com prevalência de 3,9% de tentativa de suicídio no último ano ⁽¹⁵⁾. Investigação em 12 países encontrou prevalência de 7% ⁽⁷⁾. A diferença decorre, possivelmente, da inclusão de alunos de todos os períodos, do tamanho da amostra e período do tempo da tentativa de suicídio.

Em relação às tentativas de suicídio na família e entre amigos, essa variável foi associada com ideação suicida. A transmissão familiar do comportamento suicida, como um fator de risco distal, é atribuída a fatores genéticos ⁽²⁷⁾. Relacionamentos interpessoais exercem significativa influência sobre o comportamento de uma pessoa (⁸,¹⁹,²⁷). Estudantes que se relacionam com familiares e amigos que já fizeram uma tentativa de suicídio apreendem esse comportamento como um meio de resolver problemas, levando-os à reprodução do ato.

Nesta investigação, a automutilação como aspecto comportamental e cognitivo indicou associação para a ideação suicida, mas não se manteve no modelo final. Este mecanismo ineficaz ocorre quando uma pessoa exibe comportamentos agressivos que prejudicam a si mesma⁽²⁸⁾. Investigação com 408 estudantes em duas universidades nos Estados Unidos encontrou que automutilação, à extensão da vida, é um preditor para a ideação suicida⁽²⁸⁾. Explica-se tal associação pela automutilação regular emoções, portanto, aqueles que se mutilam por anos e utilizam vários métodos possuem, possivelmente, níveis mais elevados de ideação suicida e maior probabilidade de realizar uma tentativa de suicídio(¹⁷,²⁸,²⁹). Os achados desta investigação acrescentam à literatura a ideação de que os pensamentos, atos e formas modalidades de automutilação, sozinhos, são insuficientes para aumentar a capacidade de jovens tentarem o suicídio. A avaliação dos pensamentos e atos de automutilação, entretanto, fornece anela de oportunidade para intervir e mitigar o risco de desenvolver pensamentos suicidas.

O uso de substâncias psicoativas não teve associação com ideação suicida. Investigação com estudantes universitários atendidos em serviço estudantil encontrou uso abusivo de psicotrópicos como fator preditor para ideação suicida ⁽³⁰⁾. O uso de drogas psicoativas e a ingesta abusiva de álcool estão associados à ideação suicida nessa população (⁷,¹⁰,¹⁷,¹⁹,²⁹,³⁰). Nesse sentido, o uso de substâncias psicoativas deve ser interpretado como sinal de alerta, uma vez que interfere nas emoções e percepções sobre si, o mundo e o futuro.

A dependência de álcool foi associada a um aumento significativo da probabilidade de tentativa de suicídio ou automutilação com um plano de suicídio ou tentativa de suicídio(¹⁷,¹⁹). O uso de SPA é motivado pelo desejo de reduzir sentimentos negativos, tal como reportado em investigação com estudantes americanos, que identificou o uso destas substâncias como importante mediador entre solidão e ideação suicida⁽²⁹⁾. Para estudantes universitários solitários, o uso de SPA mascara emoções negativas, agindo como mecanismo ineficaz de enfrentamento e alívio do humor deprimido. O hábito de fazer uso de SPA permite aos alunos a aproximação a grupos sociais específicos, diminuindo as inibições sociais ao interagir com os colegas(⁷,¹⁰,³¹).

Embora as variáveis dos dados sociodemográficos não tenham se mantido no modelo de regressão, constatou-se que ser do sexo feminino, solteira e com renda mensal acima de três salários-mínimos teve associação indireta com a ideação suicida. Esses resultados devem ser examinados com cautela, uma vez que a amostra não pode ser generalizada em decorrência da quantidade de estudantes que participaram do estudo e do significativo número de mulheres nos cursos na área da saúde. A prevalência de ideação suicida significativamente maior no sexo feminino corrobora estudos realizados na Turquia, Gana e Etiópia (¹⁶,¹⁹,³²).

A renda mensal dos jovens universitários nos cursos na área da saúde difere dos estudantes de outros cursos de graduação, o que explica, parcialmente, os resultados encontrados. A literatura desvela que, em contextos nos quais estudantes se encontram em níveis econômicos mais baixos, identificam-se pensamentos suicidas na ordem de duas a sete vezes mais (RP: 3,72)⁽⁸⁾. A baixa renda também foi associada ao sofrimento psíquico entre universitários, o que demonstra o influxo negativo de características socioeconômicas desfavoráveis na vida deles(¹⁰,¹¹,³³).

No referente à orientação sexual, não houve associação com a ideação suicida, entretanto, estudantes que se autodeclararam homossexuais apresentaram ideação suicida com maior frequência. Estudos também comprovaram que essa população reporta mais frequentemente ideação suicida(⁸,³⁴). Pesquisa revelou que estudantes universitários dos EEUU que se declararam homossexuais possuíam três vezes mais chances de risco de suicídio, comparados aos seus colegas heterossexuais⁽³⁴⁾. Pondera-se que, neste estudo, as variáveis “suporte social e familiar e violência” não foram analisadas com o desfecho, portanto, a ausência dessas variáveis interfere no resultado encontrado, uma vez que o comportamento suicida é um fenômeno complexo, em que interagem fatores sociais, culturais, psicológicos e relacionais. Modelos teóricos sobre suicídio e a literatura expressam que suporte social e familiar fragilizado e histórico de violência na infância são preditores de comportamento suicida entre jovens (²⁶,²⁷,²⁸,²⁹,³²).

Estudo no Reino Unido com 739 estudantes no primeiro ano na universidade evidenciou que ter uma orientação sexual que não seja a socialmente esperada está associado a histórico de automutilação, comportamento suicida e vivência de múltiplas violências na infância, como maus tratos, violência doméstica, punição física, abuso físico e emocional, além de negligência familiar⁽¹⁷⁾. Assim sendo, pesquisas são necessárias para explorar as experiências vivenciadas pelos grupos minoritários e marginalizados, com vistas a compreender e avaliar o risco de suicídio nessa população.

A identificação de variáveis associadas à ideação suicida, no contexto universitário, sinaliza para a necessidade de implantação de programas prevenção e promoção da saúde mental, a fim de identificar precocemente o sofrimento psíquico e desenvolver-se estratégias de enfrentamento capazes de reduzir o risco de suicídio.

Revisão sistemática ⁽³⁵⁾ sobre os programas ou políticas para a prevenção primária do suicídio na universidade identificou que as intervenções se basearam na instrução em sala de aula e no treinamento de porteiro, as quais aumentaram o conhecimento relacionado ao suicídio em curto prazo. Evidências sugeriram efeitos mínimos a longo prazo e ausência de efeito sobre o comportamento suicida. Apenas uma universidade implementou uma política de prevenção do suicídio, com restrição de acesso ao cianeto em laboratórios e a exigência de avaliação profissional para alunos que ameaçassem ou tentassem o suicídio, o que reduziu significativamente os suicídios de estudantes. Não há relatos de políticas em países de baixa e média rendas.

Deve-se levar em consideração o argumento de que nem sempre a pessoa com comportamento suicida está disposta a expressar ou exteriorizar o que realmente sente, surgindo, assim, um novo desafio para o cuidado aos jovens universitários com ideação suicida. Nesta perspectiva, o enfermeiro tem competências que, certamente, auxiliarão na identificação e no manejo das ideias suicidas: ouvir atentamente, ser empático, passar mensagens não verbais de aceitação, expressar respeito pela opinião do outro, conversar honestamente, mostrar preocupação e focar nos sentimentos da pessoa ⁽³⁶⁾.

O enfermeiro, ao exercer a escuta qualificada, tem grande potencial para acalmar, prevenir ou minimizar a intensidade dos sintomas. Entretanto, a escassez de enfermeiros no âmbito acadêmico no atual contexto das instituições de Ensino Superior representa, decerto, um obstáculo para a elaboração de programas e políticas direcionados para minimizar o fenômeno nas instituições de ensino e saúde, com fortalecimento de vínculos e escuta qualificada. É imprescindível a implementação de política de prevenção do suicídio com maior disseminação do assunto, identificação, avaliação dos estudantes em risco de suicídio e estabelecimento de fluxo contínuo com a rede de atenção em saúde mental para o tratamento psicológico e psiquiátrico adequado daqueles com ideação suicida.

Limitações do Estudo

O estudo apresenta limitações quanto ao método, pois o caráter transversal não permite inferir associações causais. Investigações com desenho metodológico prospectivos e longitudinais são mais recomendadas para identificação do fenômeno e para esclarecer o que determina a transição da ideação suicida à tentativa de suicídio. Outra questão observada é a utilização de pergunta dicotômica para rastrear a ideação suicida. Ademais, a amostra foi por conveniência, constituída por estudantes de uma única universidade pública, restringindo a realidade a apenas um local.

Contribuições para a Área

Os resultados deste estudo contribuem para reforçar a importância do enfermeiro no meio acadêmico e sua inserção na implantação de programas de acolhimento e acompanhamento psicológico de estudantes universitários, principalmente entre os que se encontram em situação de vulnerabilidade durante a graduação na área da saúde, para possibilitar a prevenção do suicídio. As instituições de ensino superior devem estabelecer parcerias com os serviços de saúde mental para garantir o tratamento adequado e oportuno a esses jovens.

CONCLUSÃO

A prevalência de ideação suicida entre estudantes universitários dos cursos de graduação participantes na área da saúde foi de 26,33%.

Na análise multivariada, os fatores associados foram: sexo, estado civil, renda mensal, histórico de tentativa de suicídio em familiares e/ou amigos, sintomas depressivos, automutilação e tentativa de suicídio prévia. No modelo de regressão logística final, estudantes universitários com sintomas depressivos exprimiram associação para ideação suicida.

A alta prevalência da ideação suicida e seus fatores associados constituem um diagnóstico situacional que demanda a formulação e financiamento de políticas públicas e institucionais, que enfoquem a promoção da saúde e a atenção à saúde mental dos estudantes universitários.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  15 Set 2020
• Aceito
  15 Jun 2021