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A violência de gênero perpetrada contra mulheres trans

RESUMO

Objetivos:

identificar evidências científicas sobre as violências de gênero perpetradas contra mulheres trans.

Métodos:

revisão integrativa, realizada em junho de 2020, sem recorte temporal, nas bases de dados SCOPUS, Medline, Embase, CINAHL, WoS, PsycInfo e LILACS. Foram utilizados os descritores controlados do DeCS, do MeSH e seus entry terms: “Pessoas Transgênero”, “Transgêneros”, “Identidade de Gênero”, “Transexualidade”, “Violência de Gênero”, “Agressão”, “Delitos Sexuais”, “Estupro”, “Violência”, “Violência Doméstica”. A apresentação e a síntese dos resultados foram apresentadas no fluxograma PRISMA-2009.

Resultados:

a amostra final, composta por 16 artigos, identificou violências de gênero diversas: sexual, física, verbal, psicológica e financeira perpetrada por familiares, desconhecidos, policiais, parceiros íntimos, profissionais da saúde, conhecidos ou amigos.

Conclusões:

a mulher trans sofre violências e exclusões sociais decorrentes de estigmas e discriminações pela identidade de gênero que resultam em danos à saúde além da física.

Descritores:
Pessoas Transgênero; Identidade de Gênero; Violência de Gênero; Violência; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to identify scientific evidence on gender violence perpetrated against trans women.

Methods:

integrative review, carried out in June 2020, without time frame, in the Scopus, MEDLINE, Embase, CINAHL, WoS, PsycInfo and LILACS databases. The controlled descriptors of DeCS, MeSH and their entry terms were used: “Transgender People”, “Transgender”, “Gender Identity”, “Transsexuality”, “Gender Violence”, “Aggression”, “Sexual Offenses”, “Rape”, “Violence”, “Domestic Violence”. The presentation and synthesis of the results were presented in the PRISMA-2009 flowchart.

Results:

the final sample, consisting of 16 articles, identified different types of violence (sexual, physical, verbal, psychological and financial), perpetrated by family members, strangers, police officers, intimate partners, health professionals, acquaintances, or friends.

Conclusions:

trans women suffer violence and social exclusion that result from stigma and discrimination due to gender identity and result in unrestricted damage to physical health.

Descriptors:
Transgender Persons; Gender Identity; Gender-Based Violence; Violence; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

identificar evidencias científicas acerca de las violencias de género perpetradas contra mujeres trans.

Métodos:

revisión integrativa, realizada en junio de 2020, sin recorte temporal, en las bases de datos Scopus, MEDLINE, Embase, CINAHL, WoS, PsycInfo y LILACS. Fueron utilizados los descriptores controlados del DeCS, del MeSH y sus entry terms: “Personas Transgénero”, “Transgéneros”, “Identidad de Género”, “Transexualidad”, “Violencia de Género”, “Agresión”, “Delitos Sexuales”, “Estupro”, “Violencia”, “Violencia Doméstica”. La presentación y la síntesis de los resultados fueron presentadas en el flujograma PRISMA-2009.

Resultados:

la muestra final, compuesta por 16 artículos, identificó violencias de género diversas (sexual, física, verbal, psicológica y financiera), perpetradas por familiares, desconocidos, policiales, parceros íntimos, profesionales de salud, conocidos o amigos.

Conclusiones:

la mujer trans sufre violencias y exclusiones sociales que transcurren de estigmas y discriminaciones por la identidad de género y resultan en daños no restrictos a salud física.

Descriptores:
Personas Transgénero; Identidad de Género; Violencia de Género; Violencia; Enfermería

INTRODUÇÃO

Define-se “gênero” como um conjunto de comportamentos socioculturais impostos, delimitados pela lógica binária para definir o que é ser homem ou mulher(11 Connell R, Pearse R. Gênero: uma perspectiva global. 13 ed. São Paulo: Versos; 2015.). Essa definição dificulta a autopercepção sobre si, que é subjetiva e dinâmica. A identidade de gênero congrega um conjunto de valores, motivações e experiências apreendidas ao longo da vida que legitima outras formas de ser. As pessoas que se identificam nos padrões de aparências e comportamentos culturalmente impostos ao sexo biológico são denominadas homem ou mulher cisgênero ou cis, cuja identidade e expressão de gênero correspondem ao sexo(11 Connell R, Pearse R. Gênero: uma perspectiva global. 13 ed. São Paulo: Versos; 2015.,22 Flotskaya N, Bulanova S, Ponomareva M, Flotskiy N, Konopleva T. Gender Identity Development among Teenagers Living in the Subarctic Region of Russia. Behav Sci (Basel) 2018;8(10):90. https://doi.org/10.3390/bs8100090
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,33 Ring MEM. Transgénero, no es uma enfermidade. Rev Cub Salud Pública [Internet]. 2018 [cited 2020 Jun 17];45(4):e1540. Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561-3127-rcsp-45-04-e1540.pdf
http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561...
). A linearidade entre corpo-sexo-gênero na sociedade ocidental faz com que pessoas transgênero ou trans não se identifiquem com o gênero atribuído ao nascimento, legitimado por meio de características sexuais anatômicas. Assim, mulheres transgênero não se reconhecem no gênero masculino designado ao nascimento, mas, ao longo da vida, reconhecem-se no gênero feminino como mulheres transexuais ou travestis(22 Flotskaya N, Bulanova S, Ponomareva M, Flotskiy N, Konopleva T. Gender Identity Development among Teenagers Living in the Subarctic Region of Russia. Behav Sci (Basel) 2018;8(10):90. https://doi.org/10.3390/bs8100090
https://doi.org/10.3390/bs8100090...
,33 Ring MEM. Transgénero, no es uma enfermidade. Rev Cub Salud Pública [Internet]. 2018 [cited 2020 Jun 17];45(4):e1540. Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561-3127-rcsp-45-04-e1540.pdf
http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561...
).

Mulheres transgênero se deparam, frequentemente, com ações discriminatórias na sociedade que são oriundas de estigmas decorrentes de um histórico de patologização de sua identidade pelas ciências médicas(33 Ring MEM. Transgénero, no es uma enfermidade. Rev Cub Salud Pública [Internet]. 2018 [cited 2020 Jun 17];45(4):e1540. Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561-3127-rcsp-45-04-e1540.pdf
http://scielo.sld.cu/pdf/rcsp/v45n4/1561...
). Ao buscarem a realização da hormonização ou até de procedimentos cirúrgicos a fim de ter a imagem corporal feminina, deparam-se com o despreparo e falta de sensibilização dos profissionais nos serviços de saúde para o acolhimento e atendimento dessas necessidades. Tal situação pode resultar em tratamento abusivo, negligência e culminar em condições prejudiciais à saúde mental, física e sexual(44 Caravaca-Morera JA, Bennington M, Williams C, Mackinnon K, Ross LE. Contemporalis homo sacer: barriers to accessing healthcare services for trans populations’. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e3710016. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003710016
https://doi.org/10.1590/0104-07072017003...
,55 Magno L, Dourado I, Silva LAV. Estigma e resistência entre travestis e mulheres transexuais em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2018;34(5):e00135917. https://doi.org/10.1590/0102-311x00135917
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).

As mulheres cisgênero ou transgênero estão mais suscetíveis a sofrer violência a qualquer momento da vida pelo fato de serem mulheres(66 Brilhante AVM, Moreira GAR, Vieira LJES, Catrib AMF. A bibliometric study on gender violence. Saúde Soc. 2016;25(3):703-715. https://doi.org/10.1590/S0104-12902016148937
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201614...
). A violência de gênero se torna mais grave para aquelas que possuem condições socioeconômicas precárias, que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas e as que são profissionais do sexo, pois estão mais expostas aos processos históricos que as vulnerabilizam(77 Leddy AM, Weiss E, Yam E, Pulerwitz J. Gender-based violence and engagement in biomedical HIV prevention, care and treatment: a scoping review. BMC Public Health. 2019;19:897. https://doi.org/10.1186/s12889-019-7192-4
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).

Ainda, ressalta-se que a violência de gênero envolve três estruturas sociais — o patriarcado, o machismo e o capitalismo —, que agem de modo insidioso e operam por meio de lógicas que vão hierarquizar corpos e vidas(88 Meneghel SN, Margarites AF. Feminicídio em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil: iniquidades de gênero ao morrer. Cad Saúde Pública. 2017;33(12):e00168516. https://doi.org/10.1590/0102-311x00168516
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). As relações de poder que permeiam a sociedade e as famílias, e que se valem da inferiorização do gênero feminino mediante a supremacia do patriarcado, alimentam a violência de gênero reproduzida contra as mulheres trans. Essa violência pode resultar em assassinatos, estupros, agressões físicas, verbais, psicológicas, sexuais, coerção, ataques em ambientes públicos ou privados, discriminação em locais de trabalho formal, serviços de saúde e instituições de ensino(99 United Nations. Discriminatory laws and practices and acts of violence against individuals based on their sexual orientation and gender identity. General Assembly [Internet]. Geneva: United Nations Human Rights Council; 2011 [cited 2020 Jun 18] Available from: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_English.pdf
https://www.ohchr.org/Documents/Issues/D...
).

A violência de gênero perpetrada contra as mulheres trans nos serviços de saúde ocorre, por vezes, pela reprodução de uma prática assistencial binária e discriminatória, imersa numa estrutura de opressão denominada transfobia institucionalizada. Tais situações contribuem para a assistência dissonante às necessidades em saúde das mulheres trans, bem como para a desconsideração de suas especificidades e favorecimento da não procura por cuidados à saúde(99 United Nations. Discriminatory laws and practices and acts of violence against individuals based on their sexual orientation and gender identity. General Assembly [Internet]. Geneva: United Nations Human Rights Council; 2011 [cited 2020 Jun 18] Available from: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_English.pdf
https://www.ohchr.org/Documents/Issues/D...
).

De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a atenção integral à saúde dessas pessoas no Sistema Único de Saúde (SUS) reconhece que o estigma, a discriminação, a violência doméstica, sexual e social

são causadores de adoecimento e necessitam de estratégias de enfrentamento e cuidado de forma intrassetorial e intersetorial, como consta nas diretrizes e atribuições trazidas pela política no âmbito do Ministério da Saúde e Secretarias Estadual e Municipal de Saúde(1010 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2021 Feb 21]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
).

Diante do exposto, é fundamental que os enfermeiros conheçam as evidências científicas sobre o fenômeno da violência de gênero que permeia a vida das mulheres trans, a fim de exercer a prática coerente com as suas necessidades sociais e de saúde. Destaca-se que a aquisição ou a ampliação de conhecimentos necessários ao cuidado integral à saúde dessas mulheres pode contribuir para a redução de novas situações de violência nos serviços de saúde e possibilitar a visibilização por meio do debate sobre a temática nos espaços sociais e políticos.

OBJETIVOS

Identificar evidências científicas sobre as violências de gênero perpetradas contra as mulheres trans.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Por se tratar de estudo de revisão, não houve necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Tipo de estudo

Trata-se de estudo descritivo, tipo revisão integrativa da literatura, na qual foram seguidas as etapas: identificação do problema da pesquisa; busca na literatura; seleção de dados dos estudos primários, avaliação de estudos primários; análise dos dados, síntese e apresentação dos resultados(1111 Whittemore R, Knafl K. The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs. 2005;52(5):546-53. https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2005.03621.x
https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2005...
).

Procedimento metodológico

A pergunta norteadora foi elaborada por meio da estratégia PICo(1212 Cardoso V, Trevisan I, Cicolella DA, Waterkemper R. Systematic review of mixed methods: method of research for the incorporation of evidence in nursing. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170279. https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0279
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), em que: “P” (população) – mulheres trans; “I” (fenômeno de interesse) – violência de gênero (física, psicológica, sexual); “Co” (contexto) – violência. O uso da estratégia gerou a seguinte pergunta: Quais as evidências científicas sobre a violência de gênero perpetrada contra as mulheres trans?

Para este estudo, foram incluídos os artigos originais, nos idiomas português, inglês ou espanhol, sem recorte temporal. Foram excluídos artigos duplicados, sendo contabilizados uma vez na base com maior número de publicações; artigos que não distinguiam em seus resultados o tipo de violência de gênero contra mulheres trans; as publicações sem editoração científica não indexadas; e a literatura cinzenta (teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, apostilas, anais, portarias e publicações ministeriais).

Coleta e organização dos dados

As buscas nas bases de dados ocorreram em junho de 2020, por dois pesquisadores, por meio do Portal de Periódicos CAPES, com acesso disponibilizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foram elas: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), PsycINFO, Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scopus e a Embase.

Para o acesso aos artigos, foi definida a estratégia de busca única, adaptada de acordo com as especificidades de cada base, como visto no Quadro 1. A estratégia foi constituída por descritores controlados: Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), Medical Subject Headings Section (MeSH) e seus entry terms, separados por lógica booleana, com operadores OR entre os sinônimos e AND para direcionar as buscas.

Quadro 1
Estratégias geradas com uso dos descritores controlados, Recife, Pernambuco, Brasil, 2020

Análise dos dados

A seleção dos artigos primários ocorreu, inicialmente, com a exportação dos estudos das bases de dados ao software gerenciador de referências, Zotero, para a extração dos duplicados(1313 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Use of the bibliographic reference manager in the selection of primary studies in integrative reviews. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170204. https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0204
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,1414 Roy Rosenzweig Center for History. Zotero. George Mason University [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 15]. Available from: https://www.zotero.org/
https://www.zotero.org/...
). Em seguida, a fim de compor o quadro dos artigos incluídos nesta pesquisa, com base nos critérios de elegibilidade, optou-se pela utilização do aplicativo de internet Rayyan Qatar Computing Research Institute – Rayyan QCRI(1515 Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan: a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev. 2016;5:210. https://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4
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). A seleção dos estudos extraídos ocorreu por pares; e, em caso de impasse sobre a inclusão de artigos, houve a participação de um terceiro revisor para estabelecer o consenso.

Os dados extraídos para a análise qualitativa dos artigos tiveram por base um instrumento elaborado e validado(1616 Ursi ES, Galvão CM. Prevenção de lesões de pele no perioperatório: revisão integrativa da literatura. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006;14(1):124-31. https://doi.org/10.1590/S0104-11692006000100017
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) e foram compilados em planilha do Microsoft Excel com a finalidade de apresentação dos itens a seguir: título, autor, ano e país de publicação, periódico, nível de evidência, objetivo e principais resultados. A seleção final da amostra resultou em 16 artigos originais.

Foi considerada a seguinte classificação de níveis de evidência: Nível I – revisão sistemática ou metanálise; Nível II – ensaio clínico randomizado; Nível III – ensaio clínico não randomizado; Nível IV – estudo de coorte ou estudo de caso-controle; Nível V – estudo decorrente de revisão sistemática, de estudo descritivo e qualitativo; Nível VI – estudo derivado de estudo descritivo único ou qualitativo; Nível VII – opinião de especialistas(1717 Fineout-Overholt E, Melnyk BM, et al. Evidence-Based Practice Step by Step: Critical Appraisal of the Evidence: Part I. American Journal of Nursing. 2010; 110(7):47-52. https://doi.org/10.1097/01.NAJ.0000383935.22721.9c
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).

Foram realizadas leituras dos artigos que compuseram a amostra final para identificar os principais elementos sobre a violência de gênero perpetrada contra mulheres trans. Os resultados foram validados pelo grupo de pesquisa com vistas a uma confrontação de conhecimento teórico, expertise e experiência sólida dos pesquisadores quanto ao tipo de análise realizada em articulação com a temática em estudo. A apresentação e a síntese dos resultados foram elaboradas seguindo o modelo do fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA-2009) da Figura 1 e do Quadro 2(1818 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG, The PRISMA Group. Principais itens para relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises: a recomendação PRISMA. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):335-342. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200017
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).

Figura 1
Fluxograma PRISMA-2009 para a seleção de artigos originais incluídos na revisão, Recife, Pernambuco, Brasil, 2020

Quadro 2
Síntese dos artigos incluídos na revisão, Recife, Pernambuco, Brasil, 2020

RESULTADOS

Quanto ao idioma, os 16 artigos (100%) estavam distribuídos: 14 (87,5%), em inglês; 1 (6,25%), em espanhol; e 1 (6,25%), em português. Os países que mais publicaram foram os Estados Unidos da América (EUA), 6 (37,5%); Canadá, 3 (18,75%); México, 3 (18,75%); os demais, Brasil, Colômbia, Costa Rica e Nepal, com 1 (6,25%).

Quanto às instituições onde se realizaram os estudos, foram registradas as correspondentes ao autor principal, sendo dez (62,5%) universidades, três (18,75%) instituições promotoras de pesquisa em saúde, uma (6,25%) instituição de pesquisas em diversas áreas, uma (6,25%) instituição ligada à prevenção e ao combate de crimes e uma (6,25%) não identificada.

O ano que apresentou mais publicações foi 2019, com cinco artigos (31,25%), seguido por 2016, 2017 e 2020 com dois (12,5%) artigos cada ano; os demais anos, com um (6,25%) artigo cada; e um foi publicado em 1995. Os 16 artigos encontrados estavam publicados em 13 periódicos, dos quais 5 (38,46%) eram da área da saúde, 1 (7,69%) era especificamente da Enfermagem, e os demais, das áreas multidisciplinares: Serviço Social, Geografia, Imigração e Violência. Os níveis de evidência identificados foram VI (81,25%) e V (18,75%), divididos em estudos de métodos mistos, descritivos ou qualitativos.

A violência de gênero perpetrada contra as mulheres trans foi abordada sob diversas perspectivas nos 16 (100%) artigos: HIV (25%), contexto social (18,75%), saúde mental (12,5%), acesso a instituições prestadoras de serviços públicos (12,5%), imigração (12,5%), sistema penitenciário (12,5%), direitos humanos (12,5%), trabalho sexual (12,5%) e relacionamentos íntimos (12,5%), por vezes combinando mais de uma perspectiva.

As formas mais referidas de violência foram a sexual (100%); a física, em 12 artigos (75%); a verbal, em 10 artigos (62,5%); a psicológica, em 8 (50%); e a financeira, em 4 artigos (25%). Um artigo apresentou apenas a forma sexual da violência (6,25%), enquanto os demais, mais de uma.

Quanto aos agressores, autoridades policiais foram citadas em seis estudos (37,5%), profissionais de instituições da saúde, em três (18,75%), além de: parceiros íntimos (31,25%); familiares (43,75%); amigos ou conhecidos (18,75%); vizinhos (12,5%); e desconhecidos (43,75%). Não foram relatados os agressores em dois estudos (12,5%).

DISCUSSÃO

As evidências científicas sobre violências de gênero perpetradas contra mulheres trans se apresentaram sob diversas formas e gravidades em vários contextos(1919 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Cases of violence involving transvestites and transsexuals in a northeastern Brazilian city. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e56407. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.56407
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
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,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051...
). É imprescindível destacar que 78,8% dos assassinatos de pessoas transgênero e não conformes de gênero, no mundo, ocorrem na América-Latina e no Caribe, sendo derivados das violências de gênero e da transfobia que oprime e torna abjetas as vidas que afrontam a normatividade de gênero(3434 Malta M, Silva AB, LeGrand S, Whetten K, Wells S. HIV/AIDS, human rights, and transgender people in Latin America. Lancet Public Health. 2019;4(6):e279. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30082-9
https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30...
). Destaca-se, sobretudo, a expectativa de vida dessas pessoas em todo o mundo: 35 anos de idade(3434 Malta M, Silva AB, LeGrand S, Whetten K, Wells S. HIV/AIDS, human rights, and transgender people in Latin America. Lancet Public Health. 2019;4(6):e279. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30082-9
https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30...
).

A violência de gênero imprime à pessoa, em geral à mulher, a imagem distorcida de menor controle e poder sobre si em relação a uma figura dominadora, na maioria das vezes, masculina. Esta última acredita que pode, inclusive, controlar as vidas que julga inferiores, o que, na condição das mulheres trans, causa mais exposição aos agravos sociais e de saúde, como o HIV e outras morbidades(2020 Dayton R, Alvarez B, Morales GJ, Rojas Almonte J, Faccini M, Gomes B, et al. Assessing an inclusive model to increase access to comprehensive gender-based violence response services and improve HIV outcomes in Puerto Plata, Dominican Republic. Cult Health Sex. 2019;22(9):1001-17. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1647556
https://doi.org/10.1080/13691058.2019.16...
,2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
https://doi.org/10.1177/0956462416686722...
,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
https://doi.org/10.1080/13691058.2019.16...
,2727 Leyva-Flores R, Infante C, Gutierrez JP, Quintino-Perez F, Gómez-Saldivar M, Torres-Robles C. Migrants in transit through Mexico to the US: experiences with violence and related factors, 2009-2015. PLoS ONE. 2019;14(8):e0220775. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220775
https://doi.org/10.1371/journal.pone.022...
,2929 Krüsi A, Ranville F, Gurney L, Lyons T, Shoveller J, Shannon K. Positive sexuality: HIV disclosure, gender, violence and the law: a qualitative study. PLoS ONE. 2018;13(8):e0202776. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0202776
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020...
,3232 Martínez DH-R. The other migration: Histories of discrimination of people who lived with HIV in Mexico. Salud Ment [Internet]. 2008 [cited 2020 Aug 14];31(4):253-60. Available from: http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v31n4a2.pdf
http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v3...
,3535 Abreu PD, Araújo EC, Vasconcelos EMR, Moura JWS, Sousa JC, Santos CB. Transexual “womanhood” and the emergence of transfeminism: rhetorics of HIV/AIDS in the light of the queer theory. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180294. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0294
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
). A violência de gênero perpetrada contra as mulheres trans ampara-se no comportamento feminino e na expressão da identidade dessa mulher, perpassando os campos psicológico, verbal, físico, econômico, sexual, familiar e laboral, com agravamento do contexto de exclusão e estigma(3636 Magno L, Dourado I, Silva LAV, Brignol S, Amorim L, MacCarthy S. Gender-based discrimination and unprotected receptive anal intercourse among transgender women in Brazil: A mixed methods study. PLoS ONE. 2018;13(4):e0194306. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0194306
https://doi.org/10.1371/journal.pone.019...
).

Quando mulheres trans sofrem rejeições por causa da sua identidade de gênero, o que pode acontecer desde a infância ou adolescência, no âmbito público ou privado, há a potencialização de contextos marginalizados, da vivência de evasão educacional e precárias condições socioeconômicas(3737 Divan V, Cortez C, Smelyanskaya M, Keatley J. Transgender social inclusion and equality: A pivotal path to development. J Int AIDS Soc. 2016;19. https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20803
https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20803...
). A mulher trans com deficiência física ou algum transtorno mental, e que traz marcadores sociais como raça (pretas) e classe (condição socioeconômica desfavorável), pode ser exposta a mais violência, inclusive perpetradas por serviços de referência para pessoas que tenham experienciado violência sexual, psicológica, doméstica, dependência química ou adoecimento mental. Isso evidencia o racismo e a exclusão social dentro das instituições de cuidados(2222 Kattari SK, Walls NE, Speer SR. Differences in experiences of discrimination in accessing social services among transgender/gender nonconforming individuals by (Dis)Ability. J Soc Work Disabil Rehabil. 2017;16(2):116-40. https://doi.org/10.1080/1536710X.2017.1299661
https://doi.org/10.1080/1536710X.2017.12...
,3232 Martínez DH-R. The other migration: Histories of discrimination of people who lived with HIV in Mexico. Salud Ment [Internet]. 2008 [cited 2020 Aug 14];31(4):253-60. Available from: http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v31n4a2.pdf
http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v3...
).

A mulher trans que convive com o HIV pode enfrentar duplo estigma ao buscar assistência em instituições de saúde de referência, independentemente da sua nacionalidade. Essa situação ocorre em razão de apresentarem a identidade de gênero feminina e de conviverem com o vírus, condição que, muitas vezes, decorre de violências sexuais. As mulheres trans procuram os serviços por acreditarem que podem ter um tratamento conduzido sob princípios de confidencialidade, privacidade e dignidade, mas têm sua sorologia revelada, sendo alvo de perseguições e violência física e simbólica(1919 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Cases of violence involving transvestites and transsexuals in a northeastern Brazilian city. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e56407. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.56407
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
,2020 Dayton R, Alvarez B, Morales GJ, Rojas Almonte J, Faccini M, Gomes B, et al. Assessing an inclusive model to increase access to comprehensive gender-based violence response services and improve HIV outcomes in Puerto Plata, Dominican Republic. Cult Health Sex. 2019;22(9):1001-17. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1647556
https://doi.org/10.1080/13691058.2019.16...
,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
https://doi.org/10.1080/13691058.2019.16...
,2828 Ritterbusch AE. Mobilities at gunpoint: the geographies of (im)mobility of transgender sex workers in Colombia. Ann Am Assoc Geogr. 2016;106(2):422-33. https://doi.org/10.1080/00045608.2015.1113112
https://doi.org/10.1080/00045608.2015.11...
,2929 Krüsi A, Ranville F, Gurney L, Lyons T, Shoveller J, Shannon K. Positive sexuality: HIV disclosure, gender, violence and the law: a qualitative study. PLoS ONE. 2018;13(8):e0202776. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0202776
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020...
,3232 Martínez DH-R. The other migration: Histories of discrimination of people who lived with HIV in Mexico. Salud Ment [Internet]. 2008 [cited 2020 Aug 14];31(4):253-60. Available from: http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v31n4a2.pdf
http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v3...
). A violência de gênero praticada nos serviços de saúde é uma condição que impele as mulheres trans a cuidados negligenciados, retardo a tratamentos básicos e potencialização às desigualdades em saúde(3434 Malta M, Silva AB, LeGrand S, Whetten K, Wells S. HIV/AIDS, human rights, and transgender people in Latin America. Lancet Public Health. 2019;4(6):e279. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30082-9
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).

A mulher trans pode ser inserida num contexto de exposição ao HIV intimamente ligado à violência, o qual pode acompanhá- -la desde o início da adolescência e percorrer todas as fases da vida. Essa exposição ao vírus e a outros agravos pode se dar pela iniciação sexual forçada e pela rejeição familiar e social à sua identidade, o que a impulsiona ao trabalho sexual como meio de sobrevivência. Este último também pode ser o causador de mais agressões e extorsões, provenientes de clientes e/ou rufiões(1919 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Cases of violence involving transvestites and transsexuals in a northeastern Brazilian city. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e56407. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.56407
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
,2020 Dayton R, Alvarez B, Morales GJ, Rojas Almonte J, Faccini M, Gomes B, et al. Assessing an inclusive model to increase access to comprehensive gender-based violence response services and improve HIV outcomes in Puerto Plata, Dominican Republic. Cult Health Sex. 2019;22(9):1001-17. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1647556
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,2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
https://doi.org/10.1177/0956462416686722...
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https://doi.org/10.1177/0886260519829763...
,2424 Swan LET, Henry RS, Smith ER, Aguayo Arelis A, Rabago Barajas BV, Perrin PB. Discrimination and intimate partner violence victimization and perpetration among a convenience sample of LGBT Individuals in Latin America. J Interpers Violence. 2021;36(15-16):NP8520-NP8537. https://doi.org/10.1177/0886260519844774
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,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
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,2626 Namaste K. Genderbashing: sexuality, gender, and the regulation of public space. Environ Plan Soc Space [Internet]. 1996 [cited 2020 Aug 14];14(2):221-40. Available from: https://chisineu.files.wordpress.com/2013/03/genderbashing1.pdf
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,2727 Leyva-Flores R, Infante C, Gutierrez JP, Quintino-Perez F, Gómez-Saldivar M, Torres-Robles C. Migrants in transit through Mexico to the US: experiences with violence and related factors, 2009-2015. PLoS ONE. 2019;14(8):e0220775. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220775
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,2929 Krüsi A, Ranville F, Gurney L, Lyons T, Shoveller J, Shannon K. Positive sexuality: HIV disclosure, gender, violence and the law: a qualitative study. PLoS ONE. 2018;13(8):e0202776. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0202776
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,3030 Pineda Neisa AS, Durán Chavarría D. Progress and challenges in the Costa Rican penitentiary system on the specific needs of LGBTI persons deprived of liberty. J Criminol Res Policy Pract. 2020;6(3):243-54. https://doi.org/10.1108/JCRPP-02-2020-0024
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https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

A exposição ao HIV também pode derivar de agressões por desconhecidos, relações sexuais com múltiplos parceiros, contexto prisional e até mesmo por abuso policial ou de outros prestadores de serviços. Pode-se acrescentar, ainda, o contexto da migração ilegal, no qual a suscetibilidade à violência sexual é extrema, assim como o medo de serem assassinadas durante os atos de violência, o que as coíbe de solicitar o uso de preservativos e de buscar amparo legal e de saúde(1919 Silva GWS, Souza EFL, Sena RCF, Moura IBL, Sobreira MVS, Miranda FAN. Cases of violence involving transvestites and transsexuals in a northeastern Brazilian city. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e56407. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.02.56407
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
,2020 Dayton R, Alvarez B, Morales GJ, Rojas Almonte J, Faccini M, Gomes B, et al. Assessing an inclusive model to increase access to comprehensive gender-based violence response services and improve HIV outcomes in Puerto Plata, Dominican Republic. Cult Health Sex. 2019;22(9):1001-17. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1647556
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,2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
https://doi.org/10.1177/0956462416686722...
,2222 Kattari SK, Walls NE, Speer SR. Differences in experiences of discrimination in accessing social services among transgender/gender nonconforming individuals by (Dis)Ability. J Soc Work Disabil Rehabil. 2017;16(2):116-40. https://doi.org/10.1080/1536710X.2017.1299661
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,2323 Anderson RE, Tarasoff LA, VanKim N, Flanders C. Differences in Rape Acknowledgment and Mental Health Outcomes Across Transgender, Nonbinary, and Cisgender Bisexual Youth. J Interpers Violence. 2021;36(13-14):NP7717-NP7739. https://doi.org/10.1177/0886260519829763
https://doi.org/10.1177/0886260519829763...
,2424 Swan LET, Henry RS, Smith ER, Aguayo Arelis A, Rabago Barajas BV, Perrin PB. Discrimination and intimate partner violence victimization and perpetration among a convenience sample of LGBT Individuals in Latin America. J Interpers Violence. 2021;36(15-16):NP8520-NP8537. https://doi.org/10.1177/0886260519844774
https://doi.org/10.1177/0886260519844774...
,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
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,2727 Leyva-Flores R, Infante C, Gutierrez JP, Quintino-Perez F, Gómez-Saldivar M, Torres-Robles C. Migrants in transit through Mexico to the US: experiences with violence and related factors, 2009-2015. PLoS ONE. 2019;14(8):e0220775. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220775
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,2929 Krüsi A, Ranville F, Gurney L, Lyons T, Shoveller J, Shannon K. Positive sexuality: HIV disclosure, gender, violence and the law: a qualitative study. PLoS ONE. 2018;13(8):e0202776. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0202776
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https://doi.org/10.1080/13691058.2010.52...
,3232 Martínez DH-R. The other migration: Histories of discrimination of people who lived with HIV in Mexico. Salud Ment [Internet]. 2008 [cited 2020 Aug 14];31(4):253-60. Available from: http://www.scielo.org.mx/pdf/sm/v31n4/v31n4a2.pdf
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,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051...
,3535 Abreu PD, Araújo EC, Vasconcelos EMR, Moura JWS, Sousa JC, Santos CB. Transexual “womanhood” and the emergence of transfeminism: rhetorics of HIV/AIDS in the light of the queer theory. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180294. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0294
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
).

Práticas sexuais (oral e anal) não consentidas e desprotegidas atravessam as vidas das mulheres trans em vários cenários, de modo insertivo ou receptivo, independentemente de trabalho sexual, como modo de afirmação da inferioridade feminina e do controle masculino. Geralmente, são acompanhadas por agressões verbais, intimidações, ameaças, espancamentos e extorsões(2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
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,3535 Abreu PD, Araújo EC, Vasconcelos EMR, Moura JWS, Sousa JC, Santos CB. Transexual “womanhood” and the emergence of transfeminism: rhetorics of HIV/AIDS in the light of the queer theory. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180294. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0294
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).

O medo de retaliações ao denunciar situações de violências, ou estigmatizações e mais violência ao procurar apoio, silencia as mulheres trans, produzindo sofrimento e adoecimentos mentais e psicológicos como depressão, transtorno do estresse pós-traumático, ideações suicidas, além de favorecer maior exposição às infecções sexualmente transmissíveis(2323 Anderson RE, Tarasoff LA, VanKim N, Flanders C. Differences in Rape Acknowledgment and Mental Health Outcomes Across Transgender, Nonbinary, and Cisgender Bisexual Youth. J Interpers Violence. 2021;36(13-14):NP7717-NP7739. https://doi.org/10.1177/0886260519829763
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,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
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).

Pessoas trans possuem o dobro de possibilidade de serem agredidas ao longo da vida em comparação às pessoas cisgênero, com especial atenção para a violência sexual e violência por parceiros íntimos; e apresentam 90% a 100% de chances de vivenciarem eventos traumáticos(3838 Shipherd JC, Berke D, Livingston NA. Trauma recovery in the transgender and gender diverse community: extensions of the minority stress model for treatment planning. Cogn Behav Pract. 2019;26(4):629-46. https://doi.org/10.1016/j.cbpra.2019.06.001
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). Contudo, também podem viver a bidirecionalidade da violência na relação, na qual assumem a função de perpetradoras(2424 Swan LET, Henry RS, Smith ER, Aguayo Arelis A, Rabago Barajas BV, Perrin PB. Discrimination and intimate partner violence victimization and perpetration among a convenience sample of LGBT Individuals in Latin America. J Interpers Violence. 2021;36(15-16):NP8520-NP8537. https://doi.org/10.1177/0886260519844774
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). Vale salientar que a violência de gênero praticada por parceiros íntimos contra mulheres trans é agravada pelo uso abusivo de álcool e substâncias psicoativas. Dentre as agressões mais prevalentes, estão, em maior grau de ocorrência, a agressão psicológica, seguida da agressão física e coerção sexual(2424 Swan LET, Henry RS, Smith ER, Aguayo Arelis A, Rabago Barajas BV, Perrin PB. Discrimination and intimate partner violence victimization and perpetration among a convenience sample of LGBT Individuals in Latin America. J Interpers Violence. 2021;36(15-16):NP8520-NP8537. https://doi.org/10.1177/0886260519844774
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).

O medo da estigmatização, da discriminação e do descrédito, por parte das autoridades, ao relatar a violência por parceiros íntimos(3737 Divan V, Cortez C, Smelyanskaya M, Keatley J. Transgender social inclusion and equality: A pivotal path to development. J Int AIDS Soc. 2016;19. https://doi.org/10.7448/IAS.19.3.20803
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) resulta em baixa procura pelos serviços nos quais a enfermagem desempenha papel importante na promoção da saúde e na prevenção de agravos em decorrência da violência, como o HIV e outras morbidades.

Muitas mulheres trans se veem obrigadas a abandonarem seus recintos ainda no início da adolescência devido a fatores como discriminação, preconceitos, rejeições, violências física e mental, relações abusivas cometidas por familiares. Além disso, podem fugir de casa ou de cidades por sofrerem ameaças à sua vida e à da sua família, provenientes de grupos de transgressores da lei ou gangues, ou mesmo para fugir de casamentos forçados, nos quais teriam que assumir papéis masculinos para contribuir com a economia familiar(2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
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,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
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,2626 Namaste K. Genderbashing: sexuality, gender, and the regulation of public space. Environ Plan Soc Space [Internet]. 1996 [cited 2020 Aug 14];14(2):221-40. Available from: https://chisineu.files.wordpress.com/2013/03/genderbashing1.pdf
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,2727 Leyva-Flores R, Infante C, Gutierrez JP, Quintino-Perez F, Gómez-Saldivar M, Torres-Robles C. Migrants in transit through Mexico to the US: experiences with violence and related factors, 2009-2015. PLoS ONE. 2019;14(8):e0220775. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220775
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,2828 Ritterbusch AE. Mobilities at gunpoint: the geographies of (im)mobility of transgender sex workers in Colombia. Ann Am Assoc Geogr. 2016;106(2):422-33. https://doi.org/10.1080/00045608.2015.1113112
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,3131 Wilson E, Pant SB, Comfort M, Ekstrand M. Stigma and HIV risk among Metis in Nepal. Cult Health Sex. 2011;13(3):253-66. https://doi.org/10.1080/13691058.2010.524247
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,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
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).

O trabalho sexual pode surgir como meio de sobrevivência, sendo-lhes possível receber o apoio de outras mulheres trans, entretanto pode ocorrer o cerceamento policial a essa atividade, devido à identidade de gênero; e elas também podem ser vítimas de agressões provenientes de clientes(2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
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,2525 Rahill GJ, Joshi M, Galea J, Ollis J. Experiences of sexual and gender minorities in an urban enclave of Haiti: despised, beaten, stoned, stabbed, shot and raped. Cult Health Sex. 2020;22(6):690-704. https://doi.org/10.1080/13691058.2019.1628305
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,2828 Ritterbusch AE. Mobilities at gunpoint: the geographies of (im)mobility of transgender sex workers in Colombia. Ann Am Assoc Geogr. 2016;106(2):422-33. https://doi.org/10.1080/00045608.2015.1113112
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,3131 Wilson E, Pant SB, Comfort M, Ekstrand M. Stigma and HIV risk among Metis in Nepal. Cult Health Sex. 2011;13(3):253-66. https://doi.org/10.1080/13691058.2010.524247
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,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
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). Quanto mais condições para exclusão social existirem na vida das mulheres trans, como pobreza, racismo e baixa escolaridade, mais frequentes serão as violências(3939 Puckett JA, DuBois LZ, McNeill JN, Hanson C. The Association between Social Dominance Orientation, Critical Consciousness, and Gender Minority Stigma. J Homosex. 2020;67(8):1081-96. https://doi.org/10.1080/00918369.2019.1603493
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).

Quando mulheres trans estão em situação de privação de liberdade, são lotadas em penitenciárias masculinas e ficam suscetíveis tanto às agressões provenientes de outras pessoas privadas de liberdade, quanto advindas de funcionários da instituição( 30). No contexto da privação de liberdade, as agressões verbais ocorrem em maior frequência contra as mulheres trans. Os estupros e favores sexuais também são relatados, assim como chantagens e exploração do trabalho sexual; além disso, seus corpos são vistos como transporte para itens proibidos, como substâncias psicoativas e dispositivos de telefonia, o que as torna alvo de abordagens mais agressivas pelas autoridades policiais(3030 Pineda Neisa AS, Durán Chavarría D. Progress and challenges in the Costa Rican penitentiary system on the specific needs of LGBTI persons deprived of liberty. J Criminol Res Policy Pract. 2020;6(3):243-54. https://doi.org/10.1108/JCRPP-02-2020-0024
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).

As abordagens policiais direcionadas às mulheres trans em países como Nepal, Índia, Colômbia e México têm se mostrado hostis e transgressoras, com referências a perseguições, estupros, espancamentos, ameaças, coação, prisões indevidas e controle sobre o deslocamento dessas mulheres(2121 Salazar LF, Crosby RA, Jones J, Kota K, Hill B, Masyn KE. Contextual, experiential, and behavioral risk factors associated with HIV status: a descriptive analysis of transgender women residing in Atlanta, Georgia. Int J STD AIDS. 2017;28(11):1059-66. https://doi.org/10.1177/0956462416686722
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https://doi.org/10.1080/00045608.2015.11...
,3131 Wilson E, Pant SB, Comfort M, Ekstrand M. Stigma and HIV risk among Metis in Nepal. Cult Health Sex. 2011;13(3):253-66. https://doi.org/10.1080/13691058.2010.524247
https://doi.org/10.1080/13691058.2010.52...
,3333 Thompson LH, Dutta S, Bhattacharjee P, Leung S, Bhowmik A, Prakash R, et al. Violence and mental health among gender-diverse individuals enrolled in a human immunodeficiency virus program in Karnataka, South India. Transgender Health. 2019;4(1):316-25. https://doi.org/10.1089/trgh.2018.0051
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).

As mulheres trans privadas de liberdade, em geral, têm suas redes de apoio frágeis, o que resulta na dificuldade para continuar a hormonização e para receber a assistência à saúde, favorecendo a manutenção de situações de violência(99 United Nations. Discriminatory laws and practices and acts of violence against individuals based on their sexual orientation and gender identity. General Assembly [Internet]. Geneva: United Nations Human Rights Council; 2011 [cited 2020 Jun 18] Available from: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/A.HRC.19.41_English.pdf
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). Porém, muitas agressões e maus-tratos não são denunciados em decorrência do medo de retaliações e da interação histórica fragilizada com as autoridades policiais(3939 Puckett JA, DuBois LZ, McNeill JN, Hanson C. The Association between Social Dominance Orientation, Critical Consciousness, and Gender Minority Stigma. J Homosex. 2020;67(8):1081-96. https://doi.org/10.1080/00918369.2019.1603493
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), como já foi apontado. O cuidado em saúde nesse ambiente é voltado para a prática curativa e urgente, o que requer do profissional da saúde um olhar perspicaz e livre de discriminação a fim de identificar as necessidades em saúde dessas mulheres.

As instituições representantes do Estado destinadas a proteger e a cuidar das vidas de toda a população apresentam e mantêm matrizes no binarismo de gênero, com ações insuficientes, desequilibradas e equivocadas para atender às necessidades das pessoas fora dessa estrutura binária. Isso revela que é urgente a necessidade de aquisição de conhecimentos e a realização de treinamentos, sobretudo na área da saúde, voltados às especificidades das mulheres trans(4040 Langenderfer-Magruder L, Walls NE, Kattari SK, Whitfield DL, Ramos D. Sexual victimization and subsequent police reporting by gender identity among lesbian, gay, bisexual, transgender, and queer adults. Violence Vict. 2016;31(2):320-31. https://doi.org/10.1891/0886-6708.VV-D-14-00082
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).

Desse modo, não se pode prescindir do papel da Enfermagem na busca pelo conhecimento com foco no cuidado integral e na promoção da saúde das pessoas trans, que deve começar na formação acadêmica desse profissional, ainda nas instituições de ensino. Além disso, é preciso fortalecer a discussão por meio de pesquisas, ações de prevenção a agravos, escuta qualificada, consulta individualizada ou procedimentos de urgência. É necessário que seja entregue às mulheres trans um cuidado emancipador, pautado no respeito à vida e livre de negligências em todas as esferas do cuidado(3535 Abreu PD, Araújo EC, Vasconcelos EMR, Moura JWS, Sousa JC, Santos CB. Transexual “womanhood” and the emergence of transfeminism: rhetorics of HIV/AIDS in the light of the queer theory. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180294. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0294
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).

Limitações do estudo

Os estudos que abordaram condições relacionadas à violência de gênero contra a mulher trans, de forma inespecífica, associadas a outras identidades de gênero e orientações sexuais não foram considerados viáveis para esta revisão, o que pode ter limitado a amostra final.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

A Enfermagem (e demais Ciências da saúde) deve visualizar a violência de gênero como um problema de saúde pública e buscar compreender os contextos envolvidos a fim de adotar ações respaldadas nas necessidades urgentes e mediatas em saúde, derivadas de situações de violência às mulheres trans. Revela-se importante que o enfermeiro adquira conhecimentos da área forense que sejam suficientes para colaborar na busca pela justiça e nas situações sociais excludentes vivenciadas pelas mulheres trans, vítimas de violência física e sexual(4141 Du Mont J, Kosa SD, Solomon S, Macdonald S. Assessment of nurses’ competence to care for sexually assaulted trans persons: a survey of Ontario’s Sexual Assault/Domestic Violence Treatment Centres. BMJ. 2019;9(5):e023880. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-023880
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).

CONCLUSÕES

As evidências científicas suscitam que a violência de gênero que atinge as mulheres trans está presente de modo global e sob diversas formas em várias culturas. Foram identificadas as faces da violência de gênero verbal, psicológica, física e sexual perpetradas contra mulheres trans, praticadas por familiares, parceiros íntimos, vizinhos, policiais, prestadores de cuidados de saúde, clientes e desconhecidos. A mulher trans vivencia exclusões sociais e sucessivas violências que decorrem de estigmas e discriminações devido à sua identidade de gênero e que resultam em danos à saúde, podendo até mesmo causar a morte.

A violência de gênero contra as mulheres trans denota um grave problema de saúde pública que precisa ter visibilidade em todas as esferas da sociedade. É necessário, portanto, que os enfermeiros e demais profissionais da saúde, desde o início da sua formação até a sua prática profissional, conheçam e discutam a violência de gênero perpetrada contra elas. O conhecimento adquirido, ou ampliado por meio da educação permanente, pode proporcionar aos profissionais da saúde ferramentas para colaborar com o enfrentamento da violência. Esse enfrentamento pode se dar por meio de construção de ações de prevenção e promoção da saúde, que devem ocorrer de forma interdisciplinar em todos os cenários do cuidado.

Por fim, ressalta-se que são necessárias pesquisas sobre o tema, sobretudo empíricas, no âmbito da Enfermagem, que objetivem a compreensão dos mecanismos de representação social das mulheres trans sobre a violência de gênero, a fim de promover uma prática equitativa e humanizada.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2021
  • Aceito
    08 Jun 2021
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